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Contribuições da psicanálise à formação docente

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Academic year: 2021

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CONTRIBUIÇÕES DA PSICANÁLISE Á FORMAÇÃO DOCENTE

Vanessa de Souza1

Solange Castro Schorn2

Constituir-se professor é necessário (SCHORN, 2019).

RESUMO

Este artigo discorre sobre a formação do educador a partir de uma revisão bibliográfica, tendo como objetivo refletir sobre a constituição do professor tomando como norte a abordagem psicanalítica. Para tanto, permite refletir sobre a formação docente apresentando contribuições psicanalíticas voltadas à ação/fazer do professor. Aborda-se a constituição psíquica, pontuando questões inerentes à constituição do sujeito professor como a relação com os alunos. O estudo consiste em analisar as contribuições da psicanálise na sua interface com a educação, bem como, a história da formação docente e as questões que a permeiam a partir do pensamento de Nóvoa (1995) e Schön (1995). Ao finalizar, essas reflexões permitem compreender a aproximação da psicanálise com a formação do profissional da Educação, possibilitando novas trocas de conhecimento sobre o tema. O estudo constitui uma pesquisa bibliográfica, de natureza qualitativa e cunho descritivo e exploratório.

Palavras-chave: Educação. Formação do professor. Relação transferencial.

ABSTRACT

This article discusses the formation of educating, from a bibliographic review, aiming to reflect on the constitution of the teacher taking the psychoanalytical approach as a guide. Therefore, it allows to reflect on the teacher formation presenting psychoanalytical contributions focused on the action / doing of the teacher. The psychic constitution is approached, punctuating issues inherent to the constitution of the teacher subject as the relation with the students. The study consists of analyzing the contributions of psychoanalysis in its interface with education, as well as the history of teacher education and the issues that permeate it from the thought of Nóvoa (1995) and Schön (1995). In conclusion, these reflections allow us to understand the approach of psychoanalysis with the education professional training, enabling new knowledge exchanges on the subject. The study is a bibliographical research, qualitative in nature and descriptive and exploratory.

1 Acadêmica do Curso de Psicologia da UNIJUÍ.

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Keywords: Psychoanalysis. Teacher training. Transferential relationship.

Introdução

O sujeito, para a Psicanálise é aquele que se constitui no campo do Outro, por meio da linguagem. Portanto, falar em sujeito nessa perspectiva convoca a leitura freudiana, uma vez que esse conceito faz parte da própria essência dessa teoria, pois remete à organização do aparelho psíquico e do campo pulsional. Pensar a constituição do sujeito, então, envolve uma leitura sobre o psiquismo, formado pelos sistemas pré-consciente, consciente e inconsciente, compreendido como a construção da própria subjetividade. É possível observar que diante da constituição psíquica do sujeito, encontram-se nesse período com sujeitos (profissionais da Educação) que ocuparão um lugar importante na relação com o outro, este que nomeia-se como substituto das figuras parentais, também um lugar de depositário de afetos e que serão investidos pelos seus alunos. Para descrever essa relação entre professor-aluno, ambos sujeitos de desejos, optou-se por embasamento teórico a psicanálise, autores que possibilitam compreender o sujeito de inconsciente e autores que debatem sobre a história da formação docente e questões que permitem a constituição do professor.

Psicanálise e Educação – a relação professor/aluno

A relação professor-aluno sustenta-se no conceito de transferência3.

Kupfer (1992) dispõe em sua escrita, a partir da teoria freudiana, como fio condutor do seu estudo acerca da interface da psicanálise com a educação. Em seu trabalho, Freud e a educação: o mestre do impossível, escreve sobre o conceito de transferência como importante à sustentação da relação professor/aluno, considerando ser um fenômeno significativo que permeia

3 Freud escreve em Análise fragmentária de uma histeria em 1901 como reedições dos impulsos e fantasias

despertadas e tornadas conscientes durante o desenvolvimento da análise e que trazem como singularidade característica a substituição de uma pessoa anterior pela pessoa do médico. (KUPFER, 1992, p. 88).

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qualquer relação humana, seja ela hierárquica, afetiva ou amorosa (FREUD, 1912/1996).

A transferência refere à reedição dos afetos que sustentam as relações parentais. O professor, por sua vez, é a figura a quem são endereçados esses afetos e interesses do aluno. O que se transfere são as experiências vividas primitivamente com os pais. Portanto, a instauração da transferência nessa relação envolve o desejo de saber do aluno que se aferra a um elemento particular correspondente à figura do professor. O desejo inconsciente busca aferrar-se a formas (resto diurno, analista, professor) para esvaziá-las, colocando-se um sentido, considerando que “transferir é então atribuir um sentido especial àquela figura determinada pelo desejo” (KUPFER, 1992, p. 91). Instaurada a transferência, o professor ocupa um lugar de depositário de algo que não é dele, mas do aluno. Em virtude dessa posse, o professor recebe uma importância especial, desta que emana o poder que se tem sobre o indivíduo. O desejo transfere sentido e poder ao professor que se adequa como um suporte, pois esvazia-se o sentido próprio enquanto pessoa. O aluno deseja que o professor dê conta desse lugar que ele mesmo o colocou (KUPFER, 1992). Freud (1912/1996), em seu clássico texto A dinâmica da transferência, escreve que o conceito de transferência consiste em um fenômeno presente na relação analista/paciente estendendo para outras relações. Nesse aspecto, considerou esse fenômeno no contexto educativo afirmando que o professor deveria saber reconhecer o que se passa na mente das crianças para saber dosar o amor e a autoridade existente na relação pedagógica. Para isso, seria importante que o professor passasse pela experiência de análise, considerando a impossibilidade de compreendê-la sem experimentá-la pessoalmente.

Santos (2019), na sua releitura desse artigo, destaca que Freud desejava mostrar ao mundo que a relação transferencial possuía uma dinâmica própria, e reafirma sua implicação na relação professor/aluno. O autor amplia sua leitura esclarecendo que a transferência está presente desde o período do complexo de édipo. Explica que o bebê mostra interesse pela função materna rivalizando com a função paterna ou vice-versa. Esse desejo logo é recalcado e quando o

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sujeito entra na vida social, dirige para outros personagens esses quantium de satisfação que atravessaram em sua vida. Assim, a figura do professor recebe esses afetos, e por isso, muitas vezes, escuta-se equívocos dos alunos/crianças chamando o professor de pai/mãe.

De acordo com Freud (1912/1996), cada sujeito, por meio da ação combinada de sua disposição inata e das influências sofridas durante os primeiros anos de vida, desenvolve um método específico próprio de conduzir-se na vida erótica e que tem a ver com processos positivos e negativos no vínculo transferencial. A transferência positiva diz respeito aos “sentimentos amistosos ou afetuosos, que são admissíveis a consciência” (Ibid., p.116). A transferência negativa, conduz a “distinguir uma transferência de sentimentos afetuosos da dos hostis e tratar separadamente os dois tipos (...)” (Ibid., p116). A transferência é, então, o lugar da reprodução das tendências afetivas e amistosas e que se encontram, também, nossos espaços educativos.

Kupfer (1992) pontua o encontro da psicanálise com a educação como um desafio. Após analisar os escritos de Freud, destaca que no inconsciente perpassam fenômenos que não há como ter controle, “muito menos sobre os efeitos de nossas palavras sobre nosso ouvinte (ou sobre o nosso leitor...). Não sabemos o que ele fará com aquelas ideias, a que outras associará [...]” (Ibid., p. 96). É relevante mencionar que cada sujeito vivencia as situações da vida de acordo com sua subjetividade, portanto, em uma sala de aula o professor trabalha com diversas realidades psíquicas e diferenciadas, pois, cada sujeito pertence a um contexto social e se constitui psiquicamente conforme lhe é possibilitado. A autora destaca que o inconsciente introduz em qualquer atividade humana, o imponderável, o imprevisto, aquilo que escapa ao sujeito, assim, não há como criar metodologias pedagógicas (psicanalítica), pois, esta implica em previsão, estabilidade e ordem.

O educador familiarizado com as teorias psicanalíticas renuncia a uma atividade programada e controlada. Pode organizar o seu saber, sabendo que não tem controle total do seu aluno. É possível compreender o que seus alunos aprenderam sobre o que desejou ensinar, mas, não compreende as repercussões inconscientes que ocorreram. Nesse aspecto, a Psicanálise

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transmite ao educador e não à Pedagogia, uma ética, um modo de ver e compreender sua prática educativa, sendo um saber que gera possibilidades subjetivas de cada educador, uma posição de trabalho (KUPFER, 1992). De acordo com a autora, não é tarefa fácil, embora desejável, assumir uma posição de renúncia ao poder, oferecida pelo próprio lugar de professor, posição que permite controlar o outro.

Um professor psicanaliticamente orientado, segundo Kupfer (1992), não visará controlar seu aluno, o que lhe aliviará, mas poderá permanecer tranquilo para com sua práxis, consciente de seus limites, poderes compreendendo a relação com seu aluno, pois, de acordo com a teoria psicanalítica, o sujeito é de desejo, inserido na linguagem para, assim, constituir-se um ser desejante. Diante de todas essas reflexões fica em questão a desilusão de Freud com a Educação como um sonho impossível, afirma Kupfer (1992). Assim, esta autora auxilia nessas considerações afirmando que o educador deve promover a sublimação, porém, esta é inconsciente, não se promove.

Fonseca (2017) na escrita da dissertação Psicanálise e Educação:

inquietações políticas, um debate a partir do encontro da Psicanálise com a Educação Infantil no Brasil possibilita pensar sobre o conceito de educador, este

que não está incluído no contexto pedagógico, pois, a Pedagogia está em um discurso que não questiona, é um saber posto, dito. O educador que conhece a Psicanálise repensa sua ação diante de todos esses fenômenos psíquicos.

O termo educador refere-se a professor propriamente dito e, a Psicanálise trabalha com esse termo recorrente da Educação em um sentido mais amplo. É pensar além do saber não questionado onde o aluno é um sujeito desejante e não passivo no processo de aprender. É sustentar o campo do outro para que o sujeito encontre meios para dizer-se subjetivamente/singularmente (FONSECA, 2017).

Fonseca (2017) questiona sobre o que esperar do encontro da Psicanálise com a Educação e responde que se espera que possibilitem que o discurso não fique congelado como um saber único, que o sujeito não seja tomado como objeto de saberes/medidas e que haja espaço para que ele próprio participe da

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construção do seu saber, obtendo lugar ativo nesse processo. Nessa perspectiva, a teoria psicanalítica pode autorizar que o professor saia do lugar que lhe é outorgado, técnica e metodologicamente, para relançar sua aposta de educar o outro tendo como verdade sua própria divisão subjetiva (FONSECA, 2017). Em suas considerações, a autora enfatiza as possibilidades da prática educativa em seu encontro com a psicanálise, sugerindo que esta permite que o professor se interrogue acerca do que chega até ele como saber prévio, que pauta a ação educativa como algo da ordem de um programa a ser cumprido, afirmando ser uma maneira de desaliená-lo, oportunizando-o a implicar-se no seu fazer profissional.

Sexualidade e a Educação

Freud (1905/2016) sugeriu que na infância há sexualidade. Em seu pensamento, sexual não possui o mesmo significado que genital, ambos são conceitos distintos. A sexualidade infantil inclui as experiências sensuais da criança com seu próprio corpo e/ou contato com a função materna, são experiências prazerosas para a mesma e a sexualidade genital refere-se a cópula, para prazer orgástico ou reprodução (KUPFER, 1992).

A educação, como representação da função paterna, e, também, como função de castração, contribui para a repressão da sexualidade infantil, assim, a pulsão sexual é passível de se dirigir a outros fins, a partir da sublimação, não sendo propriamente sexuais (KUPFER, 1992). Esse mecanismo, descrito por Freud (1905/2016), permite que excitações oriundas de distintas fontes da sexualidade possam ter saída e utilização em outros âmbitos. De acordo com o autor “uma subvariedade da sublimação, é, provavelmente, a repressão por formação reativa, que, começa já no período de latência da criança e prossegue, em casos favoráveis, por toda a vida” (Ibid., p.165). Acrescenta que o caráter de um sujeito é construído com o material de excitações sexuais, sendo constituídos de instintos fixados desde a infância, de construções por meio da sublimação. Para que uma pulsão seja sublimada, é necessário que desvie para um alvo não sexual, aceito pela sociedade. Nesse momento, em que a pulsão está em busca

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de um objeto haverá a “dessexualização desse objeto”. A energia que desloca a pulsão continua sendo sexual, porém o objeto não será (KUPFER, 1992).

Kupfer (1992) conclui, a partir da teoria freudiana elaborada em O mal

estar na civilização (1930), que as práticas educativas são determinadas pelos

recalcamentos sofridos pelo educador, incidindo sobre a parte infantil da sua sexualidade. Além disso, só pode ser pedagogo aquele que está capacitado para penetrar na alma infantil. É concebível dizer que a educação deixará sempre a desejar, pois, assim como o sujeito está em falta, não será possível viver na perspectiva de completude e a educação trabalha com esses sujeitos.

O encontro entre Psicanálise e Educação, para Pennachin e Altarugio (2015), não possui a intenção de transformar os professores em analistas, mas proporcionar reflexões ante as relações advindas da práxis, portanto, o encontro entre professores e alunos no campo da subjetividade. É possível destacar que o profissional da Educação trabalha com sujeitos em constituição psíquica e em pleno desenvolvimento corporal.

Lopes (2015), na escrita da dissertação A articulação Psicanálise e

Educação e o aluno-sujeito, informa que por meio da vivência cotidiana nas

instituições escolares constata-se que pela formação, angústia diante das dificuldades e fracassos no fazer profissional, os professores apelam por justificativas teóricas que acreditam ser objetivas com o intuito de explicar a origem das falhas no processo de ensino-aprendizagem. Alguns educadores até, de modo jocoso e com possibilidade de estarem apoiados em interpretações equivocadas, evocam que Freud já havia dito que “educar é impossível”. Tal afirmativa chama a atenção, pois leva a pensar em qual seria o significado que os educadores estão dando a ela (LOPES, 2015, p. 27).

Sobre esse assunto, Lopes (2015) menciona Lajonquière (1999) pontuando sua perspectiva sobre a impossibilidade da educação constatando que o educar é impossível por ser uma profissão humana e não técnica. Lajonquiére (1999), apud Lopes (2015), complementa sobre essa impossibilidade estar inerente à crença de Freud de não poder prever o resultado da ação educativa, portanto, a impossibilidade de garantir um resultado que

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assombra os educadores, estes que preferem recorrer aos manuais de educação, renunciando ao ato educativo, diz o autor.

Paulo e Almeida (2009) discorrem sobre a educação inserir-se no lugar de centro das relações contraditórias entre pulsão e cultura, lá onde o sujeito deve emergir. Para as autoras, quem ensina, ao transmitir um conteúdo, representa a Lei, submete-se a ela e a transmite em sua forma de ensinar. Assim, ao implicar o sujeito em um movimento desejante, convocando-o a posicionar-se e a constituir-se a partir da Lei, a educação pode ser entendida como fator de estruturação psíquica, uma vez que produz a construção de ideais simbólicos (Ibid., p.02).

Se os professores possuem a tarefa de transmissão de saber como um ser que trabalha com a impossível tarefa de educar, sabendo que o aluno ideal oculta a verdade da divisão subjetiva e suporta o fenômeno transferencial. Pensa-se, também, que tanto o professor quanto o aluno sejam sujeitos submetidos ao inconsciente, permeados por uma dinâmica conflitante, faltosa e que se instala no empreendimento educativo um paradoxo relacionado aos seus objetivos lógicos e racionais: esse professor poderá suportar a tarefa educativa por meio de um engajamento ético (PAULO e ALMEIDA, 2009).

Complementa-se a partir da escrita das autoras que, segundo Imbert (2001), qualquer engajamento ético pressupõe uma práxis, ato pelo qual o sujeito não só exerce e desenvolve suas capacidades, mas ainda continua a se autocriar, ex-sistir, por meio de outro sujeito. Segundo Imbert (2001), apud Paulo e Almeida (2009), o desafio da educação é deixar de produzir objetos (objeto eu-mestre ou o objeto criança-submissa) para produzir sujeitos, por essência, inacabados. As autoras acrescentam que poderá o professor se reposicionar em relação à ética que rege a ação educativa, criando um estilo, no sentido de um saber inventado, “oferecendo a seus alunos um estilo de se relacionar com o objeto de conhecimento, procurando alternativas para que o sujeito possa advir, aparecer e se inscrever na cultura” (PAULO e ALMEIDA, 2009, p.03).

Pedroza (2010), em Psicanálise e Educação: análise das práticas

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origem da Psicanálise foi situada nas práticas clínicas, não é de aplicabilidade direta às situações educativas, porém, algumas contribuições estão na possibilidade de trazer ao consciente, pela análise das práxis educativas, conteúdo do inconsciente do professor e esclarecer a explicação de certas ações em sala de aula. A esse respeito, a autora confirma a importância da mesma na formação dos educadores, quando alega que a formação não visa proporcionar técnicas pedagógicas, em contrapartida, proporcionar-lhes um constante questionamento sobre a prática pedagógica e a relação com o educando.

Sobre a formação docente

Para discutir a formação docente no século XXI, é importante abranger sua história e evolução que conduzem à compreender questões recentes. Nóvoa (1995) menciona sobre a formação inicial do professorado quando o Estado interviu, fazendo com que a Igreja fosse substituída como entidade de tutela do ensino. Os reformadores portugueses, de acordo com o autor, em meados do final do século XVIII, percebiam que por essa mudança, a criação de uma rede escolar, repartida pelo espaço nacional, remetiam ao progresso.

Para esse o autor, naquele período, os professores foram submetidos a um controle. Inicialmente, na primeira metade do século XIX, havia mecanismos rigorosos de seleção e recrutamento do professorado. Quando foi necessário lançar as bases do sistema educativo atual, a formação de professores ocupou então, um lugar importante.

O autor segue afirmando que as escolas foram instituições criadas pelo Estado para controlar um corpo profissional. Portanto, as escolas normais legitimam um saber produzido no exterior da profissão docente, que veicula a concepção dos professores, centrada na difusão e na transmissão de conhecimentos que, para ele, são também lugar de reflexão sobre as práticas, “o que permite vislumbrar uma perspectiva dos professores como profissionais produtores de saber e de saber-fazer” (NÓVOA, 1995, p. 16).

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Pensava-se, na época, que formar um homem novo era uma ambição republicana, o que possibilitou um lugar de importância, de papel simbólico para os professores, visando maior autonomia desses profissionais (NÓVOA, 1995). De acordo com Tamagnini (1930, p. 94), “se o currículo deve indiscutivelmente considerar-se da competência do Estado, o mesmo não pode se afirmar dos programas dos cursos que devem constituir atribuição exclusiva do corpo docente” (apud NÓVOA, 1995, p.17).

Esse autor complementa a afirmação com a ideia de que se o Estado organiza o plano geral dos estudos, formula os objetivos, porém compete aos professores a organização dos programas dos cursos, seleção de matérias, concretização de exemplos, métodos, entre outros aspectos. etc. Além disso, Nóvoa (1995) cita Lima (1915, p.360-361) ao apontar sobre a formação dos professores, afirmando que “o poder político é, por definição, incompetente para exercer a função educadora e tratar de assuntos doutra técnica que não seja a da política [...]” (apud NÓVOA, 1995, p.17). Portanto, o autor refere que o recrutamento de professores só pode ser realizado por quem conheça as necessidades de ensino.

É possível identificar as ideias desses autores como opostas, porém coincidem na necessidade de delimitar o espaço de autonomia da profissão docente. Em seus escritos, Nóvoa (1995) deixa claro que, Adolfo Lima (1915) fala do poder, relacionando-se o com o recrutamento de professores e Eusébio Tamagnini (1930) fala do saber, referindo-se à concretização pedagógica do ensino.

De acordo com Nóvoa (1995), a formação docente é “mais do que um lugar de aquisição de técnicas e de conhecimentos. A formação de professores é o momento-chave da socialização e da configuração profissional” (1995, p.18). Contudo, pode-se pensar que o fazer do professor é amplo, abrangendo ás questões técnicas e metodológicas que exigem uma emergência em dar espaço à reflexão da ação, conceito elaborado por Donald Schön (1995).

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Segundo Nóvoa (1995), no Estado Novo4 existia uma política contraditória

de dignificação da imagem social do professor que desvalorizava a profissão docente, de dignificação da imagem social do professor. O Estado exerce um controle autoritário dos professores, impossibilitando a autonomia profissional, por outro lado, o investimento missionário e ideológico faz com que o Estado crie condições de dignidade social para manter a imagem e o prestígios destes (NÓVOA, 1995). Na leitura textual de Nóvoa (1995) salienta-se a história da formação docente, permitindo abranger como se deu esse processo em décadas atrás, para adiante compreender as mudanças que ocorreram nessa perspectiva da práxis educativa.

A década de 70 marcou o início da formação inicial dos professores. A Universidade, enquanto domínio na formação dos professores, vivenciou resistências na época, por setores conservadores que desconfiavam dessa proposta e receavam a constituição de um corpo profissional prestigiado e autônomo. Também se incluiu nesses empecilhos os setores intelectuais que desvalorizavam a dimensão pedagógica da formação docente (NÓVOA, 1995). O autor afirma que “uns e outros têm do ensino a visão de uma atividade que se realiza com naturalidade, isto é, sem necessidade de qualquer formação específica(...)” (Ibid., p.21). Portanto, foi possível desenvolver-se nesse período inicial uma comunidade cientifica na área das Ciências da Educação. Na década de 80, Nóvoa (1995) complementa pelo signo da profissionalização em serviço dos professores, remetendo a uma massa de indivíduos sem habilitações acadêmicas e pedagógicas, resultando em desequilíbrio estruturais. Segundo o autor, procurou-se então remediar a situação, por meio “de três vagas sucessivas de programas: profissionalização em exercício, formação em serviço e profissionalização em serviço” (NÓVOA, 1995, p. 21).

Nos anos 90 continua com o signo na formação contínua dos professores, os problemas estruturais iniciais continuam tendo destaque nesse momento de

4 Segundo Rodrigues,o Estado Novo foi um regime ditatorial arregimentado por Getúlio Vargas,

instituído em 10 de novembro de 1937. Desde 3 de novembro de 1930, Vargas governava o país. O primeiro período foi o Governo Provisório (1930-1934) que perdurou até a reconstitucionalização do país. Com a decretação da Constituição de 1934 iniciou-se o Governo Constitucional. Disponível em <https://www.infoescola.com/brasil-republicano/estado-novo/>

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evolução sobre a formação docente, com desafios entre a reciclagem dos professores e a qualificação para desempenhar novas funções. Esse processo denota confluência de dinâmicas políticas e sindicais, para assegurar a concretização do Estatuto da Carreira Docente e a Reforma do Sistema Educativo (NÓVOA, 1995).

A história da formação docente provocou mal-estar profissional. Nóvoa (1995) pontua sobre essa formação ignorar o desenvolvimento pessoal, onde, confunde-se “formar” e “forma-se”, assim, não compreendendo que a lógica da atividade educativa nem sempre irá coincidirá com as dinâmicas próprias da formação. Pennachin; e Altarugio (2015) fazem referência à formação docente no século XXI, debatido no artigo Psicanálise e educação: pensando a formação

docente para o século XXI, e concluem que a tradição didática mostra que os

professores possuem como fundamento, na sua formação, o fazer profissional voltado para à reprodução de informações predispondo ausência de compromisso com a instrução e instrumentalização do sujeito. Por um grande período, ser professor era uma profissão desinvestida. Evidenciam-se que pensar nas vicissitudes do ensino para o século XXI é uma tarefa interdisciplinar, não havendo possibilidade de analisar as novas diretrizes da educação e o lugar do professor sem abranger o cenário político, social e cultural (PENNACHIN; ALTARUGIO, 2015).

Constituir-se professor

Nessa perspectiva, compreender a formação docente permite pensar com Nóvoa (1995), o qual dedicou-se a esse estudo. Para ele, a formação deve estimular uma perspectiva crítico-reflexiva, possibilitando aos professores meios de pensamento autônomo e que facilite as dinâmicas de auto formação participada. Afirma que “Estar em formação implica um investimento pessoal, um trabalho livre e criativo sobre os percursos e os projetos próprios, com vista a construção de uma identidade, que é também uma identidade profissional (NÓVOA, 1995, p. 25). Contudo, é possível mencionar que ser professor está

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muito além da prática e da metodologia que o sistema pedagógico exige, é necessário implicar-se no seu fazer profissional, na sua ação.

Schön (2000) dispõe de questões que permeiam a práxis educativa. Conhecer-na-ação é uma expressão descrita por ele que remete aos tipos de conhecimentos que se revelam nas ações inteligentes, performances físicas que são publicamente observáveis. Para tanto, o ato de conhecer está na ação. Por meio da observação e reflexão das ações, pode-se, segundo o autor, fazer uma descrição do saber tácito implícito nessas ações. As descrições no ato de conhecer-na-ação serão sempre construções, diz o autor. São tentativas de colocar, de forma explícita e simbólica, um tipo de inteligência que começa por ser tática e espontânea.

As descrições são conjecturas que precisam ser testadas contra observação de seus originais, podendo serem distorcidas. O autor acrescenta que o processo de conhecer-na-ação é dinâmico e “os “fatos”, os “procedimentos” e as “teorias” são estáticos” (Ibid., 2000, p. 31). Para Schön, conhecer sugere uma qualidade dinâmica de conhecer-na-ação, a qual quando descrevemos, convertemos em conhecimento na ação (2000, p.32).

A reflexão-na-ação, outro importante conceito do autor, é entendido como algo que deve permear a ação quando se está disposto a ser um profissional reflexivo. Assim, como o conhecer-na-ação, a reflexão-na-ação é um processo que podemos desenvolver sem dizer o que estamos fazendo. Essa reflexão inicial, intitulada na práxis, pode intervir com as ações futuras (SCHON, 2000).

No contexto da formação, Nóvoa (1995) esclarece o processo identitário da profissão do professor. De acordo com o autor, nos tempos áureos da racionalização e da uniformização, cada sujeito produz no mais íntimo da sua subjetividade de ser professor. O autor apresenta os seguintes questionamentos “Como é que cada um se tornou no professor que é hoje? E porquê? De que forma a ação pedagógica é influenciada pelas características pessoais e pelo percurso de vida profissional de cada professor?” (Ibid., p.16). Esses questionamentos são respondidos pelo autor com a ideia dos três AAA que

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sustentam, para ele, o processo identitário dos professores: A de Adesão, A de ação, A de Autoconsciência (NÓVOA, 1995, p.16).

Sobre essas três colocações, o autor explica que a adesão significa que por ser professor implica a adesão a princípios e a valores, a adoção dos projetos, investimento positivo nas potencialidades das crianças e jovens; ação que, ao escolher as melhores maneiras de agir, jogam decisões do foro profissional e do foro pessoal. Algumas técnicas e métodos relacionam-se melhores com a subjetividade do sujeito, o sucesso ou insucesso de certas experiências, também, marcam a postura pedagógica causando desconforto ou bem-estar em tal maneira de trabalhar e autoconsciência, porque muitas decisões são realizadas no processo de reflexão que o professor deve ter da sua ação. Portanto, a mudança e a inovação pedagógica são dependentes do pensamento reflexivo.

Assim, pode-se afirmar que a identidade não é um dado adquirido, não é um produto. A identidade é um lugar de lutas e de conflitos, é um espaço de construção de maneiras de ser e de estar na profissão (NÓVOA, 1995). O processo de formação marca-se por ser uma dinâmica em que vai se construindo a identidade do sujeito. No entanto, Nóvoa (1995) afirma que “formar-se supõe troca, experiência, interações sociais, aprendizagens, um sem fim de relações” (1995, p. 115). Acrescenta que um percurso de vida é sim um percurso de formação, no sentido de que é um processo de formação.

Para complementar as análises da formação docente, Marques (1996) defende que tanto na educação como a ciência da educação necessitam ser mediadas pela ação do educador para que possam modelá-la e construí-la. O autor sugere que o educador e a pedagogia se constroem em reciprocidade na práxis coletiva.

Considerações finais

A partir da leitura dos trabalhos de Kupfer (1992), foi possível destacar, acreditando no inconsciente, que educar é uma das três profissões impossíveis,

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de acordo com as elaborações freudianas. Em decorrência da compreensão do inconsciente, que introduz em qualquer atividade humana, o imprevisto, não há como criar metodologias pedagógicas nesse campo pois, esta implica em previsão, estabilidade e ordem, o que está bem entendido nos escritos da referida autora.

O sujeito para a psicanálise possui desejos, atos falhos, sonhos, chistes e outras formações do inconsciente. Conforme Kupfer (1992), não é possível esquecer a ideia de que “tais forças, presentes no interior do psiquismo, escapam ao controle dos seres humanos e, portanto, ao controle do educador” (Ibid., p.58). Logo, cabe ao professor compreender que sua atuação profissional é limitada. Freud (1916/2016) anuncia que governar, psicanalisar e educar são três profissões impossíveis. Nesse contexto, Kupfer (1992) compreende que o termo impossível não é sinônimo de irrealizável, ressaltando que algo não pode ser integralmente alcançado, nomeando como o domínio, a direção e controle como que estando na base de qualquer sistema pedagógico.

Assim, as contribuições que a psicanálise oferece possibilitam refletir e repensar a prática profissional do professor, situando que este pode aprender pôr limites na sua ação. O processo de formação docente depende de percursos educativos e, portanto, constrói-se por meio de uma reflexão constante sobre a própria atuação. Por isso, de acordo com Nóvoa (1995), é importante dar um estatuto ao saber da experiência, saber este que se produz no percurso de vida do sujeito e que remete a um trabalho constante de reflexão crítica sobre a própria prática docente.

Sobre isso, Schön (1990) sugeria três movimentos importantes ao processo formativo: o conhecimento na ação, a reflexão na ação e reflexão sobre a reflexão na ação. Uma prática de formação que considere esses movimentos retrospectivos de reflexão da experiência vivida. Isso é o que leva o sujeito a produzir sua vida, logo, sua profissão. A formação, então, passa por um processo de experimentação e de uma prática reflexiva constante sobre a ação pedagógica e o que é ser professor. Essa prática encontra lugar na interface da psicanálise com a educação, logo, com a formação de professores.

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Nos últimos anos, as conexões desenvolvidas entre educação, formação de professores e psicanálise, têm permeado os espaços educacionais contribuindo nos aspectos teóricos, conceituais e instrumentais, permitindo, assim, outra compreensão dos problemas escolares. Para isso, percorre trabalhos que noticiam sobre a profissão docente e seus problemas na atualidade; o discurso sobre a formação de professores no Brasil e a interlocução entre psicanálise e educação, partindo do entendimento sobre o mal-estar docente.

Nesse contexto, retoma estudos elaborados desde a década de 1970, sobre a racionalidade técnica, perpassando, no decorrer dos anos, a compreensão de professor como receptáculo do conhecimento à concepção de sujeito da própria prática pedagógica, considerando suas experiências subjetivas nos estudos e no processo formativo. Contudo, encontra no conceito de formação do professor reflexivo, elaborado por Donald Schön (2000), uma possibilidade de interlocução com a teoria psicanalítica.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Referências

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