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3 PROPOSTAS DE SUPERAÇÃO DA CRISE DEMOCRÁTICA ATRAVÉS DO

3.1 A necessária retomada da autoria social das instituições políticas e a reinvenção

Para Morris Janowitz (1975), o conceito original de controle social foi desenvolvido em função de um aspecto genérico da sociedade e serviu para a definição de uma base de compreensão para a análise da ordem social. O controle social, dessa forma, foi formulado para designar a capacidade de uma sociedade de regular a si própria. Enquanto o uso tradicional do termo perdurou, o conceito foi reformulado para agregar tanto a repressão social quanto a socialização. De fato, o conceito está diretamente ligado com o estudo do Estado-nação, com foco no que viria a ser chamado de macrossociologia.

A concepção de controle social surgiu em oposição às teorias de auto-interesse econômico, a partir da perspectiva de que a busca pelo interesse econômico individualista não é a responsável pelo comportamento social coletivo nem pela existência de uma ordem social e não supre uma fonte adequada para o alcance de objetivos éticos. Assim, como oposto do controle social entende-se como a organização social pautada pelo controle através da coerção (uso da força ou ameaça dela) (JANOWITZ, 1975).

O problema central do estudo do controle social reside não na adaptação do homem à sociedade, mas no esforço empreendido pelos homens na consecução de seus objetivos

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coletivos. Para tanto, as normas são frequentemente usadas como indicadores de controle social. Estas são aspectos importantes do controle social e constituem-se nas variáveis dependentes. Contudo, o controle social é muito mais amplo e suas variáveis incorporam as dimensões econômicas, ecológicas, tecnológicas e institucionais da organização social (JANOWITZ, 1975).

Após a Segunda Guerra Mundial, o conceito de controle social foi restringido, relacionando-se à conformação social. A relevância das pesquisas concentrou-se em seus resultados acerca das limitações dos líderes dominantes na instituição e cumprimento das leis e da capacidade de grupos informais em modificar as normas ou interferir nos objetivos da sociedade (JANOWITZ, 1975). Já, Norberto Bobbio (2004, p. 283-4) entende o controle social como:

o conjunto de meios de intervenção, quer positivos quer negativos, acionados por cada sociedade ou grupo social a fim de induzir os próprios membros a se conformarem às normas que a caracterizam, de impedir e desestimular os comportamentos contrários às mencionadas normas, de restabelecer condições de conformação, também em relação a uma mudança no sistema normativo.

De acordo com Bobbio (2004), o controle social divide-se em interno e externo. O controle externo relaciona-se aos mecanismos punitivos, como as sanções. Essas ações são praticadas em face do indivíduo, quando este não se coaduna com as normas sociais. Por outro lado, o controle social interno diz respeito à internalização das metas, valores e objetivos coletivos pelo indivíduo. Ela acontece no nível da consciência e nas fases iniciais de socialização.

De forma semelhante, S. F. Nadel (apud BUCKLEY, 1971), distingue o controle social mais explícito do controle social inerente aos sistemas sociais. O primeiro é intencional, formalizado e apoiado por recompensas e castigos. Já o segundo relaciona-se ao processo autorregulatório fundamental de um sistema e é especialmente característica das sociedades mais primitivas, já que nas mais complexas e heterogêneas não se aceita esse tipo de coesão com facilidade. O processo autorregulatório requer basicamente duas condições para que os costumes e as normas tenham sucesso: que essa conduta normativa seja valorada como desejável, esperada ou como um fenômeno consuetudinário ou a conduta constitui uma prática que permite a obtenção do maior êxito com o mínimo de riscos.

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Em verdade, o estudo de controle social, ainda de forma indireta, está presente em Émile Durkheim (2007, p. 13) quando ele se ocupa do estudo da manutenção da ordem social. A respeito do que constitui o fato social, o autor entende que é “toda maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma coerção exterior, ou ainda, toda maneira de fazer que é geral na extensão de uma sociedade dada, e, ao mesmo tempo, possui uma existência própria, independente de suas manifestações individuais.”

O controle social foi objeto de importantes discussões por autores americanos e mencionado como termo pela primeira vez por Edward Alsworth Ross (1896). O autor entende por controle social aquele exercido sobre as metas e ações do indivíduo, no interesse do grupo. Essa influência parte tanto de órgãos formais e definidos, mantidos pela vontade da sociedade, quanto de organizações espontâneas, que servem aos interesses da sociedade quer de forma consciente ou inconsciente, sob supervisão de outros órgãos.

Contudo, não há total consenso acerca dos limites conceituais do controle social, que muitas vezes se confunde com a própria sociologia e trata, de modo geral, da conformidade, da desviação, do poder e autoridade e dos processos de persecução de metas em grupo. Nesse sentido, é importante destacar que o controle social “no es una parte aislada de un sistema – algo ‘estabelecido’ por un sistema o impuesto al mismo – sino algo inherente a las interrelaciones e interacciones de los elementos que forman el sistema.” (WALTER BUCKLEY, 1971, p. 241).

Partindo da ideia de controle social enquanto socialização, depreende-se a existência de uma relação intrínseca entre esta e a democracia. Nesse sentido, o controle social das instituições públicas ou controle social direto têm natureza difusa e democrática. Portanto:

Através do controle social a sociedade se organiza formal e informalmente para controlar não apenas os comportamentos individuais mas – e é isto o que importa neste contexto – para controlar as organizações públicas. Pode ocorrer também no plano político, através de plebiscitos ou referendos. O controle social das organizações públicas pode ocorrer de duas maneiras: de baixo para cima, quando a sociedade se organiza politicamente para controlar ou influenciar instituições sobre as quais não tem poder formal; ou de cima para baixo, quando o controle social é exercido formalmente através de conselhos diretores de instituições públicas não- estatais. (BRESSER PEREIRA, 1998, p. 77)

Os precedentes do surgimento do controle social direto (sociedade sobre Estado), ou de democracia participativa, pode ser percebida com o surgimento dos direitos sociais, da

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intervenção estatal no âmbito social e econômico e do Estado Social. Com o surgimento dessas figuras, o Estado começa a tornar-se uma parte preponderante da vida, especialmente do trabalhador, em sua educação, transporte, benefícios trabalhistas e previdenciários, saúde e moradia. Assim, a administração e o aparato público começam a assumir grande relevância e inaugura-se a era do envolvimento direto do Estado com partes essenciais da vida dos trabalhadores. Assim, na metade dos anos Novecentos desenvolve-se uma teoria mais completa de direitos sociais. Gurvitch (apud FACCHI, 2011), compreende que os direitos sociais, em uma sociedade pluralista, devem ser situados como um direito de integração, ou seja, deve prescrever a participação direta daqueles aos quais se dirige. Para ele, os destinatários desses direitos não devem ser considerados titulares passivos, mas centros ativos de defesa e criação dos respectivos direitos sociais. Gurvitch (apud FACCHI, 2011) defende que os direitos sociais devem ser traduzidos em direitos de participação do homem socialmente situado (como consumidor, trabalhador, etc.) e não do indivíduo abstrato.

O controle social direto proveniente de órgãos de poder formalizados é exercido em conselhos diretores, conselhos populares municipais, planejamentos participativos e consultas populares. Essas formas, de acordo com Peruzzo (1998, p. 81), constituem-se em participação controlada ou limitada. Ela tem como principal limitação a possibilidade de manipulação, a qual compromete seu caráter democrático, tornando-a autoritária. Nesse formato, “delegam-se parcelas do poder, descentraliza-se-o até certo ponto, mas mantêm-se intactas suas principais estruturas de poder.”

Por outro lado, o controle social direto organizado “de baixo para cima” prescinde de estruturas formalizadas em cooperação com órgãos estatais. Esse formato surge espontaneamente, tanto através de movimentos sociais difusos quanto de movimentos sociais articulados em forma de associações ou de grupos e movimentos previamente organizados. Esses movimentos frequentemente tangenciam a estrutura do poder estatal constituído e são imprevisíveis, pois não se adéquam a uma delegação de poder parcial e uma participação limitada (PERUZZO, 1998).

Estas novas instâncias de mediação, quer passem por organizações não-governamentais, organizações da sociedade civil, conselhos institucionais, movimentos populares ou manifestem-se de forma puramente espontânea, podem ser agrupados na concepção de controle social. Souza e Lamounier (2006) demonstram, em pesquisa endereçada a especialistas em instituições políticas, que se prevê, nos próximos anos, a ampliação do controle social. A

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população, auxiliada por organizações não-governamentais e da sociedade civil, caminham em direção a uma maior fiscalização da prestação dos serviços públicos e combate à corrupção.

O presente trabalho, portanto, tem como objeto a concepção de controle social direto, ou seja, da sociedade civil sobre o Estado. Assim, verifica-se que uma transformação profunda e duradoura da concepção democrática exige a desconstrução de alguns conceitos consolidados acerca da democracia, a fim de construir uma nova concepção relativa ao papel que o controle social pode desempenhar em uma nova sociedade democrática. Por essa razão, busca-se ampliar a investigação acerca do fenômeno previsto por Ferrajoli (2002, p. 694) relativo à “multiplicação das sedes não políticas nas quais vêm democratizado o quem e o como das decisões”, o que requer um aumento na complexidade institucional do sistema político.

Sousa Santos (2005) acredita que diante do cenário vivido, marcado por uma democracia fraca ou de baixa intensidade, agravada pela crise de representação, necessitamos buscar uma alternativa contra-hegemônica. Nesse ponto, Barber 2003) sugere um entendimento similar. Para ele, a democracia liberal é uma teoria democrática “acanhada”, pautada por valores democráticos passageiros, opcionais e condicionais: representam meios para finalidades exclusivamente individuais. Desse modo, Sousa Santos (2005) acredita que a hegemonia da democracia representativa liberal resultou no desaparecimento de toda e qualquer outra forma de democracia possível.

Portanto, o primeiro dever para o resgate da demo-diversidade reside na reinvenção da democracia participativa. Contudo, o desafio representado à democracia participativa pela representativa é árduo. Carole Pateman (apud BARBER, 2003, p. 7-8) entende que “não somente a [participação] tem um papel mínimo, mas um traço proeminente das teorias democráticas recentes é a ênfase colocada nos perigos inerentes à participação política generalizada.”

A democracia liberal, como forma dominante de democracia, tem influenciado os governos mais duradouros e bem sucedidos do mundo. Contudo, o controle social enquanto ação comunitária tem papel quase insignificante na práxis democrática. Em verdade, a democracia liberal, como entende Benjamin Barber, (2003, p. 4, tradução nossa)

pode não ser, nem um pouco, uma teoria de comunidade política. Aquela não oferece tanto uma justificação para a política quanto fornece uma política que justifique os direitos individuais. Essa está mais preocupada em promover a liberdade individual

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do que em assegurar justiça pública, (…) em manter os homens separados ao invés de uni-los frutificativamente. Consequentemente, ela é capaz de resistir ferozmente a qualquer golpe ao indivíduo – sua privacidade, sua propriedade, seus interesses, seus direitos – mas é muito menos efetiva em resistir a golpes à comunidade, à justiça, à civilidade ou à participação.

A democracia liberal, ao colocar os direitos individuais no centro de tudo, expressa a influência recebida de Thomas Hobbes (BARBER, 2003), contratualista absolutista, que escreveu o surgimento do Estado Moderno. Hobbes produziu em tempos de grande instabilidade e insegurança política na Inglaterra, e, portanto, apostou na unidade do poder. Para ele, “é (…) este apego à unidade do Estado que justifica seu temor à generalização dos conflitos, mesmo que de ideias, e demonstra sua preocupação com as implicações políticas mais profundas da existência de facções e de corpos políticos intermediários no interior do Estado” (GILMAR BEDIN, 2008, p. 121).

De fato, a visão hobbesiana de que o homem não é possuidor uma sociabilidade natural, ao considerar a vida fora da sociedade política pobre, solitária, sórdida, curta e embrutecida, certamente fundamenta seu repúdio à qualquer organização que venha a interferir entre o poder absoluto do Estado e o indivíduo (BEDIN, 2008). Hobbes propunha erradicar o que ele entendia por anarquia, que assemelhava-se ao temor que J. S. Mill e Toccqueville tinham, mais tarde, em relação à extensão do sufrágio e à igualdade democrática, respectivamente (O'DONNELL, 2011).

Desse modo, as constituições norte-americanas foram as primeiras a institucionalizarem a democracia de modo que “o sistema legal atribui a cada indivíduo certas liberdades, direitos e obrigações, (…) desde seu nascimento (e em vários sentidos antes dele) [e estes] acham-se imersos(as) em uma densa trama de relações sociais, inclusive as sancionadas e amparadas pelo sistema legal do estado.” (O’DONNELL, 2011, p. 36), e principalmente, porque “estes eram sistemas representativos que atenuavam os temores à democracia direta e ao governo das massas.” (O'DONNELL, 2011, p.56) Como assevera Sartori (1994, p. 173), “não foi por acaso que a democracia ressuscitou como uma boa instituição política (depois de milênios de condenações) na esteira do liberalismo.”

Os liberais, desse modo, entendem a comunidade política como um instrumento em vez de um bem em si própria, e, portanto, desdenham a ideia de participação. O objetivo não consiste em compartilhar o poder ou fazer parte de uma comunidade, mas restringir o poder e a comunidade e julgá-los de acordo com o modo em que afetam a liberdade e os interesses

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privados. O controle social, portanto, consiste exclusivamente em restringir o poder estatal a fim de preservar os direitos individuais. Desse modo, a democracia liberal anula o viés direto do mesmo conceito, o qual diz respeito à capacidade da sociedade civil de participar ativamente da tarefa estatal. Em verdade, a democracia liberal não se coaduna com o ideal cívico que trata os seres humanos como intrinsecamente políticos. A cidadania é um papel artificial que o homem adota prudentemente com a finalidade de assegurar sua humanidade solitária. Isso significa que somos políticos para salvaguardar a nós mesmos enquanto homens, mas jamais homens pela virtude de sermos políticos, contrapondo a proposição aristotélica (BARBER, 2003).

A democracia representativa, para Sousa Santos (2005), caracteriza-se pela ocorrência cada vez maior de uma espécie assimilação, semelhante à assimilação cultural. Esse fenômeno, no âmbito político, “consiste em participar sem poder discutir as regras de participação.” (SOUSA SANTOS, 2005, p. 79) Esse fator mostra-se extremamente prejudicial ao desenvolvimento político, porque carrega o caráter alienante, heterônomo e violento presente na assimilação, a exemplo do modelo cultural. A imposição vertical de regras de participação constitui uma forma de dominação política.

Nesse sentido, O'Donnell (2011, p. 171) critica “a visão do estado (e de seus sucessivos governos) como um conjunto de burocracias que se encontram fora e acima da sociedade e parecem de alguma forma derivar seus poderes de seu papel tutelar sobre nós, (…).” Ele propõe “retroceder à esfera de produção do poder e da autoridade” (O'DONNELL, 2011, p. 170) governamentais, a fim de recuperar o verdadeiro sentido da democracia a partir do fato de que nós, cidadãos, somos “a fonte e a última justificação da autoridade e dos poderes do estado e do governo” (O'DONNELL, 2011, p. 171), e como tais, somos fundamentais na tarefa da permanente redescoberta e reapropriação crítica da democracia.

A reinvenção contínua de modos democráticos não é somente necessária em momentos de crise, como é uma característica própria da democracia que a difere dos modelos autoritários. Claude Lefort (1983, p. 118), compreende a democracia como um sistema marcado pela indeterminação do poder, do conhecimento e da lei. É uma sociedade “inapreensível, indomesticável”. Ela é, portanto, fundamentalmente, uma sociedade histórica. Nela, o poder é “instância da legitimidade e identidade” (LEFORT, 1983, p. 120). Ao contrário do Antigo Regime, no qual o poder vinculava-se ao corpo do príncipe, na democracia moderna a

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legitimidade do poder se fundamenta no povo, mas a soberania popular encontra-se vinculada a um lugar vazio.

Os direitos do homem, portanto, emergem como princípios geradores da democracia. Na sociedade democrática, observamos que a dimensão simbólica do direito se expressa simultaneamente “na irredutibilidade da consciência do direito a toda objetivação jurídica, o que significaria sua petrificação num corpo de leis, e na instauração de um registro público onde a escrita das leis – como escrita sem autor – só tem por guia o imperativo contínuo de um deciframento da sociedade por ela mesma.” (LEFORT, 1983, p. 57-58) O sentido das exigências postuladas é a conquista de novos direitos. Ou seja, na democracia moderna, lança- se o direito a um fundamento que não tem figura, que “dá-se como interior a ele e nisto se dissimula perante todo poder que pretendesse se apoderar dele.” Então, a formulação dos direitos do homem requer sua reformulação ou que “os direitos adquiridos são necessariamente chamados a sustentar direitos novos.” (LEFORT, 1983, p. 55).

Nesse sentido, O'Donnell (2011, p. 34) compreende que os limites externos e internos das liberdades que acompanham uma concorrência justa em um regime democrático são questões indecidíveis. Seu caráter permanentemente aberto consiste um uma virtude da democracia. Assim, a democracia difere-se dos modelos totalitários pelo fato de que nela, “o acesso aos direitos e liberdades mencionados gera a possibilidade de utilizá-los como bases de proteção para a vida pessoal e grupal e para a obtenção ou ampliação de outros direitos.”

Sartori (1994, p. 24) compreende as democracias como sociedades políticas orientadas por imperativos ou metas valorativas, mas, diferente de sociedades autoritárias e totalitárias, a democracia não possui uma vanguarda ou um grupo de objetivos fechados. Nelas, ao contrário, “as metas são estabelecidas através do processo democrático, de acordo com procedimentos democráticos e na medida em que a democracia avança.” Isso acarreta, inclusive, a existência de uma tensão fato-valor, de modo que a democracia existe em razão de seus ideais, de seu dever-ser.

3.2 A efetivação da agency como atributo do sujeito democrático protagônico, a