• Nenhum resultado encontrado

3 ESTRUTURAS JURÍDICAS

3.1 AS ASSOCIAÇÕES

A reunião de pessoas em razão de interesses comuns, em muitos setores e devido a naturezas diversas, seja econômica, artística, filantrópica etc, ocorre desde tempos longínquos.

65 CARLEZZO, Eduardo. Direito desportivo empresarial. São Paulo – Ed. Juarez de Oliveira, 2004. p. 58.

No Direito, essa união de pessoas com objetivos comuns e sem fins lucrativos é denominada de associação. Na definição da doutrinadora Maria Helena Diniz:

Tem-se a associação quando não há fim lucrativo ou intenção de dividir o resultado, embora tenha patrimônio, formado por contribuição de seus membros para a obtenção de fins culturais, educacionais, esportivos, religiosos, beneficentes, recreativos, morais etc 67.

Na legislação brasileira, o direito de associação, foi admitido, indiretamente, somente a partir da Constituição da República de 189168. Com a evolução do próprio direito, a reunião

de pessoas fora admitida como personalidade jurídica com a promulgação do Código Civil de 1916 – em que as associações são consideradas como pessoas jurídicas de direito privado, juntamente com as sociedades civis, religiosas, pias, morais, científicas ou literárias, as associações de utilidade pública, as fundações e as sociedades mercantis.69

Importa salientar, à época, existia certa confusão conceitual entre os institutos da associação (sem fins lucrativos) e da sociedade civil (com finalidade econômica), função atribuída à doutrina ao longo de toda a vigência do antigo Código Civil. Nesse sentido, Caio Mário da Silva Pereira esclarece:

O Código Civil de 1916, porém, deixou de se ater à distinção, e, se mais adequado era utilizar-se a designação ‘associações’ para as pessoas jurídicas de fins não lucrativos, nenhuma obrigatoriedade havia neste sentido, admitidas as expressões como sinônimas no mencionado Código.70

Com o advento do Código Civil de 2002, estabeleceu-se com clareza a diferenciação entre associações, fundações e sociedades, estas, pessoas jurídicas de direito privado71. Nessa

esteira, segundo o art. 53, do mesmo diploma, as associações se constituem pela “união de pessoas que se organizam para fins não econômicos”72.

67 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v.1: teoria geral do direito civil. 29 ed. São Paulo: Saraiva, 2012,

p. 275

68 “Art. 72 [...]§ 8º - A todos é lícito associarem-se e reunirem-se livremente e sem armas; não podendo intervir a polícia senão para manter a ordem pública”. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 24 de fev. de 1891.

69 “Art. 16. São pessoas jurídicas de direito privado: I. As sociedades civis, religiosas, pias, morais, científicas ou literárias, as associações de utilidade pública e as fundações. II. As sociedades mercantis”. LEI nº 3.071, de 1º de jan. de 1916. Código

Civil dos Estados Unidos do Brasil.

70 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 24. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 292.

71 LEI nº. 10.406, de 10 de jan. de 2002. Institui o Código Civil. Art. 44 72 Ibid., art. 53

Desse modo, conclui-se que as associações pressupõem a não divisão de lucro por seus associados, mas sim a coordenação de esforços e a formação de patrimônio para a busca de determinado fim social, podendo ser: artístico, cultural, esportivo, religioso, recreativo etc.

Em verdade, admite-se a realização de negócios e até mesmo a obtenção de lucros pelas associações, entretanto, a proibição consiste justamente na divisão desses lucros entre os associados, devendo, para tanto, reverter em prol da própria entidade para desenvolvimento e manutenção de suas atividades e satisfazer a respectiva finalidade social.

Nos ensinamentos de Maria Helena Diniz:

Não perde a categoria de associação mesmo que realize negócios para manter ou aumentar o seu patrimônio, sem, contudo, proporcionar ganhos aos associados, p.ex., associação esportiva que vende aos seus membros uniformes, alimentos, bolas, raquetes etc., embora isso traga, como conseqüência, lucro para a entidade 73.

Todavia, ainda que o lucro não constitua a principal finalidade da atividade desenvolvida pelos clubes de futebol, mas sim a obtenção de resultados esportivos, circunstância esta que não exclui o cunho comercial que hoje envolve o seu funcionamento.

A contribuição dos associados, ao tempo da constituição das respectivas agremiações, se configurava como a principal fonte de financiamento – Por vezes, por um longo período, a única. A citada forma de arrecadação, na classificação dada por Antônio Carlos Azambuja, corresponde à única fonte de receita de caráter ordinário74 das associações.

Com a rápida popularização do futebol, bem como o início do profissionalismo, a contribuição dos associados tornou-se receita insuficiente à manutenção das atividades das entidades de prática desportiva. Atualmente, “por maior que seja a entidade, [a contribuição dos associados] sequer chegam a servir à cobertura dos gastos com o sustento total dos seus raros departamentos amadores”75 e, consequentemente, muito menos ao custeio do departamento de

futebol profissional. Como ilustração , o custeio somente do departamento de futebol profissional comprometeu, em média, 67%, do total das receitas geradas pelos 25 maiores clubes do futebol brasileiro no ano de 201776. Ao passo que, no mesmo exercício financeiro, as

73 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, v.1: teoria geral do direito civil. 29 ed. São Paulo: Saraiva, 2012,

p. 275.

74 AZAMBUJA, Antônio Carlos de. Clube-Empresa: Preconceitos, conceitos e preceitos (o 1001º gol). Porto Alegre: Sergio

Antônio Fabris. 2002. p. 34-35.

75 Ibid., p. 35.

76 BDO RCS Auditores Independentes. Valor da marca dos clubes brasileiros: finanças dos clubes. 11º Edição. 2018.

Disponível em: <https://www.bdo.com.br/getmedia/bdbe347f-51d1-4e73-b11e-

respectivas entidades obtiveram apenas 10% da receita total gerada relacionada às contribuições sociais77.

Como já mencionado, uma associação poderá ter fins econômicos, desde que o eventual lucro adquirido pela entidade não seja efetivamente rateado entre os seus membros ou componentes e, sim, revertido em favor da associação para o sustento de suas atividades, visando a ampliação patrimonial da pessoa jurídica78

Ademais, esse alargamento patrimonial, no panorama recente, não se verifica com as entidades desportivas voltadas ao desenvolvimento do futebol profissional. Pelo contrário, os grandes montantes de valores captados culminam em uma distribuição pela cadeia produtiva do esporte, contribuindo ao enriquecimento de diversos setores e intermediários do “mercado da bola”, exceto da entidade.

Sob essa perspectiva, Antônio Carlos de Azambuja assevera:

Se é bem verdade, afirmar-se que as associações, por serem civis, mas sobretudo, destituídas de fins lucrativos, não atribuem a seus associados dividendos e bonificações, por outro lado, constitui-se numa falácia alardear- se que elas não distribuem resultados. Com efeito desde o advento do profissionalismo, têm servido como dadivosas contribuintes ao enriquecimento de atletas de todas as qualificações, treinadores, fisicultores, intermediários em geral – em particular de atestados liberatórios – jornalistas, publicitários, comerciantes de imóveis, automóveis e material esportivo, locadores, agentes de viagem, hoteleiros, transportadores, seguradores, gráficos e etc.79

Como corolário, o modelo associativo não mais se compatibiliza com a dinâmica do mercado do futebol, uma vez que se encontra distante da realidade econômica na qual os clubes estão inseridos. Não obstante, a forma em que é organizada atualmente, importa em dilemas na esfera administrativa das entidades desportivas.

Tais sociedades [clubes de futebol], a despeito de lidarem com receitas e despesas significativas, maiores do que as da grande maioria dos municípios brasileiros, têm seus controles financeiros exercitados por organismos eminentemente políticos, quais sejam, pela ordem, os chamados Conselhos

77 BDO RCS Auditores Independentes. Valor da marca dos clubes brasileiros: finanças dos clubes. 11º Edição. 2018.

Disponível em: <https://www.bdo.com.br/getmedia/bdbe347f-51d1-4e73-b11e-

c7afb15b9ee4/11_Valor_das_marcas.pdf.aspx?ext=.pdf&disposition=attachment>. Acesso em: 28 de maio de 2019, p. 19.

78 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 24. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 292.

79 AZAMBUJA, Antônio Carlos de. Clube-Empresa: Preconceitos, conceitos e preceitos (o 1001º gol). Porto Alegre: Sergio

Fiscais e Conselhos Deliberativos, como tal criados pela antiga legislação desportiva brasileira80

Neste ponto, importa a análise das estruturas internas de poder que se estabeleceram nos clubes de futebol brasileiros e comandam o futebol brasileiro até hoje, herdados do modelo associativo de organização e das antigas legislações nacionais.

Em 1997, o Decreto nº. 80.228, de 25 de agosto, forjou a figura do conselho deliberativo no cerne das associações desportivas. O conselho deliberativo tem como principal função a de eleger os administradores e cuidar sobre os bens da associação. Por outro lado, à assembleia geral, restou, exclusivamente, “a função de eleger o conselho deliberativo e de decidir quanto à extinção da entidade ou fusão”, segundo o art. 111 do referido decreto.

Desde a sua criação, os poderes investidos aos conselhos deliberativos aumentaram demasiadamente, ao ponto que, hoje, efetivamente, todo o controle político dos clubes desportivos é exercido pelo órgão.

Em suma, apesar de composto por uma “parcela atrofiada do corpo associativa”, o conselho deliberativo é, de fato, a própria associação, vez que, revestido de tantas prerrogativas, é o mais importante centro de poder no âmbito das entidades. Ademais, a referida estrutura organizacional foi imposta “exclusivamente em decorrência da lei e, por isso mesmo, à revelia da livre disposição da generalidade dos associados81.

Como já mencionado, não existe norma vigente que estabeleça legalmente os conselhos deliberativos nas entidades esportivas, havendo sua consolidação interna tão somente pela força do costume dos estatutos, influenciados pelo antigo ordenamento legal. Por outro lado, não há, atualmente, disposição legal que os impeça de funcionar, uma vez que, nos termos do art. 59 do CC, à Assembleia Geral compete privativamente, apenas, o poder de destituir os administradores e alterar o estatuto da pessoa jurídica.

Ademais, ainda que afastado o aspecto de ilegalidade, cabe ressaltar outro fator negativo do aludido órgão, que consiste na perpetuação dos administradores (ou diretores ou dirigentes) no poder dos clubes de futebol. Isso porque, em razão do ordenamento político-

80 AZAMBUJA, Antônio Carlos de. Clube-Empresa: Preconceitos, conceitos e preceitos (o 1001º gol). Porto Alegre: Sergio

Antônio Fabris. 2002. p. 29.

administrativo aplicado nestas entidades, por vezes, a implementação de uma gestão profissional nos quadros do departamento de futebol queda-se impedido.

Sobre o tema elucida Sílvio de Salvo Venosa:

Ora, partindo dessa premissa, de acordo com o inciso 1, na redação original, somente a assembleia geral, para a qual deviam ser convocados todos os associados com direito a voto, poderia eleger os diretores. Com esse princípio, caía por terra qualquer possibilidade de a eleição desses próceres ser realizada por via indireta. Muitas associações, mormente clubes sociais e esportivos deste país, sempre elegeram os diretores por meio de um Conselho, que recebia variados nomes (conselho deliberativo, eleitoral etc.). Algumas entidades possuem ainda conselheiros vitalícios. Com essa estratégia, muitos diretores e grupos conhecidos eternizaram-se no poder, dominando a associação, sem possibilidade de renovação para novas lideranças. Os exemplos são patentes, principalmente, mas não unicamente, nos clubes de futebol profissional, pois a imprensa sempre os decanta e os deplora.82

Deste modo, ainda que não ocorra qualquer imposição legal de forma diversa, a constituição das entidades de prática desportiva como associações, revela-se, pois, em desarmonia com a realidade a que estão inseridas atualmente, configurando estrutura organizacional com fortes ligações ao amadorismo e limitada, econômica e administrativamente.

Documentos relacionados