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Democracia representativa e controle social: (im)possibilidades de superação da crise atual pela ampliação da participação da sociedade civil nos processos de decisão pública

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUI

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM DIREITO

MESTRADO EM DIREITOS HUMANOS

DIÚLIA MARCELI BINELO

DEMOCRACIA REPRESENTATIVA E CONTROLE SOCIAL:

(IM)POSSIBILIDADES DE SUPERAÇÃO DA CRISE ATUAL PELA AMPLIAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL NOS PROCESSOS DE DECISÃO

PÚBLICA

.

IJUÍ (RS) 2017

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUI

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM DIREITO

MESTRADO EM DIREITOS HUMANOS

DIÚLIA MARCELI BINELO

DEMOCRACIA REPRESENTATIVA E CONTROLE SOCIAL:

(IM)POSSIBILIDADES DE SUPERAÇÃO DA CRISE ATUAL PELA AMPLIAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL NOS PROCESSOS DE DECISÃO

PÚBLICA

Dissertação apresentada ao Curso de mestrado em Direitos Humanos da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito.

Orientador: Dr. André Leonardo Copetti Santos

Ijuí (RS) 2017

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Catalogação na Publicação

Gislaine Nunes dos Santos CRB10/1845 B612d Binelo, Diúlia Marceli.

Democracia representativa e controle social: (im)possibilidades de superação da crise atual pela ampliação da participação da sociedade civil nos processos de decisão pública / Diúlia Marceli Binelo. – Ijuí, 2016. –

91 f. ; 30 cm.

Dissertação (mestrado) – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Campus Ijuí). Direitos Humanos.

“Orientador: André Leonardo Copetti Santos”.

1. Democracia. 2. Democracia participativa. 3. Controle social. 4. Crise. 5. Brasil. I. Santos, André Leonardo Copetti. II. Título. III. Título: (Im)possibilidades de superação da crise atual pela ampliação da participação da sociedade civil nos processos de decisão pública.

CDU: 342.7 342.7:304

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UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul Programa de Pós-Graduação em Direito

Curso de Mestrado em Direitos Humanos

A Banca Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertação

DEMOCRACIA REPRESENTATIVA E CONTROLE SOCIAL:

(IM)POSSIBILIDADES DE SUPERAÇÃO DA CRISE ATUAL PELA AMPLIAÇÃO DA PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL NOS PROCESSOS DE DECISÃO

PÚBLICA

elaborada por

DIÚLIA MARCELI BINELO

como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito

Banca Examinadora:

Prof. Dr. André Leonardo Copetti Santos (UNIJUÍ): ________________________________

Prof. Dr. Osmar Veronese (URI): _______________________________________________

Prof. Dr. Gilmar Antonio Bedin (UNIJUÍ): _______________________________________

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RESUMO

A dissertação relaciona-se à (im)possibilidade de superação da crise democrática brasileira atual por meio do controle social das decisões públicas pela sociedade civil. Através da metodologia dos tipos ideais, investigamos tipos de democracia e elegemos um tipo de democracia ideal. Considerando, especialmente, a potencialização do controle social e a inclusão política, consideramos como tipo ideal a combinação de democracia representativa consensual e democracia participativa. Verificamos, então, aspectos históricos da democracia representativa, principalmente as práticas de limitação do poder real da Inglaterra e a institucionalização de direitos. Em seguida, analisamos a história da democracia brasileira por meio de suas constituições, apontando sua influência no modelo brasileiro atual de democracia. Então, aplicamos o tipo ideal de democracia escolhido ao sistema brasileiro, o que revela sua inadequação ao mesmo e revela a existência de aspectos de uma crise. Desse modo, investigamos com mais profundidade o panorama da crise democrática brasileira à luz da teoria da democracia delegativa, a qual refere-se à institucionalização de uma democracia de baixa intensidade. Destacam-se a crise de representatividade, relacionada à distância entre governantes e cidadãos e a persistência de práticas patrimonialistas, oligárquicas e elitistas dentro do sistema democrático brasileiro. Ao final, apresentamos propostas de superação da crise fundamentadas em mecanismos de controle social, como a accountability e a democracia participativa.

Palavras-chave: Democracia; Crise; Brasil; Controle Social; Accountability; Democracia

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ABSTRACT

The dissertation is related to the (im)possibility of overcoming the brazilian democratic crisis through social control of public decisions by civil society. Through the ideal types’ metodology, we investigate types of democracy and we elect a type of ideal democracy. Considering, specially, the potentiation of social control and politic inclusion, we consider as ideal type the combination of consensual representative democracy and participatory democracy. We verify, then, representative democracy’s historical aspects, mainly the practices of limitation of monarchical power in England and rights' institucionalization. Then we analyze the history of brazilian democracy through its constitutions, pointing out its influence on the present brazilian model of democracy. Then we apply the ideal type of democracy to the brazilian system, which reveals its inadequacy to it and the existence of aspects of a crisis. Thus, we investigate more deeply the brazilian crisis’ scenery according to the delegative democracy’s theory, which refers to the institucionalization of a low intensity democracy. The representative crisis related to the distance between rulers and citizens and the persistence of patrimonialist, oligarchic and elitist practices inside the brazilian democratic system are stressed out. In the end, we present proposals to overcoming the crisis based on tools of social control, such as accountability and participatory democracy.

Keywords: Democracy; Crisis; Brazil; Social Control; Accountability; Participatory

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SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS...05

1 UM TIPO IDEAL DE DEMOCRACIA REPRESENTATIVA…………...09

1.1 A metodologia tipológica weberiana...09

1.2 Alguns aspectos históricos da democracia representativa...13

1.3 Um tipo ideal de democracia representativa: otimizando a representação e o controle dos processos de tomada de decisão pública...23

2 A APLICAÇÃO DE UM TIPO IDEAL DE DEMOCRACIA REPRESENTATIVA AO SISTEMA DEMOCRÁTICO BRASILEIRO ATUAL: O DESVELAMENTO DE UMA CRISE...31

2.1 A trajetória da democracia representativa no Brasil: da Constituição do Império à redemocratização...31

2.2 A democracia no Brasil atual: aspectos constitucionais e aplicação do tipo ideal de democracia...41

2.3 A crise democrática brasileira: uma análise à luz da teoria da democracia delegativa...49

3 PROPOSTAS DE SUPERAÇÃO DA CRISE DEMOCRÁTICA ATRAVÉS DO CONTROLE SOCIAL...58

3.1 A necessária retomada da autoria social das instituições políticas e a reinvenção contínua da democracia como controle social...58

3.2 A efetivação da agency como atributo do sujeito democrático protagônico, a transparência governamental e a expansão da accountability como condição e meio de controle social...65

3.3 A ampliação da participação popular nas decisões públicas como controle social...72

CONSIDERAÇÕES FINAIS...80

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CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Em janeiro de 1985, deu-se início ao processo de reconquista da democracia e à abertura de um novo ciclo histórico no país. O que foi reconquistado, evidentemente, não foi um produto pronto e acabado. Reconquistou-se o direito de decidir a respeito dos novos contornos do sistema político. Desde então, a insipiente democracia brasileira tem avançado extensivamente no plano normativo, especialmente com a Constituição Federal de 1988 e seu caráter inclusivo, participativo e cidadão. Assim, ao passo que o sistema democrático é colocado em funcionamento, é inevitável sentir a força de suas amarras: a tradição elitista, oligárquica, patrimonialista e excludente do acesso ao exercício do poder político. A persistência e normalização desses aspectos nocivos, conjugadas com o aumento da distância entre governantes e representados, implicam, então, a existência de uma crise democrática.

As instituições democráticas necessitam de um aperfeiçoamento constante. O surgimento de novos direitos cria uma base de sustentação para novas demandas, sucessivamente. Desse modo, a reinvenção contínua da democracia deve passar, obrigatoriamente, pela ampliação do controle social das instâncias do poder político pela sociedade civil. A democratização do poder político vai além da democratização do sistema político. Nesse sentido, a própria fluidez da democracia exige sua ampla acessibilidade e socialização para a realização plena de todo o seu potencial e superação de suas fragilidades.

O exercício do controle social pela sociedade civil sobre a democracia representativa, como possibilidade ou impossibilidade de superação da crise democrática, mostra-se um tema que se estende ou se propaga, de forma sutil, dos fundamentos de nossa sociedade até às práticas cotidianas. Com foco na democracia brasileira atual, propomos a indagação se a crise democrática atual pode ser superada pela sociedade civil a partir da ampliação do controle social dos processos públicos de tomada de decisão no Brasil. A escolha do tema proposto foi feita pelas novas possibilidades que o controle social oferece em relação à afirmação da democracia e, por conseguinte, à promoção e fortalecimentos dos direitos humanos.

A questão do controle popular sobre as decisões políticas daqueles agentes detentores de poder, para citar um exemplo, foi objeto do Decreto nº 8.243 da Presidência da República, o qual propôs, em suma, a criação de conselhos populares na administração pública, a chamada Política Nacional de Participação Social. O decreto previu a participação de integrantes da

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sociedade civil em todos os órgãos da administração pública. Contudo, a norma referida acabou sendo derrubada pelo Poder Legislativo em razão do receio de perda de competência pelos representantes políticos.

O controle social tem obtido relevante destaque no espaço público político da atualidade. A insatisfação popular com a atual configuração do sistema político democrático levou milhões de brasileiros às ruas em protesto recentemente. O sistema representativo e os seus mecanismos de controle social têm se mostrado insuficientes em face às aspirações populares. A sociedade civil busca maior acesso direto de participação, deliberação e fiscalização das ações do poder público. Exemplo disso é a criação bem-sucedida dos Portais da Transparência, que permitem que qualquer cidadão conheça valores de subsídios e remunerações de servidores públicos, entre outras informações de interesse público.

Uma observação mais acurada de nossa realidade política revela a existência de um distanciamento entre a vontade popular e a atuação dos representantes. Os acordos partidários e os interesses privados são motivações que frequentemente desviam o governante dos objetivos do mandato conferido pelo representado. Esse distanciamento tem causado uma crise na representação política, o que fratura um componente essencial das regras do jogo democrático. Não é controverso que a sociedade civil tem procurado participar das decisões políticas, principalmente nos assuntos que dizem respeito a seus interesses e aos interesses de sua comunidade. A sociedade civil procura deixar a posição passiva e posicionar-se ativamente diante dos processos de tomada de decisão pública. Desse modo, é importante analisar e investigar os mecanismos atuais de intervenção da comunidade nos processos democráticos através do controle social e inquirir outros prováveis meios de efetivação desse processo.

Desse modo, o primeiro capítulo irá apresentar, inicialmente, a metodologia dos tipos ideais de Max Weber, bem como a prolixidade de significações em torno do termo democracia beneficia-se do método de definição “genética” com a captura do conteúdo exato de um conceito dentro de um tipo. O conceito de democracia modifica-se em cada período histórico e normalmente cada novo conceito insere-se como um “tipo” ou espécie de democracia. No momento seguinte, investigaremos alguns aspectos históricos referentes à democracia representativa, como sua origem, sua institucionalização, desenvolvimento e sua formatação moderna como Estado Democrático de Direito. Destacam-se a Inglaterra e França em relação à prática de limitação do poder real e à institucionalização de direitos, respectivamente. Em seguida, iremos analisar diversos tipos de democracia referidos pela literatura, especialmente

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os tipos de democracia representativa sistematizados por Lijphart por meio da observação e análise de 37 democracias no mundo. Então, passamos a eleger aqueles tipos que configuram um tipo de democracia ideal. Consideramos aqueles aspectos que potencializam, de modo mais abrangente, a representação de minorias, considerando a diversidade e a pluralidade, além do controle, pela sociedade civil, das tomadas de decisão do poder público.

O segundo capítulo inicia com a investigação da trajetória histórica da democracia representativa no Brasil. De forma abrangente, investigamos o caráter institucional e político do Estado brasileiro desde sua primeira Constituição de 1824, no período imperial. Em seguida, verificamos os aspectos constitucionais da democracia e do Estado brasileiro atual, ao passo em que checamos sua conformidade com o tipo ideal de democracia elegido. A democracia representativa brasileira mostra-se de tipo consensual na maior parte dos aspectos. Contudo, ela demonstra fragilidade em seu sistema eleitoral e político, e, consequentemente, em seu aspecto participativo. O próximo momento aprofunda a análise das irregularidades e vícios da democracia brasileira atual, de modo a configurar-se uma crise democrática. A tensão entre representatividade e democracia representativa tem se acentuado nos últimos tempos. Especialmente na América Latina, onde há países de “terceira onda” de democratização, a fragilidade da conexão entre representantes e população assume contornos próprios, os quais caracterizam uma espécie de democracia de baixa intensidade ou democracia delegativa. Nesse sentido, a combinação entre clientelismo, confusão entre recursos público e privado, ineficácia na gestão dos serviços sociais e distância entre governantes e cidadãos, entre outros fatores, compõem um cenário de crise democrática.

O terceiro capítulo pretende projetar ações que possibilitem um incremento quantitativo e, principalmente, qualitativo do controle social dos processos democráticos a fim de superar a crise democrática no país. Destarte, definiremos e esclareceremos o significado de controle social. Em seguida, iremos expor a necessidade de superação do modelo democrático hegemônico e consequente reinvenção do modo de fazer democrático, tendo em vista o caráter sempre aberto da democracia, em contraste com os regimes políticos autoritários. O primeiro passo, sem dúvidas, é a reapropriação humana do sistema democrático, em um movimento de contra-reificação, a fim de reverter a alienação e a apropriação política. As instituições sociais não são imutáveis, nem superiores ou anteriores ao ser humano. Como criações humanas, as instituições democráticas podem e devem modificar-se.

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No próximo momento, propomos o incremento e aperfeiçoamento dos mecanismos de

accountability, em termos de transparência governamental, fiscalização pública (por órgãos

estatais) e social (pela sociedade civil) e responsabilização pública como condições fundamentais à institucionalização do controle social. Além disso, mostramos a necessidade de efetivação da agency, enquanto conjunto de direitos como atributo do sujeito democrático protagônico. Destacamos a existência de transformações recentes na legislação brasileira no tocante à accountability, ao sistema político e eleitoral e à transparência. Contudo, fica claro que as mudanças são superficiais e não possuem total efetividade. “Mini-reformas” e reformas centradas nos políticos ou na política têm deixado de levar em consideração a essência do sistema: o modo de fazer democrático. Desse modo, propõe-se a expansão e institucionalização das instâncias de participação popular nas decisões públicas como meio de controle social da democracia representativa. Sugere-se, ainda, a criação de uma rede dialógica de poder, a fim de proporcionar a representação adequada das minorias, além de reinventar o modo de fazer democrático, pautado pela inclusão, pluralidade, transparência e compartilhamento do exercício do poder.

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1 UM TIPO IDEAL DE DEMOCRACIA REPRESENTATIVA

O método desenvolvido por Weber, fundamentado na construção de tipos ideais, mostra-se especialmente adequado à elaboração e organização de conceitos “genéticos” e quadros de pensamento. A democracia, um conceito jurídico-social cujo conteúdo diferencia-se profundamente ao decorrer do tempo e do espaço, pode diferencia-ser delineada e limitada à luz da aplicação da metodologia dos tipos ideais. Por sua vez, a democracia representativa, modelo hegemônico no mundo nos últimos séculos, é vista sob o viés de sua gênese e desenvolvimento histórico ocorridos principalmente na Inglaterra, e ainda na França, juntamente com o surgimento das declarações de direitos. Em seguida, evidencia-se a sofisticação e fragmentação do conceito de democracia representativa em um mundo atual e complexo. Diante disso, passa-se a avaliar especialmente os dois modelos democráticos de Lijphart e a partir deles, combinados a outros tipos de democracia significativos oriundos de diversas literaturas, configuramos e elegemos um tipo ideal de democracia.

1.1 A metodologia tipológica weberiana

O projeto metodológico de Max Weber insere-se na disputa entre as perspectivas “interpretativa” e “explicativa” de abordagens científicas existentes entre profissionais e teóricos das ciências sociais, históricas e culturais desde o século XIX. O primeiro método entende que a função do historiador consiste em compreender hermeneuticamente ou interpretar as ações humanas e seus significados. Portanto, os acontecimentos históricos devem ser entendidos a partir das crenças e intenções dos agentes. A abordagem interpretativa foi utilizada em diferentes graus de profundidade e com o decorrer do tempo gerou modelos mais complexos possuidores de validade. Contudo, a perspectiva interpretativa resultou, também, em casos de mera prática instruída ou teoricamente equivocadas. O método explicativo chegou a resultados semelhantes ao cair em táticas baseadas no senso comum, o qual impregnava as ciências sociais e culturais à época (RINGER, 2004).

A divergência acerca dos métodos interpretativo e explicativo fora solucionada por Weber a partir de reformulações altamente relevantes: inicialmente, a adoção de um complexo sistema de análise causal singular. Em segundo lugar, o modelo de interpretação desenvolvido por Weber funda-se “na atribuição hipotética de racionalidade que independe de pressupostos

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subjetivos e naturalistas, ao mesmo tempo que redefine o processo hermenêutico como uma forma de análise causal singular” (RINGER, 2004, p. 16). Ao interpretar um fato do passado, inicia-se com a suposição de que os agentes buscavam racionalmente fins apropriados. A racionalidade hipotética atribuída aos agentes, dessa forma, constitui-se em uma forma de racionalidade instrumental ou técnica. Em verdade, o que atribui-se ao agente é nossa própria racionalidade.

A íntima relação entre interpretação e explicação, no trabalho de Weber, expressa-se pelo desenvolvimento dos “tipos ideais”. Esses, constituem

simplificações ou caracterizações “unilateralmente” exageradas de fenômenos complexos que podem ser hipoteticamente concebidos e depois “comparados” com as realidades que devem elucidar. Muitas vezes, os tipos ideais que Weber sugeria eram modelos de ação racional; outras, padrões ou processos imputáveis a conjuntos simplificados de causas. Permitiam que elementos selecionados, no interior de sequências causais ou comportamentais, fossem atribuídos a causas, crenças ou motivos específicos (RINGER, 2004, p. 16-17).

Weber desenvolve o modelo de tipos ideais com a finalidade de obter uma descrição “genética”1 do conteúdo de determinado conceito. Ressalta-se que não se trata da realidade

histórica nem da realidade autêntica, tampouco inclui a realidade a título de exemplo, mas constitui um quadro de pensamento. O tipo ideal, em verdade, “tem, antes, o significado de um conceito-limite, puramente ideal, em relação ao qual se mede a realidade a fim de esclarecer o conteúdo empírico de alguns de seus elementos importantes, e com o qual esta é comparada” (WEBER, 2001, p. 138). Portanto, construímos relações que possuem como base as configurações que constituem os conceitos “genéticos”. Para tanto, utilizamos a categoria de possibilidade objetiva que nossa imaginação, construída e orientada de acordo com a realidade, julga adequadas.

O tipo ideal, dessa forma, apreende os indivíduos históricos ou os seus elementos diversos em conceitos genéticos. Por meio da classificação pura, podemos analisá-los numa miríade de características, de forma que somente o conteúdo ou o limite entre ambos os conceitos permanecerá indistinto. Para Weber (2001, p. 138), tomando como exemplo os conceitos de “igreja” e “seita”,

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O conceito “genético” difere-se do conceito “genérico” por sua rejeição à generalização pelo uso da observação de regularidades na formação do processo de conhecimento. Ele faz a apreensão da singularidade histórica de determinado fenômeno de modo que o diferencie de outras singularidades, dentro da perspectiva de significação cultural (WEBER, 2001).

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se quisermos compreender o conceito de “seita” de modo genético, isto é, com referência a certos significados culturais importantes que o “espírito sectário” teve para a civilização moderna, aparecem então certas características essenciais e precisas de ambos, visto que se encontram numa relação causal adequada relativamente àqueles efeitos. Ora, os conceitos se tornam, então, tipos ideais, isto é, não se manifestam na sua plena pureza conceitual, ou apenas de forma esporádica o fazem. Aqui, como em qualquer outro campo, qualquer conceito que não seja puramente classificatório nos afasta da realidade. Mas a natureza discursiva do nosso conhecimento, a circunstância de apenas captarmos a realidade através de uma cadeia de transformações na ordem da representação, postula esse tipo de taquigrafia conceitual.

A formulação da espécie de conceito referida acima, segundo Weber (2001), serve à significação prática e à conceituação unívoca. Além disso, o autor alerta que deve-se distinguir entre as ideias historicamente comprováveis que dominam os homens e os elementos da realidade histórica dos quais se pode fazer a abstração do tipo ideal. As ideias que dominam ou atuam de forma difusa sobre os homens de determinada época somente podem ser compreendidas sob a forma de um quadro de pensamento complexo, sob a forma de um tipo ideal. A maior vastidão de relações que devem ser expostas ou a maior diversificação de sua significação cultural leva à maior aproximação do tipo ideal à sua construção sistemática num sistema conceitual. Assim, tanto menos será possível obter-se um único conceito a partir desse gênero.

Weber (2014) entende que toda interpretação tende a encontrar evidências. A evidência de uma compreensão pode ser de caráter racional (lógico, matemático) ou de caráter endopático (afetivo). A evidência endopática de uma ação mostra-se presente quando se consegue reviver plenamente a conexão de sentimentos que se viveu nela. Verifica-se a existência do grau máximo de evidência nas interpretações de ações no âmbito dos fins quando alguém, fundamentando-se nos dados oferecidos por fatos da experiência que nos são conhecidos e em determinados fins, deduz para sua ação as consequências claramente inferíveis acerca da classe de meios que deve empregar.

Contudo, de acordo com Weber (2014), muitos dos valores e fins que aparentam orientar a ação de um homem não podem ser compreendidos totalmente, com evidência plena, se não somente em certas circunstâncias conseguimos captá-los intelectualmente com dificuldades crescentes em revivê-los pelo método endopático na medida em que se afastam mais radicalmente de nossos próprios valores. Temos, então, que nos restringir, se for o caso, à sua

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interpretação exclusivamente intelectual, ou, em determinadas circunstâncias, podemos aceitar estes valores e fins meramente como dados.

Dessa forma, os dados servem para compreender o desenvolvimento da ação por eles motivada através da melhor interpretação intelectual possível ou reviver seus pontos básicos da forma mais próxima possível. A essa classe pertencem muitas ações religiosas, fanatismos de racionalismo extremado, emoções reais e reações irracionais derivadas delas. Assim, mesmo que nossa capacidade de revivê-las seja superada por suas intensidades, podemos compreendê-las endopaticamente em seus sentidos e medir intelectualmente seus efeitos sobre os meios de ação (WEBER, 2014).

Weber (2014) compreende que o método de construção dos tipos ideais investiga e expõe todas as conexões de sentido irracionais, emocionalmente condicionadas, do comportamento que influenciem a ação, como desvios de um desenvolvimento da mesma construído como puramente racional no âmbito dos fins. Nesses casos, a construção de uma ação estritamente racional no âmbito dos fins funciona como um tipo ideal, por meio do qual se busca compreender a ação real, influenciada por irracionalidades diversas, como um desvio do desenvolvimento esperado da ação racional. Segundo a análise de Carl G. Hempel (2000, p. 230):

Um tipo ideal, de acordo com Weber, é um construto mental formado pela síntese de muitos fenômenos concretos individuais difusos, mais ou menos presentes e ocasionalmente ausentes, que são organizados, de acordo com certos pontos de vista unilateralmente acentuados, num construto analítico unificado, que em sua pureza conceitual não pode ser encontrado na realidade; é uma utopia, um conceito-limite, com que os fenômenos concretos somente podem ser comparados a fim de se explicar alguns de seus componentes importantes.

Os tipos ideais, para Hempel (2000, p. 237), permitem explicar fenômenos históricos ou sociais concretos, como o desenvolvimento do capitalismo moderno, em sua individualidade e unicidade. Isso consiste em “apreender as relações causais particulares que interligam os elementos relevantes da ocorrência (...). Se tais relações devem propiciar uma explicação sociologicamente importante, elas devem ser (…) não só 'causalmente adequadas' mas também dotadas de significado.” Ou seja, essas relações devem se referir a expressões do comportamento humano que são cognoscivelmente motivadas por valorações ou outros fatores impulsionadores. Os princípios que demonstram essas conexões são caracterizados como regras empíricas gerais.

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Seguindo o pensamento de Weber, a respeito da relação entre fenômenos culturais e tipos ideais, é pertinente esclarecer que

(…) encaramos intencionalmente o “tipo ideal” como uma construção intelectual destinada à mediação e à caracterização sistemática das relações individuais, isto é, significativas pela sua especificidade, tais como o cristianismo, o capitalismo etc. Isso se deu para eliminar a opinião corrente de que, no domínio dos fenômenos culturais, o típico abstrato é idêntico ao genérico abstrato. Esse não é o caso. Sem procurarmos analisar aqui logicamente o conceito de “típico”, tão discutido e tão desacreditado pelo abuso que dele se faz, podemos já deduzir de nossos estudos precedentes que a formação de conceitos de tipos no sentido da eliminação do “acidental” também, e sobretudo, tem lugar no estudo das individualidades históricas (WEBER, 2003, p.115).

De fato, a transformação de conceitos genéricos gerados pela história concreta e por enunciados históricos, por meio da abstração e acentuação de certos elementos conceitualmente essenciais, construindo, assim, um tipo ideal, é um dos usos mais práticos da metodologia tipológica. Esses tipos ideais são, naturalmente, individuais, e, portanto, construídos a partir de elementos conceituais possuidores de caráter genérico.

Não obstante, é válido destacar que os tipos sociais não estão sujeitos à imutabilidade. O estudo das ações sociais e dos fenômenos sociais sempre estará em alternância entre a construção de conceitos, com a finalidade de ordenar teoricamente os fatos, e a desconstrução desses mesmos conceitos devido à expansão dos limites investigativos da ciência e à criação de novas composições conceituais a partir dos fundamentos criados pelos referidos conceitos.

Nesta dissertação, serão utilizados tipos relativos à democracia, elaborados por autores específicos. Em seguida, serão apontados os tipos de democracia mais adequados ao desenvolvimento do Brasil segundo os critérios de potencialidade de maior efetivação dos direitos humanos pela política e pelo sistema democrático, ao mesmo tempo em que expanda a implementação de processos de controle social das instituições públicas e dos processos de tomada de decisão.

1.2 Alguns aspectos históricos da democracia representativa

A história das instituições políticas da Europa, berço do surgimento da democracia representativa, é dividida em quatro períodos gerais por François Guizot (2008, p. 75). O primeiro período refere-se ao panorama composto pela liberdade natural, as primeiras tentativas

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de criação de um sistema monárquico e o nascimento dos elementos primários do regime feudal, tendo perdurado do século IV ao século XI. O segundo período engloba a vigência do sistema feudal e caracteriza-se pela organização federativa e hierárquica da aristocracia feudal, a redução da maior parte da população à escravidão e a quase absoluta difusão da soberania, a qual era exercida pelos senhores feudais, resultando no desaparecimento do regime monárquico, com vigência até o século XIII. O terceiro período compete à dissolução do sistema feudal e prevaleceu até o século XVI. O quarto período é marcado, na Inglaterra, pelo avanço do sistema representativo e formação do sistema puramente monárquico. Vemos, nessa fase, o barbarismo e o feudalismo dissolverem-se diante do poder absoluto, não obstante o desaparecimento da liberdade política. Essa época vai do século XVI até a Revolução Francesa. Em verdade, Guizot (2008) considera fundamentais para a compreensão da formação do sistema democrático representativo a análise do primeiro, do terceiro e do quarto período (este somente em relação à Inglaterra).

Inicialmente, é importante destacar o período anterior ao nascimento do Estado Moderno, o qual possibilitou o surgimento da democracia representativa, a Idade Média. Esta constitui um longo período de transição que vai do século V até o final do século XIV, bastante complexo e subdividido em diferentes períodos com características específicas. De acordo com Gilmar Antonio Bedin (2013, p. 31), a “Idade Média Central é considerada o período feudal em sentido estrito.” Assim, o feudalismo é marcado por “relações de dependência muito desenvolvidas; grande enrijecimento das hierarquias sociais; fragmentação do poder central e privatização da defesa e da guerra.” (BEDIN, 2013, p. 33). A Baixa Idade Média é o período histórico que traz o esgotamento e crise dos pressupostos estruturantes da sociedade feudal, preparando uma transformação impactante que abriria espaço ao mundo moderno.

A sociedade feudal começou no início do século XIV, a vivenciar uma crise estrutural causada principalmente pela ocorrência da peste, da fome e da guerra, que levariam ao total colapso do sistema. A nova configuração social surgida apresenta o florescimento do comércio, da urbanização, de novas ideias e do progresso da civilização. Vê-se a formação de uma nova classe social que teria um papel decisivo na história da Europa moderna: a burguesia. As cidades onde habitavam tornavam-se centros politicamente autônomos com o desenvolvimento de novos instrumentos de exercício do poder, indicando a inauguração do fenômeno político que ocorreria no período seguinte. Esse conjunto de circunstâncias resultou no declínio do poder Papal e de sua hegemonia social e intelectual, além da ruptura dos laços com os poderes locais

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(BEDIN, 2013). Segundo Cueva (1996, p. 33), o que se produziu a partir da segunda metade do século V, abriu as portas para uma etapa da história europeia plena de situações confusas, à qual faltaram estruturas políticas estáveis. Diante do caos, a sociedade voltou-se ao estabelecimento de um poder central em torno da monarquia.

Segundo Fábio Konder Comparato (2010), a partir do século XI o “Terceiro Estado” começa a conquistar reivindicações específicas, principalmente em torno da liberdade. Esse fator é reforçado em razão da abertura de vias de comércio marítimas, as quais deram origem aos burgos, locais de grande concentração de negócios e riquezas. Além disso, a Europa vivenciou, entre o século XI e XIII, um período de revolução técnica, a qual impulsionou o progresso da estrutura produtiva. Assim, com a evolução do comércio tornou-se necessário haver mais certeza jurídica e consequentemente uma maior limitação do poder político.

De acordo com Bedin (2013), a ascensão da burguesia possibilitou outro fenômeno importante: uma nova atitude intelectual, própria do Renascimento, que, como o próprio nome sugere, constitui uma recuperação de valores clássicos pelos humanistas, os quais, na medida em que reconheceram que os textos resgatados tinham sido escritos em um contexto totalmente distinto do medieval, gradualmente começaram a adotar uma nova atitude em face do mundo antigo (SKINNER, 1996, p. 106). Ao resgatar a Antiguidade Clássica, os renascentistas desenvolveram valores humanistas, racionalistas e individualistas. O rompimento com a dominação da Igreja, então, levou os intelectuais a buscarem no homem e na razão o centro do universo, e não mais no poder divino. O indivíduo passou a ser a referência fundamental da sociedade moderna em formação. A Reforma Protestante e a Contra-Reforma, então, completaram as condições necessárias para que se colocasse em movimento as engrenagens da sociedade moderna. Não obstante, é válido mencionar os demais fatores que influenciaram a formação do Estado Moderno:

a luta contra os poderes locais e universais da religião como fonte de legitimidade e de identidade do Estado; a constituição dos chamados monopólios estatais (distribuição da justiça, emprego da violência legítima, arrecadação de impostos, etc) e a delimitação territorial e pessoal do Estado moderno. Em relação ao primeiro aspecto, a luta contra os poderes locais e universais, é importante observar que, nos séculos 16 e 17, os monarcas dominaram ou aniquilaram os principais poderes que lhes faziam concorrência (BEDIN, 2013, p. 82).

Guizot (2008) afirma que o primeiro período, que vai do século IV ao XI, não demonstra, ainda, o estabelecimento de instituições políticas, mas é marcado pela introdução

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dos povos germânicos no território romano. Contudo, vemos que no terceiro período a dinâmica do sistema feudalista, até então tão bem apropriada pela sociedade medieval, sinaliza em direções abruptas: a expansão do poder real, a emancipação dos habitantes das cidades e trabalhadores dos campos e a ambição real do senhor feudal. Tudo isso alterava a tendência da soberania para a concentração e da liberdade para a difusão. Somado a isso, tem-se a confluência do início da formação de uma unidade nacional com o surgimento de uma unidade monárquica.

Nesse sentido, Bedin (2013) entende que ocorrem dois movimentos simultâneos: de centralização e concentração do poder. Os senhores feudais perdem o poder que aos poucos passa a concentrar-se nas mãos do rei, o qual absorve competências que poderiam estar submetidas aos parlamentos e tribunais. A centralização, então, pode ser entendida como oposta ao “localismo” como pluralidade de âmbitos de poder, prevalecente na Idade Média. Essa foi uma situação vivenciada, por exemplo, pela Inglaterra, desde o século XI, desde a ocupação efetuada por Guilherme, o Conquistador, duque da Normandia, no ano de 1066, ocasião em que iniciou um arrebatamento das terras dos senhores feudais anglo-saxões (KOSMINSKY, s.d., p.121).

Nesse período, vemos em Guizot (2008) que as tentativas de estabelecimento de um governo representativo mostravam-se infrutíferas devido à falta de credibilidade do regime e ao pouco amadurecimento de uma sociedade ainda arraigada na servidão. A sociedade da época ainda não encontrava-se consolidada a ponto de sustentar as instituições políticas necessárias ao equilíbrio da força da lei e da garantia da liberdade. Somente no período seguinte, na Inglaterra, vê-se o delineamento de instituições democráticas representativas de fato.

A formação política e cultural da Inglaterra é marcada fortemente pela invasão dos povos bárbaros, o que resultou em uma fusão única de costumes com aqueles romanos. Sem articulação ou organização estabelecida, esses costumes eram confusos e caóticos, de prevalência local e individual. Originalmente, os povos anglo-saxões possuíam somente instituições locais. Como sociedade fundamentalmente rural, seus interesses não estendiam-se além de sua propriedade, de seu sustento. Gradativamente começam a formar-se pequenas agregações para o enfrentamento de conflitos e invasões externas. Essas agregações organizam a administração da justiça, o policiamento, uma milícia pública e tributação. Logo surgem hostilidades entre agregações vizinhas, o que resulta na concentração de poder por algumas delas. Assim, surgem líderes que começam a espalhar sua influência para territórios cada vez

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mais amplos. Nesse sentido, Guizot (2008) entende que a infância das civilizações caracteriza-se pelas instituições locais e pela descentralização do poder, ao passo que elas decaracteriza-senvolvem-caracteriza-se, há uma tendência para a centralização.

As instituições públicas da monarquia anglo-saxã, apresentam, portanto, a existência de instituições de dois tipos: “instituições centrais, totalmente nas mãos dos thanes e cujo objetivo era garantir a interferência da nação em seu próprio governo; e instituições locais, que regulavam os interesses e garantias locais que se aplicavam igualmente a todas as classes da comunidade” (GUIZOT, 2008, p. 108). As instituições locais compunham-se de assembleias de homens livres eleitos pelos proprietários de terras entre os presidentes de subdivisões territoriais, centros de união, onde reuniam-se os habitantes para discutir assuntos de interesse comum, além de tribunais que originaram o júri. Essas instituições garantiam a ordem interna do Estado e a liberdade pública. Eram tão significativas que resistiram ao sistema feudal e vieram a originar o sistema representativo na Inglaterra, apesar de não fundarem-se no princípio do governo representativo mas no direito individual.

As instituições centrais anglo-saxãs, segundo Guizot (2008), compunham-se da assembleia nacional e do gabinete real. Realizar assembleias era costume germânico e foi mantido pelos invasores. A assembleia nacional ou Wittenagemot, a assembleia dos homens sábios, apesar de inicialmente ser aberta a todos os homens livres, passou a ser frequentada apenas por grandes proprietários de terra em razão da distância. Nessa assembleia, os proprietários colocavam em disputa seus interesses individuais e era explicitada a grande desigualdade material. A delimitação entre o que competia à Wittenagemot ou ao monarca decidir era confusa. Contudo, sabe-se que entre suas principais funções estava a defesa do reino, a supervisão das propriedades reais e a direção dos negócios eclesiásticos. O direito de participar da assembleia era um direito pessoal e não podia ser transferido. É válido destacar que, inicialmente, a convocação e o direito de presidir as assembleias era privilégio do monarca. Porém, com a dissolução do poder real os grandes proprietários começaram a gerir por si próprios todos os assuntos e decisões relativas ao Estado.

Portanto, para Guizot (2008), o grande diferencial da Inglaterra em comparação aos outros países europeus consistiu em que até o século XIV ela apresentou sempre a divisão de poderes. Seja pela Wittenagemot, Assembleia dos Barões ou, mais tarde, por meio do Parlamento, sempre houve uma força associada à soberania que intervinha no poder central. Essa divisão do poder causava conflito constante e opressão das massas, servindo para tornar o

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despotismo mais instável. No decorrer desse período, esse fato resultou em duas situações peculiares que, então, promoveram a liberdade. A primeira era o não reconhecimento da legitimidade de um poder único e absoluto. A segunda situação diz respeito ao fato de que cidades desenvolveram-se longe do poder do rei, e quando adquiriram capacidade de participar na vida política, foram acolhidas no grande conselho do rei, o qual nunca havia deixado de existir.

Portanto, de acordo com Guizot (2008), encontramos na Inglaterra a concepção de que a soberania deve ser limitada, a divisão real do poder central antes do século XIII, além de que o direito de resistência à opressão era legal e a supremacia da lei estava sedimentada socialmente. Pode-se afirmar que as instituições normandas e saxãs originaram o governo inglês. Nesse sentido, ao decorrer do tempo, a persistência das instituições locais na Inglaterra permitiu o desenvolvimento orgânico de um poder central, resultando no nascimento de um governo livre. A monarquia anglo-normanda mobilizou os barões (aristocracia) para o reconhecimento de sua legitimidade, o que acabou resultando nas cartas régias de reconhecimento de direitos.

As cartas de direitos evoluem naturalmente na Inglaterra como frutos da disputa de poder constante entre aristocracia e monarquia. Nesse sentido, é válido destacar a relação fundamental entre liberdades, direitos e garantias expressa por Guizot (2008, p. 493):

As liberdades não são nada até que se transformem em direitos – direitos positivos formalmente reconhecidos e consagrados. Os direitos, mesmo quando reconhecidos, não são nada se não estiverem salvaguardados por garantias. E, finalmente, as garantias não são nada até que sejam mantidas por forças independentes delas, no limite de seus direitos. Convertam liberdades em direitos, cerquem os direitos com garantias e confiem a manutenção dessas garantias a forças capazes de mantê-las – estes são os passos sucessivos no progresso para um governo livre.

Desse modo, a Inglaterra empreende um passo fundamental para a formação do sistema representativo, a frente de outras partes da Europa, ao iniciar a edição de cartas régias ou de direitos. A mais representativa do período é a Magna Carta, decretada por João Sem Terra em 1215. A carta fazia concessões aos interesses do clero, da nobreza e, em muito menor escala, do povo (KOSMINSKY, s.d. p.124). Contudo, ela contém também cláusulas mais gerais, de interesse da nação como um todo. Porém, a única garantia para os direitos enunciados era a eminência de uma guerra civil, a qual ocorreu, de fato, e também nos reinados sucessivos, diversas vezes (GUIZOT, 2008).

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Para Facchi (2011), das declarações de direitos dos territórios da Europa medieval, a Magna Carta consistiu em um documento que reconhecia tutelas especiais para determinados segmentos da população, ao formalizar costumes já existentes, freando a expansão do poder dos monarcas. Sua expressividade deve-se, inclusive, à enunciação do princípio do habeas

corpus, o qual

(t)Trata-se da primeira afirmação de um valor – a integridade do corpo humano – contraposto a todo poder, incluído o do soberano, e da primeira institucionalização de uma esfera de autonomia individual, em relação à qual a interferência externa deve ser justificada pelo direito. A Magna Charta contém, ainda que embrionariamente, alguns princípios que serão fundamentais no desenvolvimento do direito moderno e dos direitos de liberdade. Além do princípio da legalidade, expresso na afirmação de que nenhuma providência de limitação da liberdade pessoal pode ser adotada sem um juízo emitido “pela lei da terra”, há os da necessária proporcionalidade entre crime e sanção, e o do justo processo, que – afirma-se – não pode ser vendido nem negado a ninguém, nem protelado no tempo, e o da liberdade de movimento, garantida aos mercadores seja com circulação dentro da Inglaterra, seja como possibilidade de ir e retornar a ela. (FACCHI, 2011, p. 25-26)

Apesar da falta de garantias legais e da ausência de aplicação de seus termos, a Magna Carta serviu continuamente de ponto de referência para a aristocracia e o Parlamento em seu longo conflito com o poder real. Esses direitos, em verdade, não se referem a direitos subjetivos ou a direitos do homem cujas concepções ainda não estão completas. Eles enunciam isenções, imunidades ou privilégios e não eram atribuídos a todos. Eram fundados na posição social do sujeito e se constituíam, portanto, em espécies de “direitos” particulares. A formação teórica e institucional dos direitos do homem fundamenta-se, ao contrário, em uma revolução conceitual marcada pelo surgimento da igualdade natural dos homens. (FACCHI, 2011).

Nesse sentido, para Bedin (2002), a concessão de direitos somente foi plenamente institucionalizada, na Idade Moderna, com as declarações de direitos de 1776, a Declaração da Virgínia, e a Declaração da França de 1789. A conquista de direitos, especificamente os de primeira geração, os quais consistem nos direitos civis e políticos, foram formalizados bem mais tarde, no século XVIII e XIX. Eles marcam a divisão da sociedade em uma esfera pública, concernente ao Estado, e uma esfera privada, relativa à sociedade civil. Esses direitos, fundamentais à sustentação da democracia moderna, são as liberdades físicas, as liberdades de expressão, a liberdade de consciência, o direito de propriedade privada, os direitos da pessoa acusada e as garantias dos direitos.

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Segundo Bedin (2002), a emergência desses direitos só foi possível a partir do surgimento de um modelo de sociedade individualista, a qual considera o indivíduo como anterior e superior ao Estado, diferente do modelo de sociedade organicista, em que o todo ou o Estado é superior e anterior às partes e o qual prevaleceu até o século XVII. Outra novidade foi o surgimento da concepção fundamentava-se na crença da origem natural do Estado, enquanto o novo modelo de sociedade fundou-se na origem contratual. Isso trouxe consigo a concepção de igualdade humana, ao menos em dignidade e direitos, em contraposição à crença até então vigente da desigualdade natural dos homens.

De acordo com Faccchi (2011), a conceituação completa dos direitos do homem está intrinsecamente relacionada aos pressupostos individualistas e racionalistas. Mais precisamente, só é possível a partir da mudança da fundamentação divina do direito natural ao fundamento da razão humana. Nesse ponto, as teorias contratualistas, especialmente de Thomas Hobbes e John Locke, cujas ideias de um estado de natureza nos quais a igualdade e a liberdade naturais de todos os homens compõem o contexto no qual um pacto entre os súditos origina o poder soberano, atingem suas mais significativas formulações.

Outro entendimento imprescindível para a formulação da democracia representativa consiste, de acordo com Claude Lefort (1983), na ideia de que o poder não pertence a um príncipe, não pertence a ninguém, mas refere-se a um lugar vazio. O desenvolvimento do Estado democrático e a instituição dos direitos do homem destacam uma mutação do mundo político que se opera nos limites da formação do Estado de direito. Esse Estado surgiu de uma laicização de valores cristão de um lado, e por outro lado da “mediação de valores jurídicos-racionais que sustentavam já uma definição de soberania do povo, do cidadão, da distinção do público e do privado, etc.” (LEFORT, 1983, p. 53). A revolução política moderna se deve ao desaparecimento do “corpo do rei”, concomitantemente do corpo da sociedade, que identificava-se com o monarca.

Para Lefort (1983), a sociedade no Antigo Regime representava sua unidade e identidade como um único corpo social, que se ligava ao corpo do rei. Na Idade Moderna, o desenvolvimento do individualismo e da ideia de igualdade de condições referida por Tocqueville desintegrou massivamente essa concepção. Com o surgimento da democracia, entende-se que ocorre uma “desincorporação dos indivíduos” e uma separação da sociedade civil do Estado, que até o momento eram inerentes ao corpo do rei. Essa emergência das

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relações sociais implica em um desintrincamento entre o poder, a lei e o saber. Não há mais poder vinculado a um corpo: o poder é um lugar vazio.

Para Guizot (2008), a democracia representativa tem como marco fundamental a institucionalização do Parlamento, o qual constitui-se na sede do governo. Ele surge da transformação do Conselho dos Barões, ao introduzir-se deputados dos condados na assembleia nacional no século XIII. Os Parlamentos convocados criticaram as violações à Magna Carta e comandaram uma ampla reforma no governo e em 1258 e ficaram responsáveis pela administração da justiça, correção de abusos e reforma constitucional. Com a degenerescência de seus membros e a revolta gerada, viu-se surgir um terceiro poder. Ao início do século XIV o Parlamento já apresentava uma convocação menos irregular e uma base fixa, apesar de não estar constituído definitivamente. Sua constituição atual, em duas câmaras, data da metade do século XIV (KOSMINSKY, s.d., p. 124-125). A liberdade pública, então, pôde ser defendida com uma Câmara dos Comuns forte. Assim, a influência do Parlamento aumentou gradativamente até o reinado de Henrique VI. Contudo, durante as guerras das Rosas Vermelha e Branca, a aristocracia feudal destruiu-se. Quando do reinado de Henrique VII, nem os barões, nem a Câmara dos Comuns tinha poder suficiente para frear a realeza. Durante a dinastia Tudor no século XVI, viveu-se um período de letargia e o poder absoluto reinou na Inglaterra. A influência total do Parlamento só foi reconquistada com a grande Revolução do século XVII.

De acordo com Comparato (2010, p. 61-62), os dois séculos que sucederam a Idade Moderna vivenciaram uma “crise de consciência europeia”, a qual resultou, na Inglaterra, em um questionamento das certezas e ressurgimento da aspiração à liberdade e da resistência à tirania. A devastação provocada pela guerra civil, a crueza da dinastia dos Stuart e a ditadura republicana do Lord Protector fizeram ressurgir o temor aos perigos provocados pelo poder absoluto. Desse modo,

A instituição-chave para a limitação do poder monárquico e a garantia das liberdades na sociedade civil foi o Parlamento. A partir do Bill of Rights britânico, a ideia de um governo representativo, ainda que não de todo o povo, mas pelo menos de suas camadas superiores, começa a firmar-se como uma garantia institucional indispensável das liberdades civis.

Segundo Facchi (2011), nos anos seiscentos, na Inglaterra, emergem a Petition of Rights em 1628 e o Habeas Corpus Act em 1679. Com o fim do período de conflitos civis, nos quais surge o movimento democrático dos Levellers, resulta a Glorious Revolution e a promulgação

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da Bill of Rights em 1689, a qual marca o fim do poder absoluto da monarquia ao subordinar a Coroa às leis feitas pelo Parlamento.

A Inglaterra, no século XVII, ressaltou aspectos de vivência constitucional que acabariam por impulsionar a formação do Estado Democrático de Direito. De acordo com Paula Marques (2007), apesar de não possuir uma Constituição, as constantes tentativas de estabelecer limitações ao poder político do governante real e as frequentes referências à Magna Carta como afirmação de um direito antigo pertencente a uma tradição imemorial de liberdades e direitos, caracterizam, de certa forma, uma fundamental law. De fato, o direito comum ou a common

law já tinha firmado suas bases no reinado de Henrique II. A Magna Carta, então, ao ser

afirmada em 1301, passou a possuir o status não só de common law como de statue ou de direito antigo com força obrigatória em todo o território.

Para Paula Marques (2007), a ideia da existência de um direito ancestral ou uma ancient

constitution que limitaria o exercício do poder pelos monarcas foi expressa, no século XVII,

por Sir Edward Coke no Doctor Bonham's Case. Em sua opinião, Coke identificou a concepção de direito ancestral com a common law e elevou o judiciário a um status política autônomo, idêntico ao Parlamento e à Coroa. De acordo com Ferreira Filho (1987), o juiz Coke expressou o princípio da rule of law: a ausência de poder absoluto, a igualdade perante a lei, e a Constituição como resultado e não origem dos direitos individuais, pois a Constituição reúne os direitos individuais estabelecidos em casos concretos trazidos às cortes.

A forma de Estado Moderno mais avançada consiste no Estado de Direito ou Estado Democrático de Direito. Consoante a Norberto Bobbio (1997, p. 155), como derivação do princípio inglês da rule of law, a doutrina sobre o modo de governar dominante tornou-se a doutrina do Estado de Direito, a qual possui como “princípio inspirador a subordinação de todo poder ao direito, do nível mais baixo ao nível mais alto, através daquele processo de legalização de toda ação de governo que tem sido chamado, desde a primeira constituição escrita da idade moderna, de constitucionalismo."

A submissão do poder político ao direito, conforme entendimento weberiano, expressa-se pela legitimação do estado por meio do exercício do poder de acordo com a lei. Da mesma forma, a doutrina kelsiana valida o estado de direito através de sua interpretação do ordenamento jurídico, a qual concede à norma das normas o poder de validade de toda a cadeia de normas que originam os poderes e lhe concede legitimidade. Diante disso, Bobbio (1997)

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compreende a democracia representativa essencialmente como o governo das leis, ou seja, como um conjunto de regras que determinam o jogo ou o modo de governar.

1.3 Um tipo ideal de democracia representativa: otimizando a representação e o controle dos processos de tomada de decisão pública

A democracia moderna, em uma de suas compreensões mais difundidas, pode ser situada de acordo com a dimensão normativa através da qual esta se constitua num Estado Democrático de Direito. A democracia substancial ou social, refere-se ao “Estado de direito dotado de efetivas garantias, sejam liberais ou sociais.” Por outro lado, democracia formal ou política, refere-se ao "Estado político representativo, isto é, baseado no princípio da maioria como fonte de legalidade,” (FERRAJOLI, 2002, p. 694) ou ao “quem” e “como” decidir. A democracia substancial, ainda, diz respeito às fontes e às maneiras de construção de normas primárias. Relacionam-se aos seus conteúdos substanciais uma vez que preocupam-se com “o que” se deve ou não deliberar. Já, sociais, em relação àquelas políticas acerca da representação, porque possuem as seguintes funções:

enquanto o Estado representativo consente que a soberania resida no povo, e que portanto o seu exercício seja legítimo enquanto represente a vontade da maioria, o Estado de direito requer que as instituições políticas e jurídicas sejam instrumentos voltados à satisfação dos interesses primários de todos, e sejam, outrossim, legítimas enquanto concretamente tutelam e realizam tais interesses. (FERRAJOLI, 2002, p. 694)

Apesar do fato de que as duas esferas de conceitos acerca da democracia são independentes, bem como o sistema de garantias constitucionais que apoiam cada uma delas, os princípios da democracia substancial são, em verdade, prejudiciais às regras de democracia política. A democracia formal, objeto inicial de estudo deste trabalho, refere-se a um sistema garantidor de requisitos formais, com vistas à “mera legalidade” (FERRAJOLI, 2002).

O princípio fundamental do governo representativo, para Guizot (2008, p. 144), reside no fato de que “como direito, a soberania não pertence a nenhum indivíduo, já que o entendimento perfeito e contínuo e a aplicação estabelecida e inviolável da justiça e da razão não pertencem à nossa natureza imperfeita.” Desse modo, a representação deve criar, por meio da pluralidade, uma unidade social, pois “convida a multidão a se reduzir à unidade e extrai a unidade do interior da pluralidade.” (GUIZOT, 2008, p. 147). Além disso, cabe à representação preservar a liberdade e ao mesmo tempo servir de barreira contra a tirania e a total confusão.

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Guizot (2008) considera, portanto, como três as condições essenciais ao sistema representativo: a divisão de poderes, eleições e publicidade.

A democracia indireta, para Guizot (2008, p. 543), relaciona-se diretamente à estruturação de um sistema de representação. Ao contrário da posição de Rousseau, para quem a representação é falsa, uma vez que a soberania reside somente no próprio indivíduo, pois “a única lei legítima para o homem é sua vontade individual”, para Guizot (2008), a razão é a lei máxima e não pode ser produto da natureza individual do homem. Assim, a vontade individual não é o objeto da representação. A representação é um método pelo qual se chega à razão pública, e não uma mera soma de vontades individuais.

Para Goyard-Fabre (2003) há princípios que, desde seu surgimento, sustentaram e regularam a democracia são encontrados nas ideias de Constituição e de política, de povo e de cidadania, de lei e de legalidade. Goyard-Fabre (2003, p. 50) ressalta, como elemento constante, que “a soberania pertence não a uma parte mas ao conjunto dos cidadãos que formam o povo ou o corpo político”. Um aspecto importante consiste em que haja “a presença dos governados no exercício do poder.” (GOYARD-FABRE, 2003, p. 13)

A ciência política em geral concorda que, para que um país seja reconhecido como democrático, é imperiosa a presença de determinadas circunstâncias em sistemas de grande escala de democracia representativa. Nesse sentido, conforme proposta de Robert A. Dahl (2001, p. 99), seriam necessárias: “1. Funcionários eleitos, 2. Eleições livres, justas e frequentes, 3. Liberdade de expressão, 4. Fontes de informação diversificadas, 5. Autonomia para as associações, 6. Cidadania inclusiva.”

Para Guilhermo O'Donnell (2011, p. 27), em relação à democracia em seu sentido político, num regime democrático deve haver “eleições razoavelmente competitivas, livres, igualitárias, decisivas e inclusivas.” Os partidos competidores devem possuir oportunidades razoáveis, potenciais e efetivas, para que suas propostas sejam conhecidas pelos eleitores. Além disso, as eleições devem ser institucionalizadas. O'Donnell (2011, p. 28) estabelece, inclusive, três condições para que a presença do elemento da decidibilidade:

Um, que os vencedores possam assumir os cargos governamentais correspondentes. Dois, que os funcionários eleitos, com base na autoridade atribuída a seus cargos possam tomar decisões que o quadro legal/constitucional de uma democracia normalmente autoriza. Três, que esses funcionários concluam seus mandatos nos prazos e/ou nas condições estipuladas por esse quadro legal/constitucional.

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Giovani Sartori (1994) destaca dois planos estruturantes da democracia: a democracia horizontal e a democracia vertical. Como implementação e difusão do plano horizontal, Sartori (1994) ressalta a democracia eleitoral, a democracia participativa e a democracia de referendo. A democracia eleitoral corresponde àquela democracia indireta, na qual o povo não governa mas escolhe, por meio de eleições, representantes para governá-lo. A relação entre democracia eleitoral e representativa pode expressar-se pela exigência da segunda para a realização da primeira, mas não exclusivamente dela. As democracias modernas são concomitantemente eleitorais e representativas.

Sartori (1994) elenca, para melhor esclarecimento das espécies citadas, a concepção de democracia direta e suas subespécies. Sumariamente, pode-se compreender a democracia direta como aquela em que não há representantes nem mecanismos de representatividade, ou seja, trata-se de uma democracia autogovernante. Contudo, a questão do autogoverno relaciona-se ao tamanho, bem como ao sentido e à realidade da democracia direta. Mais especificamente, pode-se distinguir entre a democracia direta observável, de tamanho pequeno, e a não-observável, cujo tamanho impede a observação. Como exemplo, a democracia dos antigos ou grega constituía uma democracia direta observável, uma vez que restringia a poucos milhares de cidadãos e tornava assim possível a observação do comportamento dos participantes. Em verdade, a ekklesia possuía um grau elevado de mediação, dessa forma a democracia grega somente poderia ser considerada direta parcialmente.

De acordo com Sartori (1994), a democracia de referendo, por sua vez, compete àquela forma na qual o conjunto dos cidadãos decide, através de instrumento individual (referendo), diretamente e não em reunião. Essa subespécie prescinde de intermediários, bem como da interação direta entre os participantes, tornando-se assim, isolada e individual. Esse modelo não está em prática na atualidade, mas seria tecnologicamente possível. É adequado frisar que a democracia representativa pode incluir decisões por referendo, mas a qual se está referindo aqui é aquela em que o referendo é o mecanismo de uma democracia. Nesse formato, não há debate nem formação de diálogo que leve à deliberação.

De fato, como escolha individual, a democracia de referendo está sujeita à circunstância de que “o que cada indivíduo deseja para si pode tornar-se, em termos globais, um resultado indesejável” (SARTORI, 1994, p. 162). Além disso, a democracia de referendo está sujeita a um problema fundamental: estabelece um mecanismo de soma zero. Isso quer dizer que as

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decisões são tomadas pela maioria literal, o que deixaria de lado as decisões das minorias numéricas. A maioria seria dotada de poder ilimitado ou absoluto, o que estabeleceria uma “tirania da maioria”, como caracterizado por Stuart Mill (2015).

Mill (2015) destaca o fato de que o segmento social governante não coincide sempre com o governado. Em alguns casos, a maioria do povo, tendo elegido um governante, pode voluntariamente querer suprimir um segmento de sua população que constitua uma minoria étnica, econômica, cultural ou religiosa. Assim, a limitação do poder dos governantes não é menos necessária quando os governantes respondem perante os governados. Portanto, em razão da tirania do corpo social contra partes individuais de si própria, torna-se necessário limitar o poder governante para prevenir uma tirania da maioria.

Ademais, tem-se a democracia participativa. Esta não elimina a representação nem as eleições. Ela busca superar a limitação imposta pelo fato de que a participação eleitoral não se consubstancia em participação real e nem é o momento mais adequado para ela. Esse modelo atribui uma posição de centralidade para a participação, tomando-se em conta o termo em sentido não diluído. A participação significa um tomar parte de forma individual e voluntária. Contudo, para Sartori (1994), a participação só é realmente autêntica em pequenos grupos. A participação, então, deve ser enfatizada em grupos pequenos, ativos e intensos, o que, inevitavelmente, aproximaria o participativista do modelo defendido pelos elitistas.

Para Arend Lijphart (2003), as democracias modernas, apesar das inúmeras variações nos aspectos que as compõem, tendem a situar-se entre os modelos de democracia majoritária e o modelo de democracia consensual. Esses sistemas podem ser melhor situados e compreendidos ao separar-se suas dez variáveis mais significativas em dua dimensões: a dimensão executivos-partidos e a dimensão federal unitária. A primeira refere-se, portanto, à composição estrutural do Poder Executivo, dos partidos políticos e grupos de interesse, enquanto a segunda geralmente relaciona-se ao contraste entre federalismo e governo unitário. A primeira característica de cada item dos dois conjuntos refere-se ao sistema majoritário, enquanto a segunda, ao sistema consensual. Dentro da primeira dimensão, verifica-se, segundo Lijphart, (2003, p. 19)

1. Concentração do Poder Executivo em gabinetes monopartidários versus distribuição do Poder Executivo em amplas coalizões multipartidárias.

2. Relações entre Executivo e Legislativo em que o Executivo é dominante versus relações equilibradas entre ambos os poderes.

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3. Sistemas bipartidários versus sistemas multipartidários.

4. Sistemas eleitorais majoritários e desproporcionais versus representação proporcional.

5. Sistemas de grupo de interesse pluralistas, com livre concorrência entre grupos, versus sistemas coordenados e “corporativistas” visando ao compromisso e à concertação.

Também, para esse mesmo autor, a segunda dimensão apresenta as seguintes variáveis:

1. Governo unitário e centralizado versus governo federal e descentralizado.

2. Concentração do Poder Legislativo em uma legislatura unicameral versus divisão do Poder Legislativo entre duas casas igualmente fortes, porém diferentemente constituídas.

3. Constituições flexíveis, que podem receber emendas por simples maiorias, versus constituições rígidas, que só podem ser modificadas por maiorias extraordinárias. 4. Sistemas em que as legislaturas têm a palavra final sobre a constitucionalidade da legislação versus sistemas nos quais as leis estão sujeitas à revisão judicial de sua constitucionalidade, por uma corte suprema ou constitucional.

5. Bancos centrais dependentes do Executivo versus bancos centrais independentes. (LIJPHART, 2003, p. 19)

O modelo bidimensional distingue-as em uma dimensão de poder conjunto e uma dimensão de poder dividido, de acordo com a terminologia mais exata. Dentro do primeiro grupo de variáveis os gabinetes de maioria mínima de um só partido representam um forte elemento, ao lado do número efetivo de partidos parlamentares. No segundo grupo, a variável federalismo-descentralização destaca-se como o elemento mais forte (LIJPHART, 2003).

O modelo majoritário é também usualmente conhecido como modelo Westminster de democracia. Reino Unido, Nova Zelândia e Barbados seguem mais radicalmente as dez variáveis relacionadas a esse sistema. O Reino Unido, país originante do modelo Westminster, possui o gabinete como instituição política mais poderosa. Ele é composto, normalmente, de membros do partido possuidor da maioria das cadeiras na Câmara dos Comuns, excluindo-se a minoria. Em razão do sistema partidário britânico comportar apenas dois partidos de forças equivalentes, uma grande minoria fica excluída do poder, falando-se, portanto, em gabinete de maioria mínima (LIJPHART, 2003).

Apesar do sistema parlamentarista britânico sugerir a dominância do Legislativo sobre o gabinete, em verdade o gabinete possui controle sobre o parlamento. O gabinete, ao ser formado por um partido majoritário coeso, usufrui do apoio da maioria da Câmara dos Comuns, a qual assegura sua permanência no poder e a aprovação de suas proposições legislativas. O sistema de eleições britânico é majoritário desproporcional. Cada distrito elege um único membro, o qual deve alcançar a maioria simples dos votos ou a maior minoria simples. Isso

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