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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS CAMPUS ARAPIRACA UNIDADE EDUCACIONAL PALMEIRA DOS ÍNDIOS CURSO DE PSICOLOGIA. Anne Karolina Fernandes Cavalcante Maia

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS CAMPUS ARAPIRACA

UNIDADE EDUCACIONAL PALMEIRA DOS ÍNDIOS CURSO DE PSICOLOGIA

Anne Karolina Fernandes Cavalcante Maia

“É COMO IR DO CÉU AO INFERNO”:

CONTRIBUIÇÕES DA ANÁLISE DO COMPORTAMENTO PARA UMA COMPREENSÃO FUNCIONAL DO TRANSTORNO BIPOLAR

Palmeira dos Índios 2018

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ANNE KAROLINA FERNANDES CAVALCANTE MAIA

“É COMO IR DO CÉU AO INFERNO”:

CONTRIBUIÇÕES DA ANÁLISE DO COMPORTAMENTO PARA UMA COMPREENSÃO FUNCIONAL DO TRANSTORNO BIPOLAR

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Alagoas, Campus Arapiraca, Unidade Educacional de Palmeira dos Índios, para a obtenção do título de Bacharel em Psicologia.

Orientador: Prof. Me. Gérson Alves da Silva Júnior

Palmeira dos Índios 2018

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Catalogação na fonte Universidade Federal de Alagoas Biblioteca Unidade Palmeira dos Índios

Divisão de Tratamento Técnico

Bibliotecária Responsável: Kassandra Kallyna Nunes de Souza (CRB-4: 1844)

M217c Maia, Anne Karolina Fernandes Cavalcante.

“É como ir do céu ao inferno”: contribuições da análise do comportamento para uma compreensão funcional do transtorno bipolar/ Anne Karolina Fernandes Cavalcante Maia, 2019.

86 f.

Orientador: Gérson Alves da Silva Júnior.

Monografia (Graduação em Psicologia) – Universidade Federal de Alagoas. Campus Arapiraca. Unidade Educacional de Palmeira dos Índios. Palmeira dos Índios, 2018.

Bibliografia: f. 85 – 92

1. Psicologia. 2. Behaviorismo (Psicologia). 3. Transtorno bipolar. I. Silva Junior, Gerson Alves da. II. Título.

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, irmãos, avós, amigos (em especial Tatiana Henrique Santos e

Clariana Rodrigues Trabuco), demais familiares e parentes Caiçaras por todo esforço e dedicação, pelo modelo de vida que me proporcionaram nos últimos

anos; enfim, por transformarem em verbo a palavra Amor;

Ao meu professor, orientador, supervisor e mestre de Caapoeira Gérson Alves da Silva Júnior, pelo acompanhamento de minha trajetória acadêmica e o

ensino, através de suas marcas concretas no mundo, que viver significa lutar e

não se luta sozinho;

Aos meus companheiros de Caapoeira Caiçara por todas as vezes que me ensinaram a cair, levantar e continuar ―gingando‖, sorrindo e

manter-me firmanter-me também no jogo da vida;

Aos meus pacientes e supervisores dos estágios (crianças e adultos) por terem me ensinado, na prática, que é possível modificar o nosso ambiente e

tornarmos construtores da nossa própria história;

Ao Grupo de Estudo em Psiconeurobiologia e Análise do Comportamento

ao qual me vinculei após alguns anos de graduação – Admiro profundamente todos que passaram pelo GEPAC e agradeço por terem me acolhido tão bem!

Ao psicólogo Analítico-Comportamental Jacinto Neto pelo acompanhamento

fortalecedor durante a minha graduação;

Ao meu companheiro Rafael Ernesto Arruda Santos pelos afetos e o apoio

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RESUMO

O presente trabalho originou-se a partir de uma inquietação sobre como a Análise do Comportamento poderia auxiliar no manejo de comportamentos de pessoas diagnosticadas com Transtorno Bipolar. Considerando a natureza descritiva, bibliográfica e didática desse trabalho, objetivamos identificar, por meio da análise funcional de um personagem de uma obra cinematográfica, possíveis determinantes de comportamentos de irritabilidade, característica presente nos critérios diagnósticos do transtorno. Para tanto, através da apresentação do quadro clínico e do panorama histórico do transtorno na Psiquiatria, evidenciamos a tradição mentalista/organicista na nosologia psiquiátrica, a imprecisão quanto à definição dos sintomas e o método clínico no estudo do comportamento patológico. Elaboramos, ainda, uma reflexão crítica da análise psicanalítica freudiana acerca do comportamento melancólico, demonstrando seu baixo potencial preditivo do fenômeno. A apresentação posterior dos fundamentos conceituais e empíricos da Análise do Comportamento sinalizou, por outro lado, uma concepção pragmática, histórica e contextual alternativa ao estudo desse tipo de comportamento. Através da Análise Funcional do personagem, por fim, foi possível demonstrar o caráter promissor da abordagem em relação às perspectivas supracitadas no que tange a descrição, predição e manejo eficaz na terapêutica de pessoas diagnosticadas com Transtorno Bipolar.

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ABSTRACT

The present study originated from a concern about how Behavior Analysis could help in the management of problematic behaviors in people diagnosed with Bipolar Disorder. Considering the descriptive, bibliographical and didactic nature of this work, we aim to identify, through the functional analysis of a character of a cinematographic work, possible determinants of irritability behaviors, a characteristic present in the diagnostic criteria of the disorder. For this, through the presentation of the clinical picture and the historical panorama of the disorder in Psychiatry, we show the mentalist/organicist tradition in psychiatric nosology, imprecision as to the definition of symptoms and the clinical method in the study of pathological behavior. We also elaborated a critical reflection of the Freudian psychoanalytic analysis on melancholic behavior, demonstrating its low predictive potential of the phenomenon. The subsequent presentation of the conceptual and empirical foundations of Behavior Analysis signaled, on the other hand, a pragmatic, historical and contextual conception alternative to the study of this type of behavior. Through the Functional Analysis of the character, finally, it was possible to demonstrate the promising character of the approach in relation to the aforementioned perspectives regarding the description, prediction and effective management in the therapy of people diagnosed with Bipolar Disorder.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 9

2 QUADRO CLÍNICO: COMO SE SENTE O BIPOLAR? 16

2.1 Sintomas, Critérios e Características Diagnósticas 17

2.2 Dados Epidemiológicos e Fatores de Risco 19

2.3 Bases Neurobiológicas do Transtorno Bipolar 21

2.4 Linhas de Tratamento 24

2.5 Diagnóstico e Tratamento no Contexto da Saúde Pública Brasileira

26

2.6 O Transtorno Bipolar seria um fenômeno do século XX? 27 3 A EVOLUÇÃO DO DIAGNÓSTICO E IMPLICAÇÕES NO

TRATAMENTO

29

3.1 A Arte de explicar: O para quê das coisas precede o porquê das coisas

29

3.2 De Hipócrates (V a.C.) a Kraepelin (XIX d.C.): Cérebro e Mente em Foco

34

4 ASPECTOS DA INVESTIGAÇÃO PSICOLÓGICA E PSICANALÍTICA

43

4.1 As Primeiras Propostas Metodológicas da Psicologia 43 4.2 O Olhar Freudiano da Melancolia: predição ou prescrição? 47 5 ANÁLISE DO COMPORTAMENTO E PSICOPATOLOGIA:

FUNDAMENTOS CONCEITUAIS E EMPÍRICOS

51

5.1 O que é o Comportamento Anormal? 55

5.2 Alguns Modelos Experimentais Ambientais de Psicopatologia 64 5.3 Experimentos e Estudos de Caso com pessoas diagnosticadas com Transtorno Bipolar: alguns trabalhos nacionais

67

5.4 Análise Funcional em O lado Bom da Vida 69

5.4.1 O Filme 71

5.4.2 Analisando comportamentos de Irritabilidade: aspectos ontogenéticos e filogenéticos

73

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Aprendido?

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 83

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1 INTRODUÇÃO

Lembro-me que era novembro do ano de 2012. Aos 19 anos, recém ingressa no curso de Psicologia, recebi de uma professora um verdadeiro convite à história da Filosofia - e o aceitei. Talvez fosse estranho aos meus colegas de curso, mas esse exercício me instigava porque o primeiro contato com a História e a Ciência partiu de experiências anteriores à Universidade. Antes de justificar o motivo e contexto da problemática dessa pesquisa, contarei brevemente minha história com o conhecimento científico.

Participei durante anos da minha adolescência na coordenação de grupos de debate sobre fatos ligados à história da Igreja Católica, seus dogmas e costumes, essencialmente sobre o real sentido de ser cristão. Lembro-me, inclusive, de um vendedor de coleções de livros infantis chegando em minha casa, aos 9 anos.

Entre uma coleção de contos de fada e histórias bíblicas, tanto insisti que meu pai comprou a coleção infantil de histórias bíblicas - da Criação à história do Rei Davi. Ilustrados e com recurso sonoro, havia um CD em que eram narradas todas as histórias com efeitos simulando o ambiente dos diálogos interpretados por diferentes pessoas além da narradora. Me vi fascinada por esses livros, imitava toda a forma com a qual a narradora contava a história e, sem perceber, treinava leitura, escrita, fala e engatinhava meus primeiros passos na curiosidade sobre a história das coisas.

Anos depois e já participando desses grupos, frequentemente relia os escritos bíblicos, fazia leituras sobre a história de grandes figuras cristãs e seu percurso na consolidação da Igreja Católica. Até que conheci uma pessoa que não acreditava nos dogmas porque para ela aquela forma de explicar a origem do Universo, das coisas e nosso comportamento era, no mínimo, duvidosa. Cético, colocava em questão todos os meus pressupostos. Por motivos diversos o ouvi e foi então que passei a conhecer, de uma forma um tanto aversiva, alguns ícones da divulgação científica do século XX como Carl Sagan e Neil deGrasse Tyson.

Foi em 2011 e 2012, aos 18 anos que ouvi falar mais proeminentemente sobre Richard Dawkins, sobre o modo de fazer ciência, suas vantagens e um tanto de fatos relacionados à vida. Compreender sobre a história da ciência era um exercício

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que implicava diretamente em meus valores, ao modo como eu enxergava a vida e o que existia após ela – era fundamentalmente desconstrução e reconstrução.

E, como toda desconstrução, foi dolorosa. Imagine quão difícil é conceber a simples verdade de que minha crença em um ser sobrenatural era, diante da realidade mundial e histórica, apenas uma forma dentre tantas e diversas outras de lidar com o imprevisível da vida.

Hoje percebo que essa crença – embora não mais comungue dela, mas de muitos de seus valores – não é menos importante por isso. O fato é que, a cada leitura, tornou-se um desafio conceber que a minha perspectiva de compreensão do comportamento humano era dominante (judaico-cristã) mas que existiam muitas outras maneiras de explicar esse comportamento, gostasse eu ou não. Fosse pela descoberta de diversos mitos de seres sobrenaturais (deuses de outras religiões e crenças) ou pela filosofia e suas diversas correntes de pensamento, eu iniciava um longo caminho de pesquisa baseado no valor da curiosidade, na observação e na indagação. Desde então, não retornei – acredito eu.

A mim, tornou-se prazeroso descobrir, com o tempo, não só o porquê não conseguimos tocar o arco-íris, por exemplo, mas a origem de tantas versões de explicação para isso, fosse em fábulas ou em artigos científicos. Descobri a magia da realidade da qual Richard Dawkins tanto fala. Descobri também que se eu não me interessasse pela origem do modo como pensamos e interpretamos a vida, não seria capaz de compreender qualquer pessoa que chegasse até mim em intenso sofrimento, pois ela também carrega uma maneira de encarar a vida. Como dizia Hipócrates, um bom médico é também um filósofo. Um bom psicólogo

é também um filósofo.

Eram constantes desconfortos entre o que eu estudava e o que eu ouvia, entre os fatos e as interpretações. Até que resolvi dar ouvidos aos fatos, ainda que me fossem dolorosos inicialmente e me custassem a admiração de um ou outro contador de fábulas mascaradas de ciência. Sobre o fazer ético e o compromisso social do Psicólogo não faltavam debates – o problema era que este debate parecia distante do conhecimento científico, da concepção naturalista e evolucionista do ser humano. Não que fosse distante, de fato, mas assim o era apresentado. Mas, a título de curiosidade e ironia, assim se apresenta a Psicologia

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no Brasil: Ciência e Profissão. Quem me fez ir além?

Iniciando o 5º período da graduação, uma aproximação entre o compromisso social do Psicólogo que se utiliza do método científico das Ciências Naturais foi finalmente apresentada. Ministrado pelo meu orientador Me. Gérson Alves da Silva Jr., o aprofundamento nas bases filosóficas das teorias vigentes e das aulas sobre Epistemologia e História da Psicologia fez daquele período decisivo. De tanto conhecer outras explicações sobre nós mesmos, o sofrimento humano e a sociedade, percebi que a concepção sobre sermos um aglomerado de substâncias de poeira estrelar nos tornava paradoxalmente insignificantes e, ao mesmo tempo, únicos, especiais - e esse era apenas o início. Conhecer o caminho pelo qual a humanidade chegou a essa conclusão foi apaixonante – afinal, a história da ciência é mesmo um tanto encantadora apesar de muitos de seus usos indevidos no passado.

Compreendi que o critério de verdade do saber deve estar submetido não apenas ao reconhecimento da diversidade de teorias e olhares, mas às implicações práticas do conhecimento produzido - tal concepção reflete, obviamente, o papel social da ciência.

Diferente do que por muito tempo ouvi, não é pretensão do cientista responder todas as perguntas com método científico. É sim buscar respostas para um pequeno problema em ambiente controlado (e real!) que foi por outro cientista estudado e contribuir de um modo claro que permita a outras pessoas refutar afirmações anteriores, colocá-las a prova. Assim, há bases para o desenvolvimento de tecnologia; assim foi construído o computador, o avião, o celular ou a impressora que registrou essas palavras no papel que está a sua frente. A dúvida move o mundo enquanto o método permite sistematizá-la e colocá-la a prova, contribuindo para a redução de problemas socialmente relevantes e promoção de maior qualidade de vida. Por que seria diferente no desenvolvimento de tecnologia comportamental?

De fato, é muito difícil pressupor que podemos estar errados e colocar nossas afirmações a prova quando passamos tanto tempo de vida acreditando piamente, por exemplo, que comer manga com leite faz mal. Imagine como é difícil por uma ideia à prova quando o que está em jogo é a admiração que recebemos. Adoramos – cidadãos e governantes - a ideia de sermos corretos, bons e

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contarmos fábulas, histórias bonitas que as vezes mascaram os fatos. Quanto a isso, o próprio Skinner (1973) é cético e já previa as dificuldades de aceitação de sua proposta científica ao dizer que ―a tecnologia comportamental não escapa tão facilmente [a críticas] quanto tecnologias físicas e biológicas porque ela ameaça muitas qualidades ocultas‖ (SKINNER, 1973, p. 60).

O que me motivaria, dentro desse contexto, a estudar sobre o Transtorno Bipolar?

Conheci uma pessoa que fora diagnosticada com o transtorno. Conhecia também seus hábitos e principalmente o contexto em que ocorriam os comportamentos indicadores de oscilação de humor. Certo dia, numa aula de Teorias e Técnicas Psicoterápicas, meu orientador comentou que não teria conhecimento de um protocolo bem consolidado no acompanhamento psicológico de pessoas diagnosticadas com Transtorno Bipolar. Um dos motivos é que não havia um consenso na literatura médica sobre o impacto das variações genéticas e os determinantes ambientais no desenvolvimento e curso desse transtorno. Isso despertou imensa curiosidade.

A pessoa a qual me referi fez acompanhamento psicológico durante algum tempo e passou 7 anos fazendo uso de estabilizadores de humor sob a prerrogativa de que o transtorno era crônico e deveria ser controlado com medicação. Na Universidade, meu orientador sempre nos dava exemplos concretos de Análise do Comportamento no manejo de comportamentos mal adaptados - exemplos esses utilizados sob fins didáticos e sigilo profissional. Com esses exemplos, a leitura dos livros e artigos indicados, naturalmente comecei a observar que determinados comportamentos da pessoa que citei apareciam somente em alguns contextos, o que me indicava contingências de reforçamento em vigor num ambiente específico. A partir de então comecei a me interessar e pesquisar sobre o Transtorno.

De modo apressado, propus investigar e sistematizar as diversas causas do transtorno, isso apenas como um dos objetivos. Sábia, assertiva e pacientemente meu orientador não me deixou prosseguir nessa viagem sem volta. Reformulei meus objetivos no decorrer das leituras subsequentes, operacionalizei os

comportamentos descritos enquanto sintomas do transtorno conforme as classificações atuais e refleti como o método escolhido implicaria na relevância

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social do meu trabalho.

Os dados epidemiológicos, a categorização nosográfica e suas implicações na definição dos sintomas, das causas e o prognóstico baseado na farmacoterapia me deixou angustiada. Além disso, a pessoa que citei ao receber o diagnóstico, tomou medicação por 7 anos acreditando que sua doença crônica, assim como fora dito, só poderia ser controlada por medicamento.

É perceptível que meu incômodo parte de uma concepção ética e pragmática de fazer ciência. Como profissional da saúde e cientista, não posso fugir do fato de que se há imprecisão na definição do comportamento a ser alterado e de seus determinantes, também há imprecisão quanto ao efeito das intervenções e consequentes prejuízos no auxílio das pessoas diagnosticadas com o transtorno. Como diria Skinner, ―confusão na teoria significa confusão na prática‖.

Em uma leitura prévia, observei que as evidências sinalizavam dois tipos de abordagens psicoterapêuticas no manejo dos sintomas: A Terapia Cognitivo- Comportamental e a Psicoeducação. Ambas, combinadas ou não, parecem ser eficazes na redução dos sintomas e prevenção de recaídas. No entanto, é recente a produção analítico-comportamental nacional sobre o tema.

Pesquisas na Biblioteca Digital de Teses e Dissertações revelam que a maioria das pesquisas com o marcador ―Transtorno Bipolar‖ são da região Sul e Sudeste (302). Pesquisas que delineiem uma percepção analítico-comportamental sistemática de contingências instaladoras e mantenedoras do transtorno em território brasileiro parecem ser raras. Na Biblioteca, uma pesquisa como marcador ―Bipolar‖ resultou em 738 trabalhos, sendo 3 de avaliação de terapias psicossociais. As pesquisas com delineamento experimental ou estudos de caso que determinem variáveis ambientais a partir do modelo analítico-comportamental são isoladas em dissertações ou Trabalho de Conclusão de Curso de Programas de Pós Graduação.

Esse contexto me serviria como um desafio. Como poderia contribuir,

através da Análise do Comportamento, na dissertação de possíveis padrões de contingências de reforçamento mantenedoras de comportamentos problemáticos em pessoas diagnosticadas com Transtorno Bipolar? Tal indagação tornou-se a

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Nesse sentido, a pesquisa teve como objetivo identificar, por meio da análise

funcional, possíveis contingências de instalação e manutenção de comportamentos de irritabilidade em um caso de Transtorno Bipolar.

Considerando os recursos disponíveis pela pesquisadora, optamos por desenvolver uma pesquisa de natureza descritiva e bibliográfica (realizada entre 2017 e 2018), sendo que a análise do caso partiu de uma obra cinematográfica. Ainda que pesquisas dessa natureza não possibilitem manipular variáveis, podem estabelecer correlações entre eventos e fornecer a definição de outros problemas e hipóteses para serem submetidos a pesquisas experimentais. Assim, configura um ponto de partida relevante na produção continuada de pesquisa em programas de pós-graduação.

Para uma melhor visualização da análise funcional, consideramos pertinente apresentar na primeira seção o quadro comportamental (sintomático) da pessoa diagnosticada com o Transtorno, dados epidemiológicos e as principais linhas de tratamento. Além dos artigos científicos citados, os dados dessa seção são encontrados com maiores detalhes no livro Transtorno Bipolar – Teoria e Clínica (2016), organizado pelos psiquiatras Flávio Kapcsinski e João Quevedo.

Para fins de contextualização desse transtorno na contemporaneidade, julgamos útil traçar uma discussão sobre como diversas práticas explicativas sobre o comportamento humano sobrevivem a depender de elementos estruturais e adaptativos de uma sociedade. Para tal, utilizamos como referência a obra Vacas, Porcos, Guerras e Bruxas, do antropólogo Marvin Harris. Em continuidade, delineamos um breve histórico do diagnóstico do Transtorno Bipolar através de estudos clássicos sobre sua evolução. Nossa abordagem não focou nos aspectos políticos e sociais de cada período citado, mas nos elementos conceituais e metodológicos da investigação médica do Transtorno Bipolar.

Com o objetivo de situar e discernir a Análise do Comportamento em relação a outras a abordagens do fenômeno ―mental‖, tornou-se pertinente esboçar alguns dos elementos históricos da investigação psicológica e psicanalítica. Abordamos com ênfase as influências de filosofias norte-americanas do século XIX e XX sem nos atermos, por exemplo, a influência da Fenomenologia e do Existencialismo na Psicologia. Em seguida, apresentamos uma reflexão crítica à análise psicanalítica freudiana sobre a Melancolia a partir do ensaio ―A Melancolia e o Luto‖, escrito por

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Sigmund Freud em 1917. Foram abordados alguns aspectos metodológicos e preditivos de uma teoria sob a qual se fundamentam inúmeras abordagens terapêuticas atuais.

Em seguida, apresentamos um panorama geral da literatura analítico- comportamental sobre a Psicopatologia. Além de estudos realizados com pessoas diagnosticadas com Esquizofrenia e Transtorno Bipolar, foram apresentados dois modelos animais clássicos na literatura como propostas correspondentes da condição depressiva e ansiogênica – o Desamparo Aprendido (SELIGMAN; MAIER, 1967) e Supressão Condicionada (ESTES; SKINNER, 1941). O arcabouço teórico e experimental subsidiou a seção seguinte sobre a Análise Funcional.

Desejamos inicialmente utilizar algum caso clínico de Transtorno Bipolar atendido e registrado por Sigmund Freud mas não encontramos nenhum caso com relatos esmiuçados. Recorremos também, sem sucesso, a casos atendidos na clínica-escola da Unidade Educacional que receberam o diagnóstico. Por fim, o caso escolhido é retratado pelo personagem bipolar Pat Solitano Jr., do filme norte- americano “O lado bom da vida” dirigido por David O. Russell e lançado no Brasil no ano de 2013.

Esperamos que, a despeito de suas limitações metodológicas, este trabalho encoraje pesquisas futuras cujas hipóteses possam ser submetidas a delineamentos experimentais. Assim, esperamos contribuir para o crescimento da literatura científica nacional sobre o tema, mostrando caminhos para uma prática psicológica baseada em evidências. Desejamos, ainda, que esse trabalho estimule reflexões pertinentes quanto ao papel do psicólogo e de outro profissionais da saúde no cuidado e no futuro de pessoas diagnosticadas com o Transtorno Bipolar.

Por fim, mas não menos importante, é nesse panorama que esperamos ser este trabalho uma ponte, uma pequena ferramenta de emancipação das pessoas que receberam o diagnóstico e de auxílio aos seus familiares.

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2 QUADRO CLÍNICO: COMO SE SENTE O BIPOLAR?

Se eu fizesse uma ―tempestade de ideias‖ com você nesse exato momento para responder esta pergunta, o que me diria? Talvez fosse difícil trazer uma definição precisa, mas, com certeza, haveria uma explicação processual: ―é quando alguém muda de humor de uma hora para outra‖; ―é uma doença em que às vezes a pessoa está bem, às vezes está mal‖; ―a pessoa fica descontrolada, eufórica, sem noção e depois deprime‖.

Geralmente rotulamos uma pessoa Bipolar quando somos de alguma forma prejudicados pela oscilação de seu comportamento e, então, notamos que algo parece estar errado. É comum, inclusive, sentir um intenso desconforto ao receber o diagnóstico ou ter familiares e amigos diagnosticados com o transtorno. É como se estas pessoas fossem invadidas por uma desconfiança que é difícil admitir, afinal, durante muito tempo os comportamentos da pessoa diagnosticada foram associados ao mistério da loucura ou ao uso crônico de medicação para controle.

O fato é que o Transtorno Bipolar está associado, em nossa cultura ocidental, com a concepção de descontrole, de insegurança e instabilidade. A pessoa parece oscilar de personalidade: ora temperamental, agressiva, ou ―cheia de si‖, ora triste, tímida e cabisbaixa. Seus relacionamentos familiares e conjugais ficam prejudicados, discussões no trabalho e procrastinação sinalizam que algo não está funcionando bem: afinal, o que estaria por trás do Transtorno Bipolar? Esta seção apresentará o quadro clínico do transtorno, aspectos etiológicos, epidemiológicos e linhas de tratamento. Nosso intuito não é apresentar todas as referências do tema, mas apresentar o que tem sido elaborado pela Medicina acerca dos comportamentos típicos de pessoas diagnosticadas.

O Transtorno Bipolar tem sido retratado como uma condição que envolve aspectos neuroquímicos, cognitivos, psicológicos, funcionais e socioafetivos. A Associação Americana de Psiquiatria por meio do Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais em sua quinta edição (DSM – V) afirma que o transtorno foi separado dos transtornos depressivos e colocado entre os capítulos sobre transtornos do espectro da esquizofrenia, dos psicóticos e de personalidade ―em virtude do reconhecimento de seu lugar como uma ponte entre essas duas classes diagnósticas em termos de sintomatologia, história familiar e genética‖ (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014, p. 123).

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A quinta edição do DSM subdivide a seção do transtorno em a) Transtorno Bipolar tipo 1, b) Transtorno Bipolar tipo 2, c) Transtorno Ciclotímico, d) Transtorno Bipolar e Transtorno relacionado induzido por substância/medicamento, e) Transtorno Bipolar e Transtorno relacionado devido outra condição médica, f) Outro Transtorno Bipolar e Transtorno relacionado especificado e g) Transtorno Bipolar e Transtorno Relacionado não especificado. Como não é nosso objetivo nos ater sobre as diversas variações, focaremos na descrição dos sintomas do tipo predominante – o tipo 1.

2.1 Sintomas, Critérios e Características Diagnósticas

Para o diagnóstico do Transtorno Bipolar do tipo 1 é necessário o preenchimento dos critérios diagnósticos a seguir para um episódio maníaco. Segundo o DSM V, pelo menos um episódio maníaco na vida é necessário para o diagnóstico de transtorno bipolar tipo 1. Já o episódio hipomaníaco e depressivo maior, embora comuns, não são necessários para o diagnóstico. Os critérios do episódio maníaco podem ser resumidos a seguir, conforme o DSM V (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014, p. 124).

A) Período distinto de humor anormal e persistentemente elevado, expansivo ou irritável e aumento anormal e persistente de atividade dirigida a objetivos ou da energia, com duração mínima de uma semana e presente na maior parte do dia, quase todos os dias (ou qualquer duração, se a hospitalização for necessária);

B) Três ou mais dos seguintes sintomas (quatro se o humor é irritável) estão presentes e representam uma mudança significativa no comportamento habitual:

1. Autoestima inflada ou grandiosidade; 2. Redução da necessidade de sono;

3. Mais loquaz que o habitual ou pressão para continuar falando;

4. Fuga de ideias ou experiência subjetiva de que os pensamentos estão acelerados;

5. Distraibilidade conforme relatado ou observado;

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7. Envolvimento excessivo em atividades com elevado potencial para consequências dolorosas (surtos desenfreados de compras, indiscrições sexuais ou investimentos financeiros insensatos, por exemplo);

C) Essas perturbações devem ser suficientemente graves a ponto de causar prejuízo acentuado no funcionamento social ou profissional, causar danos a si mesmo ou a outros ou existem características psicóticas;

D) O episódio não pode ser atribuído aos efeitos fisiológicos de uma substância ou a outra condição médica.

O episódio maníaco costuma ser descrito como eufórico, excessivamente alegre, elevado ou ―sentindo-se no topo do mundo‖. Conforme o manual, o humor é tão anormalmente contagiante que é reconhecido com facilidade como excessivo e pode ser caracterizado por entusiasmo ilimitado ou indiscriminado para interações interpessoais, sexuais ou profissionais. Em outros casos, o humor pode ser predominantemente irritável em vez de elevado, em particular quando os desejos do indivíduo são negados ou quando se esteve usando substâncias. Mudanças rápidas de humor durante períodos breves (labilidade) podem ocorrer (alternância entre euforia, disforia e irritabilidade).

O episódio hipomaníaco apresenta as mesmas características comportamentais. A diferença estará na intensidade e na duração do episódio (no mínimo quatro dias), conforme o DSM V. Segundo o manual, a perturbação do humor e a mudança no funcionamento são observáveis por outras pessoas; o manual define, ainda, que esta condição não aparenta ser suficientemente grave a ponto de causar prejuízo acentuado no funcionamento social ou profissional para necessitar de hospitalização. No entanto, se existirem características psicóticas o episódio é classificado como maníaco.

O episódio depressivo maior deve conter cinco ou mais dos sintomas descritos a seguir durando o mesmo período de duas semanas. De acordo com o manual, pelo menos um dos sintomas deve ser a) humor deprimido e b) perda de interesse ou prazer. Os sintomas são:

1. Humor deprimido na maior parte do dia, quase todos os dias, conforme indicado por relato subjetivo ou por observação feita por outra pessoa;

2. Redução do interesse ou prazer em todas ou quase todas as atividades na maior parte do dia;

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3. Perda ou ganho significativo de peso sem estar fazendo dieta; 4. Insônia ou hipersonia quase diária;

5. Agitação ou retardo psicomotor quase todos os dias observado por outras pessoas;

6. Fadiga ou perda de energia quase todos os dias;

7. Sentimento de inutilidade ou culpa excessiva ou inapropriada (que podem ser delirantes) quase todos os dias;

8. Capacidade diminuída para pensar ou se concentrar, ou indecisão quase todos os dias (por relato subjetivo ou observação feita por outra pessoa);

9. Pensamentos recorrentes de morte (não somente medo de morrer), ideação suicida recorrente sem plano específico, tentativa de suicídio ou plano específico para cometer suicídio;

Os sintomas estão associados a um prejuízo significativo no funcionamento social, profissional e em outras áreas da vida. O manual estima que mais de 90% dos indivíduos que tiveram um único episódio de mania têm episódios recorrentes de humor. Dados sugerem, ainda, que cerca de 60% dos episódios maníacos ocorrem imediatamente antes de um episódio depressivo maior. Apresentaremos na seção seguinte alguns dados epidemiológicos e fatores de risco.

2.2 Dados Epidemiológicos e Fatores de Risco

Evidências epidemiológicas podem fornecer uma medida de magnitude do transtorno a partir da distribuição da população. Assim, podem ser utilizadas para associar os sintomas a fatores genéticos, psicológicos, sociais e ambientais. Obter as taxas de risco em determinada população é um dos principais objetivos (MAGALHÃES; COSTA; PINHEIRO, 2016, p. 25).

O Transtorno Bipolar parece ser mais comum em países com pessoas de renda elevada (1,4%). Ainda conforme o DSM V, pessoas separadas, viúvas ou divorciadas têm taxas mais altas de transtorno bipolar tipo 1 do que aquelas casadas ou que nunca casaram, mas o sentido em que a associação se modifica não é clara (segundo inquéritos populacionais norte-americanos) (AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014, p. 130). O histórico familiar de transtornos psiquiátricos de primeiro grau é considerado um fator de risco.

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Associado a altos índices de mortalidade e prejuízos socioeconômicos, alguns autores argumentam que o Transtorno Bipolar atinge 1,5% da população, podendo alcançar de 3 a 5%, conforme Akiskal (2005). Através de avaliação indireta, alguns estudos relacionam o Transtorno Bipolar como a quarta maior causa de prejuízo funcional entre os transtornos psiquiátricos (depressões unipolares, transtornos associados ao uso de álcool e esquizofrenia) (COLLINS et al, 2011). De acordo com a Organização Mundial de Saúde, é responsável por 7% do total de anos perdidos ajustados por incapacidades relacionadas a doenças neuropsiquiátricas (WHITEFORD et al, 2013).

Com relação aos transtornos associados, um estudo realizado com 9.282 pessoas (National Comorbidity Survey) realizado pelo Instituto Nacional de Saúde Mental dos Estados Unidos revelou que mais de 90% daqueles com Transtorno Bipolar do tipo 1 ou 2 também preenchiam os critérios para outro transtorno durante a vida (MERIKANGAS; PATO, 2009, p. 124). A associação entre transtornos de ansiedade e o Transtorno Bipolar em amostras clínicas tem sido confirmada em estudos populacionais, com ênfase no tipo 1 de ataques de pânico (70%) e fobia social (50%) (MERIKANGAS; PATO, 2009, p. 126). Esses dados mostram-se relevantes para o nosso trabalho pois, facilitam a identificação de contingências ambientais semelhantes na instalação de dois ou mais transtornos.

O Global Burden of Disease Study revelou que dois terços dos suicídios em 2010 ocorreram em pessoas com transtornos mentais e por uso de substâncias. Homens no início do curso do transtorno apresentam maior risco, não estar em tratamento e ter alta hospitalar em menos de três meses também aparecem como fatores de risco (POMPILI et al, 2013). Ainda conforme esses autores, o risco de suicídio entre bipolares é de 20 a 30 vezes maior que a população em geral (POMPILI et al, 2013, p. 471). Somente um quarto daqueles com Transtorno Bipolar em países de baixa renda e metade em nações ricas relataram uso de serviços de saúde mental (MERIKANGAS et al, 2011, p. 245).

Os dados encontrados refletem uma situação, no mínimo, preocupante. Futuras pesquisas nacionais devem explorar melhor os aspectos epidemiológicos no país. Enquanto isso, a Medicina continua buscando identificar a etiologia do transtorno para, então, melhorar o prognóstico. A seção seguinte condensará brevemente os estudos produzidos na área.

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2.3 Bases Neurobiológicas do Transtorno Bipolar

As bases biológicas do Transtorno Bipolar são, via de regra, complexas e multifatoriais. Muitas alterações já foram identificadas em pacientes, a maioria das quais ainda tem sido explorada em estudos clínicos e pré-clínicos buscando desenvolver tratamentos mais eficazes e inovadores. Estudos bioquímicos, genéticos e endócrinos desenvolvidos a partir da década de 1970 têm apresentado alguns indícios das bases biológicas de estados maníacos e depressivos (FRIES; PFAFFENSELLER; KAPCZINSKI, 2016).

Segundo um levantamento feito por Vieira et al (2005), ainda existem poucos achados representativos que apresentem evidências consistentes da associação entre estes achados com a etiopatogenia do Transtorno Bipolar. Quando da utilização de modelos genéticos, neuroanatômicos, neuroquímicos e de neuroimagem, outros referenciais teóricos e conceituais têm contribuído para o entendimento de como alguns mecanismos biológicos podem afetar a apresentação clínica, curso e resposta farmacológica (STOLL et al, 2000; VIEIRA et al, 2005, p. 29).

Os principais achados neurobiológicos relacionados ao Transtorno Bipolar dizem respeito a alterações em sistemas de neurotransmissão, segundos-mensageiros, vias de transcrição de sinal e regulação na expressão gênica. As alterações nos sistemas de transmissão dizem respeito aos sistemas noradrenérgico, serotonérgico, dopaminérgico e colinérgico (VIEIRA et al, 2005, p. 30).

Sabe-se que os neurônios dopaminérgicos mesolímbicos funcionam na regulação do comportamento emocional enquanto os mesocorticais projetam-se para o córtex pré-frontal, área do córtex envolvida em atividades de planejamento de comportamento e pensamento abstrato. Alterações nesse sistema podem tornar o organismo mais sensível a eventos ambientais estressores. É importante destacar que a serotonina é um neurotransmissor associado à sensação de bem-estar e disposição e é encontrada no Sistema Nervoso Central, notadamente no tronco cerebral, amígdala, mesencéfalo, núcleos talâmicos e hipotálamo.

A dimensão bioquímica dos comportamentos emitidos pela pessoa diagnosticada com depressão está associada a uma redução dos

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neurotransmissores endorfina e serotonina (FRIES; PFAFFENSELLER; KAPCZINSKI, 2016, p. 45). A bomba de recaptação e a enzima continuam trabalhando e o sistema nervoso funciona com menos neurotransmissores do que normalmente seria preciso. Por esse motivo, os antidepressivos inibem a recaptação desses neurotransmissores, mantendo elevado o nível dos mesmos na fenda sináptica. No entanto, os antidepressivos não produzem serotonina e endorfina, eles apenas impedem que elas sejam recaptadas, circulando por mais tempo nas fendas sinápticas.

Diminuições nos níveis do ácido gama-aminobutírico (GABA) têm sido descritas no cérebro, líquor e plasma de pacientes bipolares, bem como o aumento de níveis de noradrenalina (VIEIRA et al, 2005, p. 30). Com relação aos achados neuroanatômicos das diversas regiões corticais cerebrais, estes sugerem alterações da amígdala e diminuição do córtex pré-frontal subgenual, estruturas diretamente ligadas ao controle da resposta emocional. No entanto, mais estudos devem auxiliar na padronização desses dados como evidência de atrofia cerebral em pacientes diagnosticados com Transtorno Bipolar (FRIES; PFAFFENSELLER; KAPCZINSKI, 2016, p. 47).

De modo geral, os estudos de neuroimagem estrutural e funcional convergem para um modelo de disfunção de circuitos de regulação de humor, que compreende o córtex pré-frontal, o complexo amígdala-hipocampo, tálamo, gânglios de base e suas interconexões (STOLL et al, 2000). Estudos futuros devem determinar com maior precisão a participação e integração das diferentes regiões cerebrais durante o processamento de emoções, nas diferentes fases do transtorno. Com relação aos estudos genéticos, ainda não existe nenhum marcador genético associado diretamente ao surgimento do transtorno (VIEIRA et al, 2005, p. 33).

Um maior entendimento dos mecanismos fisiopatológicos torna-se essencial para o desenvolvimento de linhas de tratamento mais precisas e rápidas ou com menos efeitos colaterais. Nesse sentido, modelos experimentais com animais na psiquiatria têm focado na indução de comportamentos que simulam individualmente episódios maníacos ou depressivos (BEYER; FREUND, 2017; ETAIN et al, 2014). Com relação aos modelos animais e seus diferentes enfoques, Valvassori et al (2016) ressaltam a diferença e suas diferentes contribuições.

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Os modelos animais de transtornos psiquiátricos tentam mimetizar a etiologia e/ou a fisiopatologia dessas doenças e são classificados de acordo com sua forma de indução. Os modelos ambientais induzem comportamentos típicos por intermédio de intervenções e alterações do meio em que o animal vive, geralmente tentando reproduzir situações-gatilho em pacientes. Os modelos farmacológicos, por sua vez, induzem alterações fisiopatológicas e comportamentais por meio de alterações bioquímicas induzidas por substâncias. Já os modelos cirúrgicos baseiam-se na modificação morfológica ou retirada de uma determinada estrutura cerebral. Por último, os modelos genéticos são desenvolvidos por meio da alteração da expressão de genes relacionados ao transtorno. (VALVASSORI et al, 2016, p. 62).

Com relação aos modelos farmacológicos, os autores argumentam que estes podem apresentar validade preditiva no sentido de identificar medicações com potencial antimaníaco ou depressivo e identificar variações genéticas (VALVASSORI et al, 2016, p. 63). No entanto, a grande quantidade de dados produzida nos últimos anos ainda não foi suficiente para, de fato, identificar as causas específicas do que hoje é considerada uma doença crônica, muito menos os mecanismos pontuais associados à resposta do tratamento ou à melhora dos sintomas.

Não se determina, por exemplo, se as alterações neuroquímicas são causa ou produto do estilo de vida do paciente bipolar. Como consequência, não há um só prognóstico de sucesso para o Transtorno Bipolar e, para muitos pacientes, é usada a abordagem ―tentativa e erro‖ até que se encontre a medicação ideal para o tratamento. Cabe aqui salientar que, em relação à genética do Transtorno, Neves e Corrêa (2016) especificam uma limitação importante quanto aos avanços no desenvolvimento de terapêuticas eficazes:

Provavelmente, a psiquiatria é a especialidade médica que menos tem-se beneficiado dos avanços da genética molecular. Diferentemente da oncologia, ainda não foi descrito sequer um único biomarcador específico de qualquer transtorno mental. Suspeita-se que os construtos nosológicos psiquiátricos representam um conjunto de síndromes, ou seja, cada diagnóstico psiquiátrico é um complexo sintomático idêntico do ponto de vista fenomenológico, mas com diferenças etiológicas e fisiopatológicas significativas. (NEVES; CORRÊA, 2016, p. 84).

Nesse sentido, a aplicação clínica da genética molecular no manejo dos transtornos parece ser uma utopia. Isso porque o comportamento humano não é concebido nessa área da medicina, do ponto de vista epistemológico, como um produto da relação organismo – ambiente, mas uma expressão gênica pré-

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determinada que sofre alterações ambientais.

Estudos epigenéticos têm desconstruído essa tradição mas o impacto na clínica psiquiátrica ainda é limitado. Como consequência de uma perspectiva dualista de mente-corpo (que será melhor abordada no capítulo seguinte), pretensiosamente ―ateórica‖, o modelo de classificação nosológica da Psiquiatria está baseado em categorias pouco objetivas ou não mensuráveis, o que compromete a investigação empírica e subsequente aplicação clínica.

Além disso, a apresentação dos sintomas obtidos por autorrelato reflete uma limitação quanto à apreensão da correspondência dizer-fazer do paciente e familiares. Os ditos ―vieses de confirmação‖ e ―memória‖, por exemplo, podem ―modular‖ o discurso do paciente para produzir resultados mais imediatos com economia de esforço. Outros aspectos anatômicos como a complexidade da estrutura cerebral, a neuroplasticidade entre outros elementos envolvidos no ambiente na aprendizagem comportamental dificultam a identificação de biomarcadores genéticos, principalmente quando as características comportamentais são idênticas. É imperativo, portanto, que mais pesquisas possam ser realizadas nas neurociências e pesquisas experimentais com modelos ambientais visando atender às exigências de uma compreensão ampla e científica do Transtorno.

Com base em muitos dos achados neurobiológicos citados, linhas de tratamento farmacológicas foram desenvolvidas para rever os sintomas ou prevení- los. O próximo tópico tratará brevemente sobre isso.

2.4 Linhas de Tratamento

O tratamento farmacológico, em geral, tem o objetivo de controlar fases agudas e evitar a ocorrência de oscilações de humor. O tratamento é realizado em longo prazo com estabilizadores do humor, anticonvulsivantes e antipsicóticos atípicos, combinados a intervenções psicossociais como psicoterapia (individual ou em grupo) e grupos de Psicoeducação (GAMA et al, 2016). A maior parte dos pacientes com Transtorno Bipolar ―se recupera‖ do primeiro episódio de humor, porém a taxa de recaída é bastante elevada.

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maníacos incluem a administração do Lítio, Ácido Valproico, Olanzapina, Risperidona, Quetiapina, Aripiprazol, Asenapina, Ziprasidona e Paliperidona ER. O lítio foi o primeiro fármaco aprovado nos Estados Unidos indicado há mais de 50 anos para situações de crise e manutenção/prevenção de recaídas (GAMA et al, 2016, p. 283). Existe também a possibilidade de manter uma terapia combinada entre estabilizante de humor e um antipsicótico atípico.

Já na fase depressiva, as opções recomendadas de monoterapia de primeira linha têm sido: Lamotrigina, Lítio e Quetiapina; as de terapia combinada são: Olanzapina + Fluoxetina, Lítio ou Ácido Valproico + Bupropiona ou Inibidor Seletivo da Recaptação de Serotonina (ISRS) (exceto paroxetina) e Lítio + Ácido Valproico. (GAMA et al, 2016, p. 298-299). Essas combinações sugerem um equilíbrio na frequência de comportamentos maníacos ou depressivos, no entanto cada paciente vai responder de modo diferente a essas combinações a partir de seu histórico com a medicação e de comorbidades clínicas.

Embora a administração de medicamentos seja útil para a redução e prevenção de fases agudas de sintomas maníacos (por ex., alucinações auditivas, visuais, agitação motora, agressividade ou delírios persecutórios), estudos sugerem que sua utilidade nas melhoras no funcionamento social e de trabalho a longo prazo não se mostram significativas, embora 40% dos pacientes permaneçam assintomáticos durante o período de seguimento e 60% respondam positivamente ao lítio ou a outros estabilizadores de humor (KNAPP, 2005, p. 99).

Neves, Lima e Malloy-Diniz (2016) argumentam que a instabilidade afetiva, ao repercutir negativamente na esfera familiar e profissional do paciente, produz ainda mais prejuízos nos vínculos afetivos, gerando a sensação de desamparo, ansiedade e isolamento, entre outros efeitos. Nesse sentido, a intervenção psicossocial tornar-se-ia uma aliada para reabilitação neuropsicológica e recuperação das atividades gerais desenvolvidas pelo paciente.

A Terapia Cognitivo-Comportamental é uma das modalidades psicoterapêuticas que mais tem sido estudada no Transtorno Bipolar, incluindo a Psicoeducação e a Terapia Focada na Família (NEVES; LIMA; MALLOY-DINIZ, 2016, p. 338; LOTUFO NETO, 2004; SALCEDO et al, 2016). No entanto, parece não existir um consenso na Literatura estudos quanto a intervenção mais indicada para qualquer paciente (NEVES; LIMA; DINIZ, 2016, p. 347).

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Devido a baixa incidência de efeitos adversos, a eficácia e a relação custo- benefício favorável, as intervenções psicoterápicas seriam elementos complementares no tratamento farmacológico (principalmente em estados de prevenção de recaídas). Ainda assim, os autores argumentam que não há evidências de que as psicoterapias possam ser consideradas alternativas ou substitutas ao uso dos estabilizadores do humor. Sugerimos, portanto, que pesquisas a partir de outros autores e de revisão sistemática possam ser realizadas para verificar há evidências contrárias a respeito.

2.5 Diagnóstico e Tratamento no Contexto da Saúde Pública Brasileira

A Associação Brasileira de Transtorno Bipolar (ABTB) baseada no censo do IBGE de 2010 estima que 4% da população brasileira pode ser diagnosticada com Transtorno Bipolar, o que corresponde a 7. 629. 307 brasileiros (LEAL, 2013). Esse dado, no entanto, deve ser considerado a partir dos critérios diagnósticos e do método estimativo da Associação.

Recentemente a Secretaria de Atenção à Saúde (Ministério da Saúde), através da portaria n. 315, aprovou no dia 30 de março de 2016 o Protocolo Clínico e Diretrizes Terapêuticas do Transtorno Afetivo Bipolar do tipo I, cujo tratamento obteve enfoque farmacoterápico (BRASIL, 2016), como pode ser visto a seguir:

Ressalta-se que, no que se refere a terapias, este Protocolo tem maior enfoque no tratamento medicamentoso, devendo ter sua leitura complementada por outros documentos publicados pelo Ministério da Saúde no que se refere às demais condutas multidisciplinares, integrativas e não medicamentosas no cuidado à pessoa com TAB. (BRASIL, 2016, p. 2).

Se por um lado o protocolo unifica a atenção dada ao Transtorno em todo o país e, com isso, facilita a identificação por médicos da Atenção Básica, a Psicoeducação (e outras modalidades terapêuticas) são indicadas como estratégias que acompanham a administração da medicação, principalmente nos Centros de Atenção Psicossocial e Redes de Apoio.

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Olanzapina, Quetiapina e Risperidona) para o tratamento do Transtorno Bipolar gerou uma expectativa de 270 mil pessoas medicadas em 2015, gerando um custo de R$ 90 milhões de reais (CAMPOS, 2015). Qual seria o futuro da população brasileira diagnosticada com o transtorno que depende do Sistema Único de Saúde para manter-se assintomática?

É perceptível que o olhar da rede pública para as pessoas diagnosticadas com Transtorno Bipolar é recente e limitado. Devido ao alto gasto do tratamento medicamentoso torna-se imprescindível pensar modelos de acompanhamento que possibilitem a recuperação funcional dos pacientes diagnosticados com Transtorno Bipolar, dentre elas as psicoterapias. Estudos futuros realizados a partir das demandas por região, no Brasil, podem melhor explorar essa possibilidade e fornecer elementos concretos de implementação de políticos públicas alternativas ao tratamento farmacológico.

2.6 O Transtorno Bipolar seria um fenômeno do século XX?

O quadro clínico, como exposto, deixa-nos a sensação de que não há escolha quanto ao prognóstico: é preciso aderir ao tratamento e compreender que o transtorno é uma doença crônica que deve ser administrada, com acompanhamento médico, a partir de terapia combinada. Esse tópico emerge como uma provocação filosófica pois parece-nos que o Transtorno Bipolar tem e não tem raízes no século XX: se por um lado a História nos mostra que a descrição inicial dos sintomas datam do século IV a.C e desde então há uma tentativa de categorizá-lo, por outro lado os dados confirmam que a compreensão do transtorno e seu tratamento provém do sistema explicativo dominante no século XXI: o saber médico.

Nosso contato com a expressão ―Bipolar‖, em geral, provém de diagnósticos médicos de pessoas próximas, familiares ou mesmo através de informativos e políticas públicas que reconhecem o transtorno e a urgência do seu tratamento. No século XX o Transtorno Bipolar, assim como outras psicopatologias, parece adquirir, de certa forma, um caráter autoexplicativo. O que isso quer dizer? É simples. Quando dizemos que alguém tem um Transtorno Bipolar geralmente acreditamos que existe um transtorno mental que acarreta certos comportamentos

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desadaptados, desregula as emoções e gera sofrimento na pessoa e aos demais. Não é surpreendente observar que este século, inundado de revoluções tecnológicas e digitais, carrega em si um número de bilhões de pessoas diagnosticadas com Transtorno Bipolar. Este mesmo número de pessoas administra diariamente estabilizadores de humor e, quando lhe são acessíveis, buscam alternativas de acompanhamento psicoterápico. Como possibilitar o estudo de técnicas (tecnologia) eficazes que possibilitem um futuro ―menos bipolar‖? Como lidar com essa crescente demanda e, mais, como prever e

evitá-la? Nem sempre esse é o foco do tratamento.

Faz-se necessário compreender a etiologia do transtorno e as evidências em relação às novas modalidades psicoterapêuticas. Tal abertura só será possível, no entanto, a partir de uma compreensão profunda do modelo explicativo biomédico em seu sentido histórico. Destacamos que nosso objetivo não é deslegitimar ou invalidar o conhecimento produzido até então, pelo contrário, é tão somente esclarecer pontos relevantes acerca dos aspectos históricos do Transtorno Bipolar para que se compreenda a ótica analítico-comportamental do fenômeno psicopatológico.

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3 A EVOLUÇÃO DO DIAGNÓSTICO E IMPLICAÇÕES NO TRATAMENTO

A seção anterior cumpriu o objetivo de apresentar características gerais do quadro clínico, prognóstico e implicações das linhas de tratamento em contexto brasileiro. É comum que o contato da população com o transtorno se dê a partir de informativos, matérias e jornais que apresentam dados gerais sobre a prevalência, sintomas e tratamento. Não se discute, entretanto, quais são os instrumentos de diagnóstico ou mesmo o marco histórico em que esse transtorno foi descoberto. Assim, a maioria das pessoas diagnosticadas ou seus familiares ―incorporam‖ o diagnóstico sem, ao menos, tomar conhecimento de sua história.

Acreditamos que tal conhecimento histórico produz reflexões acerca das linhas de tratamento usuais e das estratégias terapêuticas alternativas no acompanhamento e prevenção de pessoas diagnosticadas com o transtorno. Nesse sentido, apresentaremos um breve panorama histórico interpelando avanços e limitações. Antes disso, o próximo tópico abordará como e por que muitos sistemas explicativos (histórias) como os mitos, as filosofias e as ciências, sobrevivem ao longo dos tempos e o que isso tem a ver com a constituição e categorização do Transtorno Bipolar.

3.1 A Arte de explicar: O para quê das coisas precede o porquê das coisas

A era digital informatizada do século XXI possibilita que nos comuniquemos em tempo real numa velocidade inimaginável e que, em poucos segundos, alcancemos milhares e milhares de pessoas. Os recursos tecnológicos e primários à nossa sobrevivência modificaram significativamente desde o surgimento do Homo Sapiens, há cerca de 100 mil anos. Não é difícil comunicar novas ideias, opiniões e informação; todavia, o registro rápido e a formação passada adiante é uma conquista recente em comparação aos milhares de anos de um ambiente primitivo que selecionou as características elementares que nos definem enquanto espécie e que nos possibilita fazer história.

As mudanças nas estações no ano, estações gélidas ou escaldantes, grandes fenômenos da natureza e suas regularidades foram também observadas. Problemas relativos à sobrevivência humana primitiva como a escassez de

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recursos, mudanças climáticas, a proteção do grupo, a caça, a domesticação de animais e plantas bem como as estratégias para solucioná-los foram situações que permitiram a emergência de símbolos representativos de grupos. As estratégias e símbolos que favoreceram a sobrevivência do grupo foram cultivados e passados de geração a geração por meio da fala, de pinturas, objetos ou pela escrita: assim começaram os costumes, a História, a Cultura (do latim Colere, que significa ―cultivar plantas‖).

Um significado moderno de Cultura a apresenta como um conjunto de características (padrões de comportamento, crenças, conhecimentos, hábitos, etc.) que distinguem um grupo social de outro (SANTOS, 2006, p. 29). No entanto, uma outra compreensão materialista sugere que determinantes ambientais, ecológicos e econômicos precedem a formação de estilos de vida (e seus símbolos) diferentes.

Compreendemos que a Cultura nada mais é do que uma série de costumes que de tão úteis e funcionais à sobrevivência de um grupo puderam ser passados à geração seguinte. Quando Jesus Cristo dizia ―dai a César o que é de César‖ o que fazia, fosse sua intenção ou não, era manter um costume que foi útil à sobrevivência de um grupo dominante em sua época. Dos extremos Norte ao Sul do planeta, por mais que alguns pareçam tão inexplicáveis ou estranhos, os costumes são produtos de processos adaptativos, têm ou tiveram uma utilidade prática na vida dos grupos que partilharam destes (ainda que por evidências indiretas).

Marvin Harris, um antropológico da Universidade de Columbia, Nova York, escreveu sobre isso no livro ―Vacas, Porcos, Guerras e Bruxas: os enigmas da Cultura‖. O livro trata de uma compreensão racional e prática de estilos de vida aparentemente irracionais e inexplicáveis.

Costumes são mantidos ao longo dos séculos na medida em que correspondem à necessidade material daquele povo e que apenas tais costumes poderiam ajudá-lo a sobreviver. Um olhar racional e científico sobre as culturas nos permite entender porque os hindus concebem as vacas como seres sagrados ou porque algumas práticas como o canibalismo, embora estranhe a nós atualmente, por muito tempo estiveram associadas à sobrevivência de grupos primitivos.

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Isso nos ajuda a entender porque culturas com um número maior de ferramentas de controle, persuasão e desenvolvimento tecnológico frequentemente se tornam dominantes e se sobrepõem a culturas mais simples, com poucos recursos de defesa e ataque, fragilizados do ponto de vista identitário ou desorganizados. O fato é que a cultura muda a depender do quão vantajoso for mudar diante da escassez ou da fartura de recursos, de bases materiais e também simbólicas à sobrevivência do grupo (HARRIS, 1978).

Entende-se Cultura aqui não apenas enquanto ações observadas publicamente de organização do grupo, mas interpretações, ideias, linhas de pensamento e raciocínio sobre o que acontece ao redor do grupo. Assim, não somente ações observáveis sobrevivem a depender do quão favorável for mantê-las diante de um contexto ambiental específico, mas também interpretações sobre o mundo seguem a mesma lógica de manutenção.

Por exemplo. Para nós, humanos e brasileiros do século XXI, é normal conceber que existem várias pesquisas envolvendo a dissecação animal - a retirada da pele de um animal para que o estudioso observe a anatomia e funcionamento desse corpo. Assim também hoje nos é possível investigar a fisiologia de alguma doença através do exame em órgãos do corpo humano após sua morte. No entanto, por muito tempo essa prática foi inconcebível uma vez que corpo humano era considerado um tempo sagrado, casa de manifestação divina. Todas as observações médicas eram meramente externas e poucos puderam desafiar a autoridade religiosa para estudar o corpo humano vivo ou morto, ainda que não houvesse danos. Foi ao notar as vantagens nesse tipo de estudo para prevenir doenças que a prática passou a ser levada em consideração.

É também comum para nós ouvir palavras como ―Depressão‖, ―Ansiedade‖, ―Transtorno Bipolar‖, ―Pânico‖ entre outras ―doenças mentais‖ como se fossem vírus, agentes externos que penetram o nosso corpo e nos adoecem. É normal ouvir que a Depressão é o ―mal do século‖ XXI, como se a depressão fosse uma coisa estranha que causa nosso mal-estar, como um vírus que causa a gripe. Para algumas pessoas ainda hoje, como por muito tempo se pensou, a subjetividade seria tão complexa e inacessível, por exemplo, quanto uma entidade mágica, mitológica, um ―fantasminha‖ que vive dentro de nós e nós não podemos controlar. Nossa hipótese, muito influenciada por Harris (1978) é que também essas interpretações de algum modo são úteis a manutenção de certos grupos no

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domínio do conhecimento.

Hoje, pesquisas em Neurociências e Genética têm evidenciado que nós não só podemos nos antever a distúrbios psicológicos, como podemos prever e modificar o comportamento do consumidor (SILVA, 2015) ou da pessoa com Mal de Alzheimer (LIMA, 2014), por exemplo; isso justamente porque processos históricos e adaptativos favoreceram a legitimidade de conhecermos os mecanismos neurais e contextuais de funcionamento comportamental, mensurando aspectos físicos de nosso agir e pensar.

Tais avanços são possíveis porque, provavelmente, em algum momento da nossa história, elementos ambientais (doenças contagiosas, escassez de recursos de tratamento, por exemplo) e simbólicos (controle sobre outras pessoas, prestígio social) denunciaram riscos ou vantagens à sobrevivência de certos grupos. A partir disso, se tornou plausível acreditar que o corpo e o comportamento humano eram fenômenos como quaisquer outros da natureza, passíveis de ser observados e estudados como tal.

Todavia, se em algum momento histórico o estudo pós mortem foi bloqueado pelo viés religioso (visto como um ser divino e templo sagrado), sobrevivem ainda resquícios de uma compreensão sobrenatural do comportamento humano. Para alguns, não somente a subjetividade humana seria inacessível à investigação científica quanto qualquer tentativa dessa natureza representaria coerção e retirada da liberdade humana. Mas seria a liberdade individual ausente de

determinantes e a subjetividade humana tão obscura assim?

Uma das matrizes do pensamento internalista pode ser observada a partir de certas mudanças estruturais da sociedade ocidental ocorridas ao fim da Idade Média. A noção de um eu que só existe quando responsável por um grupo ou de um eu subordinado a um uma entidade divina é gradualmente substituído pelo eu

selecionador, livre, dotado de razão e por isso interpretativo e reflexivo durante a

transição da Antiguidade cristã e da formação do Estado moderno, como nos lembra Ferreira (2006):

Para entendermos como essa experiência que cinde a nossa existência entre o plano do foro íntimo privado e o das representações públicas, tão natural à nossa vida atual, pode ter sido diferente, basta considerarmos que muitos dos nossos pensamentos e gestos mais íntimos

reservados se desenrolavam na naturalidade da vida cotidiana. […] É

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representações públicas vai se constituindo, relegando ao plano íntimo

uma série de atos e pensamentos. Esse processo vai se disseminando paulatinamente para diversos setores sociais, inicialmente estranhos à sociedade de corte, como os próprios grupos burgueses e urbanos. […] Isto conduziria à partilha entre uma intimidade livre a ser cultivada em contraposição a uma obediência pública ao poder monárquico. (FERREIRA, 2006, p. 17, grifo nosso).

Essas transformações fazem pertinente a análise de Harris (1978) uma vez que novamente provam ser a mudança radical de práticas culturais tradicionais, se não produto, reflexo de uma mudança estrutural e material de um povo. A nova concepção de self íntimo e livre foi base para o surgimento de estudos filosóficos posteriores, muitos dos quais forneceriam elementos para a constituição da Psicologia e Psiquiatria do século XIX.

Cumpre destacar que a formação do eu moderno implica na emergência do conceito de subjetividade livre e, de certa forma, responsável ou vilã das mazelas comportamentais observáveis. A individualidade cresce em um clima de ausência

de controle sobre os desígnios mentais interiores ao sujeito. As implicações

práticas dessa concepção podem ser observadas nos saberes cotidianos, onde uma penumbra sobre a origem dos transtornos mentais ainda se faz presente. Além disso, o saber médico impera como o único que pode controlar a expressão de uma mente ou de um cérebro doentio por meio da medicação.

Ora, se por muito tempo os comportamentos de crianças com Autismo, por exemplo, foram atribuídos a causas e agente internos, hoje o que não faltam são sistemas educacionais baseados em evidências que mostram a importância de uma análise científica e ambiental do manejo de comportamentos atípicos. Ainda assim, quando se trata de ―transtornos mentais‖ e ―bipolaridade‖, paira uma atmosfera de medo, de ausência de controle, como se estes transtornos representassem uma falha numa peça da engrenagem mental inacessível, irreparável ou cujo ―conserto‖ se daria primariamente pelo controle orgânico.

Nesse sentido cabe destacar que, se as mudanças estruturais de uma sociedade são também prerrogativas de mudanças de práticas culturais, do mesmo processo derivaria os diferentes modelos explicativos do agir e pensar humano. Portanto, a forma como nomeamos e buscamos apreender o comportamento ao longo da história dependeu, em partes, de aspectos úteis à sobrevivência e manutenção do poder, se não da sociedade, mas de suas classes

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dominantes em cada período. Também a prática de pesquisa na Medicina e seu enfoque orgânico provavelmente seria influenciada pelos efeitos práticos de sua intervenção, favorecendo o poderio dessa área na explicação dos transtornos mentais. Essa hipótese, cuja investigação foge do escopo de nosso trabalho, merece especial destaque no desenrolar da seção seguinte.

Desse modo, para compreendermos a pessoa diagnosticada com o Transtorno Bipolar é preciso conhecer não somente sua história em seus aspectos físicos ou o contexto de suas relações interpessoais, mas antes mesmo conhecer a história concreta do que chamamos ―bipolaridade‖. Afinal, seriam os comportamentos da pessoa diagnosticada (quando não induzidos por substâncias) expressão direta de um funcionamento interno desregulado? Ou seriam os comportamentos relações passadas entre o organismo e seu contexto

genético/evolutivo, biológico, físico, interpessoal e cultural?

A compreensão de uma origem biopsicossocial do transtorno bipolar parece ser uma alternativa m a s , na prática, essas duas perguntas produzem protocolos diferentes no manejo do Transtorno Bipolar. Para que isso fique mais claro recorreremos à evolução do diagnóstico.

3.2 De Hipócrates (V a.C.) a Kraepelin (XIX d.C.): Cérebro e Mente em Foco

Esse tópico abordará, de forma sucinta, um panorama histórico dos principais autores que contribuíram para o diagnóstico atual do Transtorno Bipolar. Cumpre relembrar ao leitor de que a classificação diagnóstica na Psiquiatria é produto histórico, é como uma colcha de retalhos confeccionada por diversos ―artesãos‖ ao longo da história. Nossa abordagem não focará nos aspectos políticos e sociais de cada período mas em seus aspectos conceituais e metodológicos na investigação do transtorno mental.

Irritabilidade, fúria, tristeza e melancolia são comportamentos típicos em seres humanos e datados desde os primeiros registros escritos. Descrever o trajeto de classificação do que hoje chamamos de Transtorno Bipolar seria como descrever a história da nossa civilização. Os escritos bíblicos nos contam, por exemplo, de Saul, um rei valente e forte guerreiro. Por vezes sentia-se triste, atormentado, desconfiado de sua capacidade de liderar e guerrear. Ainda que

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