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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP LEILA NAZARETH

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Academic year: 2018

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

LEILA NAZARETH

Discursos sobre creche na revista Pais e Filhos:

Análise da ideologia

DOUTORADO EM PSICOLOGIA SOCIAL

SÃO PAULO

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Leila Nazareth

Discursos sobre a creche na revista Pais e Filhos:

análise da ideologia

DOUTORADO EM PSICOLOGIA SOCIAL

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de Doutor em Psicologia Social sob a orientação da Profª Drª Fúlvia Rosemberg.

São Paulo

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Banca Examinadora

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Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta tese, por processos de fotocopiadora ou eletrônicos.

São Paulo, 31 de março de 2011.

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RESUMO

Esta tese compartilha de um dos objetivos gerais do NEGRI – Núcleo de Estudos de Gênero, Raça e Idade do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP, qual seja, contribuir para a compreensão da construção social da infância brasileira. No específico, foram estudados discursos sobre o bebê, sua educação e cuidado, a creche, em particular, produzidos e veiculados pela revista Pais e Filhos, analisando 40 anos de publicação.

O campo teórico foi constituído com a integração da teoria de ideologia de John B. Thompson (1995) e os estudos sobre a construção de problemas sociais. As teorias de gênero e os estudos sociais sobre a infância contribuíram para a construção do objeto. A metodologia para a análise da produção simbólica de Pais e Filhos foi a hermenêutica de profundidade (John B. Thompson, 1995), aliada a técnicas de análise de conteúdo (Bardin, 1988).

Os resultados apontam para um silêncio em torno do tema criança pequena e espaço público, o que pode ser interpretado como uma estratégia de operação da ideologia, atuando na conservação das desigualdades etárias. Bebês e crianças pequenas são apresentados como frágeis e desprotegidos e sua invisibilidade no espaço público, tema central nesta tese, é muito pouco debatida. O discurso estruturado de forma sedutora, reproduzindo a conversa de uma amiga foi identificado como mais uma estratégia de operação da ideologia dentro do modo de operação dissimulação.

A creche é apresentada como uma alternativa viável para a mulher que a considere como a melhor opção. Mesmo quando a reportagem incentiva o uso dessa opção, o texto apresenta temores associados à fragilidade do bebê e à capacidade da instituição acolhê-lo.

Os discursos produzidos e veiculados por Pais e Filhos podem ser interpretados como agentes da sustentação das relações de dominação de gênero e idade, pouco contribuindo para a alteração de um cenário de desigualdades em relação à mulher e à criança pequena.

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ABSTRACT

This thesis shares one of the general purposes of NEGRI – Núcleo de Estudos de Gênero, Raça e Idade, of the Post-Graduated Studies Program in Social Psychology of the PontifíciaUniversidadeCatólica de São Paulo – PUCSP (Pontificial Catholic University of São Paulo), that is, to contribute to the understanding of the social construction of the Brazilian childhood. Specifically, the object of the study were the discourses about the baby, its education and care, in particular, produced and published by the magazine Pais e Filhos (Parents and Children), with the analysis of 40 years of the publication.

The theoretical field was constituted with the integrations of John B. Thompson’s theory of ideology (1995) and the studies about the construction of social problems. The theories of gender and the social studies about childhood contributed to the construction of the object. The methodology for the analysis of the symbolic production of Pais e Filhos was the depth hermeneutics (John B. Thompson, 1995), associated to techniques of analysis of content (Bardin, 1988).

The results point to a silence about the theme small child and public space, which can be interpreted as an operation strategy of the ideology, acting in the maintenance of age inequalities. Babies and small children are presented as fragile and unprotected and their invisibility in public space, central theme of this thesis, is very little debated. The discourse, structured in a seducing way, reproducing a conversation with a friend, was identified as one more operation strategy of the ideology in the operation mode dissimulation.

Day care centers are presented as a viable alternative so women consider them as the best option. Even when the reports encourage the use of this option, the text presents fears associated to the baby’s fragility and to the aptitude of the institution to shelter it.

The discourses that were produced and published by Pais e Filhos can be interpreted as agents of the support of domination relations of gender and age, contributing little to the modification of a inequalities scenario in relation to women and small children.

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AGRADECIMENTOS

Uma tese é um sonho compartilhado. Sua conclusão também merece ser compartilhada com aquelas e aqueles que tornaram o projeto possível.

A meu pai, Rubens Lopes Nazareth, in memoriam, pelo incentivo a meu

desenvolvimento intelectual e profissional.

A minha mãe, Ignez Cerutti Nazareth, pelo incentivo e torcida pela conclusão da tese.

A minha orientadora, Profª. Drª. Fúlvia Rosemberg, pela orientação atenta, precisa e paciente e todo incentivo durante os anos turbulentos de confecção desta tese.

À banca de qualificação, pela leitura atenta e orientações preciosas, além da prontidão para acolher uma demanda tardia.

À banca de defesa pela disponibilidade de compartilhar comigo este momento crítico e criativo.

À CAPES, pelo apoio que viabilizou um melhor aproveitamento desta etapa de minha vida.

Aos professores do Programa de Estudos Pós – Graduados em Psicologia Social da PUC-SP, pela formação, atualização e revisão crítica da área.

A minha irmã, Haila Lia Nazareth, pela revisão do texto e tradução do resumo. A Carmem Sussel Mariano, pelo acolhimento em Curitiba, e acompanhamento na busca das revistas de Puericultura. Sem você, a localização das revistas seria uma tarefa quase impossível.

Aos colegas do NEGRI, do passado e do presente, pelo coleguismo e trabalho em equipe.

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A Yoko Sumida Nakaema, pela generosidade em doar vasta bibliografia sobre educação de crianças pequenas.

Aos colegas docentes do Instituto Sedes Sapientiae e da Faculdade Paulista de Artes, com quem pude compartilhar angústias e acertos.

Ao IVC – Instituto Verificador de Circulação, pelo atendimento no envio dos dados sobre circulação dos periódicos.

À Marlene, secretária do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social, pelo apoio logístico nos momentos cruciais do processo.

A todos os amigos e amigas que me escutaram nas crises, incentivaram e acreditaram que este era um sonho possível.

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SIGLAS

ANCED – Associação Nacional dos Centros de Defesa da Criança e do Adolescente

ANPED – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação BM – Banco Mundial

CDC – Convenção de Direitos da Criança CLT – Consolidação das Leis do Trabalho DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda DNCr – Departamento Nacional da Criança ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente EI – Educação Infantil

FUNDEB – Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais e de Educação

FUNDEF - Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização dos Profissionais de Educação

FMI – Fundo Monetário Internacional

Fórum DCA – Fórum Nacional Permanente das Entidades Não Governamentais de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente HP – Hermenêutica da Profundidade

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IVC – Instituto Verificador de Circulação

LBA – Legião Brasileira de Assistência LDB – Lei de Diretrizes e Bases

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MES – Ministério de Educação e Saúde

MIEIB – Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil MOBRAL – Movimento Brasileiro de Alfabetização

NEGRI – Núcleo de Estudos de Gênero, Raça e Idade ONG – Organização Não Governamental

ONU – Organização das Nações Unidas

PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio PNE – Plano Nacional de Educação

PUC – SP – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo UI – Unidade de Informação

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Sumário

PRÓLOGO ... 1

CAPÍTULO 1 – Objeto, teoria e método ... 7

1.1 - A construção do objeto de pesquisa ... 7

1.1.1 – Um olhar sobre o cuidado: o aporte das teóricas feministas ... 8

1.2 - Estudos Sociais sobre a Infância ... 15

1.3 – A construção dos problemas sociais ... 28

1.4 – Teoria de Ideologia de John B. Thompson (1995) ... 34

1.4.1– A centralidade dos meios de comunicação de massa nas sociedades modernas ... 34

1.4.2– O conceito de ideologia ... 38

1.4.3– A concepção de cultura de John B. Thompson (1995) ... 41

1.4.4– Modos de operação da ideologia ... 43

1.5 -A hermenêutica de profundidade: uma metodologia para a análise da ideologia ... 45

CAPÍTULO 2 - Contexto sócio-histórico ... 50

2.1 – Cuidados extra-domiciliares de crianças pequenas: a creche e a educação infantil ... 50

2.2 - Higienistas, puericultores e obstetras: a ação normalizadora da Medicina sobre a mulher mãe e seu filho ... 59

2.3 - A mídia no momento atual ... 69

2.3.1 - Mídia e infância ... 77

2.3.2 - A imprensa feminina... 79

CAPÍTULO 3 - A Revista Pais e Filhos: análise discursiva ... 95

3.1 – Breve apresentação ... 95

3.2 - A constituição do corpus ... 108

3.3 - A localização da produção simbólica analisada ... 110

3.3.1 - Procedimentos para a análise discursiva ... 111

3.4 – Análise Discursiva - Resultados ... 113

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 136

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 138

ANEXOS ... 155

(12)

Manual 3 – Personagem bebê/criança pequena ... 165

Manual 4 – Fotografia ... 169

QUADROS ... 173

Quadro 1. Alguns modos de operação da ideologia e estratégias de construção simbólica* ... 174

Quadro 2 - Revistas ordenadas por natureza das publicações ativas– 2007 ... 175

Quadro 3 - Síntese dos manuais e categorias de análise ... 176

Quadro 4 - Princípios éticos propostos por Andrade e Rosemberg (2004) ... 177

Quadro 5 – Autores e matérias assinadas ... 178

Quadro 6 – Matérias em ordem de publicação ... 180

TABELAS ... 182

Tabela 1: Tiragem de revistas de Puericultura ... 183

Tabela 2 - Distribuição de UIs por ano ... 183

Tabela 3 – Frequência de UIs por década ... 184

Tabela 4 - Média de páginas por década ... 184

Tabela 5 - Distribuição das UIs por mês de publicação ... 184

Tabela 6 – Área de atuação dos autores por década ... 184

Tabela 7 - Autoria por sexo ... 185

Tabela 8 - Área de atuação dos consultores por década ... 185

Tabela 9 – Título e Creche ... 185

Tabela 10 – Gênero jornalístico ... 186

Tabela 11 - Melhor cuidado do bebê/ criança pequena ... 186

Tabela 12 - Índice de indeterminação no tema educação e cuidados de crianças pequenas ... 187

Tabela 13 – Tipos de personagens ... 187

Tabela 14 – Cor/raça nas fotos por período ... 188

Tabelas 15 e 16 – Distribuição de Cor/raça ... 189

Tabela 17 – Fotografias: Crianças por sexo por período ... 190

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PRÓLOGO

A pesquisa, que dá base à presente tese de doutorado, vincula-se a um dos objetivos gerais do NEGRI, Núcleo de Estudos de Gênero, Raça e Idade do Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC-SP, isto é: contribuir para a compreensão da construção social da infância no Brasil. No específico, propus-me a descrever e interpretar discursos sobre Educação Infantil (EI) produzidos e veiculados pela mídia – revista Pais e Filhos - que abordam a educação e o cuidado de crianças pequenas, especialmente os bebês. Tais discursos foram interpretados à luz da teoria sobre ideologia formulada por John B. Thompson (1995), com o apoio dos estudos sobre a construção de problemas sociais.

Esta tese integra um projeto coletivo de pesquisas desenvolvidas pelo NEGRI, em sua segunda fase. Na primeira, foi abordado o tratamento dado pela mídia escrita, especificamente o jornal Folha de S. Paulo, a temáticas relativas à infância que foram alçadas à condição de problemas sociais, no período de 1980 até 2000. A pesquisa inaugural foi a tese de doutorado de Leandro F. Andrade abordando o tema “prostituição infanto-juvenil”, defendida em 2001 (Andrade, 2004). Seguiram-se, no ano de 2004, a tese de doutorado de Rosangela R.Freitas sobre “trabalho infanto-juvenil” e a minha dissertação de mestrado sobre “gravidez na adolescência” (NAZARETH, 2004). Na continuidade, Marcelo P. Andrade (2005) defendeu tese de doutorado sobre o tema “meninos de rua” e, em 2008, Vanessa Bizzo apresentou a dissertação de mestrado sobre o tema “aborto associado à infância”.

Debruçamo-nos sobre temas dramáticos que prendem a atenção pública. Pudemos apreender que as políticas públicas voltadas à infância e adolescência tendem a focalizar principalmente as situações ditas “de risco” ou os “comportamentos desviantes”. A mídia, como ator privilegiado1 nessa arena, contribuiu para a sustentação desse enfoque.

1 O termo

(14)

Nos casos estudados nas teses e dissertações, destacamos, no discurso da mídia, a opção por um estilo sensacionalista. As matérias tratavam de casos individuais, divulgando o exótico e inusitado, ao trazer para os centros urbanos situações ocorridas em pequenas cidades, envolvendo famílias extremamente pobres e adolescentes muito jovens. Nas matérias que analisei (NAZARETH, 2004), a personagem adolescente grávida, por exemplo, foi apartada de seu contexto de vida, raramente teve voz para se expressar, mas teve seu nome, rosto e corpo divulgados, expondo, assim, sua identidade civil, a exemplo do que já havia sido apreendido por Andrade (2004) no que concerne à retórica a respeito do tema prostituição infanto-juvenil. As famílias pobres foram apresentadas ao público do jornal, via de regra, como incapazes de cuidar de seus filhos e filhas2, enquanto que o papel do Estado, com relação a tais situações, foi muito pouco abordado.

Nesta segunda fase das pesquisas, focalizamos nossos estudos sobre “os invisíveis”: o bebê, sua educação e cuidado, discutindo como os discursos de diversos atores sociais tratam desse tempo social – pequeníssima infância – quando projetado ao espaço público. As pesquisas do NEGRI buscam dar voz aos invisíveis, silenciados em torno dos diversos eixos de desigualdade que caracterizam a sociedade brasileira. Daí a linha de pesquisa a respeito dos discursos sobre o bebê, sua educação e cuidado.

Na escuta das mães,Lima (2004) deu início à pesquisa sobre demanda por educação infantil (EI), analisando principalmente discursos de mulheres mães de pouca escolaridade e renda. Galvão (2008) estudou discursos de homens pais de camadas médias e Laviola (2010) analisou os discursos de mulheres mães de classe média e instrução superior. As três autoras chegaram a resultados semelhantes, dos quais destaco a pouca mobilização por questões relacionadas a políticas públicas que contemplem os bebês e seus direitos, tais como o acesso a creches. As mães e pais entrevistados,além de terem optado por cuidar e educar seus bebês no espaço intra-familiar, compartilham de uma visão de que o bebê seria frágil e desprotegido,

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necessitando de atenção e carinho, o que não poderia ser oferecido pelas creches. Tais resultados apontam para a hipótese de que as creches, principalmente as públicas, parecem constituir um espaço estigmatizado, associado a atividades de baixa qualidade, ou mesmo, maus tratos das crianças, numa fase da vida associada à idéia de fragilidade.

Esta tese inspira-se, ainda, no trabalho pioneiro de Sílvia Rosenbaum (1998), que abriu a pesquisa sobre ideologia e mídia, analisando os discursos sobre paternidade produzidos e veiculados pela revista Pais e Filhos. A autora buscou apreender em tais discursos as transformações na imagem de pai ao longo dos, então, 28 anos de publicação do referido periódico.Os resultados apontaram para uma tensão entre transformação e permanência.A estrutura bastante fixa da revista ao longo dos anos, o universo branco de classe média nela representado, a sustentação das relações de gênero “tradicionais” falam da permanência. Já as mudanças aparecem ainda insinuadas em algumas matérias que propõem um modelo de pai participativo na rotina do bebê. A transformação de maior destaque, para Rosenbaum (1998), ocorreu na imagem do bebê/feto, dotado de vida psíquica, capaz de desencadear a transformação do pai tradicional no novo pai, cuidador atento às necessidades desse filho. É a partir da constelação do novo bebê que o novo pai é constelado.

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número suficiente para atender à crescente exigência de trabalho fora do ambiente doméstico das mães desses bebês.

A pesquisa de Rosenbaum (1998) sugere que a nova imagem de bebê produzida e veiculada pela revista Pais e Filhossitua-se preponderantemente no espaço da vida privada. O problema político que está em análise nesta tese é o “descaso”com o qual a educação e o cuidado dedicados às crianças pequenas em espaços públicos, até 3 anos de idade, verificado a partir de dados quantitativos de cobertura (IBGE,2009 apudLAVIOLA, 2010):18,1% para

as creches e 79,8% para a pré-escola, que recebe crianças de 4 e 5 anos de idade. Isto é, apesar da tentativa de integração de creches e pré-escolas em uma única etapa da educação básica, a EI, nota-se uma discriminação etária interna, pela expansão da cobertura, pelo tipo de atendimento e pelo perfil do usuário. A creche, com 18,1% de cobertura e um serviço avaliado, muitas vezes, negativamente em termos qualitativos, vincula-se mais à mãe trabalhadora, o que implica a permanência da criança em período integral na instituição. A pré-escola, por sua vez, tem uma cobertura de quase 80% tendendo a aumentar, uma vez que a freqüência a essa etapa da educação tornou-se obrigatória. A educação infantil de crianças a partir dos 4 anos é identificada com o preparo para o ensino fundamental.

Didonet (2001) assinala que a educação infantil deve ser composta de duas etapas que integrem um todo único, sem descontinuidades de conteúdo e de métodos, apenas com as devidas adaptações para atender as especificidades das diferentes idades. O autor identifica três objetivos para as creches e pré-escolas: um objetivo social, um educacional e um político.

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Analisando o objetivo educacional, Didonet (2001) confere à creche a função de apoiar o desenvolvimento e promover a aprendizagem, facilitando a construção de conhecimentos e habilidades. Esta característica abre às mães que não trabalham fora de casa a possibilidade de matricular seus filhos nessa instituição, visando ao desenvolvimento das habilidades cognitivas.

O objetivo político da creche, para Didonet (2001)consiste na formação da cidadania, que tem início na vida de uma criança com o registro de nascimento.

Creches de qualidade e em número suficiente atenderiam às demandas e aos direitos das mulheres cidadãs e dos bebês, também alçados à categoria de cidadãos pela Constituição de 1988.Passados pouco mais de20 anos da promulgação da Carta Magna, o tema creche ocupa raramente a mídia, muitas vezes para noticiar maus tratos ou negligência no cuidado dos bebês. As propostas de universalização das EI, no que tange as creches,ainda engatinham.(ROSEMBERG, 2007)

Rosenbaum (1998) aponta que, em relação ao papel do pai, a revista Pais e Filhos oscilou entre sustentação de visões tradicionais e difusão de novos modelos de paternidade. Como este veículo tem se posicionado com relação ao tema dos cuidados extra-domiciliares, central para mães e crianças pequenas na sociedade brasileira contemporânea?

A organização desta tese procura seguir as etapas estabelecidas por Thompson (1995) para a Hermenêutica de Profundidade (HP): a análise sócio-histórica, a análise discursiva ou formal e a interpretação/reinterpretação.

O primeiro capítulo inicia-se com a construção do objeto de pesquisa, seguida da fundamentação teórica: a articulação entre os estudos sobre a construção de problemas sociais e a teoria de ideologia formulada por John B. Thompson (1995).

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CAPÍTULO 1 – Objeto, teoria e método

1.1 - A construção do objeto de pesquisa

Mudanças sociais, econômicas e demográficas no Brasil, a partir da segunda metade do século XX, levaram a uma reorganização da família brasileira. As mulheres,quer por buscarem igualdade de direitos e oportunidades em relação aos homens, quer por necessidade econômica de complementar a renda familiar ou de lutar pelo sustento de sua família, passaram a trabalhar fora do espaço doméstico.Ao tentarem assumir trabalho fora de casa, começaram a demandar serviços com os quais pudessem compartilhar a educação e o cuidado de suas crianças pequenas.

Nesse contexto, os estudos e ações feministas parecem ter contribuído para a transformação da posição social tradicional das mulheres. No âmbito da produção científica, a mulheres foram postas em evidência, assumindo o papel de produtoras de conhecimento, além de sujeitos na pesquisa. No entanto, como assinala Thorne (1987), com freqüência3, o ponto de vista assumido nos estudos feministas é o das mulheres brancas, de classe alta, heterossexuais e euro-americanas. Além disso, o conhecimento feminista não se diferencia do tradicional ao adotar o ponto de vista dos adultos. Rosemberg (1992) corrobora a tese do adultocentrismo na produção feminista, destacando que a criança é apreendida como um devir, um ser que está em transformação para se tornar um futuro adulto.

Os Estudos Sociais sobre a Infância, que serão apresentados em seguida à discussão sobre os Estudos sobre Gênero, buscam dotar a criança de uma vida presente e ação social, retirando-a da condição de integrante de uma categoria etária subalterna e transitória. O que vale ressaltar é que ambos os enfoques permitem a desnaturalização da prática social de cuidados da criança pequena exercida no ambiente doméstico. Na articulação desses dois campos, construímos o objeto desta pesquisa.

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1.1.1 – Um olhar sobre o cuidado: o aporte das teóricas feministas

Uma vez que o cuidado constitui uma das finalidades da EI, considero relevante trazer tal discussão para contribuir para a construção da presente tese. No âmbito desta tese, essa discussão pode também colaborar para a compreensão do universo simbólico que sustenta as publicações sobre EI produzidas e veiculadas pelas revistas de puericultura estudadas.

A pesquisa sobre cuidado, como aponta Montenegro (1999), tem sido pouco desenvolvida pelo campo da Educação. As autoras feministas, atentas à atribuição sistemática das atividades de cuidado às mulheres, trouxeram esse tema à discussão. A primeira abordagem ao tema a ser apresentada é a das teóricas do feminismo da diferença. Essa corrente de origem psicanalítica questiona como as mulheres são representadas nessa teoria e em outras da Psicologia, tentando reinterpretá-las, de forma a explicitar a subordinação das mulheres e resgatar o valor ou prestígio a elas negado.

A precursora da discussão em foco é Nancy Chodorow (1990), que propõe que a sociedade seria constituída por um amálgama, que reuniria um sistema de produção e um sistema de reprodução, ambos universais, o sistema sexo-gênero. O núcleo de tal sistema seria a família, no que diz respeito à organização dos cuidados maternos e paternos. Esses cuidados seriam regidos por lógicas diferentes e executados por sujeitos em posições diferentes.

Em correspondência a essa primeira polaridade, apresentar-se-ia outra, também universal, entre o público e o privado. O poder estaria concentrado nessa esfera pública, espaço predominantemente ocupado pelos homens. Restaria às mulheres o espaço doméstico, destituído de prestígio, o que levaria as mulheres a uma situação de subordinação frente aos homens.

O ponto central da obra de Chodorow, de acordo com Carvalho (1999), é a discussão sobre a maternação exercida pelas mulheres, atividade que

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não questiona tais atributos, mas a diferença de status atribuída às atividades exercidas pelas mulheres. Carvalho (1999) assinala que o olhar de Chodorow, ao reexaminar relatos psicanalíticos, evidencia as distinções entre ser humano e homem, feminilidade e passividade e normalidade e heterossexualidade, conduzindo a percepções diferentes às proposições dos próprios autores por ela estudados.

Para Chodorow (1990), a disposição para o cuidado estabelece-se por volta do terceiro ano de vida, coincidindo com a formação da identidade de gênero e, por ser uma aquisição tão precoce, o cuidado seria quase natural para as mulheres. Sua gênese ocorreria na época das vivências relacionadas ao complexo de Édipo. A natureza das relações mãe-filha e mãe-filho, a vivência da semelhança ou da diferença, daria origem a diferenças na personalidade e à maternação ou não a ser desenvolvida pelas futuras mulheres e homens.

As mulheres são descritas como mais empáticas, mais propensas a sentirem-se ligadas e relacionadas com o “mundo objetal externo”, por terem sido cuidadas por uma pessoa do mesmo sexo, quase sempre a mãe biológica e por viverem um processo edípico que não significa o rompimento radical dessa relação primária. Sua “definição primária do eu” não decorre de uma ruptura, mas de uma identificação com a mãe, cuidadora inicial. Da mesma forma, a complexidade do processo edípico feminino seria a base para a formação de um “mundo objetal endopsíquico” mais complexo que o masculino, origem de uma maior subjetividade, intuição e percepção interna nas mulheres. Finalmente, essas diferenças no processo edípico resultariam igualmente na formação das meninas de um superego “mais aberto à persuasão e ao julgamento de outros” e “não tão independente de suas origens emocionais”, em comparação com os meninos, já que nelas a repressão pré-edípica seria menos intensa (CHODOROW, 1990: 210 -213 apud CARVALHO,

1999: 22).

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perspectiva da auto-realização, que caracterizaria o desenvolvimento moral do homem.

Baseando-se nas proposições de Chodorow (1990), Gilligan (1997) desenvolve sua análise no trabalho de autores clássicos na pesquisa do desenvolvimento humano, particularmente o desenvolvimento moral, tais como Piaget, Erikson e Kholberg. Tais autores detiveram-se apenas na experiência de meninos e homens para construírem suas teorias, tratando o que ocorria com meninas e mulheres como anormal, desviante ou parcial.

Gilligan (1997) busca ressignificar teorias da Psicologia, até então consideradas neutras, que teriam contribuído para estabelecer e sustentar desigualdades de gênero. Particularmente, tal autora aborda as teorias sobre o desenvolvimento humano, que atribuíam à experiência masculina o valor de norma a ser aplicada às mulheres.

Em sua reflexão sobre a Psicanálise, Gilligan (1997) aponta como Freud (1905 apud Gilligan, 1997) construiu a teoria do desenvolvimento psicossexual

a partir do processo vivido por meninos, tendo, posteriormente, em 1920, buscado ajustar o desenvolvimento da mulher ao modelo masculino. Para a autora, na teoria freudiana, a formação do superego relacionar-se-ia com a angústia da castração. As mulheres, segundo Gilligan, em virtude de sua constituição física, não experimentam tal angústia, o que resultaria em uma resolução parcial do complexo de Édipo.

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adulta, as mulheres deveriam separar-se do outro, na busca de seus próprios desejos e verdades.

Em suma, o desenvolvimento de homens e mulheres ocorreria de forma diferente. Homens se desenvolveriam em direção de uma ética dos direitos, que teria como base a igualdade entre os indivíduos e princípios abstratos. Só ao atingirem a maturidade, poderiam incluir a responsabilidade e o cuidado em sua ética e adotar princípios flexíveis. As mulheres se desenvolveriam em direção à ética do cuidado, tendo como base a responsabilidade e o relacionar-se. Seus julgamentos seriam sempre contextualizados e suas verdades, relativas. A maturidade proporcionar-lhes-ia a perspectiva da ética do direito, levando-as à percepção de que o cuidado e a separação podem complementar-se.

Gilligan (1997) define ética do cuidado como um conjunto de valores morais, tendo como foco a responsabilidade pelos outros, o critério de responsabilidade nas ações com relação a si e aos outros e a manutenção do contato.

Várias críticas foram feitas às obras das teóricas do feminismo da diferença, apontando que a visão de tal corrente teórica desenvolve uma visão essencialista dos gêneros, uma vez que enfatiza as dicotomias entre masculino e feminino como atributos essenciais das pessoas. Além disso, as proposições de tais autoras retiram o foco da análise da perspectiva sócio-histórica, reduzindo as questões de gênero ao universo familiar. Scott (1990) aponta, ainda, que a formulação de Gilligan (1997) não elucida a forte associação entre masculinidade e poder, característica das sociedades ocidentais. No entanto, o feminismo da diferença descreve de forma precisa os padrões de identidade que ainda prevalecem nas sociedades modernas.

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Uma pesquisadora que amplia a análise do cuidado para além do contexto familiar é Maria Jesús Izquierdo (2003). A autora aborda o tema do cuidado a partir do estudo sobre a divisão social do trabalho, tomada na polaridade que, a seu ver, melhor representaria a assimetria de gênero: o par

dona de casa/ provedor, como descrito anteriormente.

Izquierdo (2003) utiliza a expressão socialização do cuidado como o

“processo de construção da subjetividade de um modo afim a certo sistema de relações sociais pré-existente, com o fim de garantir sua continuidade” [do referido sistema de relações] (IZQUIERDO, 2003:6, tradução minha). A fundamentação do cuidado se dá na divisão social do trabalho e essa noção é o que, para ela, sustenta a concepção de cidadão como indivíduo. Nas sociedades modernas, tal fundamentação é legitimada por um pacto constitucional, um acordo entre homens, que estabeleceria como os cidadãos se relacionam, assumem responsabilidades, gozam de direitos e liberdades. No entanto, o conceito de cidadão é construído apartado da questão sobre o cuidado. Ou seja, é considerado cidadão “um indivíduo que assume tarefas de provisão, proteção e cura” (IZQUIERDO, 2003:3, tradução minha). Para que tais atividades sejam exercidas, o cidadão-indivíduo, homem adulto, conta com uma infra-estrutura de apoio para o cuidado das pessoas que dele dependem e de si mesmo. Essa atividade paralela é exercida por alguém, a mulher, que não desfruta do mesmo status social, ainda que sua atuação seja de fundamental

importância para a sustentação de tal arranjo social.

A autora aponta também que as donas de casa ocupam-se com atividades alheias ao universo mercantil e, em contrapartida, a atuação dos provedores ocorre em um universo distante do doméstico. Mulheres e homens norteiam-se por éticas diferentes: as mulheres se guiam pela ética do cuidado e os homens, pela ética do trabalho.

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Já a subjetividade masculina é forjada na direção da provisão e da proteção, no compromisso com a cura, em oposição ao cuidado. Tal subjetividade favorece a formulação de concepções universalistas, desvinculadas do contexto, orientadas para a resolução de problemas e não para a valorização do impacto que esses problemas teriam na vida das pessoas concretas.

As atividades designadas como femininas têm seu valor avaliado pela satisfação que elas proporcionam àqueles que recebem o cuidado. O valor da produção feminina depende, portanto, de sujeitos concretos que a consomem, do momento e do contexto em que tal pessoa faz uso dessa produção. ”Neste caso, a produção e o consumo são expressões por excelência da subjetividade, razão pela qual não é possível achar uma medida universal de seu valor” (IZQUIERDO, 2003:7, tradução minha).

No caso das atividades masculinas, o valor é dado no intercâmbio com produtos de outros trabalhadores e seguem o estabelecido pelo mercado, com base na produção e no consumo, tendo como moeda de negociação o dinheiro. Assim, as atividades femininas caracterizam-se como produção de valores de uso e as masculinas, como produção de valores de troca.

A autora assinala, ainda, que a subjetividade masculina caracteriza-se pela assertividade, pela busca de alcançar objetivos e sua afirmação se dá no domínio que exerce sobre a realidade.

(26)

Na concepção de Izquierdo (2003), a socialização apresenta uma segunda face, que envolveria a socialização das tarefas de cuidado, no sentido de tornar viável a vida cotidiana, trazendo soluções comuns aos problemas do dia a dia. O Estado tem um papel nessa discussão. A autora relembra que existem duas concepções de Estado. A primeira propõe um Estado mínimo, limitado a atividades de proteção e defesa, cuja ação restringe-se a garantir a integridade de seu território e da vida de seus habitantes. Nesse modelo de Estado, cada cidadão traça sua trajetória de vida. Na segunda, o Estado é visto como perfeccionista e estabelece o que considera como uma vida digna para seus cidadãos, quais as necessidades da população e as melhores alternativas para atendê-las. Adotando o aporte teórico de Thompson (1995), acrescento à análise de Izquierdo (2003), a importância da mídia na cultura moderna, como um elemento importante na sustentação e na reprodução das desigualdades estruturais de gênero, que pode ter também um papel de destaque na constituição das diferenças nas subjetividades feminina e masculina.

O modelo teórico de Izquierdo dá conta, como ela mesmo afirma, de padrões de gênero na fase adulta, quando as pessoas dispõem de autonomia nas esferas produtiva e reprodutiva da vida. Além disso, Izquierdo focaliza o cuidado a partir da ótica do cuidador, afastando-se da reflexão sobre o ser cuidado, ou a etapa da vida que é privilegiada pelos cuidados: a infância4. A pequena atenção dedicada às desigualdades geracionais talvez se deva à transitoriedade das pessoas nas etapas da vida. No entanto, ainda que as pessoas transitem, as referidas categorias permanecem.

A partir do conceito de não sincronia elaborado por Hicks (2006),

Rosemberg (2006) propõe que as desigualdades de idade interagem com as de raça, gênero e classe, numa dinâmica complexa, que se expressa em diferentes âmbitos:culturais, sociais e econômicos.

O conceito de não sincronia possibilita apreender melhor o jogo de conflitos, tensões e contradições inter e intra-institucionais (...)Isto significa que a interseção destas relações pode levar a

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interrupções, descontinuidades, alterações ou incremento do impacto original das dinâmicas de raça, classe ou gênero em dado contexto social ou institucional (ROSEMBERG, 2003:3).

Essas hierarquias não são concebidas de forma cumulativa; elas se articulam de maneira complexa e não podem ser reduzidas umas às outras. Assim, para a autora, por exemplo, desigualdades de raça e classe atuam desde o nascimento da pessoa; já as de gênero parecem pouco atuantes durante a infância5.

Parte dos pesquisadores do NEGRI têm se dedicado ao estudo das desigualdades provenientes da hierarquização das idades da vida humana, principalmente no que tange à criança, por exemplo, Bernardi (2005) e Moura (2007). A infância tem sido analisada como categoria social subordinada à etapa adulta. Retomo, aqui, o que assinalou Rosemberg (2008), analogamente à afirmação de Scott (1995) sobre gênero:as relações de idade constituem

uma categoria analítica útil para compreender produção e reprodução de desigualdades sociais”.Este é o campo de estudos que será desenvolvido a seguir.

1.2 - Estudos Sociais sobre a Infância

O século XX, desde seu início, foi considerado o século da criança, como já previa o livro O Século da Criança, de Ellen Key (SANDIN, 1999),

lançado em 1900. Avanços nas áreas da Pediatria, Puericultura, Psicologia e Psicanálise colocaram em evidência a proposta de uma atenção especial à infância, atribuindo uma importância central a essa etapa no desenrolar posterior da vida humana. A infância ocupou o centro das atenções de organizações governamentais, não governamentais, multilaterais, da mídia, entre outros, culminando com o Ano Internacional da Criança. Situações de maus tratos, abusos e violência contra a criança passaram a ser denunciadas com grande destaque nos meios de comunicação. O século terminou com a busca de estratégias para operacionalizar a implantação do que foi enunciado na Convenção sobre Direitos da Criança (1988). Ator social e sujeito de

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direitos, a criança passou a ser estudada sob novos prismas no âmbito das Ciências Sociais. Cabe questionar se esse discurso libertário resultou em ações igualmente libertárias, se as crianças conseguiram desfrutar melhores condições de vida. Examinaremos, a seguir, como se deu esse percurso.

A Psicologia, a partir do início do século XX, focalizou a atenção na relação mãe-filho, prescrevendo, à mulher, condutas para o desenvolvimento saudável das crianças. Uma das abordagens psicológicas que mais tiveram impacto no pensamento sobre a infância daquele século foi a Psicologia do Desenvolvimento6. Sarmento e Gouvêa (2008) afirmam:

No processo histórico de conformação das distinções entre os campos disciplinares, a criança foi tomada como objeto por excelência de uma psicologia do desenvolvimento que pouco dialogou, na maior parte de sua produção, com ciências como a sociologia, a antropologia e a história. Daí o paradoxo de termos as crianças abundantemente (excessivamente?) escrutinadas, analisadas, classificadas como seres biopsicológicos, mas ignoradas como atores sociais, portadores e produtores de cultura (SARMENTO e GOUVEA, 2008:7).

De acordo com James e Prout (1997), o conceito de desenvolvimento definido pela Psicologia, principalmente na obra hegemônica de Jean Piaget, subordina os aspectos sociais da infância à esfera do biológico. Assim, a universalidade das práticas sociais relacionadas a tal categoria etária foi considerada uma questão não sujeita a problematizações até o final dos anos 1970. Tal concepção apoiava-se na noção de que a racionalidade representaria a marca universal da idade adulta, enquanto a infância constituiria o período de aprendizagem para o desenvolvimento de tal habilidade. A criança passaria por uma seqüência pré-determinada de estágios que levariam ao desenvolvimento final do pensamento adulto. Para James e Prout (1997), essa posição teórica reduz as crianças a “seres marginalizados aguardando a passagem temporal, por meio da aquisição de habilidades, para o mundo adulto“ (JAMES e PROUT, 1997:11).

(29)

Em suma, os autores concebem a obra de Piaget como uma construção em torno das premissas da naturalidade, racionalidade e da universalidade na abordagem à infância. A criança representaria, dessa maneira, a manifestação corporal desse desenvolvimento biologicamente predeterminado:

A naturalidade das crianças tanto governa como é governada por sua universalidade. Trata-se de um modelo essencialmente evolutivo: a criança desenvolvendo-se para se tornar um adulto representa uma progressão da simplicidade de pensamento para a

complexidade, do comportamento irracional para o racional (JAMES e PROUT, 1997:10).

O discurso psicológico, centrado na naturalidade e universalidade da infância vista sob a perspectiva do processo de desenvolvimento, foi transportado para os estudos sociológicos a respeito de tal categoria etária, resultando nas teorias sobre socialização produzidas na década de 1950. Essa abordagem estrutural funcionalista atribuía ao indivíduo um número fixo de papéis sociais. A socialização seria o mecanismo por meio do qual tais papéis sociais eram replicados sucessivamente entre as gerações. Tais teorias propunham-se a explicar como as crianças adquiriam o conhecimento sobre os papéis que deveriam desempenhar no seu cotidiano.

Assim, a pesquisa social sobre a infância abordou principalmente as instituições encarregadas de cuidar da criança, como a família e a escola, ou o próprio processo de socialização. Sirota (2001) aponta que a criança costumava ser estudada como um vir a ser, alguém que ainda não é. O processo de crescimento denotaria, de acordo com o ponto de vista até então dominante, uma ênfase na imaturidade, fragilidade e escassez de recursos intelectuais por parte da criança.

(30)

De acordo com Jenks (2004), os estudos que analisam as crianças a partir do processo de socialização vivido por elas na escola ou na família, propõem queessas crianças são objeto da ação adulta e não sujeitos desses processos. O ponto de vista adulto representaria a cultura, enquanto que o ponto de vista da infância seria representativo da esfera biológica, da natureza, do não civilizado. A atuação adulta junto à criança se daria no sentido de transformá-la em ser social, para tal, valendo-se do processo de socialização. Entretanto, tal conceito reuniria diversas possibilidades de significados, de acordo com o posicionamento teórico adotado por quem o formula.

A socialização pode significar duas coisas bastante distintas(...) Por um lado, a socialização significa “a transmissão da cultura”, a cultura particular em que o indivíduo entra ao nascer; por outro lado, o termo é usado para significar “o processo de se tornar humano”, de adquirir os atributos exclusivamente humanos a partir da interação com os outros. Todos os homens são socializados nesse último sentido, mas isso não quer dizer que eles tenham sido completamente moldados pelas normas e valores de sua

cultura(WRONG, 1961 apud JENKS, 2004:13).

Pilotti (2000) destaca como a infância pode ser analisada a partir de um ponto de vista adultocêntrico embutido na discussão sobre o processo de socialização:

(31)

diversas elaborações institucionais e legais, destacando-se dentre elas o papel da educação formal. Mediante essas instituições, atribui-se à infância um lugar específico na estrutura social , atribui-segregando-a de diversos âmbitos da vida adulta (PILOTTI, 2000:13).

Rosemberg (1976) identificou essa postura adultocêntrica também na produção psicológica, principalmente nos estudos referentes ao processo de desenvolvimento humano. A autora afirma que a criança é compreendida a partir de um padrão de referência que toma por base o homem adulto, branco, de classe média e de cultura ocidental. Dessa forma, a infância encontra-se sempre subordinada nas relações adulto-criança e, mais marcadamente ainda, quando consideramos a pequena infância.

Ainda analisando as relações adultocêntricas, James e Prout (1997) assinalam que a palavra mudo seria apropriada para se fazer referência aos

estudos sobre a infância nas Ciências Sociais, uma vez que tais estudos se caracterizaram não pela falta de interesse nas crianças, mas por seu silenciamento, melhor dizendo, a ausência de suas vozes. Mollo (1978) também faz referência a tal mutismo.

Apesar de ainda predominante, essa visão tradicional de infância foi contestada há mais de quarenta anos no âmbito acadêmico. A contribuição que proporcionou a abertura de uma nova perspectiva nos estudos sobre a infância foi a obra de Philippe Ariès, L’enfantetlaviefamilialesousl’AncienRégime, datada

(32)

A primeira etapa da vida era denominada infância e durava o período de maior fragilidade da criança, ou seja, os sete primeiros anos de vida. O termo

enfant significa aquele que não fala e era empregado para designar as pessoas

nessa fase da vida, uma vez que elas ainda não poderiam expressar-se com clareza por meio das palavras.

Assim que a criança adquiria destreza física, iniciava-se a puerícia. A criança, então, era misturada aos adultos em atividades de trabalho e em jogos. A transmissão de valores não ficava a cargo da família; essa aquisição se dava na convivência com os adultos, quando a criança aprendia um ofício. Nesse período, a missão da família seria a de garantir a conservação dos bens, a ajuda mútua cotidiana que favorecia a sobrevivência do casal e a prática de um ofício. A função afetiva da família não era esperada, nem entre cônjuges, nem entre genitores e filhos7. O grupo com que a criança convivia era bastante heterogêneo: amigos, vizinhos, amos, criados, jovens ou velhos, mulheres ou homens e, também, outras crianças.

As mudanças sociais e econômicas resultantes da industrialização, a partir do século XVIII, foram acompanhadas de transformações em tal organização familiar e no lugar ocupado pela criança. Analisando as concepções iluministas que marcaram o período, Pilotti (2000) considera que dois processos foram fundamentais para que tal transformação se desse: a consolidação do individualismo e a expansão do Estado. Sobre o primeiro processo, o autor ressalta que o enfraquecimento progressivo da cultura tradicional e da religião, decorrente da industrialização e da urbanização, deslocou o indivíduo do grupo comunitário e da família expandida, característicos da vida no espaço rural. Como conseqüência, fortaleceram-se a identidade e a autonomia pessoais. Paralelamente, expandiu-se o sentimento de pertença a uma nação. O Estado passou a constituir a principal fonte de identidade coletiva para os indivíduos, assumindo, também, a incumbência de promover o progresso da nação e dos cidadãos que o integram. Em tal cenário, a proteção à família e às crianças contribuiria para a consolidação da nação.

7 Utilizarei o termo

(33)

Seria esta, então, uma das primeiras raízes da noção da criança como um vir-a-ser, cuja perspectiva presente seria de escasso interesse?

Essa nova valorização atribuída à infância, de fato, não contribuiu para a sua emancipação, como afirmam vários autores: Jenks (2004), James e Prout (1997), dentre outros. Assim, essas áreas de conhecimento viam a criança como objeto sobre o qual ações de adultos se faziam necessárias, restringindo-lhe a possibilidade de decidir sobre sua própria vida. Ainda mais, a visão da criança como ser frágil e necessitado de proteção retirou dela a liberdade de circulação entre adultos e, mesmo, sua permanência desacompanhada em espaços públicos. Foram constituídas instituições específicas para as crianças: as escolas.

Apesar de ter sofrido diversas críticas (SNYDERS, 1984; PINTO,1997, por exemplo), a obra de Ariès (1981) tem sua importância como marco referencial de um novo enfoque nos estudos sobre a infância, por um lado, por ter posto em questão a perspectiva naturalizante e universalizante da infância e, por outro lado, por ter tornado a própria categoria infância um objeto de

pesquisa nos estudos sociais. A infância pode, então, ser compreendida como uma construção social, contextualizada histórica e temporalmente.

Foi a partir do último quartil do século XX que esse novo enfoque em relação à infância ganhou expressão nas Ciências Humanas e Sociais. Vários pesquisadores nessa área de produção de conhecimento adotaram a concepção de infância como construção social, atribuindo, também, à criança, o status de ator social (HARDMAN,1973; MOLLO,1978, por exemplo). Assim,

as crianças deixaram de ser estudadas como produtos diretos das relações lineares com o universo adulto, passando-se a tentar apreender a cultura da infância. No entanto, tais estudos, ainda que presentes em diferentes países da Europa e da América do Norte, encontravam-se dispersos, não constituindo ainda um corpo coeso de conhecimentos.

A obra pioneira na sistematização dos novos paradigmas para o estudo da infância foi a coletânea editada por Allison James e Alan Prout,

Constructingandreconstructingchildhood: contemporaryissues in

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newparadigm for theSociologyofChildhood? Provenance, promiseandproblems,

são apresentados os novos paradigmas para o estudo da infância, que extrapolaram os limites do campo sociológico, estendendo-se para outras áreas que focalizam a infância como objeto de estudos.

A seguir, transcrevo os novos paradigmas sintetizados por James e Prout (1991):

1- A infância é entendida como uma construção social. Como tal, ela fornece um enquadramento interpretativo para contextualizar os anos precoces da vida humana. A infância, distinta da maturidade biológica, não é uma característica natural nem universal dos grupos humanos, mas aparece como um componente estrutural e cultural de muitas sociedades.

2- A infância é uma variável da análise social. Ela nunca pode ser completamente separada de outras variáveis tais como classe, gênero, ou etnia. A análise comparativa e intercultural revela uma variedade de infâncias mais do que um fenômeno único e universal.

3- As relações sociais e as culturas das crianças são dignas de um estudo por si só, independentemente da perspectiva e preocupações dos adultos.

4- As crianças são e devem ser vistas como ativas na construção e determinação de suas próprias vidas sociais, das vidas daqueles ao seu redor e das sociedades nas quais elas vivem. As crianças não são somente os sujeitos passivos de estruturas e processos sociais.

5- A etnografia é uma metodologia particularmente útil para o estudo da infância. Ela permite às crianças uma voz mais direta e a participação na produção de dados sociológicos do que é comumente possível a partir de pesquisas experimentais ou no modelo de enquetes.

6- A infância é um fenômeno em relação ao qual a dupla hermenêutica das ciências sociais está acentuadamente presente (ver Giddens, 1976). Isto quer dizer que proclamar um novo paradigma da sociologia da infância é também engajar-se e responder ao processo de reconstrução da infância na sociedade(JAMESePROUT, 1997:8, tradução minha).

A partir do estabelecimento de tais paradigmas, a infância passa a constituir um objeto de estudo claramente delineado no campo da teoria social. Uma das principais mudanças de concepção diz respeito à concepção acerca do processo de socialização. Uma perspectiva teórica que supera o reducionismo embutido na concepção estrutural funcionalista de socialização é a elaborada por Giddens (1979 apud James e James, 2008). O autor propõe

(35)

ação das pessoas, a forma que as referidas estruturas assumem resulta das ações de tais pessoas. Assim, a vida social não se restringe apenas à reprodução, quer em termos de estruturas ou de instituições, mas, também, apresenta uma potencialidade de transformação. Como veremos mais adiante neste capítulo, Thompson (1995) adota uma posição bem próxima à de Giddens, ao abordar os processos de midiação da cultura moderna. Para ambos autores, as pessoas, por meio de suas ações, têm a capacidade de manter ou modificar as estruturas sociais e instituições de que participam.

Para o campo dos Estudos Sociais sobre a Infância, o paradigma que diz respeito à consideração da criança como ator social é central. James e Prout (1990) afirmam que as crianças devem ser vistas como sujeitos que constroem suas próprias vidas sociais e influenciam aquelas dos diretamente envolvidos com elas, alterando, também, a sociedade em que estão inseridas. De acordo com James e James (2008), tal paradigma atribui às crianças a capacidade de exercerem controle sobre suas próprias vidas e também de poderem agir nas mudanças que acontecem na sociedade mais amplamente considerada.

(36)

Rosemberg (2007) considera que as produções dos principais autores vinculados aos Estudos Sociais sobre a Infância parecem não incluir os bebês, restringindo-se às crianças em idade escolar, mais especificamente, entre cinco e dezesseis anos de idade. Mayall (2002) assinala que o termo ator social não deve ser empregado como sinônimo de agente:

Um ator social faz alguma coisa, algo que surge de um desejo subjetivo. O termo agente sugere uma dimensão adicional: a negociação com os outros, com o efeito de que a interação faz diferença – para um relacionamento ou para uma decisão, para um

conjunto de concepções ou restrições sociais (MAYALL,2002:21, tradução minha).

Assim, para tal autora, a ação social atribuída às crianças precisa ser compreendida dentro dos parâmetros da situação de minoria social ocupada por esse grupo etário. As pessoas que ocupam a categoria social infância

diferem dos adultos pelo aspecto de que se atribui a essa categoria a necessidade de proteção, considerando-se que crianças são mais fracas e imaturas do que os adultos. Junto com a proteção, temos a provisão, que significa, no caso da relação criança-adulto, uma desigualdade de poder. Refletindo sobre essa afirmação de Mayall (2002), considero importante assinalar que, dentro da categoria infância, estão reunidos diversos grupos de crianças, com diferentes capacidades, habilidades, força física e maturidade. Nesta pesquisa, interessa o estudo de um grupo bastante dependente e frágil, sob o prisma do universo adulto. Homens e mulheres parecem ter dificuldades em compartilhar com as crianças pequenas os códigos sociais, tais como a linguagem. Parece-me, assim, que ainda não encontramos uma solução para nossas questões a respeito de como bebês e crianças pequenas podem ser considerados atores sociais, ainda que os consideremos altamente competentes na expressão de suas necessidades.

(37)

brinquedos são alguns exemplos de como a sociedade precisa se organizar para contemplar o que se convencionou serem demandas das crianças pequenas. Mollo-Bouvier (2006) denomina essa atividade desempenhada por adultos para o atendimento das crianças como trabalho para a criança. A EI

enquadra-se em tal modalidade, constituindo um campo de profissionalização de educadores, teóricos, políticos, jornalistas, etc. em elaboração em nosso país. Seria esta uma das formas de ação social que podemos atribuir à criança?

Rosemberg (2009) assinala, ainda, a dificuldade de se conceber a infância isolada do contexto familiar como índice da postura adultocêntrica das sociedades contemporâneas. Um exemplo peculiar dessa dificuldade é o que autora denomina o deslizamento de sentido de criança para filho.Nos países anglófonos e francófonos, o idioma favorece esse deslizamento, pois o mesmo vocábulo – childe enfant - é empregado para os conceitos criança e filho.

Ressalto que boa parte da bibliografia que se ocupa dos Estudos Sociais sobre a Infância é produzida nesses dois idiomas. No caso dos idiomas português, italiano e castelhano, por exemplo, dispomos de dois termos diferentes para designar a criança puerda criançafilius. James e James (2004) tecem algumas

reflexões sobre o termo child. Para tais autores, na perspectiva da pesquisa

sociológica sobre a infância, o termochild deveria restringir-se apenas para

designar o ator social individual. Esse mesmo termo pode ser empregado para fazer referência a uma posição no percurso de desenvolvimento de uma determinada pessoa. Assim, James e James (2004) consideram que o termo

child é principalmente descritivo, diferentemente de children e childhood, que

seriam termos analíticos. Com relação ao deslizamento de sentidos entre criança e filho, esses autores argumentam:

(38)

lente da pertença familiar como “mychild”, ele assume uma identidade

incomparável e altamente individualizada (JAMES e JAMES,2004, tradução minha).

Rosemberg (2009) assinala que uma das possíveis conseqüências de tal deslizamento de sentidos parece residir na restrição de acesso da criança ao espaço público, restando-lhe, assim, ocupar o espaço privado da família, da casa e de instituições destinadas a atender aquela faixa etária específica, dentro da categoria mais ampla. As crianças ficam, desta maneira, extremamente limitadas no seu acesso a espaços abertos, como as ruas, por exemplo. Esta situação torna-se, ainda, mais evidente quando pensamos na criança pequena. Para Rosemberg (2009), essa invisibilidade dificulta “a consciência coletiva dos que dispõem de direitos políticos quanto ao significado da cidadania das crianças pequenas” (Rosemberg, 2009:5). A autora enfatiza, ainda, que os genitores das crianças pequenas vivem também o impacto da carência de políticas sociais, a falta de creches particularmente, o que dificulta a essas pessoas o acesso a posições no mercado de trabalho que possibilitem a garantia à criança pequena, de condições para um existir mais saudável.

OnoraO’Neill (1988), estudiosa feminista dedicada aos direitos da criança, discute as relações de proteção de adultos em relação a crianças, a partir de um referencial de um tipo de relação de adultos com filhos ou alunos, não vislumbrando relações com crianças a partir da perspectiva de uma categoria social(ROSEMBERG e MARIANO,2010).

Rosemberg (2009)assinala, que a causa da infância tem mobilizado diferentes setores da sociedade, na busca da superação de situações degradantes e do cumprimento da legislação que assegura direitos de proteção e cidadania às crianças. O que pretendemos destacar é como esses direitos ficam restringidos quando dizem respeito a crianças pequenas.

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lugar para a infância. São analisadas as dicotomias estrutura e ação, natureza e cultura, ser e devir.

O devir, que parece caracterizar a infância não se restringe a essa categoria etária, mas é igualmente evidente na vida da idade adulta, que também apresenta um caráter de inacabado (DELAGADO e MÜLLER,2005).

Com relação à criança como ator social, Prout (2005) aponta que os Estudos Sociais sobre a Infância têm tratado tal característica como essencial e quase não mediada dos humanos, não requerendo outras explicações. Essa afirmação tornou-se clara quando perguntamos aos teóricos desse campo sobre a ação social do bebê, que parece ser sustentada como um pressuposto apenas teórico, já que esse campo de estudos ocupa-se de crianças mais velhas, em idade escolar.

Por fim, o autor faz uma reflexão crítica sobre a ênfase na análise da infância apenas como categoria social, independente de referenciais biológicos. Este foi um tema que me causou grande inquietação, uma vez que procuro compreender o ser humano a partir de um olhar interacionista. Da mesma forma como a Psicologia do Desenvolvimento tradicional culminou numa abordagem reducionista, ao excluir a dimensão social em seus estudos sobre a infância, os estudos sobre infância parecem-me reducionistas ao excluir da construção social da infância a dimensão biológica em seus paradigmas. Alan Prout retoma tal discussão em 2005, declarando que a oposição cultura versus natureza consiste numa dicotomia proposta pela modernidade, que não nos ajuda a termos uma compreensão sobre as crianças.

Quero argumentar, portanto, que somente com a compreensão a respeito dos modos pelos quais a infância é construída, por meio dos elementos heterogêneos da cultura e da natureza, que de toda a forma, não podem ser separados facilmente, será possível levar o campo [dos estudos sobre a infância] adiante (PROUT, 2005:44, tradução minha).

(40)

pública como espaço inadequado para o exercício de tais cuidados, recorremos a dois campos teóricos que nos fornecem instrumentos para essa análise: aos estudos sobre a construção dos problemas sociais e a teoria de ideologia de John B. Thompson (1995).

1.3 – A construção dos problemas sociais

Recorrendo à literatura sobre a construção de problemas sociais que integram a agenda das políticas públicas, apreendemos a importância da mobilização de atores sociais, por meio da pluralidade de estratégias, inclusive a participação da mídia e o uso da retórica dramática.A literatura sobre a construção de problemas sociais (HILGARTNER e BOSK, 1988; BEST,1987; LAHIRE, 2005; SPECTOR e KITSUSE, 2009) veio ao encontro de nossas ansiedades.

Consideramos que a necessidade de espaços públicos para o cuidado e a educação da pequena infância (bebês e crianças até três anos de idade), ou seja, espaços dedicados à EI constitui um problema social. A análise do discurso produzido e veiculado por revistas de Puericultura pode contribuir para que as necessidades de crianças pequenas e de suas famílias, mormente as mães, possam readquirir visibilidade na arena das políticas públicas. Na busca de compreender como se definem os problemas sociais, abandonamos as concepções funcionalistas que encaram esses problemas como condições objetivas que ameaçam ou causam danos a pessoas, grupos ou à própria sociedade, cujas causas precisam ser detectadas para que se possam propor políticas públicas que as superem. Adotamos a proposta de autores vinculados ao interacionismo simbólico que concebem que “os problemas sociais são projeções de sentimentos coletivos e não meros reflexos de uma realidade objetiva” (BLUMER, 1971:30 apud HILGARTNER e BOSK, 1988).

(41)

Nossa definição de problemas sociais focaliza os processos pelos quais membros de uma sociedade definem uma condição putativa como um problema social. Portanto, definimos problemas sociais como

as atividades de indivíduos ou grupos que fazem afirmações de

injustiças e reivindicações a respeito de alguma condição putativa. A emergência de um problema social é contingente à organização de atividades que afirmam a necessidade de erradicação, ou de melhoria,

ou de qualquer outra forma de mudança dessa condição. (SPECTOR e KITSUSE, 2009: 75-76, tradução minha)8.

Best (2007) complementa a proposição de Spector e Kitsuse, enfatizando que a variedade de preocupações subjetivas é infinita. Para que algumas dessas preocupações atinjam o status de problema social, é

necessário que elas se destaquem como condições geradoras de preocupação para um grupo de pessoas, que adquiram visibilidade e passem a ser defendidas por pessoas que detenham o poder sobre a agenda de políticas públicas ou possam influenciá-la.

Para Hilgartner e Bosk (1988), algumas questões recebem grande atenção das audiências, enquanto outras passam despercebidas, sugerindo que os problemas sociais são organizados de acordo com uma hierarquia. Os autores em questão propõem que muitos problemas sociais coexistem num sistema complexo e institucionalizado de formulação e veiculação dessas questões. Sua análise centra-se nas arenas onde se dá a competição entre os diferentes problemas e nos atores que estabelecem e defendem as reivindicações. Eles pressupõem, também, que a atenção do público é um recurso escasso a ser alocado nesse sistema de arenas públicas. Hilgartner e Bosk assinalam a importância das seleções que são conduzidas por “porteiros culturais” bem posicionados que controlam o fluxo das mensagens para a audiência. Nesse sentido, a mídia seria um ator privilegiado, pois atua como um desses porteiros culturais, determinando o que chegará ao conhecimento de grandes parcelas da população, podendo interferir na formação da opinião de tais grupos.

(42)

Hilgartner e Bosk (1988) constroem um modelo para explicar os problemas sociais constituído por seis elementos:

1. um processo dinâmico de competição entre os membros de uma imensa quantidade de reivindicações sobre problemas sociais;

2. as arenas institucionais onde os diferentes problemas competem por atenção, crescem ou saem de evidência;

3. as capacidades de alcance das referidas arenas, que são um elemento limitador do número de problemas que conseguem alcançar a atenção difundida num determinado espaço de tempo; 4. os princípios de seleção, ou seja, fatores políticos e culturais que

influenciam a probabilidade de problemas que competem pelo mesmo público,sobrevivam ou não;

5. padrões de interação entre as arenas, que permitem que as atividades de uma determinada arena possam se espalhar em outras; e

6. as redes formadas pelos reivindicadores, que promovem e tentam controlar problemas específicos por meio dos cruzamentos dos canais de comunicação nas diferentes arenas.

Já Ozlak e O’Donnell (1976) descrevem o que eles denominam ciclovital dos problemas sociais, que também consiste de uma série de etapas. Os

autores em tela discutem a delimitação do problema social, sua inclusão na agenda e, finalmente, a resolução da questão. Essa última etapa não significa, necessariamente, que o problema deixou de existir, mas, sim, que o referido problema foi excluído da agenda.

Assim, os problemas sociais são definidos pela visibilidade que alcançam na sociedade, isto é, pelo grau de atenção que eles conseguem despertar nas audiências. Essa atenção resulta das negociações, embates, debates, competições entre os atores sociais que ocupam posições desiguais nas arenas públicas. Nesta pesquisa, interessa-me destacar como a mídia participa dessa arena e como os atores geradores de demanda interagem com os meios de comunicação.

Imagem

Tabela 1:Tiragem de revistas de Puericultura
Tabela 2 -Distribuição de UIs por ano
Tabela 8 - Área de atuação dos consultores por década
Tabela 10 – Gênero jornalístico
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