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As mudanças tecnológicas e o desemprego

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Academic year: 2018

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2 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Euzébio Jorge Silveira de Sousa

As mudanças tecnológicas e o desemprego

SÃO PAULO

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1 Euzébio Jorge Silveira de Sousa

As mudanças tecnológicas e o desemprego

MESTRADO EM ECONOMIA POLÍTICA

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de MESTRE em Economia Política, sob a orientação do Prof. Dr. Ladislau Dowbor.

SÃO PAULO

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2 Banca Examinadora

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3 RESUMO

A mudança tecnológica é uma variável chave no processo de acumulação capitalista. A cada grande transformação das forças produtivas ocorrem mudanças qualitativas e quantitativas da inserção do homem na produção. Desde antes da primeira revolução industrial existe a polêmica se o avanço tecnológico cria ou não desemprego estrutural, este debate perpassou pela economia clássica, estando presente até os dias de hoje, sobretudo nos pensamentos estruturalista e neo-schumpeteriano. Neste trabalho, analisamos as três grandes transformações tecnológicas do capitalismo, para verificar se tais mudanças são responsáveis por substanciais modificações nos níveis de desemprego. Verificamos que o desemprego proveniente do progresso tecnológico assume um caráter cíclico, mas também obedece a variáveis não econômicas. Foram detectados diferentes arranjos institucionais e níveis de desemprego no mesmo padrão tecnológico, sugerindo assim que o elevado nível de desemprego, com baixo crescimento e produtividade - verificado no pós-fordismo - pode ser causado por fatores que transcendem às novas tecnologias. Ao analisar a economia brasileira na nova economia verificou-se que os setores tradicionais geram mais empregos e crescimento no Brasil, mas que não são capazes de sustentar esta expansão no médio e longo prazo por possuírem baixa produtividade e vantagens competitivas. Os setores de maior dinamismo e conteúdo tecnológico tendem a gerar mais empregos indiretos e por efeito renda, irradia seus avanços tecnológicos em outros setores da economia, possibilitando mais investimentos e geração de empregos.

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4 ABSTRACT

Technological change is a key variable in the inherent accumulation process of the capitalism system. Every major transformation leads to qualitative and quantitative changes in the way the labor force is inserted on the production process. Even before the first industrial revolution there is controversy whether or not technological advancement creates structural unemployment, this debate pervaded by classical economics, still present today among structuralists and neo-Schumpeterian economists. In this paper, we analyzed the three major technological transformations of capitalism system, and if such changes are responsible for substantial changes on the employment levels. We identified that unemployment arising from technological progress assumes a cyclical character, but also follows non-economic variables. There were found different institutional arrangements and unemployment levels for similar technological standards, thus suggesting that the high level of unemployment, with low growth and productivity - seen in the post-Fordism - can be caused by factors that transcend the new technologies. By analyzing the new economic environment in Brazil, it was found that the traditional sectors generate more jobs and growth to the country, but are unable to sustain this growth in the medium and long term due to low productivity and competitive advantage. The most dynamic and technological sectors tend to generate more indirect jobs and by the income effect, diverges its technological advances to other sectors of the economy, allowing more investments and job generation.

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5 Lista de Tabelas

TABELA 2.1 - CRESCIMENTO DO NÚMERO DE TEARES MECÂNICOS NA GRÃ-BRETANHA - 1813 - 1850... 45 TABELA 2.2 - TAXA DE CRESCIMENTO DA PRODUÇÃO INDUSTRIAL DO REINO UNIDO — 1800-1869 ... 46 TABELA 2.3 - HORAS TRABALHADAS POR PESSOA/ANO - 1870-1986 ... 67 TABELA 2.4 - COMPARAÇÃO ENTRE EVOLUÇÃO DA PRODUTIVIDADE E DOS SALÁRIOS HORÁRIOS REAIS NA INDÚSTRIA DE TRANSFORMAÇÃO ... 68 TABELA 3.1 - TAXAS MÉDIAS ANUAIS DE VARIAÇÃO DAS PRINCIPAIS

VARIÁVEIS DE PRODUTIVIDADE E EMPREGO EUA E UNIÃO EUROPÉIA – 1960-1999 ... 76 TABELA 3.2 - EVOLUÇÃO DA TAXA DE SINDICALIZAÇÃO 1970-1990 ... 88 TABELA 4.2 - GERAÇÃO DE EMPREGO E DE CRESCIMENTO E IMPORTAÇÃO DOS SETORES DA ECONOMIA BRASILEIRA ... 109 TABELA 4.3 - EMPREGOS GERADOS POR AUMENTO DE PRODUÇÃO DE R$ 10 MILHÕES (PREÇOS MÉDIOS DE 2003) ... 115 TABELA 4.4 - TABELA DE EVOLUÇÃO DA PRODUÇÃO E DO EMPREGO ENTRE 2001 E 2002 ... 119 TABELA 4.5 – ESTIMATIVA DOS EMPREGOS GERADOS NA AGROPECUÁRIA, INDÚSTRIA E SERVIÇOS EM 2007, EM RESPOSTA A AUMENTOS NA

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6 Lista de Gráficos

GRÁFICO 4.1 – INDÚSTRIA DE TRANSFORMAÇÃO ... 101

GRÁFICO 4.2 – INDÚSTRIA DE METALURGIA ... 101

GRÁFICO 4.3 – INDÚSTRIA MECÂNICA ... 102

GRÁFICO 4.4 – INDÚSTRIA DE MATERIAL ELÉTRICO E DE COMUNICAÇÕES ... 102

GRÁFICO 4.5 – INDÚSTRIA DE MATERIAL DE TRANSPORTE ... 103

GRÁFICO 4.6 –MADEIRA ... 103

GRÁFICO 4.7 - MOBILIÁRIO ... 104

GRÁFICO 4.8 – INDÚSTRIA DE PAPEL E PAPELÃO ... 104

GRÁFICO 4.9 – INDÚSTRIA QUÍMICA ... 105

GRÁFICO 4.10 – INDÚSTRIA FARMACÊUTICA ... 105

GRÁFICO 4.11 – INDÚSTRIA TÊXTIL ... 106

GRÁFICO 4.12 – INDÚSTRIA DE PRODUTOS ALIMENTARES ... 106

GRÁFICO 4.14 - CRESCIMENTO ECONÔMICO X GERAÇÃO DE EMPREGO .... 111

GRÁFICO 4.15 - GRÁFICO DE EMPREGOS GERADOS POR AUMENTO DE PRODUÇÃO DE R$ 10 MILHÕES ... 116

GRÁFICO 4.16 - VARIAÇÃO DA PRODUTIVIDADE SETORIAL ENTRE 2001 E 2002 ... 120

GRÁFICO 4.17 – ESTIMATIVA DOS EMPREGOS GERADOS NA ECONOMIA BRASILEIRA EM 2007, ... 124

GRÁFICO 4.18 – PRODUTIVIDADE DO TRABALHO (VALOR ADICIONADO/PESSOAL OCUPADO NA AGROPECUÁRIA, INDÚSTRIA E SERVIÇOS EM 1994 E 2003 ... 126

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Lista de quadro

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Sumário

INTRODUÇÃO ... 10

1. DESEMPREGO TECNOLÓGICO E AS DIFERENTES VISÕES TEÓRICAS .... 15

1.1. Ricardo ... 15

1.2. Marx ... 20

1.3. Schumpeter ... 30

1.4. Neo-schumpeterianos ... 34

1.5. Teoria da Regulação ... 38

2. O DESEMPREGO E AS MUDANÇAS TECNOLÓGICAS ... 41

2.1. A maquinaria e a Primeira Revolução Industrial ... 41

2.2. O Emprego no Período da Primeira Revolução Industrial ... 43

Ã-BRETANHA - 1813 - 1850 ... 45

2.3. O emprego na primeira fase da revolução industrial ... 47

2.4. A luta do homem contra as máquinas e o movimento Luddita ... 50

2.5. Tratamento dado ao desemprego no século XIX ... 53

2.6. A crise de mudança da Primeira Revolução Industrial e a transição para outro padrão de acumulação. ... 56

2.7. Inovações organizacionais. ... 57

2.8. Segunda Revolução Industrial e seus diferentes impactos no nível de emprego ... 60

2.8.1. Primeira fase da segunda revolução industrial (1898 – 1945) ... 61

2.8.2. Segunda fase - pós-guerra a meados de 1970 ... 65

3. A TERCEIRA REVOLUÇÃO INDUSTRIAL, DESEMPREGO TECNOLÓGICO E SUPERAÇÃO DO FORDISMO ... 70

3.1. Inovações tecnológicas e organizacionais poupadora de trabalho e a produtividade ... 73

3.2. O desemprego e a formação no pós-fordismo ... 81

3.3. O desemprego e a tecnologia no pós-fordismo ... 83

3.4. A flexibilização do trabalho e os sindicatos ... 86

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4.1. Abertura comercial da década de 90: Emprego, produção e produtividade . 92

4.2. O Brasil na nova economia ... 94

4.3. Variação do nível de emprego, produtividade e abertura comercial ... 98

4.4. Ocupação versus elevação da produção na abertura comercial ... 100

4.5. Emprego e produtividade na década de 90, período de abertura Comercial. 1074.6.Análise empírica de 2001 a 2002 do Modelo de Geração de Emprego. ... 113

4.7. Análise setorial de 1994 a 2006 com modelo dinâmico e retornos não constantes no modelo de geração de emprego. ... 121

4.8. Elevação de emprego com aumento da demanda por ganhos de produtividade: Ajuste do tipo Crescimento. ... 131

4.9. Emprego, crescimento, produtividade e política pública ... 133

CONCLUSÃO ... 136

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10 INTRODUÇÃO

A idéia de que o progresso técnico gerava algum nível de desemprego estrutural está presente na economia desde antes da primeira revolução industrial. No início do século XVIII documentos dos mercantilistas já apontavam alternativas para resolver o problema do desemprego. No livro “A Riqueza das Nações” – que revolucionou a pensamento econômico – o pai da economia moderna, Adam Smith, apontava que a demanda por assalariados só cresce quando cresce a riqueza de uma nação, sem a elevação de tal riqueza seria impossível o crescimento da demanda por assalariados. O avanço tecnológico, ao elevar a produção, elevaria a riqueza, e esta, por sua vez, a demanda por trabalho. David Ricardo negou o impacto negativo das tecnologias no nível de emprego até a última edição de seu livro “Princípios da economia política e tributária”. Na terceira edição, Ricardo concordou que a implementação da maquinaria era nociva aos trabalhadores e a luta destes contra as máquinas eram justificáveis.

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11 Outra importante contribuição de Marx para entendimento da relação entre tecnologia e emprego foi a constatação de que a dinâmica de acumulação não se guia apenas por variáveis econômicas. Os regulacionistas assimilam este entendimento e incluem os elementos institucionais como variável determinante na lógica de acumulação, se sobrepondo muitas vezes aos fatores tecnológicos. Os elementos institucionais também são analisados pelo pensamento neo-schumperiano, que resgata o pensamento de Schumpeter para explicar a dinâmica econômica, a partir dos longos ciclos tecnológicos, o que ele chama de paradigma tecno-econômico. Ainda que Schumpeter não tenha dado grande atenção ao impacto da tecnologia nos níveis de emprego, seu entendimento do progresso tecnológico, como um processo de destruição criativa, fortaleceu a teoria da compensação1.

Mas a principal contribuição proveniente do pensamento Schumpeteriano que analisaremos no presente trabalho é o caráter cíclico do desemprego estrutural. O desemprego proveniente das automações ou implementação de novas tecnologias tende a ser reduzido ou inexistente no período de boom, no qual se elevam os investimentos nas novas tecnologias. O desemprego tende a crescer no período em que as tecnologias já se estabeleceram e as empresas tendem realizar inovações organizacionais, tais inovações assumem um caráter poupador de trabalho, em um período de menores investimentos. Contextualizando historicamente, verificamos se este mecanismo de criação e destruição de empregos ocorre com regularidade nos três paradigmas tecnológicos analisados. Tanto os regulacionistas quanto os neo-schumpeterianos crêem em elementos institucionais para determinação do padrão de acumulação, ainda que o primeiro atribua maior importância a este fator que o segundo, os dois acreditam ser necessário observar historicamente a relação do progresso tecnológico para entender a variação do nível de emprego.

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12 O declínio do fordismo, o surgimento de novas tecnologias e o desarranjo institucional verificado na década de 1970 reacende diversos debates sobre a relação entre tecnologia e emprego. A capacidade que as novas tecnologias têm de economizar trabalho e elevar a eficiência apontou para a possibilidade de uma relação direta entre progresso tecnológico e o fim do pleno emprego. Inovações organizacionais foram maximizadas pela capacidade de processamento de dados e controles de processos em resultados provenientes das tecnologias da informação e comunicação (TIC). Associado a isso foi verificado grande desregulamentação do trabalho e intensificação da terceirização. A globalização financeira, a estrutura de marcado desregulamentada e altamente concentrada, com grande concorrência global, proporcionou um ambiente internacional com um arranjo institucional bastante distinto do fordista.

O fordismo representou um período que conjugava tecnologias rígidas, com grande capacidade de ganhos de escala e um ambiente institucional que possibilitou elevados níveis de emprego, ampliação de demanda, muitos estímulos para investir. O pós-fordismo, por sua vez, não só modificou profundamente o padrão tecnológico, como o institucional. O regime de demanda fordista foi destruído e da segunda crise do petróleo em diante foi registrado baixo crescimento, elevado desemprego e baixa produtividade.

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13 automatizavam as parcelas mais complexas do trabalho, restando ao homem a tarefa de força motriz.

Paradoxalmente, as máquinas do mundo contemporâneo requerem trabalhadores qualificados, polivalentes, com capacidade de resolver problemas. As novas tecnologias flexíveis como as TIC e a robótica são máquinas que se adequam a diferentes tarefas e volumes de produção. Se as máquinas da primeira revolução industrial simplificavam trabalho para possibilitar a absorção de mais força de trabalho, para maior acumulação de capital, as novas máquinas marginalizam os despreparados tecnologicamente. Ainda que o capitalismo tenha seu centro nas novas tecnologias e relações de produção, este tem capacidade de conviver e interagir com relações de produção rudimentares, similares ao feudalismo ou ao escravismo. Mas o pós-fordismo nos impõe novas reflexões sobre a relação dos homens com as máquinas: será que as novas tecnologias são avessas ao pleno emprego, ou existe elementos não tecnológicos e econômicos que definem o nível de desemprego? Como a sociedade lidará com um padrão tecnológico que demanda muito menos horas de trabalho para atender as suas necessidades materiais? Com desemprego ou com menos trabalho? Como foi encarada cada uma das grandes mudanças tecnológicas do capitalismo com relação à variação do nível de emprego?

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1. DESEMPREGO TECNOLÓGICO E AS DIFERENTES VISÕES

TEÓRICAS

1.1.

Ricardo

Para Cardoso e Guedes (1999, p. 29 e 30) Ricardo inaugura o conceito de desemprego tecnológico na economia clássica. David Ricardo volta-se a compreender a importância da renda das classes na Renda total e sugere que desta relação se explica o processo de crescimento econômico.

Ricardo, ao analisar a relação entre produção e consumo, identifica a taxa de lucro como elemento determinante no processo de crescimento econômico. Desta forma, a elevação de renda da terra pode colocar obstáculos insuperáveis ao crescimento. A necessidade de se utilizar terras menos férteis, dado que tal fator de produção é finito, tende a elevar o valor de renda nas terras mais férteis e elevar o percentual do salário sobre o produto total nas terras menos férteis, visto que para estas garantirem a produção, é necessário maior número de horas de trabalho.

Ricardo aponta duas saídas para tal dilema: elevar a produtividade, ou recorrer ao comércio exterior por meio das vantagens comparativas, que poderiam garantir maiores ganhos produzindo bens mais compatíveis com sua estrutura produtivas e recursos naturais.

Mesmo com todos os conflitos sociais gerados pela implementação da maquinaria e seus avanços – com trabalhadores materializando sua revolta contra os detentores do capital, por meio da destruição de máquinas – o debate sobre a existência de desemprego tecnológico entre os teóricos eram inconclusivo e sem a menor possibilidade de consenso. Davi Ricardo se opôs por muito tempo à possibilidade de existência de um desemprego causado pela “maquinaria aperfeiçoada” (COUTO, FREITAS e COUTO, 2009).

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16 sobre a influência do baixo preço do trigo sobre os lucros do capital, mostrando a inconveniência de restrições à importação” (COUTO, FREITAS e COUTO, 2009, p. 7) que com os avanços da produtividade, provenientes da maquinaria, o salário real do trabalhador se elevaria, assim sendo benéfico para a classe trabalhadora o avanço tecnológico.

Os debates sobre a desocupação da força de trabalho promovida pelos avanços técnicos e tecnológicos tomam maiores proporções, quando John Barton, um importante engenheiro inglês, passa a defender que a maquinaria moderna era negativa aos trabalhadores por gerar desemprego. Ricardo, ainda relutante quanto à existência do desemprego tecnológico, escreve uma carta a Barton em 20 de abril de 1917, questionando suas posições. Porém Ricardo, cauteloso, não trata do assunto na primeira edição de seu célebre livro “Princípios de economia política e tributação” ainda em 1817.

Provavelmente por estimulado pela carta de Ricardo, Barton publica no mesmo ano um folheto intitulado “Observações sobre as condições das classes trabalhadoras” que defende os malefícios que a maquinaria moderna trazia aos trabalhadores com os seguintes argumentos:

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17 Mas os argumentos de Barton ainda não foram suficientes para convencer Ricardo sobre os malefícios da maquinaria para trabalhadores e o autor publica a segunda edição de seu mais importante trabalho, sem o aceitar o desemprego tecnológico.

John Ramsay McCulloch escreve em 1820 uma resenha do panfleto de Barton, afirmando que para a elevação de capital fixo gerar elevação de emprego e salário, seria necessário que o capital circulante crescesse em proporções consideráveis, caso contrário o efeito seria inverso, gerando queda de salários e redução de postos de trabalho.

Ricardo rapidamente se opõe, convencendo o amigo que a “maquinaria nunca reduz a demanda de trabalho (...) nunca é a causa de uma queda do preço do trabalho, mas o efeito de sua elevação” (RICARDO citado por SRAFFA, 1982, p.32 apud COUTO, FREITAS e COUTO, 2009). Ricardo convence McCulloch de tal posição, que perde sua crença no desemprego tecnológico e escreve um artigo em 1821, declarando suas novas posições.

Ricardo só passa a rever suas posições sobre o desemprego tecnológico quando, por sugestão de McCulloch, passa meses pesquisando o Livro de Malthus. Ironicamente, Ricardo, que convencera McCulloch da inexistência do desemprego tecnológico, descobre fundamentos para existência no mesmo em uma análise sugerida pelo próprio McCulloch. As notas de Ricardo quanto ao Livro de Malthus foram escritas em 1820, mas publicadas apenas em 1829.

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18 McCulloch, que só ficara sabendo das mudanças de posições de Ricardo em 1921 com a publicação da terceira edição do livro de Ricardo, demonstra-se desapontado por Ricardo não citar o seu artigo, que concordava com as idéias de Barton. McCulloch chega a dizer que se as posições de Ricardo estavam corretas, a lei contra os Ludditas na Inglaterra era uma vergonha ao código Inglês. Ricardo, respondeu a McCullonch em uma carta de 18 de junho de 1821, que o desemprego tecnológico é tão demonstrável quanto “qualquer das correspondentes à geometria”.

Na terceira edição do citado livro, Ricardo acrescenta o capítulo XXXI sobre a maquinaria, em que afirma que a máquina toma lugar do trabalhador e o autor passa a considerar pertinente a luta dos trabalhadores contra a automatização da produção (CARDOSO e GUEDES, 1999). Ricardo afirma que depois de reflexões, havia chegado a outras conclusões sobre a maquinaria e que ainda que não existisse nenhum trabalho publicado que merecesse retratação, o autor crê que deve alertar de que sustentou posições que passou a ver como errôneas.

Ricardo diz que acreditava que a maquinaria tornava a terra mais produtiva, trazendo benefícios para o proprietário da terra e para os trabalhadores, uma vez que no momento que o trabalhador fosse substituído por uma máquina, este seria empregado em outro setor da economia, onde seria mais útil para a sociedade. O autor defendia, ainda, que o capital circulante que deixava de ser empregado nos salários dos trabalhadores não deixava de existir, era apenas redirecionado. Assim, se a elevação da produtividade e dos lucros empurrasse para a elevação dos investimentos, o desemprego não surgiria.

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19 circulante, dado os baixos níveis de salários. O contrário se verificava na Inglaterra, onde os elevados salários eram estimulados cada vez mais pela inserção da nova maquinaria poupadora de força de trabalho.

Para garantir a defesa da maquinaria, Ricardo afirma que se o processo de automatização não se realizar por uma definição do Estado, existe uma tendência de o processo ocorrer em outro país, agravando ainda mais a insuficiência de emprego, dado a fuga de capitais (GUEDES E CARDOSO, 1999). Para o autor, a implementação do progresso tecnológico era inevitável e existia ainda a possibilidade da tecnologia gerar emprego em novos setores, a exemplo indústria de construção de máquinas. Ricardo chega a afirmar que não existe máquina que funcione sem a interferência do homem. Para ele, tentar reter os avanços do progresso poderia significar a expulsão dos capitais para países mais liberalizados, ou seja, o autor já constatava que a elevação dos investimentos era fundamental para garantir a manutenção do nível de emprego.

Couto, Freitas e Couto (2009) apresentam três conclusões do estudo de Ricardo que são bastante elucidativas:

1) a introdução de nova maquinaria reduz a quantidade de mão de obra necessária à produção, podendo gerar o fenômeno do desemprego tecnológico; 2) no entanto, dependendo do volume de novos investimentos, os demitidos pela introdução da maquinaria poderiam encontrar emprego em outras empresas, não ocorrendo o fenômeno do desemprego tecnológico; 3) a introdução de nova maquinaria nunca deveria deixar de ser incentivada ou proibida, pois o capitalista poderia transferir seus investimentos para outro país, não gerando nenhum trabalho no país que proibiu seu emprego. (COUTO, FREITAS, COUTO, 2009, p.10)

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20 a elaboração de Ricardo: uma inovação tecnológica teria o papel de poupar força de trabalho, elevaria o lucro do empresário, permitindo que o dono da fábrica elevasse sua poupança e por conseqüência os investimentos. No primeiro momento se verificaria uma elevação do desemprego, mas depois, com a expansão da produção, o nível de emprego se elevaria a um patamar superior ao verificado antes da nova tecnologia.

Com seu modelo, Hicks apresenta que o desemprego apontado por Ricardo, proveniente da elevação das tecnologias, teria um efeito transitório. O capital gerado pela nova tecnologia trataria de eliminar o desemprego e levar a economia a patamares superiores em termos de nível de produção e de emprego.

1.2.

Marx

Marx, em seu mais importante trabalho, “O Capital”, publicado em 1867, cinqüenta anos depois de Ricardo publicar “Princípios de economia política e tributação”, dedicou o importante capítulo XIII ao entendimento da maquinaria. Marx, conhecedor dos dilemas vividos por Ricardo quanto à aceitação do desemprego tecnológico, resgata o compromisso de Ricardo com a ciência e com a verdade.

A constatação de Marx ao relatar as lutas dos trabalhadores contra as máquinas, é que o carrasco do trabalhador não é a máquina. Esta é apenas o meio pelo qual o detentor do capital tem de garantir o processo de dominação do trabalhador e extração de mais-valia. O responsável pelo martírio do trabalhador era o capitalismo, que transforma as ferramentas do artesão em máquinas e leva as máquinas a tomarem o lugar dos trabalhadores. O autor ainda afirma que demorou até os trabalhadores se organizarem contra o capitalista, ao invés de lutarem contra os meios de produção. Os avanços da maquinaria significavam avanços do homem contra suas limitações naturais e físicas.

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21 da maquinaria. Em 1832, por pressão dos trabalhadores, a jornada de trabalho foi limitada em 12 horas diárias. Em 1847, já foi reduzida para 10 horas nas fábricas de linho, seda, lã e algodão, como estímulo à implementação da maquinaria.

Observando dados de meados do século XIX, Marx verificou que mesmo com a queda de postos de trabalho, a expansão da maquinaria tinha elevado muito a produtividade das fábricas inglesas, levando o autor a crer que não existia forma mais eficiente de aumentar a produtividade. Porém, Marx também descreve as conseqüências promovidas pela maquinaria no capitalismo:

Assim que o manejo da ferramenta passa à máquina, extingue-se com o valor de uso, o valor de troca da força de trabalho. O trabalhador torna-se invendável, como papel-moeda posto fora de circulação. A parte da classe trabalhadora que a maquinaria transforma em população supérflua, isto é, não mais imediatamente necessária para a autovalorização do capital, sucumbe, por um lado, na luta desigual da velha empresa artesanal e manufatureira contra a mecanizada, inunda, por outro lado, todos os ramos mais acessíveis da indústria, abarrota o mercado de trabalho e reduz, por isso, o preço da força de trabalho abaixo de seu valor. Para os trabalhadores pauperizados, deve ser grande consolo acreditar, por um lado, que seu sofrimento seja apenas temporário, por outro, que a maquinaria só se apodere paulatinamente de todo um setor de produção, ficando reduzida a dimensão e a intensidade de seu efeito destruidor. Um consolo bate o outro. Onde a máquina se apodera paulatinamente de um setor da produção, produz miséria crônica nas camadas de trabalhadores que concorrem com ela. Onde a transição é rápida, seus efeitos são maciços e agudos. A história mundial não oferece nenhum espetáculo mais horrendo do que a progressiva extinção dos tecelões manuais de algodão ingleses, arrastando-se por décadas e consumando-se finalmente em 1838. Muitos deles morreram de fome, muitos vegetaram com suas famílias a 2,5 pence por dia (MARX, 2003).

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22 malefícios causados ao trabalhador. “O meio de trabalho mata o trabalhador” (COUTO, FREITA, COUTO, 2009)

Estas afirmações se fundam no fato de Marx não acreditar na hipótese da libertação de capital. Para Marx, o capital variável que é deslocado não fica disponível, ele apenas é transferido da condição de capital variável, na forma de salários, para se transformar em capital constante, na forma de máquina. O autor acreditava na possibilidade de o trabalhador ser ocupado em outro segmento, mas este investimento só será possível pela ação de outro capital. E quanto à criação de emprego nos setores de construção de bens de produção, Marx apresenta que tende a ser um segmento com elevada composição orgânica de capital.

A quantidade socialmente necessária de trabalho é uma referência que está diretamente associada ao estágio de desenvolvimento das forças produtivas. Certamente que o tempo que se leva para produzir uma porta de madeira nos dias de hoje é radicalmente distinto do tempo que era necessário há cem anos. Isso em decorrência do desenvolvimento das ferramentas e da forma de organizar a produção. Isso não quer dizer que não existam, ainda hoje, formas rudimentares de produção de portas, mas se esta se configurar como mercadoria, o valor dela será o de uma porta produzida com as ferramentas dos dias atuais e com a habilidade e eficiência média de um trabalhador dos dias atuais.

Desta forma a elevação de produtividade reduz a quantidade de valor por unidade de mercadoria, ainda que torne o trabalho concreto uma fonte mais rica de valor de uso. Esta constatação nos leva refletir sobre os elementos que estimulam um capitalista a buscar elevação de sua produtividade, sabendo que a elevação da produtividade média reduz o valor da mercadoria.

Podemos analisar o crescimento de produtividade de ao menos duas formas. As diferenças de produtividade de capitalistas do mesmo setor da economia e as diferenças de produtividade entre setores distintos da economia.

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23 produtividade abaixo da média e outras acima da média. Quando nos referimos a capitalistas do mesmo setor da economia, fica evidente que este busca ter uma produtividade acima da média de seu setor. Isso pode lhe render um aumento de mais-valia extra, segundo Marx. Esta mais-valia se dá porque a produtividade acima da média torna as horas de trabalho de seus trabalhadores uma fonte mais rica de valor, desta vez não só de valor de troca. Este processo não é diferente para o capitalista com produtividade abaixo da média, o trabalho deste é uma fonte menos rica de produção de valor.

Quando tratamos diferenças de produtividade, em setores distintos da economia capitalista, este fenômeno se comporta de forma distinta da anteriormente mencionada. A taxa de lucro dos diversos setores é rateada entre estes, não garantindo uma mais-valia excepcional para um ou para outro setor da economia. Este processo se dá pela necessidade de funcionamento dos diversos setores. A escolha de investimento capitalista é privada, se um setor da economia tivesse lucros completamente distintos dos outros, provavelmente todo o capital se deslocaria para o setor de maiores ganhos, impossibilitando o funcionamento da economia capitalista.

Assim, o duplo caráter do trabalho se desdobra em uma série de dualidades na economia política de Marx, como: a dualidade da mercadoria (possuidora de valor de uso e valor de troca), da riqueza (material e abstrata) e dos avanços técnicos (expresso nos conflitos dialéticos do desenvolvimento das forças produtivas com as relações de produção).

Fica evidente na análise de Marx que o desenvolvimento da tecnologia, dado a lógica de valorização do capital, leva a economia capitalista a irracionalidades quanto ao processo produtivo e de troca (BORGES NETO, 2010)

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24 elevando o trabalho morto e reduzindo o trabalho vivo, capaz de transferir e gerar valor.

Este processo leva a economia capitalista a elevar a produção de riqueza material em um nível nunca visto anteriormente, sem necessariamente elevar a criação de valor. Dado que a meta do capital é valorizar-se, este processo contraditório cria distorções na lógica econômica e distâncias monumentais entre a criação de valor e valor de uso, entre a capacidade de o trabalhador criar riqueza material e riqueza abstrata.

Segundo Marx,

O roubo do tempo de trabalho alheio, sobre o qual se funda a riqueza atual, aparece como uma base miserável comparado com este fundamento, criado pela própria grande indústria. Tão pronto como o trabalho em sua forma imediata deixou de ser a grande fonte da riqueza, o tempo de trabalho deixa, e tem que deixar, de ser sua medida e, portanto, o valor de troca deixa de ser a medida do valor de uso (Marx 1972 [1857-58], p. 227-230 apud BORGES NETO, 2010)

A elevação da produtividade não cria condições para o capital ampliar sua forma homogênea de valorização. Tendo assim que buscar a centralização de capital para tentar reduzir a tendência decrescente de taxa de lucro, que expressa um caso específico do fenômeno descrito no trecho acima no Grundrisse de Marx.

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25 trabalho empregado para além do que valor de seu salário é apropriado pelo capitalista como mais-valia.

É na busca de valorização de seus capitais, na valorização do valor que os capitalistas de todo o mundo buscam acelerar o processo de rotação de capital, processo de transformar o capital em mercadoria força de trabalho e meios de produção para utilizar o valor de uso da força de trabalho para gerar mais-valia.

O capitalista ampliará seu capital quão mais rápido puder realizar a rotação do mesmo. Esta transformação de capital em mercadoria e mercadoria em mais dinheiro eleva a velocidade de acordo com a capacidade de aumentar a composição orgânica do capital, ou seja, elevação do trabalho morto frente ao trabalho vivo.

A substituição do trabalhador por máquina só é justificada para garantir uma maior reprodução de mais-valia, mas este processo pode assumir três flancos de atuação. Primeiro, pelo desejo de elevar a velocidade do giro de seu capital, para assim valorizá-lo mais rapidamente, como foi mencionado. Segundo, pela necessidade de produzir mais-valia sem estar ancorado nas vicissitudes, inconstâncias e desejos reivindicatórios, liberando o capitalista da penúria de ter que compartilhar parte de seus lucros. Este fator também impõe que o capitalismo tenha de produzir desemprego para garantir níveis aceitáveis de estabilidade política aos empregadores. O pleno emprego é refutado pela classe detentora de capital por que o desemprego tem um papel disciplinador, favorecendo os lucros frente aos salários, no conflito capital-trabalho. E, por último, pelo desejo de se apropriar de um tipo bastante peculiar de mais-valia, a chamada mais-valia extraordinária. Esta modalidade de mais-valia é para Marx o elemento dinamizador do avanço das forças produtivas no capitalismo.

(27)

26 ganho de mais-valia extraordinária, enquanto esta inovação não for generalizada em determinado segmento da economia.

A necessidade de elevar a composição orgânica do capital cria uma contradição fundamental no seio do sistema segundo Marx. Dado que o único trabalho que cria valor é o trabalho vivo, criado pela força de trabalho, a elevação da composição orgânica do capital permite a elevação da eficiência, elevação da riqueza real, mas não a criação do valor almejada pelos detentores de capital, que é a riqueza abstrata, destas que o capitalista pode converter em qualquer bem material comercializável. A disputa intercapitalista acelera do processo de desenvolvimento das forças produtivas, com implementação de inovações tecnológicas e organizacionais, de forma que economize trabalho e tempo de produção.

A busca de um capitalista em reduzir o tempo de trabalho para produzir uma mercadoria abaixo do tempo médio de seus concorrentes promove fenômenos curiosos no desenvolvimento da economia capitalista. Quando esta inovação, seja tecnológica, ou organizacional, encontra-se concentrada apenas em sua fábrica, este capitalista ganha a mais-valia extraordinária, dado que produz com mais eficiência a quantidade socialmente necessária, determinada para a produção de tal mercadoria. Quando esta inovação se generaliza no trabalho concreto de todos os concorrentes, a quantidade socialmente necessária de trabalho se desloca para este novo nível mais eficiente. Mas se esta inovação reduzir de forma generalizada a quantidade de trabalho no departamento de bens de consumo dos trabalhadores cria-se outra modalidade de mais-valia, a mais-valia relativa.

A mais-valia relativa é proveniente da redução do preço da cesta de consumo do trabalhador. Como o trabalhador recebe o equivalente ao valor de troca de sua força de trabalho, que corresponde ao valor de sua cesta de consumo, socialmente e historicamente atualizada, a redução do valor desta cesta, promove a perda de importância relativa do salário frente ao lucro, podendo garantir ao capitalista maiores lucros.

(28)

27 na produção, isso para garantir que sua produção transcenda a eficiência média da produção de tais mercadorias. Buscando a mais-valia extraordinária, os capitalistas adquirem muitas vezes a mais-valia relativa, porém, tal mecanismo, segundo Marx, preda a capacidade do capitalista elevar as taxas de mais-valia, causando inclusive uma tendência de declínio das taxas de lucro.

Para Marx, a queda tendencial da taxa de lucro é o processo de perda de capacidade de produzir riqueza abstrata, valores de troca, de garantir o processo de valorização do capital. Seria inapropriado sugerir que a sociedade capitalista tenda à redução de sua capacidade produtiva. Analisando o capitalismo mesmo de forma superficial, se verificará que este sistema tem se demonstrado um sistema da fartura, de abundâncias, de excesso e de desperdício. Ainda que conviva com profundas desigualdades, com miséria, com fome, com grande concentração de renda, a riqueza concreta e a produção de valores de uso estão abundantemente presentes em tal sociedade. A queda da taxa de lucro tende a gerar crises, por reduzir investimentos, gerar desemprego e a pressionar a redução de salários.

O que Marx traz no capital, já ensaiado no Grundrisse é que o capitalismo não desenvolve tecnologias para melhorar as condições de trabalho dos trabalhadores, não produz tecnologias baseadas nas leis de mercado para reduzir a pobreza e a miséria, ele o faz para elevar sua capacidade de produzir valores de troca. E a cada momento que um capitalista inova em sua forma de produzir, gastando menos tempo social de trabalho, este se apropria de uma valorização do valor diferente dos outros capitalistas, mas quando esta inovação se difunde na produção, a apropriação de mais-valia volta a ocorrer de forma equivalente para todos capitalistas, porém com uma peculiaridade, demandando menos horas de trabalho.

(29)

28 precisa imprimir outro avanço tecnológico, utilizando-se do que Schumpeter chamaria de monopólio temporário. O capitalista passaria mais um período apropriando-se da mais-valia extraordinária, com elevação da composição orgânica do capital, elevando assim o trabalho passado, cristalizado em meios de produção, e reduzindo a força de trabalho criadora de valor.

O caráter endógeno do desemprego no capitalismo é um elemento fundamental no processo de funcionamento e reprodução do sistema. Para fundar suas bases, o capitalismo impôs o trabalho nos moldes da revolução industrial por meio de intensa violência física, cultural e moral. No processo de acumulação primitiva, o sistema precisou mudar radicalmente a lógica de trabalho feudal, baseada no trabalho no campo – que obedecia a dinâmica natural das estações do ano – e em um conjunto de obrigações do servo, o qual não almejava ascender a senhor. A lógica feudal mencionada é contrária à produção de mercadoria, produção de riqueza abstrata.

Como já mencionamos, os trabalhadores foram atraídos para as cidades e condicionados ao trabalho industrial, por salários relativamente maiores do que os do campo, situação que não perdurou. Consolidado o estabelecimento de relações capitalistas de produção, os detentores do Capital precisavam elevar seu poder político e econômico e, segundo Kalecki (1977, p.54-55), certo nível de desemprego é fundamental para a manutenção da disciplina na fábrica e da estabilidade política. O autor chega ao extremo de afirmar que o capitalista prefere estes fatores ao lucro.

Kalecki (1977) lembra que o pleno emprego poderia retirar o caráter disciplinar das demissões, podendo causar uma elevação no nível de confiança dos trabalhadores, que estariam mais suscetíveis a questionar poder patronal. O autor defende ainda que é provável que os lucros em um quadro de pleno emprego sejam maiores, ainda que o os salários crescessem em um ambiente de elevado poder de barganha do trabalhador. Mas Kalecki apresenta que os aumentos dos salários estavam mais propensos a elevar preços do que a reduzir os lucros.

(30)

29 Para o autor, certo nível de desemprego é inerente do sistema e a tecnologia produzida por este sistema tende a obedecer tal lógica.

A dimensão tecnológica do exército de reserva repousa na necessidade que o capitalista tem de se livrar das vicissitudes do trabalho do homem, trabalho repleto de incertezas e imprevisibilidades. O detentor do capital tem que se livrar do trabalho humano, repleto de reivindicações e desejos de melhoria das condições de trabalho. Assim, a elevação da composição orgânica do capital, a elevação do trabalho morto frente ao vivo e a automatização da produção, servem ao capitalista de duas formas: no primeiro momento da inovação, funciona como um instrumento para a apropriação de mais-valia extra, quando esta inovação (que eleva a mecanização da fábrica) se difunde de forma relativamente uniforme na produção. Além disso, o trabalho vivo é reduzido na produção como um todo, “livrando” cada fez mais os capitalistas do poder de barganha dos trabalhadores. A elevação do trabalho morto na produção garante a criação de um exército de reserva, formado por desempregados que devem estar aptos para assumir os postos de trabalho sempre que os trabalhadores colocarem o poder do capital em xeque em seus postos de trabalho.

A estratégia de impedir obsolescência e reduzir o poder de barganha do trabalhador está respaldada em impedir que os trabalhadores se vejam como classe, que compartilhem entre si os mesmos dilemas e dificuldades. A estratégia de utilizar o desemprego como ameaça só se faz eficiente se os trabalhadores não agirem conjuntamente. Esta constatação se faz presente em inovações organizacionais, nas quais as empresas criam diversas diferenciações entre trabalhadores de um mesmo setor e em alguns casos da mesma função. As distinções entre trabalhadores expressa outra forma de garantir um elevado nível de controle e estabilidade aos capitalistas, potencializando a tensão que é causada pela elevação do nível de desemprego.

(31)

30 suas bases. Couto, Freitas e Couto (2009) apresentam uma síntese bastante relevante para Marx:

de acordo com as idéias de Marx, que a maquinaria era, em parte, responsável pelo desemprego, mas que novos investimentos poderiam absorver os trabalhadores demitidos. Marx não apontou com clareza, mas demonstrou que sabia que o desemprego dependeria da velocidade de crescimento de quatro variáveis: 1) o avanço tecnológico; 2) o crescimento populacional; 3) a taxa de acumulação de capital (ou novos investimentos); 4) e a redução da jornada de trabalho (COUTO, FREITAS e COUTO, 2009, p. 13).

Os autores ainda apresentam que a elevação da composição orgânica e o aumento populacional são duas forças que impulsionam o desemprego, enquanto a elevação dos investimentos e a redução da jornada de trabalho promovem a elevação do nível de ocupação. Observando a variação do nível de emprego durante o século XX, os autores sugerem que os elementos geradores de empregos tem se apresentado com maior relevância e energia.

1.3.

Schumpeter

Schumpeter foi um dos mais importantes economistas do século XX. Escolheu a analisar a economia a partir de um horizonte que transcende o curto prazo e com isso vislumbrou uma economia diferente dos equilíbrios neoclássicos. Para ele os equilíbrios tendem a se modificar à medida que se modificam determinados padrões.

(32)

31 rearranjo institucional. As crises se verificam quando tal paradigma é incapaz de atribuir o dinamismo que a economia capitalista necessita, com as taxas de lucro almejadas pelos proprietários dos meios de produção. A busca de um equilíbrio e a acomodação da expansão anterior tendem a constituir uma das faces das crises capitalistas. Schumpeter (1997) apresenta abaixo o caráter cíclico da acumulação capitalista, afirmando que:

a natureza econômica da depressão reside na difusão das conquistas do boom por todo o sistema econômico, por meio do mecanismo da luta pelo equilíbrio; e que somente reações temporárias, que apenas em parte são necessárias ao sistema, é que obscurecem esse traço fundamental e produzem o clima expresso pela palavra depressão. (SCHUMPETER, 1997, p. 233)

Valendo-se do estudo estatístico de Kondratiev, Schumpeter sustenta sua construção teórica em sólida base empírica. Kondratiev, após observar estatisticamente períodos de ascensão de declínio da economia mundial, percebe que os padrões se modificam a cada 50 a 60 anos e os ciclos menores, denominados “Juglar”, variam de 8 a 10 anos. Schumpeter identifica que estes ciclos estão associados a mudanças da base técnica de cada ciclo.

(33)

32 QUADRO 1.1 - Ondas longas ou ciclos econômicos com (com base em

Schumpeter)

FASES DECOLAGEM EXPANSÃO RECESSÃO DEPRESSÃO

CICLOS A B C D

1o 1770-1785 1786-1800 1801-1813 1814-1827

2o 1828-1842 1843-1857 1858-1869 1870-1885

3o 1886-1897 1898-1911 1912-1925 1926-1937

4o 1938-1952 1953-1973 1974-1985 1986...

FONTE: CARDOS E GUEDES (1999, p. 46)

Quando o empresário Schumpeteriano introduz uma inovação assimilada pelo mercado, este empresário desfrutará por certo tempo do um lucro chamado por Schumpeter de extraordinário, que não diferente de Marx, é o prêmio recebido pelos inovadores, impulsionadores do progresso capitalista. Este desfrutará de tais benefícios por certo tempo, até que perca seus benefícios por fatores institucionais, como o fim de uma patente, ou econômicos, como a criação de outra inovação que supere a vigente.

Tendo a inovação tecnológica como o motor de desenvolvimento capitalista, Joseph Schumpeter atribui grande importância aos empresários, responsáveis por garantir a implementação e difusão da invenção na sociedade. O que chamou de “empresário schumpeteriano” é o empreendedor, capaz de difundir a invenção pela economia, gerando ondas de desenvolvimento e inovação.

(34)

33 primas, padrões de acumulação. Este tipo de inovação ainda promove o que Schumpeter chama de destruição criativa, elemento fundamental na construção do entendimento do autor sobre o desenvolvimento capitalista e as possibilidades de criação de desemprego no processo de inovação tecnológica.

Schumpeter não se debruçou com afinco sobre o debate do desemprego tecnológico. Para ele, esta modalidade de desemprego é verificada não só quando existe mudança técnica, mas também quando se verifica mudanças organizacionais ou outras. Como as mudanças tecnológicas são um condutor do progresso no atual sistema, ele acreditava que mesmo inovações de outra natureza, que não tecnológicas, são derivadas de mudanças tecnológicas. Certamente, o fordismo não seria possível sem os diversos progressos tecnológicos verificados nas revoluções industriais, é impensável a organização fabril sem a existência da esteira, para simplificar e rotinizar o trabalho.

Schumpeter não acreditava na dicotomia criada entre desemprego cíclico e desemprego tecnológico. Utilizando os ciclos de longa duração de Kondratiev, constata que as mudanças tecnológicas promovem ciclos de expansão e depressão da economia. O declínio é causado pela saturação de um determinado padrão técnico, e com isso, verifica-se elevação do desemprego. Mas este desemprego, para Schumpeter, será inevitavelmente superado pela dinâmica capitalista, que promoverá novas inovações e oportunidades de investimentos. Este processo gerará elevação dos investimentos nas novas tecnologias, com elevação de crédito, vigor econômico e criação de novas cadeias produtivas.

À medida que os investimentos na nova tecnologia amadurecem, as economias de escalas chegam aos extremos e existe pressão pela manutenção dos lucros. O nível de emprego tende a parar de crescer e investe-se em tecnologias poupadoras de força de trabalho.

(35)

34 tecnológico é criado por ciclos e superado em ciclos, seria incongruente não considerar o desemprego tecnológico como cíclico. Na medida em que as inovações criam tecnologias poupadoras de força de trabalho, estas geram outros postos de trabalho em outra indústria ou ramo da economia.

No momento do boom por elevação dos investimentos se verifica um aumento da produção, do nível de emprego e dos salários. O boom se expressa em tecnologias poupadoras de trabalho, mas não necessariamente cria desemprego, dado o processo de expansão da economia. Ainda que as tecnologias poupadoras de emprego gerassem algum nível de desemprego, este seria transitório, uma vez que a elevação dos lucros provocaria expansão dos investimentos. (SCHUMPETER, 2007)

Segundo Freeman et alii (1982, p. 27 apud TOYOSHIMA), Schumpeter não contava com a elevação do nível geral de desemprego. Para ele, ocorreria uma transferência dos empregos de um setor da economia para outro, ou seja, a destruição em um setor e a criação em outro. O alto nível de desemprego não se daria por progressos técnicos, ou baixo nível de geração de empregos, mas sim por fenômenos transitórios e presentes em períodos de crise, como falta de demanda efetiva e indisposição do empresário em investir.

O desemprego tecnológico não foi o alvo central de análise de Schumpeter. Para ele esta modalidade de desemprego faz parte do processo de acumulação capitalista em períodos de expansão da economia e tende a desaparecer, sendo que em momentos de crise os índices de desemprego se elevam. Assim, este desemprego tem um caráter transitório como os outros fatores cíclicos do modo de produção capitalista.

1.4.

Neo-schumpeterianos

(36)

35 tecnológicas, mas acrescentam outros elementos à visão de Schumpeter. Utilizam-se de elementos da teoria pós-keynesiana como as expectativas, partindo do pressuposto que a incerteza tem um papel fundamental no ímpeto do empresário inovador realizar investimentos em novas tecnologias. Os neo-schumpeterianos estabelecem um bom diálogo com a teoria regulacionista, uma vez que acreditam que as mudanças institucionais são elementos fundamentais tanto no processo de desenvolvimento econômico, como no desenvolvimento de novas tecnologias.

Os autores neo-schumpeterianos assimilam o conceito de ciclos longos para caracterizar determinada fase da economia capitalista e como se realiza o processo de acumulação. Acreditam que nos ciclos verificam-se “tempestades periódicas de destruição criativa que representam revoluções tecnológicas que promovem saltos quantitativos na produtividade industrial” (PAMPLONA, 2001, p. 42).

. Utilizam-se do conceito de paradigma tecno-econômico para estabelecer uma determinada inter-relação de elementos técnicos, gerenciais, materiais, de produtos e etc. Estes estabelecem um determinado padrão de funcionamento da economia. O padrão está ancorado em um conjunto de tecnologias que se consolidaram com a superação no ciclo anterior; o processo de consolidação de tal ciclo ocorre com incorporação de algumas inovações que se desdobram em grande parte da economia e produzem um efeito em cadeia, gerador de outras inovações menores. O paradigma tecno-econômico também está ancorado em um determinado padrão institucional, que influencia e é influenciado pelas tecnologias, formas organizacionais de produção, etc.

(37)

36 Uma mudança tecnológica pode, por exemplo, exercer ao menos duas tendências no nível de emprego da economia. Se por um lado uma importante inovação tecnológica eleva o nível de investimento, e portanto tende a elevar o nível de emprego, por outro lado, como se verifica na maior parte dos casos, as inovações tecnológicas tendem a ser poupadoras de mão de obra. Para identificar se tal padrão tende a gerar desemprego tecnológico ou não, vai depender de fatores institucionais, organizacionais e etc.

Uma importante constatação feita por Freeman et alii (1982, p. 75-80) é que um mesmo padrão tecnológico tende gerar diferentes efeitos no nível de ocupação, em cada estágio do ciclo. Esta constatação remete mais uma vez à natureza cíclica do desemprego, presente nos apontamentos de Schumpeter. No início da implementação de um determinado padrão tecnológico, a elevação dos lucros tende a gerar mais investimentos e com isso se eleva o nível de empregos e salários. Neste período, há possibilidades de investimentos conduzirem a economia ao crescimento econômico. Com o avançar do ciclo, o paradigma se estabiliza e verifica-se a existência de uma tendência à elevação da concorrência intercapitalista, que reduz os lucros para lucros normais, diminuindo a incidência de lucros extraordinários. Neste processo, as inovações tendem a ser mais na esfera organizacional e não de produtos, são poupadoras de força de trabalho e contribuem com a geração de desemprego em tal fase do ciclo de acumulação. As inovações organizacionais estão voltadas, no geral, para racionalizar o processo produtivo, no intuito de poupar força de trabalho.

(38)

37 produção, ao invés de investimentos em expansão e investimento em reposição de capital fixo.

O elemento institucional também é fundamental na definição do nível de emprego, uma vez que a legislação trabalhista, o poder de barganha do sindicato, a existências de um determinado monopólio, ou determinada cultura, estabelecem inflexibilidades no nível de emprego, salário, ou tipo de ocupação. Mesmo que houvesse possibilidade técnica para uma produção que gerasse maior nível de emprego, haveria resistência a mudanças, enquanto não se alterasse tal padrão institucional.

Para os neo-schumpeterianos os problemas de desemprego são enfrentados com políticas públicas de ordem fiscal e monetária, estimulando a geração de crescimento e emprego. Para tal linha teórica, é necessário verificar no atual paradigma tecno-econômico onde estão as maiores oportunidades de crescimento com geração de empregos. Eles defendem que são necessários investimentos em setores dinâmicos, que geram possibilidades de novos investimentos para geração de emprego e crescimento também no longo prazo. A busca do pleno-emprego é um elemento central para os neo-schumpeterianos. Toyoshima apresenta os principais pontos que relacionam o nível de emprego com tecnologia na visão neo-schumpeteriana.

(39)

38

das configurações futuras; 8) os impactos da tecnologia sobre o nível de emprego dependem não só do tipo das inovações tecnológicas, mas da fase do ciclo em que a economia se encontra; 9) no mundo real existem diversas inflexibilidades técnicas e institucionais que impedem que a economia caminhe inequivocamente para um equilíbrio de pleno-emprego; e 10) em razão disso, as políticas públicas cumprem papel fundamental na geração de emprego. (TOYOSHIMA, 1997, p. 34)

1.5.

Teoria da Regulação

A teoria regulacionista, ou neomarxista, apresenta considerável similaridade à neo-schumpeteriana. As duas visões consideram os avanços tecnológicos e as mudanças institucionais elementos centrais para a compreensão do processo de desenvolvimento capitalista. O que distingue uma da outra é fundamentalmente a importância que cada um dá às variáveis institucionais e tecnológicas. Para os neo-schumpeterianos os elementos tecnológicos tem maior protagonismo no processo de desenvolvimento capitalista, já para os regulacionistas as instituições são elemento de maior relevância. Para a escola da regulação, o emprego pode sofrer modificações qualitativas e quantitativas sem ocorrerem modificações substanciais na tecnologia, apenas por readequação dos elementos institucionais.

A escola em questão possui forte influencia da visão de Marx quanto à importância das relações sociais no desenvolvimento da sociedade capitalista. Boyer (1988, 1990) apresenta que na visão regulacionista o processo de desenvolvimento do sistema cria periodicamente obstáculos à continuidade de acumulação capitalista, culminando assim nas crises. Com as devidas readequações das instituições, pode-se trazer estabilidade ao sistema com o objetivo de desobstruir o processo de acumulação. Estes mecanismos são conhecidos como regulação. A regulação medeia fatores econômicos com não econômicos a fim de estabilizar, ainda que temporariamente, o processo de acumulação. Como isso, se busca regular política monetária, concorrências, relações salariais e comércio internacional.

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39 determinadas instituições variam de acordo com o momento histórico e suas instituições. A melhor configuração de regulação das relações salariais não são as mesmas no começo do século XX e no início do século XXI. A cultura do povo, a legislação, as tecnologias e o padrão de acumulação capitalista são bem distintos de um período para o outro e requerem diferentes formas de regulação para gerarem os benefícios sociais possíveis. Para os neomarxistas, o futuro não está predeterminado, o progresso ocorre em um ambiente de múltiplas possibilidades, o desenvolvimento surgirá como fruto do conflito dialético de diversas variáveis (PAMPLONA, 2001).

Uma importante distinção entre os regulacionistas e os neo-schumpeterianos é a utilização de ondas longas para explicar o progresso capitalista. Os regulacionistas não creem em uma ligação tão direta entre o boom e crises com as mudanças tecnológicas. Esta vinculação obrigatória aponta para certo determinismo tecnológico, que perde capacidade de explicar a realidade. Em muitos momentos na história se verificam crises que não estão vinculadas a mudanças no regime de acumulação.

O exemplo levantado por TOYOSHIMA (1997, p. 37) foi o estabelecimento do fordismo. No pós-segunda guerra não se verificaram mudanças no regime de acumulação, mas existe uma crise na relação em entre a capacidade produtiva e a demanda. Com regulação nas relações salariais, foi possível incluir os trabalhadores na gama de consumidores, com isso ampliou-se o mercado, elevaram-se a produção e os lucros, incentivou-se novos investimentos e provocou-se um ciclo virtuoso de desenvolvimento (PAMPLONA, 2001). Isso não significa que as mudanças tecnológicas não possam desencadear crises no padrão de acumulação. Para os regulacionistas, as crises mais graves se verificam nas mudanças de paradigma tecnológico, uma vez que estas mudanças requerem outras formas de articular as produção, altera relações salariais, relacionam-se com necessidades da sociedade, etc..

(41)

40 importância que cada escola atribui à tecnologia e aos fatores institucionais. De acordo com a escola regulacionista, a variação de emprego está mais relacionada a rearranjos institucionais que tecnológicos. Uma grande modificação tecnológica tende a causar impactos transitórios no nível de emprego, mas à medida que ocorre uma rearticulação entre as instituições, os impactos tendem a ser mitigados pelas modificações nas legislações, na ação dos trabalhadores e nas demandas sociais.

(42)

41

2. O DESEMPREGO E AS MUDANÇAS TECNOLÓGICAS

2.1.

A maquinaria e a Primeira Revolução Industrial

Em “O Capital”, quando Marx (2003) cita John Stuart Mill no capítulo sobre a maquinaria, ele o faz com o intuito de expor a obviedade concluída por Mill. Para Marx, o processo de avanços das forças produtivas não pode ser outro, que não, baratear a mercadoria, reduzindo o tempo de trabalho pago ao trabalhador e, consequentemente, ampliando o trabalho não pago.

No citado capítulo, o autor expõe a visão simplista de economistas, matemáticos e mecânicos quanto à definição de ferramenta e de máquina. Sugerem estes que a máquina é uma ferramenta complexa e a ferramenta é uma máquina simples. Para Marx, tal definição não tem utilidade do ponto de vista da análise econômica e requer profundidade de análise, transcendendo a aparência do processo de progresso tecnológico e, por consequência, dos avanços das forças produtivas.

Outra distinção também citada pelo autor entre máquina e ferramenta está no elemento determinante da força motriz da máquina. Se esta é movida por força humana, é classificado como ferramenta, se “por uma força natural, diversa a do homem como força animal, força da água, a do vento e etc” (Marx, 2003, p. 428) deve ser classificado como máquina. Tal definição é incoerente na visão do autor, visto que se assim o fosse, aceitar-se-ia que a criação das máquinas precede aos ofícios manuais, uma vez que a aplicação de força animal pelos homens é uma das mais antigas invenções da humanidade.

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42 transmissão, que é o mecanismo que converte o movimento gerado pelo motor para um movimento adequado à máquina-ferramenta – este elemento é formado por engrenagens, cordas, rodas dentadas, barras, cabos e outras formas de transmitir a força do motor –; e por último o autor descreve a máquina-ferramenta, que é o mecanismo que “se apodera do objeto do trabalho e o transforma de acordo com o fim desejado” (Marx, 2003, p.429). Para Marx, as inovações nas máquinas-ferramentas permitiram a revolução industrial do século XVIII, visto que a máquina-ferramenta que é capaz de “transformar um ofício ou manufatura em exploração mecanizada”.

Assim, Marx atribui as transformações observadas no modo de produção capitalista aos avanços da máquina-ferramenta. Tais avanços automatizaram o ofício que a manufatura fracionou, racionalizou e cujas operações simplificou. A máquina-ferramenta possibilitou os avanços na produção superando os limites orgânicos do homem, que restringe a quantidade de ferramentas que poderiam ser operadas pelo trabalhador2.

Marx lembra que na Alemanha tentou-se colocar um fiandeiro para fiar com as duas mãos e com os dois pés, mas não deu certo. Depois se tentou por meio de um pedal que os fiandeiros fiassem com dois fusos. Mas, segundo Marx, “encontrar fiandeiros que conseguisse realizar tal procedimento, era tão raro quanto homem de duas cabeças” (MARX, 2003). Depois, a máquina de fiar de Jerry, logo no começo, já fiava de 12 a 18 fusos. Assim, é demonstrado que a revolução industrial direciona-se inicialmente à emancipação da máquina no que diz respeito à construção da mercadoria, relegando ao homem o papel de força motriz.

Com o avanço da máquina-ferramenta, as máquinas passam o operar mecanismos cada vez maiores, operando mais ferramentas simultaneamente. Este processo requer uma uniformidade que o homem não é capaz. Com a expansão da

(44)

43 revolução industrial e com o crescimento das máquinas, uma força motriz muito superior a do homem é necessária para colocar em movimento máquinas de tamanhos colossais. Impõe-se, assim, uma inversão, em que o homem assume o papel de força motriz do processo de produção. Isso só foi possível porque houve diversos avanços tecnológicos e foram descobertas novas matérias-primas, como o aço.

Constata-se, assim, que o processo de mecanização da revolução industrial absorve do processo produtivo não o trabalho meramente braçal, exercido ora por um animal, ora por um moinho de vento, ora pelo homem. A maquinaria assume o manuseio da ferramenta, que possuía um nível de complexidade muito elevado, quando operado por artesãos do feudalismo ou do pré-capitalismo, mas com o processo de divisão social do trabalho, permitiu-se um elevado nível de simplificação na produção, dividindo o trabalho em diversos processos relativamente uniformes e reproduzíveis por uma máquina. Mas esta máquina que abstrai as sutilezas do homem, também permite a superação dos limites orgânicos ligados à velocidade, força e quantidade de ferramentas operadas pelas mãos humanas (ROSEMBERG, 2006).

A observação de Mill quanto ao propósito dos avanços da maquinaria se demonstra quase tautológico. A máquina veio atender o papel de elevar a mais-valia e, por sua vez, a taxa de lucro do dono do capital. A maquinaria possibilita ao capital se valorizar sem limitações orgânicas e subjetivas provenientes do homem, afinal, a elevação da velocidade na produção é também a possibilidade da redução do tempo necessário para rotação do capital.

2.2.

O Emprego no Período da Primeira Revolução Industrial

(45)

44 conduzida pelo setor têxtil, indústria de máquina-ferramenta, metalurgia, introdução da máquina a vapor e, de certa forma, a indústria química na Inglaterra no final do século XVIII. Esta fase do capitalismo foi marcada por uma revolução nos transportes também associada aos avanços na exploração do carvão mineral. Um conjunto de outras inovações de menor relevância foi responsável para o salutar ganho de produtividade, consolidando assim a transição da manufatura para a produção fabril.

No período analisado, as relações de trabalho foram radicalmente transformadas. Os trabalhadores conviveram com profundas mudanças na forma de organizar a produção, uma vez que se estabelecia maior divisão do trabalho, diferentes relações hierárquicas, passaram a ter que vender sua força de trabalho a um capitalista e conviver com um ritmo de trabalho regido pela máquina, diferentemente do verificado na manufatura. A criação das fábricas conduzem os trabalhadores para longe de suas residências, gerando migrações para as cidades, onde passaram também a fazer parte de um mercado de trabalho que se modificava por fatores cíclicos, sazonais e de progresso tecnológico, deixando os trabalhadores a mercê das variações do nível de emprego.

(46)

45 insuficiência de força de trabalho contribuiu para a elevação da maquinaria, porém, a expansão das fábricas só foi possível pela elevação da oferta de trabalho no século seguinte.

A acumulação de capital, tanto na Inglaterra quanto na Europa, se expandiu a pleno vapor. A formação líquida de capital na Inglaterra saiu de 5% a 6% para 7% a 8% nas últimas décadas, chegando a meados do século XIX a uma taxa de 10% de formação liquida de capital. A expansão da indústria têxtil também demonstra as extraordinárias taxas de expansão da economia inglesa na primeira revolução industrial. O emprego industrial “passou de 100 mil trabalhadores, em 1770, para 350 mil empregados, em 1800, assim como o aumento da produção de 4 milhões de libras de algodão, em 1770, para 300 milhões, em 1833” (POCHMANN, 2005, p. 238).

A baixa intensidade de capital e tecnologia permitia uma rápida expansão da indústria têxtil no período em questão. Marx aponta uma redução dos teares a vapor em 1861-1968 em uma determinada região, porém mesmo com esta redução, foi verificada uma expressiva elevação da produção, dado os ganhos de produtividade impressos pelas novas máquinas. Landes (1994, p.91) aponta que houve uma elevação expressiva no número de teares mecânicos na Grã-Bretanha como é possível observar na tabela abaixo.

TABELA 2.1 - CRESCIMENTO DO NÚMERO DE TEARES MECÂNICOS NA GRÃ-BRETANHA - 1813 - 1850

Teares Ano

2.400 1813

14.150 1820

55.500 1829

100.000 1833

250.000 1850

(47)

46 Os investimentos na indústria ocorreram em todos os setores que englobavam tal fase de acumulação. A produção de “ferro-gusa, por exemplo, foi de 17.350 toneladas em 1740, 68.300 em I 788. 258.206 em 1806, 58!.367 em 1825, 1.248.781 em 1839 e 2.701.000 em 1852” (TOYOSHIMA, 1997, p 45). A Rede ferroviária saiu cresceu quase cinco vezes de 1850 a 1870. A produção de sabão cresce 75% de 1820 a 1835 (LANDES, 1994). É possível identificar na tabela abaixo a taxa de crescimento industrial no Reino Unido no século XIX.

TABELA 2.2 - TAXA DE CRESCIMENTO DA PRODUÇÃO INDUSTRIAL DO REINO UNIDO — 1800-1869

ANOS %

1800/09-1810/19 22,9

1805/14 - 1815/24 29,5

1810/19- 1820/29 38,6

1815/24- 1825/34 45,2

1820/29- 1830/39 47,2

1825/34 - 1835/44 410

1830/39 - 1940149 37,4

1835/44 - 1845/54 38,7

1840/49- 1850/59 39,3

1845/54- 1855/64 33.2

1850/59 - 1860/69 27,8

FONTE: Deane e Cole (1962, p. 297).

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TABELA 2.1 - CRESCIMENTO DO NÚMERO DE TEARES MECÂNICOS NA  GRÃ-BRETANHA - 1813 - 1850  Teares  Ano  2.400  1813  14.150  1820  55.500  1829  100.000  1833  250.000  1850
TABELA 2.2 - TAXA DE CRESCIMENTO DA PRODUÇÃO INDUSTRIAL  DO REINO UNIDO — 1800-1869  ANOS  %  1800/09-1810/19  22,9  1805/14 - 1815/24  29,5  1810/19- 1820/29  38,6  1815/24- 1825/34  45,2  1820/29- 1830/39  47,2  1825/34 - 1835/44  410  1830/39 - 1940149
TABELA 2.3 - HORAS TRABALHADAS POR PESSOA/ANO - 1870-1986
TABELA 3.1 - Taxas Médias Anuais de Variação das Principais Variáveis  de Produtividade e Emprego EUA e União Européia – 1960-1999
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Referências

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