• Nenhum resultado encontrado

A reestruturação jurídica das entidades de prática desportiva do futebol brasileiro

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "A reestruturação jurídica das entidades de prática desportiva do futebol brasileiro"

Copied!
83
0
0

Texto

(1)

Ari Bruno Brito Coelho

A REESTRUTURAÇÃO JURÍDICA DAS ENTIDADES DE PRÁTICA

DESPORTIVA DO FUTEBOL BRASILEIRO

Florianópolis 2019

(2)
(3)

Ari Bruno Brito Coelho

A REESTRUTURAÇÃO JURÍDICA DAS ENTIDADES DE PRÁTICA DESPORTIVA DO FUTEBOL BRASILEIRO

Trabalho Conclusão do Curso de Graduação em Direito do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito para a obtenção do Título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Humberto Pereira Vecchio

Florianópolis 2019

(4)
(5)

Ari Bruno Brito Coelho

A REESTRUTURAÇÃO JURÍDICA DAS ENTIDADES DE PRÁTICA DESPORTIVA DO FUTEBOL BRASILEIRO

Este Trabalho Conclusão de Curso foi julgado adequado para obtenção do Título de “A reestruturação jurídica das entidades de prática desportiva do futebol brasileiro” e aprovado

em sua forma final pelo Curso de Direito.

Florianópolis, 15 de julho de 2019.

________________________

Prof. Dr. Luiz Henrique Urquhart Cademartori Coordenador do Curso

Banca Examinadora:

________________________ Prof. Dr. Humberto Pereira Vecchio

Orientador

Universidade Federal de Santa Catarina

________________________ Prof. Me. Bernardo Wildi Lins Universidade Federal de Santa Catarina

________________________ Prof. Me. Rodrigo Junqueira Bertoncini Universidade Federal de Santa Catarina

(6)
(7)

Aos meus pais, Ari e Cláudia, a minha irmã, Alice, aos amigos de sempre e a todos que contribuíram para minha formação.

(8)
(9)

RESUMO

O futebol, de início elitizado e praticado com ideais lúdicos, sem fins econômicos e de promoção cultural, passou por um processo de profissionalização e mercantilização, tornando-se um verdadeiro negócio. Diante destornando-se novo cenário mundial, as entidades de prática desportiva no Brasil, constituídas sob uma estrutura jurídica associativa, sem a devida profissionalização de sua gestão, não acompanharam as mudanças referidas, mas, por outro lado, praticam atividades tipicamente mercantis, movimentando grandes recursos financeiros. Esse conflito reflete a necessidade de adequação dessas entidades desportivas ao conceito empresarial, sob a forma de uma estrutura jurídica nova, que atenda a dicotomia entre o clube social, voltado à promoção cultural e à integração social, e o pleno desenvolvimento econômico do futebol profissional.

Palavras-chave: direito empresarial; sociedade anônima; clube-empresa; futebol profissional;

(10)
(11)

ABSTRACT

Football, initially elitist and practiced with ludic ideals, without any financial purposes and cultural promotion, has undergone a process of professionalism and commodification, becoming a real business. In this new world stage, the sports entities in Brazil, constituted with an associative legal structure, without profissionalization of management, did not keep up with the mentioned changes, but, in contrast, practicing typical mercantile activities, making circulate large amount of financial resources. This conflict shows that is necessary the adequacy of these sports entities to the concept of company, in the form of a new legal structure, able to supply the dichotomy between the social club, aimed at cultural promotion and social integration, and the full economic development of professional football.

Keywords: Business Law; Corporation; Club-Company; Professional Football; Sports

Management; Non-profit Association.

(12)
(13)

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CBD - Confederação Brasileira de Desportos. CBF - Confederação Brasileira de Futebol CC - Código Civil

CD - Clube Desportivo

CND - Conselho Nacional de Desportos. CSC – Código das Sociedades Comerciais CVM - Comissão de Valores Mobiliários LBSD - Lei de Bases do Sistema Desportivo LRE – Lei de Falência e Recuperação de Empresas LSA - Lei das Sociedades Anônimas

MEC - Ministério da Educação PL - Projeto de Lei

SAD - Sociedades Anônimas Desportivas SAFUT - Sociedade Anônima do Futebol SD - Sociedade Desportiva

(14)
(15)

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 15

2 O FUTEBOL BRASILEIRO ... 17

2.1 NOÇÕESHISTÓRICASESOCIAISDOFUTEBOLBRASILEIRO... 17

2.2 AEVOLUÇÃODALEGISLAÇÃODESPORTIVANOBRASIL ... 22

2.2.1 O período do Estado Novo e o intervencionismo estatal ... 23

2.2.2 Período militar e a reafirmação da ingerência estatal ... 26

2.2.3 Constitucionalização do Desporto ... 28

2.2.4 Lei 8.672, de 1993 – “Lei Zico” ... 31

2.2.5 A Lei Pelé (Lei nº. 9.615, de 1998) e suas revisões ... 32

3 ESTRUTURAS JURÍDICAS ... 36

3.1 ASASSOCIAÇÕES ... 36

3.2 DASSOCIEDADES ... 41

3.2.1 Sociedades limitadas ... 44

3.2.2 Sociedade anônimas ... 46

4 SOCIEDADE EMPRESÁRIA DESPORTIVA ... 51

4.1 MERCANTILIZAÇÃODOFUTEBOL ... 51

4.2 FUTEBOLEMPORTUGAL ... 55

4.3 REESTRUTURAÇÃODASENTIDADESDESPORTIVASNOBRASIL 62 4.3.1 Projeto de Lei nº. 2758/2019 ... 65

5 CONCLUSÃO ... 73

(16)
(17)

1 INTRODUÇÃO

O futebol tornou-se uma das maiores formas de manifestação cultural do País. Em seus primórdios, a prática deste esporte ocorria como uma atividade lúdica, recreativa e sem fins lucrativos. Com o passar dos anos, houve a popularização do futebol e, consequentemente, o seu crescimento em todos os aspectos, ao ponto de assumir características de atividade mercantil, movimentando montantes faraônicos, por meio da exploração dos mais variados recursos financeiros, sobretudo, patrocínios, marketing, a venda de atletas e de produtos licenciados – atividades antes não imagináveis em sua criação –, bem como atingindo milhões de pessoas sejam elas apaixonadas pelo futebol ou inseridas no complexo “mercado da bola”.

Desse modo, configura-se de relevante utilidade o estudo do tema trazido, diante da importância do futebol e da dimensão econômica e social alcançada pela prática deste desporto em todo o mundo, principalmente no Brasil.

Para os fins deste trabalho foi utilizado o método dedutivo de pesquisa, realizando uma abordagem multidisciplinar entre o desporto e o direito, com o objetivo geral de analisar a necessidade de reestruturação jurídica dos clubes de futebol do Brasil. Para consecução desse objetivo geral, especificamente, buscou-se apresentar os aspectos históricos e sociais do futebol no Brasil, bem como a evolução legislativa desportiva nacional; explicar os modelos jurídicos de organização dos clubes de futebol brasileiros, em comparação com tipos empresariais, como a sociedade limitada e a sociedade anônima e por fim, expor a nova realidade econômica do futebol nacional e apresentar alternativas jurídicas às entidades de prática desportiva para adequação da sua estrutura jurídica de gestão.

Nesse sentido, por primeiro, fez-se necessária uma abordagem acerca da evolução histórica e social do futebol brasileiro, a fim de entender o contexto em que se inseriam as entidades de prática desportiva em sua origem, constituídas sob o modelo associativo, tema este elucidado no primeiro capítulo.

Destaca-se, que as entidades de práticas desportivas, em seu princípio, eram, de fato, uma reunião de pessoas voltadas a consecução de objetivos comuns, sem fins lucrativos, adotando como forma jurídica a estrutura das associações. Este modelo de organização mostrou-se de ampla aceitação, em vista de ser adequado à prática de atividade esportiva amadora e recreativa, ainda ligado ao amadorismo da época.

(18)

A partir dos anos 1980, em vista da globalização mundial e do desenvolvimento dos meios de comunicação, o futebol profissional passou a sofrer influência do mercado capitalista, transformando-se em um verdadeiro produto a ser explorado. O considerável aumento das operações financeiras dos clubes de futebol, de contratos milionários e o emprego acentuado do marketing e midiatização do desporto, elevaram o futebol à um novo patamar dentro do cenário econômico mundial.

A respectiva mercantilização do futebol trouxe questionamentos ao modelo de organização e funcionamento dos clubes, que agora necessitam negociar, captar recursos financeiros, inserirem-se no novo mercado e explorar o seu produto de forma comercial, mas estão submetidos a um modelo engessado e limitado como a estrutura jurídica das associações. Como mencionado, o problema do estudo, o qual o trabalho baseia-se, busca avaliar a necessidade, ou não, das entidades de prática do futebol profissional, em especial os maiores clubes, a adotarem o regime empresarial as suas atividades, empregando uma gestão profissional e transparente, em detrimento do modelo atual das associações, sem fins lucrativos, assumido em sua origem no início do século XX.

Assim, foi preciso entender e avaliar o funcionamento, do ponto de vista legal, tanto das associações, estrutura utilizada na esmagadora maioria dos clubes brasileiros, e dos demais tipos societários, em especial a sociedade limitada e a sociedade anônima, devido às características de responsabilização dos sócios e administradores, além dos mecanismos de captação de investimentos, o que foi apresentado no segundo capítulo.

Por fim, no terceiro e último capítulo, diante das circunstâncias diagnosticadas por cada modelo societário, bem como do paralelo com as determinações legais e da história das entidades desportivas no Brasil, temas organizados nos capítulos anteriores, foi possível tratar da possibilidade e (in) aplicabilidade das hipóteses de adequação dos clubes de futebol em sociedades empresárias, na busca pelo desenvolvimento econômico e administrativo do futebol nacional.

Este trabalho não cabe com o fim de apresentar uma resposta definitiva acerca da estrutura jurídica a ser adotada pelos clubes de futebol brasileiros, mas tão somente intenta oferecer alternativas para o devido funcionamento e organização dessas entidades, com uma gestão profissional e estratégica, na busca dos seus interesses e a promoção da atividade econômica desportiva adequada às exigências no atual mercado do futebol moderno.

(19)

2 O FUTEBOL BRASILEIRO

2.1 NOÇÕES HISTÓRICAS E SOCIAIS DO FUTEBOL BRASILEIRO

A origem do futebol no Brasil é atribuída à figura de Charles William Miller, pai do futebol brasileiro – alcunha defendida pelo historiador John Mills1. O jovem brasileiro que, em retorno de sua viagem a estudo da Inglaterra em 1894, trouxe consigo aquela que seria uma das marcas mais importantes da cultura brasileira e pela qual o País é internacionalmente reconhecido, como relata Júlio César Leal:

Seu surgimento é atribuído a Charles Miller, nascido em 1874, brasileiro, descendentes de ingleses, educado na Banister Court School, Southampton, Inglaterra, onde conheceu o foot-ball, por ele se encantou e praticou, jogando no time do Condado de Hampshire. De volta ao Brasil em 1894, trouxe consigo as duas primeiras bolas, uma delas logo apelidada de “Peluda” – por ainda conter pêlos de couro – uniformes e chuteiras. Organizou o primeiro jogo, do qual também participou no São Paulo Atletic Club, clube de ingleses, fundado em 1888, onde se jogava principalmente o críquete (cricket).2

O historiador Marcos Guterman, em sua obra, destaca a existência de relatos sobre estrangeiros que já jogavam este esporte em terras brasileiras décadas antes da volta de Charles Miller, como, por exemplo, em 1864, quando marinheiros, principalmente ingleses, “eram vistos disputando peladas nos capinzais desertos do litoral brasileiro. Há ainda registros de jogos nas mesmas condições entre 1874 e 1878”. Assim complementa o autor:

Como se nota são iniciativas esparsas e movidas por mera diversão, sempre coordenadas por ingleses ou inspiradas por eles. Não haviam campo adequado nem equipamento – as bolas, por exemplo, era uma raridade. O que o Miller introduziria no Brasil, seria o perfil competitivo do futebol, com suas regras, limitações e artimanhas, provável razão pela qual ele é considerado o pioneiro do esporte no país.3

Em razão dos esforços de Charles Miller, no ano de 1895 aconteceu o que é considerada a primeira partida de futebol no país. O jogo ocorreu na cidade de São Paulo – no campo da Cia. Paulista de Viação –, entre os funcionários da estrada de ferro The São Paulo

1Historiador responsável pela biografia escrita de Charles Miller na obra intitulada “Charles Miller – o pai do futebol brasileiro. Panda books. 2005”.

2 LEAL, Júlio César. Futebol: arte e ofício. Rio de Janeiro. Sprint, 2000. p. 26.

3 GUTERMAN, Marcos. O futebol explica o Brasil: uma história da maior expressão popular do país. São Paulo: Contexto,

(20)

Railway e do The TeamGaz Company. A partida acabou em 4 a 2, com vitória do The São Paulo Railway.

Não demorou muito tempo para a sociedade brasileira simpatizar-se com o novo esporte, o que, aliás, ocorreu bem mais rápido do que a popularização do futebol na própria Inglaterra, seu país de origem:

Na Inglaterra, o futebol levou quase um século para se consolidar entre os jovens escolares. A prática do esporte, que no início do século XIX era rigorosamente proibida, acusada de desviar a atenção dos moços dos assuntos sérios, poucas décadas depois se tornara uma atividade elegante e estimulada. No Brasil, sua expansão foi muito mais rápida.4

O pesquisador Richard Giulianotti defende a existência de três períodos evolutivos na história do futebol: tradicional, moderno e pós-moderno.5 O período “tradicional”,

compreendido desde o surgimento da modalidade até o início da década dos anos 20 do século passado, é explicado pelo autor:

Ele é marcado pelo estabelecimento das regras do jogo, sua difusão internacional e a formação de associações internacionais para administrar o esporte, sob a égide das elites dominantes. [...] O futebol se torna extremamente popular entre as novas classes operárias urbanas, mas as consequências estruturais são colocadas pelas elites dominantes em cada país. Grandes campos são construídos, segregando as classes sociais enquanto a renda dos jogos aumenta.6

Do ponto de vista do futebol brasileiro, a prática deste desporto, em seu início, seguia o exemplo da Inglaterra onde essa modalidade era praticada somente por pessoas das elites. Além do mais, nesse contexto, a prática da modalidade era entendida como aquela “que influencia o comportamento dos homens e renova as marcas da convivência social”.7

Todavia, era proibida a prática do esporte por operários e demais trabalhadores da classe baixa, bem como pelos negros. O preconceito e a discriminação da época somente sofreram mudanças relevantes a partir do momento de massificação do futebol, que se origina na primeira década do século XX.

4 SOARES, Jorge Miguel Acosta. Direito de Imagem e Direito de Arena no Contrato de Trabalho do Atleta Profissional.

São Paulo: LTr, 2008. p. 24

5 GIULIANOTTI, Richard. Sociologia do Futebol - dimensões históricas e socioculturais do esporte das multidões.

Tradução de Wanda Nogueira Caldeira Brant e Marcelo de Oliveira Nunes. São Paulo: Nova Alexandria, 2002. p. 212-214.

6 Ibid., p. 212.

(21)

Essa massificação do desporto pode ser entendida, na definição de Richard Giulianotti, como o início da modernidade, em que grandes eventos, como os Jogos Olímpicos, elevaram o status global do futebol:

O “início da modernidade” dura do começo da década de 1920 até o final da Segunda Guerra Mundial. Os jogos Olímpicos e a Copa do Mundo consolidam o status global do futebol e exibem as nações latino-americanas e do sul da Europa. O esporte se torna fortemente associado com o nacionalismo. Torneios internacionais unem nações individuais e simbolizam as rivalidades e conflitos entre elas. Estádios enormes são construídos pelo mundo todo, geralmente com dinheiro público, ressaltando o orgulho cívico através das seleções. O rádio transmite os jogos para todos os cantos do país. O Reino Unido luta para sustentar sua hegemonia dentro de campo, enquanto os países do sul da Europa (principalmente a Itália) exploram os países latino-americanos contratando seus maiores talentos e “naturalizando-os” como oriundi.8

O crescimento desmesurado do futebol se deve, principalmente, às indústrias, pois, com intuito da promoção do lazer (por vezes até mesmo para competições regionais), criavam times para os funcionários. Nessa conjuntura, nasceu a figura do “jogador-operário”, pois como não havia jogadores suficientes nos seios das elites, era necessária a complementação com os operários das indústrias e fábricas. Com isto, abriu-se aos “jogadores-operários” a possibilidade de uma segunda renda, através do futebol, e de uma relativa ascensão social.9

Desse modo, conforme a classe operária foi integrando os times de futebol da época, passou a receber a contraprestação pelo trabalho exercido.

Os historiadores entendem que a partir desse momento, com o recebimento de contraprestação ao trabalho prestado ao representarem os clubes dentro dos gramados, tem-se início o fim do amadorismo na atividade desportiva do futebol brasileiro.

No mesmo sentido, assevera o escritor Luiz Henrique de Toledo:

O amadorismo, regime vigente no futebol brasileiro por um período de aproximadamente trinta anos, teve o seu ocaso em 1933. Era denominado de amador, pois, entre outras características fundamentais, proibia, através dos estatutos das primeiras associações e federações, que os jogadores recebessem qualquer tipo de remuneração para jogar. Emprestava-se ao jogo um significado pretensamente educativo. Porém, frequentemente burlavam-se tais restrições, decorrendo desse fato, inclusive, o aparecimento de ganhos extras,

8 GIULIANOTTI, Richard. Sociologia do Futebol - dimensões históricas e socioculturais do esporte das multidões.

Tradução de Wanda Nogueira Caldeira Brant e Marcelo de Oliveira Nunes. São Paulo: Nova Alexandria, 2002. p. 213.

(22)

tais como as recompensas popularmente conhecidas como “bichos”. Para alguns, o futebol já deixava entrever uma via de acesso para a ascensão social.10

A remuneração realizada à classe trabalhadora pela prática desportiva do futebol era motivo de críticas por parte da elite da sociedade, pois seus membros entendiam a contraprestação – e, com isso, o fim do amadorismo – como um ato incompatível com os ideais de cavalheirismo, moralidade e solidariedade. O discurso da alta sociedade, na realidade, não passava de um preconceito velado contra a classe baixa e contra os negros, como bem elucida Jorge Miguel Acosta Soares:

O discurso fundava-se nos ideais olímpicos, surgidos na Inglaterra na segunda metade do século XIX, imbuídos da moral vigente durante o período vitoriano. O cavalheirismo, a solidariedade e o respeito mútuo eram, segundo eles, princípios presentes no amadorismo esportivo, que deixavam de existir com a remuneração do atleta, qualquer que fosse ela.

O discurso subjacente era outro; escondidos estavam o preconceito e a aversão às camadas populares. Significativamente, esse período de semi-amadorismo ficou registrado na história do futebol com vários nomes, todos eles pejorativos: “falso amadorismo”, “amadorismo marrom”, “profissionalismo marrom”, “velhacarias do nosso futebol”, “amadorismo de tapeação”, etc.11

Com a afirmação do status global do futebol no período moderno, evidencia-se outro fator substancial à profissionalização do futebol no Brasil, que concerne ao êxodo de craques nacionais para o continente europeu, sem qualquer retorno financeiro para os clubes brasileiros, como descreve o escritor Mário Filho:

A onda do profissionalismo veio se alastrando, aproximando-se do Rio, de São Paulo. Os jornais, todos os dias, traziam uma notícia: tal clube italiano pretendia tal jogador brasileiro. [...] Mesmo os jogadores que não tinham nome italiano, mesmo os jogadores que não eram brancos, mesmo os jogadores mulatos e pretos, como Jaguaré e Fausto, podiam ir embora. Qualquer jogador, branco, mulato ou preto podia ir embora. Bastava jogar bem futebol [...].12

Em resumo, o profissionalismo foi a resposta encontrada para solucionar a crise do futebol nacional nos anos 20, em razão do êxodo dos grandes jogadores para o exterior. Desse modo, a estrutura corrente que transitava entre o amadorismo e o preâmbulo de profissionalismo deu lugar a outra, baseada no pleno profissionalismo dos jogadores13.

10 TOLEDO, Luiz Henrique de. No país do futebol. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000. p. 10.

11 SOARES, Jorge Miguel Acosta. Direito de Imagem e Direito de Arena no Contrato de Trabalho do Atleta Profissional.

São Paulo: LTr, 2008. p. 27.

12 FILHO, Mário. O negro no futebol brasileiro. 4.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1994. p. 182-183.

(23)

Cabe mencionar, como acontecimento importante na transição do período tradicional para o moderno, que se inicia, em meados de 1920 no futebol, a realização da primeira Copa do Mundo de Futebol, no Uruguai, em 1930.

Em seguida, nas décadas de 1940 e 1950, por motivo, em especial, da coletivização das táticas do futebol dentro de campo e com a adoção de novas técnicas, aperfeiçoando sua prática, ocorreu a aceleração da massificação do futebol no Brasil, como revela o jornalista Luiz Henrique de Toledo:

Enfim, os anos 40 e 50 demarcam, no plano da sociabilidade esportiva, uma maior aceitação dos torcedores, sobretudo no que diz respeito às formas “teatralizadas” de torcer: táticas performáticas que os elevaram à condição de protagonistas de um futebol mais organizado pela difusão das formas de jogo e esquemas táticos que rapidamente se legitimavam entre os técnicos. [...] Um espírito coletivizador parecia coadunar o futebol jogado dentro e fora de campo.

Vale lembrar que o ano de 1941 inaugura a trajetória da técnica coletiva no Brasil, com a introdução da chamada diagonal, uma derivação do WM europeu, adaptada pelo então técnico da seleção brasileira Flávio Costa.14

O fim do período Moderno no futebol tem início em meados dos anos 60 e consolida-se na década de 80. O mercado já é parte imanente ao futebol profissional e a cultura de consumo e a cultura jovem influenciam cada vez mais os aspectos gerais do jogo.15

Neste estágio dá-se início aos conhecidos jogadores “estrelas”, os “popstars da bola”, e por conseguinte, ao período de alta remuneração e a prática cada vez mais acentuada de atividade econômica no âmbito do desporto profissional:

Jogadores se tornam “celebridades” e “superastros”; financeiramente, eles se tornam mais seguros conforme sua emancipação na Europa aumenta gradualmente. Os clubes e os torneios de futebol visam mais e mais à mercantilização.16

A partir dos anos 1980, o mercado passa a exercer cada vez mais influência na prática do futebol profissional, em que a mercantilização do esporte e a midiatização do espetáculo da bola tornam-se notórios. O futebol é tratado como um produto a ser vendido de muitas maneiras, que aliado à evolução dos meios de comunicação e à globalização mundial, converge na

14 TOLEDO, Luiz Henrique de. No país do futebol. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000. p. 58.

15 GIULIANOTTI, Richard. Sociologia do Futebol - dimensões históricas e socioculturais do esporte das multidões

Tradução de Wanda Nogueira Caldeira Brant e Marcelo de Oliveira Nunes. São Paulo: Nova Alexandria, 2002. p. 214.

(24)

inevitável mudança de paradigma do esporte mais famoso do mundo, iniciando o período Pós-moderno do futebol. Nas palavras do sociólogo Richard Giulianotti:

A época “pós-moderna” do futebol reflete maior hegemonia da classe média sobre a sua cultura; uma crescente mercantilização de suas atividades culturais; e a conseqüente influência das redes de televisão no controle dos clubes, na organização de torneios e no financiamento do esporte. O futebol entra definitivamente na moda. No Ocidente, ele simboliza uma modernidade avançada e uma entrada para a cultura européia; [...] Rendas televisivas e capitalização de mercado multiplicam os lucros das principais equipes. Na América Latina, os clubes também se tornam empresas privadas a ser compradas e vendidas pelos patrocinadores.17

Em relação ao Brasil, o período pós-moderno do futebol, que vige até hoje, tem início após o fim do regime ditatorial em 1985. Atrasado se comparado ao futebol europeu, por outro lado, o referido estágio não ocorreu de modo diferente em solo canarinho, pois se caracteriza, pelo aumento significativo das operações financeiras dos clubes, dos contratos milionários com atletas e patrocinadores, da forte publicidade e midiatização empregue no desporto, isto é, o futebol tornou-se uma verdadeira atividade comercial.

Nota-se, portanto, na atual conjuntura do futebol brasileiro, um contraste entre a profissionalização das diferentes camadas que compõem o sistema do desporto profissional e entendem o esporte como negócio e o amadorismo que, de modo geral, é regra na gestão destas entidades desportivas. Essa discrepância entre a moderna realidade do futebol como produto e a ultrapassada forma de gestão dos clubes configuram em um verdadeiro obstáculo ao pleno desenvolvimento econômico das entidades de prática desportiva.

2.2 A EVOLUÇÃO DA LEGISLAÇÃO DESPORTIVA NO BRASIL

Ao assumir a presidência em 1930, o presidente Getúlio Vargas apresentou um projeto intitulado “Programa da Reconstrução Nacional”, que, dentre outros objetivos, buscou extinguir o amadorismo no esporte nacional, em especial no futebol. Segundo Waldenyr Caldas, o item 15 do Programa teve relevante importância para a regulamentação e profissionalização do futebol no ano de 1933, pois buscava impedir que os cartolas continuassem a praticar o amadorismo dentro dos clubes de futebol.18

17 GIULIANOTTI, Richard. Sociologia do Futebol - dimensões históricas e socioculturais do esporte das multidões

Tradução de Wanda Nogueira Caldeira Brant e Marcelo de Oliveira Nunes. São Paulo: Nova Alexandria, 2002, p. 215.

18 CALDAS, Waldenyr. “Aspectos sociopolíticos do futebol brasileiro”. Revista USP, São Paulo, nº. 22, jun.-ago. de 1994.

(25)

A situação do “amadorismo marrom”19, configurada pelo pagamento informal dos

clubes aos jogadores para que se dedicassem ao futebol, era considerada impraticável e gerava muitas discussões entre os prós e os contras do profissionalismo da modalidade. O crescimento da imprensa à época aliado ao grande êxodo dos melhores jogadores para a Europa impulsionou a profissionalização do futebol.

Dessarte, desde a profissionalização do futebol no Brasil, tem-se a necessidade de uma legislação que trate da matéria de forma adequada, considerando-se as especificidades das relações jurídicas que a atividade desportiva profissional proporciona. Assim sendo, breves apontamentos acerca das principais normas que regeram e ainda regem o desporto no país tornam-se adequados para melhor compreensão da realidade as quais as entidades desportivas de prática profissional estão alocadas.

2.2.1 O período do Estado Novo e o intervencionismo estatal

A norma pioneira na regulamentação do desporto nacional foi o Decreto-Lei nº. 3.199, de 14 de abril de 1941, que estabeleceu normas gerais de organização da prática esportiva em todo o país.

João Lyra Filho, sobre a respectiva normativa, afirma que “a legislação federal do desporto visou à disciplina das atividades correspondentes, sobretudo do desporto profissionalizado, e a sistematização e intensificação dos auxílios dos poderes públicos às entidades desportivas”20.

O Decreto-Lei, em seu artigo 1º, instituiu – sob a tutela do Ministério da Educação e Saúde – o Conselho Nacional de Desportos (CND), destinado a orientar, fiscalizar e incentivar a prática dos desportos em todo o país21 e a Confederação Brasileira de Desportos (CBD),

competente a dirigir, dentre outros esportes, o “foot-ball”.22

Ademais, competia, ao CND, desenvolver medidas que assegurassem uma adequada disciplina à organização e administração das entidades desportivas do país, bem como, incentivos, por todos os meios, ao desenvolvimento do amadorismo como prática esportiva

19 SOARES, Jorge Miguel Acosta. Direito de Imagem e Direito de Arena no Contrato de Trabalho do Atleta Profissional.

São Paulo: LTr, 2008. p. 27.

20 LYRA FILHO, João. Introdução ao Direito Desportivo. 1.ed. Rio de Janeiro: Pongetti, 1952. p. 30.

21 DECRETO-LEI nº. 3.199, de 14 de abr. de 1941. Estabelece as bases de organização dos desportos em todo o Brasil. Art.1º.

(26)

educativa por excelência e, ao mesmo tempo, exercer rigorosa vigilância sob o profissionalismo com o objetivo de mantê-lo dentro de princípios de estrita moralidade.23

Importa relembrar, que o regime do Estado Novo, governado por Getúlio Vargas, era caracterizado pela centralização do poder e forte intervenção do Estado nas relações privadas, pelo que não se excetuava o esporte. Assim sendo, o CND teve relação direta com o Estado, vez que ligado ao Ministério da Educação e Saúde.

Como ensina João Lyra Filho, o CND “é, sim, um traço de união entre a ordem pública, relativa ao desporto, e a ordem das atividades privadas do mesmo desporto”24.

O Decreto-Lei nº 3.199/1941 dispôs às confederações condição de entidades máximas de direção dos desportos nacionais, submetidas, todavia, a “alta superintendência do CND”25.

Da mesma forma, a norma instituiu às federações, estas filiadas às confederações, como órgãos de direção em cada unidade territorial do País26, limitando a filiação a uma única entidade para cada desporto27. Por sua vez, em caráter facultativo, a legislação permitiu a criação de ligas desportivas, entidades de direção do desporto no âmbito municipal, vinculadas às federações28.

Deste modo, a organização desportiva nacional pode ser entendida nos dizeres de João Lyra Filho:

As confederações desportivas têm jurisdição igual à extensão do território nacional; são como nações desportivas, constituídas dentro da própria União. As federações equivalem a províncias, ou aos Estados Autônomos que a União compreende. As ligas são os municípios desportivos. As associações ou clubes são os distritos municipais, senão as células originárias do próprio desporto.29

O referido Decreto-Lei, como já mencionado, de caráter intervencionista, teve ingerência, até mesmo, na estrutura de organização e gestão das entidades de prática desportiva, que deveriam adotar tão somente a forma de associação civil, sem fins lucrativos.

A redação disposta ao art. 48 do Decreto-Lei n.º 3.199, proibiu “a organização e funcionamento de entidade desportiva, de que resulte lucro para os que nela empreguem capitais sob qualquer forma”, pois estas possuíam um caráter patriótico30. Nessa esteira, o art. 50 assim

deliberava: “as funções de direção das entidades desportivas não poderão ser, de nenhum modo,

23 DECRETO-LEI nº. 3.199, de 14 de abr. de 1941. Estabelece as bases de organização dos desportos em todo o Brasil. art. 3º.

24 LYRA FILHO, João. Introdução ao Direito Desportivo. 1.ed. Rio de Janeiro: Pongetti, 1952. p. 242.

25 DECRETO-LEI nº. 3.199, de 14 de abr. de 1941. Op. Cit., art. 12.

26 Ibid., art. 18. 27 Ibid., art. 20. 28 Ibid., art. 24.

29 LYRA FILHO, João. Op. cit., p. 269-270.

(27)

remuneradas”31, corroborando ao entendimento da intervenção Estatal no âmbito das relações

privadas presente no período.

Dois anos após, em 1943, o Decreto-Lei nº 5.342 tratou de estabelecer normas de transferência de atletas profissionais de uma para outra entidade desportiva, determinando as indenizações ou restituições devidas. Além disso, decretou a obrigatoriedade de registro dos contratos no CND.

Outro ponto importante disposto na respectiva legislação, foi a proibição do exercício de intermediários em transferências de atletas profissionais: “Art. 11. A atividade dos intermediários na obtenção de atletas profissionais é considerada ocupação ilícita e punida nos termos do art. 59, do decreto-lei n. 3.688, de 3 de outubro de 1941 [Lei das Contravenções Penais]”32.

Em 1945, o Decreto-Lei nº. 7.674, regulamentou a administração das entidades desportivas, principalmente sob o viés financeiro, assim como estabeleceu medidas de proteção financeira aos esportes.

Em seu artigo 1º, a norma criou uma nova figura na organização interna das entidades desportivas, o Conselho Fiscal, que será “instituído pela respectiva assembleia geral, ou conselho deliberativo, na forma dos respectivos estatutos” e “com a finalidade de acompanhar a gestão do órgão administrativo”33.

O Decreto nº 53.820, de 24 de março de 1964, dispôs, pela primeira vez, da profissão atleta de futebol34. Em se tratando da cessão de um atleta profissional de futebol, a norma decreta pela prévia e expressa aquiescência do atleta, sob pena de nulidade (art. 1º), bem como introduziu a figura do “passe” – ou seja, uma indenização –, facultada a sua exigência da entidade desportiva cessionária pela cedente (art. 2º). O atleta teria direito a 15% (quinze por cento) sobre o “passe” (§ 2º, do art. 2º).

31 DECRETO-LEI nº. 3.199, de 14 de abr. de 1941. Estabelece as bases de organização dos desportos em todo o Brasil. art. 50.

32 DECRETO-LEI nº. 5.342, de 25 de mar. de 1943. Dispõe sobre a competência do Conselho Nacional de Desportos e a

disciplina das atividades desportivas, e dá outras providências. Art. 11.

33 DECRETO-LEI nº. 7.674, de 25 de jun. de 1945. Dispôs sobre a administração das entidades desportivas, especialmente sob

o ponto de vista financeiro, e estabelece medidas de proteção financeira aos desportos. Art.1.

34 DECRETO nº. 53.820, de 24 de mar. de 1964. Dispõe sobre a profissão de atleta de futebol, disciplina sua participação nas

(28)

Até a implementação do referido Decreto a relação entre o atleta profissional e a entidade desportiva era disciplinada somente pela Consolidação das Leis do Trabalho, de 1943. Desta forma, destacam-se algumas alterações e disposições trazidas no Decreto 53.820 que foram importantes para resguardar a profissão do jogador de futebol, como por exemplo: a obrigatoriedade da assistência médico-hospitalar ao atleta (art. 3º), a proibição ao atleta profissional de participar de partidas esportivas com intervalos inferiores a 60 (sessenta) horas (art. 4º), assim como a determinação de um recesso obrigatório, pelo período compreendido entre 18 de dezembro e 7 de janeiro (art. 6º).

2.2.2 Período militar e a reafirmação da ingerência estatal

Com a missão de modernizar a legislação desportiva brasileira, no ano de 1975, promulgada pelo General Ernesto Geisel, foi criada a Lei nº 6.251 – sendo regulamentada pelo Decreto nº 80.228, em 1977 –, que revogava o Decreto-Lei de 1941 e instituía novas providências para o desporto no País. Na realidade, todavia, o que aconteceu foi a manutenção da estrutura centralizadora e intervencionista, já estabelecida pelo Decreto-Lei revogado, mantendo o forte controle Estatal sobre as entidades desportivas.

A respeito da referida Lei, Álvaro Melo Filho assevera que se tratou de uma norma “autoritária, discriminadora, controladora, restritiva, elitizante e protetora de interesses pessoais e de grupos”35.

A principal inovação recai na criação do Sistema Desportivo Nacional, “integrado por órgãos públicos e entidades privadas que dirigem, orientam, supervisionam, coordenam, controlam ou proporcionam a prática do desporto no País”36. Além disso, a citada lei manteve as atribuições do Conselho Nacional de Desportos, como órgão normativo e disciplinador do Desporto Nacional37.

Para Álvaro Melo Filho:

[...] a Lei nº. 6.251 condensava no CND funções legislativas, executivas e judicantes, tornando-o o órgão que fazia a norma, exercia atos de fiscalização e controle, e julgava matérias desportivas, reunindo em um só órgão todas as funções entregues na República Federativa do Brasil a três poderes distintos e inconfundíveis.38

35 MELO FILHO, Álvaro. Nova lei do desporto comentada. 1.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994. p. 227.

36 LEI nº. 6.251, de 08 de out. de 1978. Institui normas gerais sobre desportos, e dá outras providências. Art. 9.

37 DECRETO nº. 80.228, de 25 de ago. de 1977. Regulamenta a Lei nº. 6.251, de 08.10.1975, que institui normas gerais sobre

desportos e dá outras providências. Art. 157

(29)

Cabe mencionar, como inovação do diploma legal, a possibilidade a veiculação de propaganda e publicidade nos equipamentos e uniformes dos atletas, consoante art. 183 da referida legislação:

Art. 183 - Nas competições do desporto profissional será permitida a propaganda e a publicidade nos equipamentos e uniformes dos atletas, na forma a ser estabelecida pelo Conselho Nacional de Desportos, observadas a legislação e as normas desportivas internacionais.39

No mais, mantiveram-se sem alteração os dispositivos estabelecidos anteriormente, que tratavam da proibição da atividade de intermediário, com fins lucrativos, na obtenção de atletas profissionais40, bem como a vedação ao funcionamento de entidades desportivas que

resulte lucro para quem nela aplicasse capitais de qualquer forma41. Não bastasse, ainda se

proibia remuneração aos diretores das entidades desportivas pela função42.

As subsistências das respectivas normas serviam tão somente para o incentivo a uma administração amadora e o afastamento dos investidores do futebol profissional. Nessa senda, assinala Álvaro Melo Filho:

[A Lei nº. 6.251, de 1975] veda a organização e o funcionamento de entidades desportivas de que resulte lucro para os que nela apliquem capital e proíbe a remuneração a diretores de entidades desportivas, reforçando a presença de conhecidos “cartolas” na administração dos clubes, que, ao invés de servir, servem-se política e/ou economicamente dos clubes43.

No mais, o ato legal em questão, pela primeira vez previu a criação do Conselho Deliberativo, como órgão interno soberano na administração das associações desportivas e meio pelo qual os sócios se manifestariam coletivamente44.

No ano de 1976, a Lei nº 6.354, abrangeu, com maiores detalhes, a relação de trabalho entre os atletas de futebol e a associação desportiva. Cuidou de estabelecer os conceitos de empregador (art. 1º) e empregado (art. 2º) relacionados ao futebol e a definição da figura do “passe” (art. 11). A citada lei determinou o afastamento da associação desportiva, de qualquer

39 DECRETO nº. 80.228, de 25 de ago. de 1977. Regulamenta a Lei nº. 6.251, de 08.10.1975, que institui normas gerais sobre

desportos e dá outras providências. Art. 183.

40 Ibid., art. 74. 41 Ibid., art. 187. 42 Ibid., art. 188.

43 MELO FILHO, Álvaro. Nova lei do desporto comentada. 1.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994. p. 229

(30)

competição, “que estiver com o pagamento de salários dos atletas em atraso, por período superior a 3 (três) meses”45, fato esse curioso, em vista da não aplicabilidade do dispositivo.

Adiante, com a grave crise financeira e gerencial que se encontrava o futebol ao fim da década de 1970, buscou-se a descentralização do comando do esporte do Brasil e, em 1979, aconteceu o desmembramento da CBD em confederações por modalidade, criando-se, assim, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), dentre outras46.

2.2.3 Constitucionalização do Desporto

Diante da nova realidade em que o futebol se encontrava nas décadas de 1980 e 1990, principalmente pela prática de novas modalidades de negócios, baseados em estratégias modernas de publicidade e vendas, o futebol brasileiro tornou-se atraente tanto para investimentos quanto para torcedores. Nesse cenário, era evidente que o futebol – e os esportes em geral – necessitavam de uma regulamentação mais adequada, diversa daquela editada na década de 1970 e pautada na centralização e na intervenção Estatal nas atividades privadas.

[A] agregação dessa mentalidade mais profissional à organização do futebol teria que superar obstáculos importantes no País. Em primeiro lugar, o futebol brasileiro continuava a ser comandado por dirigentes com mentalidade amadora, que privilegiavam os interesses pessoais e de apaniguados na condução dos destinos do esporte. Em segundo lugar, a legislação que regulava o setor, editada na década de 70, e, portanto, fundada em conceitos de intervenção do Estado na economia e nas atividades sociais, mostrava-se inadequada para recepcionar essa nova mentalidade comercial que começava a se agregar à gestão do futebol, mundialmente. Tornou-se evidente, por isso mesmo, a indispensabilidade de uma completa revisão da estrutura legal que normatizava não apenas o futebol, mas o desporto, como um todo. 47.

Em 1985, com o fim da Ditadura Militar e a chegada do período da Nova República, deu-se o primeiro passo na busca pela modernização do processo esportivo nacional com o Decreto nº. 91.452, de 19 de julho de 1985, que, por iniciativa do MEC, instalou uma Comissão de Reformulação do Esporte Brasileiro, com o escopo de propor novos caminhos para o desporto nacional. Nas palavras de Manoel José Gomes Tubino, então presidente do Conselho Nacional de Desportos e responsável pelas atividades da Comissão:

45 LEI nº. 6.354, de 02 de set. de 1976. Dispõe sobre as relações de trabalho do atleta profissional de futebol e dá outras

providências. Art. 30.

46 SENADO FEDERAL. Comissão Parlamentar de Inquérito. Relatório n. 1, de 2001 da Comissão Parlamentar de

Inquérito criada pelo Requerimento n. 497, de 2000, destinada a investigar fatos envolvendo associações brasileiras de futebol. Brasília-DF, 20.12.2001. p. 61.

(31)

Nessa Comissão, propomos 80 indicações de mudança. As nove primeiras objetivavam renovar o próprio conceito de esporte no país, atualizando-o com o contexto internacional. A Constituição de 1988, no seu artigo 217, pode-se afirmar, foi a resultante das indicações dessa Comissão. A seguir, a Constituição Federal de 1988 influiu diretamente na Lei nº 8.672 de 06/07/1993, chamada Lei Zico, que, por sua vez, foi referência direta nas Leis nº 9.615 de 24/03/1998, conhecida como Lei Pelé48

Assim, pela primeira vez na história, a matéria desportiva é disciplinada pela Carta Magna do País, estabelecendo o desporto como dever do Estado e direito sócio–fundamental individual. A demorada, porém, necessária constitucionalização do desporto pelo Brasil, fora antecedida por outras constituições modernas, como por exemplo: a) Constituição da República Portuguesa de 1976, em seu artigo 79; b) A Constituição da Grécia de 1975, em seu artigo 16; A Constituição do Uruguai de 1967, em seu artigo 71; A Constituição da Espanha de 1978, em seus artigos 43 e 148.

Sobre a disposição de uma seção específica sobre desporto na Lei Maior do País, ensina o professor Álvaro Melo Filho:

Por se tratar de uma atividade que envolve a todos, direta ou indiretamente, como realização individual e/ou coletiva, era irreversível a necessidade de outorga do “status” constitucional ao desporto. Mas, por inexplicável preconceito, foi o desporto criminosamente omitido e marginalizado de todas as anteriores Constituições brasileiras, olvidando-se a expressiva opinião de CAGICAL de que, embora não se viva numa sociedade desportiva, pode-se afirmar que há hoje uma sociedade desportivizada. Outrossim, esta concretização constitucional das linhas-mestras do desporto não apenas resgata parte de dívida sócioeducativo-cultural que se vem acumulando, mas igualmente favorece o surgimento de uma nova sociedade reclamada por todos, constituída de indivíduos participantes, independentes e democráticos.49

Diante do novo perfil liberal posto pelo diploma constitucional, era cristalina a revogação da antiga normativa nacional dos desportos e, portanto, rompendo-se com a tutela estatal de políticas paternalistas até então vigente, formalizada desde 1941 com o Decreto Lei nº 3.199. Deste modo, a Lei nº. 6.215, de 1975 e o Decreto nº. 80.228, de 1977, tornaram-se instrumentos legais ultrapassados e ineficazes. Para Antônio Carlos Azambuja, as referidas normas deveriam ser revogadas:

48 TUBINO, Manoel José Gomes. Estudos brasileiros sobre o esporte: ênfase no esporte-educação. Maringá: Eduem, 2010.

pg. 37-38.

(32)

porque infringentes da autonomia desportiva (art. 217, I) inexistindo razões jurídicas para se reconhecer sobrevida a um regramento intervencionista e de inspiração autoritária, disciplinador e controlador, o qual se converteu, ao longo do tempo, em obstáculo às mudanças sócio-desportivas de há muito reclamadas pelo mundo pertinente.50

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 tratou, de maneira inovadora, a prática desportiva como direito de cada um e ampliou o entendimento do fenômeno esportivo para atividades formais e não-formais.

Em relação às entidades desportivas, cabe reiterar, a interferência do Estado na organização dos Desportos restou atenuada, vez que o diploma constitucional expressamente garantiu a autonomia de organização e funcionamento às entidades desportivas. No mais, a lei constitucional também tratou da destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento; da necessidade de diferenciar o desporto profissional do amador; a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional; do reconhecimento do lazer como forma de promoção social e, ainda, da consolidação da justiça desportiva como meio ideal e prioritário de solução de conflitos na esfera desportiva, consoante enunciado do art. 217 da Lei Maior do País:

Art. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados:

I - a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento;

II - a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento; III - o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não- profissional;

IV - a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional. § 1º O Poder Judiciário só admitirá ações relativas à disciplina e às competições desportivas após esgotarem-se as instâncias da justiça desportiva, regulada em lei.

§ 2º A justiça desportiva terá o prazo máximo de sessenta dias, contados da instauração do processo, para proferir decisão final.

§ 3º O Poder Público incentivará o lazer, como forma de promoção social.51

A manifestação desses princípios e conceitos trazidos pela Carta Magna, em seu artigo 217, para a esfera infraconstitucional, procedeu na elaboração, em 1993, da Lei nº. 8.672, também chamada de “Lei Zico”, em referência ao ex-jogador, então Secretário de Esportes do Governo Federal, iniciando, assim, o processo de reestruturação do sistema desportivo nacional.

50 AZAMBUJA, Antônio Carlos de. Clube-Empresa: Preconceitos, conceitos e preceitos (o 1001º gol). Porto Alegre: Sergio

Antônio Fabris. 2002. p. 174.

(33)

2.2.4 Lei 8.672, de 1993 – “Lei Zico”

A Lei Zico, Lei nº 8.672, de 6 de julho de 1993, pautando-se na noção básica do princípio da autonomia, cumpria a reestruturação do sistema desportivo brasileiro, iniciada na década de 1980, em harmonia com o art. 217 da Constituição Federal de 1988. Nos ensinamentos de Manoel José Tubino, a Lei Zico “teve o mérito de constituir-se, pela primeira vez no Brasil, numa referência conceitual e principiológica”52.

Nesse sentido, a referida norma prevê como base, em seu art. 2º, inciso II, em consonância com o texto constitucional, o princípio da autonomia, “definido pela faculdade de pessoas físicas e jurídicas organizarem-se para a prática desportiva como sujeitos nas decisões que as afetam”53.

Em relação às entidades de prática desportiva, a Lei Zico as conceitua como “pessoas jurídicas de direito privado, com ou sem fins lucrativos, constituídas na forma da lei, mediante o exercício do direito de livre associação”, conforme art. 10 da norma citada. Divergindo, assim, da noção anteriormente vigente, das entidades desportivas se constituírem necessariamente em associações, sem finalidade econômica ou distribuição de lucros.

Desse modo, em seu art. 11, a lei estabelece a facultatividade de conversão das entidades desportivas em estruturas comerciais:

Art. 11. É facultado às entidades de prática e às entidades federais de administração de modalidade profissional, manter a gestão de suas atividades sob a responsabilidade de sociedade com fins lucrativos, desde que adotada uma das seguintes formas:

I - transformar-se em sociedade comercial com finalidade desportiva;

II - constituir sociedade comercial com finalidade desportiva, controlando a maioria de seu capital com direito a voto;

III - contratar sociedade comercial para gerir suas atividades desportivas. Parágrafo único. As entidades a que se refere este artigo não poderão utilizar seus bens patrimoniais, desportivos ou sociais para integralizar sua parcela de capital ou oferecê-los como garantia, salvo com a concordância da maioria absoluta na assembléia geral dos associados e na conformidade dos respectivos estatutos.

52 TUBINO, Manoel José Gomes. Estudos brasileiros sobre o esporte: ênfase no esporte-educação. Maringá: Eduem, 2010.

pg. 37-38.

(34)

A possibilidade aos clubes de se organizarem em formas distintas da estrutura jurídica associativa, sem fins lucrativos, acontece pela primeira vez na história da legislação desportiva brasileira, garantindo, desse modo, o tratamento diferenciado ao desporto profissional, em conformidade com a Carta Magna.

Por conseguinte, deu-se início aos escritos doutrinários sobre o processo de adoção pelas entidades de prática desportiva ao regime empresarial, também conhecido como Clube-Empresa. Assim informa Álvaro Melo Filho:

Faculta, no âmbito do desporto profissional, que o clube transforme-se, constitua ou contrate sociedade comercial, com fins lucrativos, para gestão de suas atividades, estimulando, assim, a criação do chamado clube-empresa e estruturação do desporto profissional em bases empresariais54

Ademais, pautada na modernização da atividade econômica pelos clubes, afastando-se da interferência estatal e aproximando-afastando-se da iniciativa privada, a Lei Zico estabeleceu novas formas de arrecadação pelas entidades desportivas, como o direito de transmissão – renda proveniente de permissão de veiculação de imagens dos espetáculos esportivos pelas redes de televisão –55, bem como a exploração comercial da marca – permitindo o uso comercial de sua

denominação e de seus símbolos, determinados como propriedades exclusivas das entidades56.

Por fim, como indicação da diminuição da interferência do poder público no âmbito das entidades desportivas, na formalização da Lei Zico, coube modificada a estrutura institucional do esporte no país, decretando, pois, a extinção do CND57. No mais, foi regulamentada a Justiça Desportiva, com seus procedimentos e garantias, nos termos do art. 217, §§ 1º e 2º, da Constituição Federal de 1988.

A Lei nº. 8.672, de 1993 teve, contudo, uma existência muito breve, vez que pouco tempo depois veio a ser revogada pela Lei nº. 9.615, de 24.03.1998, conhecida como “Lei Pelé”. 2.2.5 A Lei Pelé (Lei nº. 9.615, de 1998) e suas revisões

A denominada “Lei Pelé”, Lei nº. 9.615, de 24 de março de 1998, refere-se ao diploma legal, que, atualmente, guarnece as atividades desportivas no Brasil. Apesar de ter revogado

54 MELO FILHO, Álvaro. Nova lei do desporto comentada. 1 ed. Rio de Janeiro: Forense,1994. p. 229.

55 LEI nº. 8.672, de 06 de jun. de 1993. Institui normas gerais sobre o desporto e dá outras providências. Art. 24. 56 Ibid., art. 55.

(35)

completamente a legislação anterior (Lei Zico), houve uma absorção de grande parte do seu conteúdo, principalmente conceitos e princípios.

É evidente que a Lei 9.615/1998 (Lei Pelé) não poderia ser uma mudança radical da Lei 8.672/1993, pois ambas fazem parte do mesmo processo de transformação iniciado em 1985 e que ganhou força com a Constituição Federal de 1988. Desse modo, uma grande parte da Lei Zico, foi repetida na Lei Pelé, principalmente na parte inicial, que tratou dos conceitos, princípios e definições de referência.58

Ademais, a referida Lei teve como escopo, desde a sua formação, a proposta de “adequar a legislação pátria à atividade de natureza evidentemente comercial exercida pelas entidades de prática desportiva, de modo a profissionalizar as relações decorrentes dessa atividade comercial”, assim como “inserir a iniciativa privada no contexto mais amplo do desenvolvimento do desporto"59

Entre as inovações, merecem destaque a extinção do instituto do passe – pois o “referido vínculo desportivo escraviza o atleta e desmoraliza o esporte, não possuindo qualquer amparo jurídica, ético ou moral”60 – e a conversão societária dos clubes de futebol, constante

no enunciado do art. 27 da lei tratada. Esta última, estabeleceu a obrigatoriedade às entidades de prática desportiva em abandonar o modelo associativo, sem fins lucrativos.

A partir daquele momento, a Lei Pelé estabeleceu a obrigatoriedade de adoção de uma das formas jurídicas comerciais elencadas no rol do art. 2761, em detrimento do modelo associativo até então majoritário como estrutura dos clubes de futebol brasileiros. Esta transformação deveria ocorrer dentro do prazo de dois anos, sob pena de não participarem das atividades relacionadas a competições de atletas profissionais.

A medida não teve aceitação nos seios das entidades desportivas, que passaram a exercer pressão política constante no legislador, que com o apoio da doutrina nacional – visto que afeta diretamente preceito constitucional, posto ao art. 27, que prevê a autonomia de

58 AIDAR, Carlos Miguel Castex. Direito Desportivo. Campinas: Editora Jurídica Mizumo, 2000. p. 25.

59 E.M. nº. 22/GMEE, de 15 de set. de 1997. Exposição de Motivos da Lei nº. 9.615/1998. p. 02

60 Ibid., p. 02.

61 “Art. 27. As atividades relacionadas a competições de atletas profissionais são privativas de: I) sociedades de fins lucrativos; II) sociedades comerciais admitidas na legislação em vigor; III) entidades de prática que constituírem sociedades comerciais para administração das atividades de que trata este artigo”. LEI nº. 9.615, de 24 de mar. de 1998. Institui normas gerais sobre

(36)

organização e funcionamento das entidades de prática desportiva – motivaram sucessivas mudanças legislativas em relação à matéria.

Desse modo, no dia 14 de julho de 2000, foi publicada a Lei nº. 9.981, conhecida como Lei Maguito Vilela, que alterou a redação do art. 27, para voltar a ser facultativa a transformação das entidades desportivas em tipos comerciais.

As fortes pressões políticas dos dirigentes (e cartolas) desportivos, que possuem relativa representatividade no Congresso Nacional, culminou na alteração da redação original da Lei Pelé sobre a estrutura jurídica dos clubes de futebol, para manter as entidades como anteriormente organizadas: sob o modelo associativo.

Como novo capítulo do emaranhado legislativo que se tornou a Lei Pelé, no dia 27 de novembro de 2002 foi editada nova norma, a Medida Provisória nº. 79, que foi convertida na Lei nº. 10.762, de 15 de maio de 2003. Este ato normativo traz, expressamente, o reconhecimento do esporte profissional como atividade econômica, pautando a sua exploração e gestão nos princípios, entre outros, da transparência financeira e administrativa e da moralidade, consoante a inclusão do parágrafo único, do art. 2º da Lei Pelé.

Além disso, a Lei nº 10.672 alterou, outra vez, a redação do art. 27 da Lei Pelé, passando o texto legal a prever da seguinte forma, que corresponde à atual redação:

Art. 27. As entidades de prática desportiva participantes de competições profissionais e as entidades de administração de desporto ou ligas em que se organizarem, independentemente da forma jurídica adotada, sujeitam os bens particulares de seus dirigentes ao disposto no art. 50 da Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002, além das sanções e responsabilidades previstas no caput do art. 1.017 da Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002, na hipótese de aplicarem créditos ou bens sociais da entidade desportiva em proveito próprio ou de terceiros

[...]

§ 9º. É facultado às entidades desportivas profissionais constituírem-se regularmente em sociedade empresária, segundo um dos tipos regulados nos arts. 1.039 a 1.092 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil.62

O dispositivo legal, portanto, restabeleceu a facultatividade às entidades de prática desportiva envolvidas em competições de atletas profissionais a transformação em sociedade empresária, sob a forma de um dos seguintes tipos jurídicos, regulados pelo CC: I) Sociedade em nome coletivo; II) sociedade em comandita simples; III) sociedade limitada; IV) sociedade anônima; e V) sociedade em comandita por ações

62

(37)

Ao tempo de sua entrada em vigência, a referida norma tinha como entendimento, em verdade, uma facultatividade relativa, visto que o §11 previa que as entidades desportivas que não se constituíssem em sociedade empresária (mantendo o tipo associativo, portanto) estariam sujeitas ao regime da sociedade em comum, disciplinada nos arts. 986 e seguintes do CC. O que traria como consequência principal a responsabilização solidária e ilimitada de todos os sócios pelas obrigações sociais.63

Na prática, ao equiparar as entidades de práticas desportivas às sociedades em comum, a norma determinaria a responsabilização pessoal dos associados de um clube pelas dívidas contraídas pelo departamento de futebol profissional, ainda que que não tivessem (e não teria na maior parte dos casos) qualquer conexão com a obrigação devida, caracterizando-se, portanto, uma medida inadequada e inconstitucional.

Nesse caminho, a Lei nº. 12.395, de 16 de março de 2011, trouxe uma nova redação ao art. 27, § 11, prevendo, desta forma, a responsabilização solidária e ilimitada dos administradores das entidades desportivas, tão só, ante a prática de atos ilícitos, de gestão temerária ou contrários ao previsto no contrato social ou estatuto64, não mais ocorrendo a sujeição das entidades desportivas ao regime das sociedades irregulares, como anteriormente disposto.

63 “Art. 990. Todos os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais, excluído do benefício de ordem,

previsto no art. 1.024, aquele que contratou pela sociedade”. LEI nº. 10.406, de 10 de jan. de 2002. Institui o Código Civil.

Art. 990.

(38)

3 ESTRUTURAS JURÍDICAS

As inúmeras disposições legislativas acerca da relação entre a prática desportiva e o modelo de organização destas entidades, conforme tratado no item anterior, expressam a importância do tema atualmente. Nesta esteira, segundo Eduardo Carlezzo, adota-se uma nova denominação: Direito Societário Desportivo.65

As entidades de práticas desportivas, quando de sua constituição, eram, de fato, uma reunião de pessoas com um objetivo comum, sem fins lucrativos, adotando como estrutura jurídica o modelo associativo – por vezes denominado de sociedade civil ou sociedade sem fins lucrativos, em vista da não diferenciação de conceitos dados em lei.

Este tipo societário teve imensa aceitação, em razão de sua liberdade de organização e adequada à prática de atividade esportiva amadora e recreativa. Além disso, “a associação trazia algumas vantagens, principalmente sob o ponto de vista tributário, já que grande parte das incidências fiscais deixava de ser exigida”66, frente aos objetivos não lucrativos destas

entidades.

Com efeito, os clubes de prática desportiva intentavam uma organização satisfatória apenas para a prática de futebol naquele cenário, pois ainda que desenvolvido de maneira competitiva, era ligado ao amadorismo.

Com o passar dos anos, todavia, o futebol sofreu profundas transformações, assumindo uma importante relevância econômica e social. Assim sendo, por meio de uma análise das diferentes estruturas jurídicas, associativa e societária, em que os clubes brasileiros de futebol se organizam e podem se organizar – destacando os elementos que define cada modelo de organização –, pode-se questionar a adequação da forma associativa na prática do futebol profissional nos dias de hoje e a consequente transformação ao regime empresarial.

3.1 AS ASSOCIAÇÕES

A reunião de pessoas em razão de interesses comuns, em muitos setores e devido a naturezas diversas, seja econômica, artística, filantrópica etc, ocorre desde tempos longínquos.

65 CARLEZZO, Eduardo. Direito desportivo empresarial. São Paulo – Ed. Juarez de Oliveira, 2004. p. 58.

(39)

No Direito, essa união de pessoas com objetivos comuns e sem fins lucrativos é denominada de associação. Na definição da doutrinadora Maria Helena Diniz:

Tem-se a associação quando não há fim lucrativo ou intenção de dividir o resultado, embora tenha patrimônio, formado por contribuição de seus membros para a obtenção de fins culturais, educacionais, esportivos, religiosos, beneficentes, recreativos, morais etc 67.

Na legislação brasileira, o direito de associação, foi admitido, indiretamente, somente a partir da Constituição da República de 189168. Com a evolução do próprio direito, a reunião

de pessoas fora admitida como personalidade jurídica com a promulgação do Código Civil de 1916 – em que as associações são consideradas como pessoas jurídicas de direito privado, juntamente com as sociedades civis, religiosas, pias, morais, científicas ou literárias, as associações de utilidade pública, as fundações e as sociedades mercantis.69

Importa salientar, à época, existia certa confusão conceitual entre os institutos da associação (sem fins lucrativos) e da sociedade civil (com finalidade econômica), função atribuída à doutrina ao longo de toda a vigência do antigo Código Civil. Nesse sentido, Caio Mário da Silva Pereira esclarece:

O Código Civil de 1916, porém, deixou de se ater à distinção, e, se mais adequado era utilizar-se a designação ‘associações’ para as pessoas jurídicas de fins não lucrativos, nenhuma obrigatoriedade havia neste sentido, admitidas as expressões como sinônimas no mencionado Código.70

Com o advento do Código Civil de 2002, estabeleceu-se com clareza a diferenciação entre associações, fundações e sociedades, estas, pessoas jurídicas de direito privado71. Nessa

esteira, segundo o art. 53, do mesmo diploma, as associações se constituem pela “união de pessoas que se organizam para fins não econômicos”72.

67 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v.1: teoria geral do direito civil. 29 ed. São Paulo: Saraiva, 2012,

p. 275

68 “Art. 72 [...]§ 8º - A todos é lícito associarem-se e reunirem-se livremente e sem armas; não podendo intervir a polícia senão para manter a ordem pública”. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de fev. de 1891.

69 “Art. 16. São pessoas jurídicas de direito privado: I. As sociedades civis, religiosas, pias, morais, científicas ou literárias, as associações de utilidade pública e as fundações. II. As sociedades mercantis”. LEI nº 3.071, de 1º de jan. de 1916. Código

Civil dos Estados Unidos do Brasil.

70 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 24. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 292.

71 LEI nº. 10.406, de 10 de jan. de 2002. Institui o Código Civil. Art. 44 72 Ibid., art. 53

(40)

Desse modo, conclui-se que as associações pressupõem a não divisão de lucro por seus associados, mas sim a coordenação de esforços e a formação de patrimônio para a busca de determinado fim social, podendo ser: artístico, cultural, esportivo, religioso, recreativo etc.

Em verdade, admite-se a realização de negócios e até mesmo a obtenção de lucros pelas associações, entretanto, a proibição consiste justamente na divisão desses lucros entre os associados, devendo, para tanto, reverter em prol da própria entidade para desenvolvimento e manutenção de suas atividades e satisfazer a respectiva finalidade social.

Nos ensinamentos de Maria Helena Diniz:

Não perde a categoria de associação mesmo que realize negócios para manter ou aumentar o seu patrimônio, sem, contudo, proporcionar ganhos aos associados, p.ex., associação esportiva que vende aos seus membros uniformes, alimentos, bolas, raquetes etc., embora isso traga, como conseqüência, lucro para a entidade 73.

Todavia, ainda que o lucro não constitua a principal finalidade da atividade desenvolvida pelos clubes de futebol, mas sim a obtenção de resultados esportivos, circunstância esta que não exclui o cunho comercial que hoje envolve o seu funcionamento.

A contribuição dos associados, ao tempo da constituição das respectivas agremiações, se configurava como a principal fonte de financiamento – Por vezes, por um longo período, a única. A citada forma de arrecadação, na classificação dada por Antônio Carlos Azambuja, corresponde à única fonte de receita de caráter ordinário74 das associações.

Com a rápida popularização do futebol, bem como o início do profissionalismo, a contribuição dos associados tornou-se receita insuficiente à manutenção das atividades das entidades de prática desportiva. Atualmente, “por maior que seja a entidade, [a contribuição dos associados] sequer chegam a servir à cobertura dos gastos com o sustento total dos seus raros departamentos amadores”75 e, consequentemente, muito menos ao custeio do departamento de

futebol profissional. Como ilustração , o custeio somente do departamento de futebol profissional comprometeu, em média, 67%, do total das receitas geradas pelos 25 maiores clubes do futebol brasileiro no ano de 201776. Ao passo que, no mesmo exercício financeiro, as

73 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v.1: teoria geral do direito civil. 29 ed. São Paulo: Saraiva, 2012,

p. 275.

74 AZAMBUJA, Antônio Carlos de. Clube-Empresa: Preconceitos, conceitos e preceitos (o 1001º gol). Porto Alegre: Sergio

Antônio Fabris. 2002. p. 34-35.

75 Ibid., p. 35.

76 BDO RCS Auditores Independentes. Valor da marca dos clubes brasileiros: finanças dos clubes. 11º Edição. 2018.

Disponível em:

Referências

Documentos relacionados

A maioria dos pacientes apresentava traumatismo cranioencefálico grave (Escala de coma glasgow <9) e tomografia de crânio evidenciando tumefação cerebral (brain swelling) ou

Como objetivo central deste artigo pretende-se realizar uma breve análise territorial da cadeia produtiva do arroz ecológico no assentamento Integração Gaúcha, localizado em Eldorado

As entidades de prática desportiva são obrigadas a contratar seguro de vida e de acidentes pessoais, vinculado à atividade desportiva, para os atletas profissionais, com o objetivo

As federações de futebol dos estados sedes (FEDERAÇÃO ALAGONA DE FUTEBOL e FEDERAÇÃO SERGIPANA DE FUTEBOL) colocarão os seus tribunais de justiça desportiva

As federações de futebol dos estados sedes (FEDERAÇÃO ALAGONA DE FUTEBOL e FEDERAÇÃO SERGIPANA DE FUTEBOL) colocarão os seus tribunais de justiça desportiva

• As peças vencedoras do Prêmio Paulista de Excelência em Impressão & Design Luiz Metzler terão direito à inscrição gratuita no Prêmio Brasileiro de Excelência

O documento pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o

FRONTEIRAS CULTURAIS: OS SABERES RECONHECIDOS PELO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO DA UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ- UEPA. 23/11/2017 14H