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Nos primórdios do futebol no Brasil, as entidades de práticas desportivas, quando de sua constituição, tratavam-se, de fato, de uma reunião de pessoas com um objetivo comum, de natureza ideal e fins não lucrativos, adotando, assim, como tipo jurídico, o modelo associativo. Esta estrutura jurídica teve imensa aceitação, em razão de sua liberdade de organização e adequada à prática de atividade esportiva amadora e recreativa.

Através da progressiva inserção da classe trabalhadora no âmbito dos clubes de futebol, com o início da contraprestação aos atletas até então amadores e o surgimento de entidades de administração do futebol, ocorre o processo de profissionalização do esporte.

Importa mencionar que por quase cinco décadas existiu uma forte ingerência estatal e de rigoroso controle das entidades de prática desportiva, por intermédio do Conselho Nacional do Desportos, desde o primeiro diploma legal que o instituiu (Decreto-Lei nº. 3.199, de 14 de abril de 1941) até a Constituição Federal de 1988, que afastou o Estado das atividades desportivas e aproximou o esporte da iniciativa privada.

Com a chegada na Nova República, a partir de 1985 e a exemplo dos processos de modernização do futebol em outros países, principalmente europeus, teve origem no Brasil a mercantilização e venda do futebol como um verdadeiro produto. Este novo estágio do futebol brasileiro caracterizou-se, principalmente, pelo aumento significativo das operações financeiras, dos negócios de cifras milionárias, da intensa publicidade e midiatização despejada sobre o esporte, roborando ao fato do futebol ter se transformado em uma verdadeira atividade comercial.

Com o nascimento dessa “indústria do futebol” voltada ao entretenimento e apresentação do espetáculo para os torcedores (consumidores), torna evidente, na atual conjuntura do futebol brasileiro, uma discrepância entre a prática econômica e profissional de diferentes níveis que entendem (acertadamente) o esporte como negócio e a administração amadora, que, de modo geral, é regra nas entidades desportivas.

Nota-se, portanto, que essa incompatibilidade entre a moderna realidade do futebol como produto e o defasado modelo organizacional e de gestão das associações configuram em um verdadeiro empecilho ao amplo crescimento econômico das entidades de prática desportiva.

Os clubes de futebol profissional ultrapassaram, há muito tempo, os limites impostos pelo modelo associativo, no qual se constituem, caracterizados pela integração social e promoção recreativa. A principal consequência do amadorismo impregnado no seio das associações desportivas é a baixa credibilidade junto ao mercado financeiro na busca por investimentos, em especial, pelo exorbitante passivo fiscal e trabalhista-previdenciário dessas entidades.

Cabe mencionar, que o conselho deliberativo e a perpetuação dos dirigentes desportivos são causas maiores aos problemas enfrentados pelas entidades desportivas. A figura do conselho deliberativo, órgão instituído durante a ditatura militar, época distante à atual realidade do desporto, concentra absolutos poderes dentro das associações, refletindo nos mandos e desmandos de uma parcela diminuta dos associados do clube, exercendo, em sua maior parte, deliberações contrárias ao próprio estatuto.

Igualmente, em virtude de não existirem previsões legais eficazes na responsabilização dos administradores das associações sem fins lucrativos, justamente por sua natureza civil, permitem o uso de suas funções para praticarem atos de favorecimento próprio, porém de pouco interesse para a associação em geral.

Como demonstrado ao longo do trabalho, esse distanciamento entre o ideal e a realidade dos clubes de futebol se refletem nas crises financeiras e institucionais por que passam atualmente, com vexatórios escândalos e investigações de corrupção, tanto em setores privados como ligados ao poder público.

É importante destacar, que o alto rendimento e a consagração desportiva no âmbito da prática do futebol profissional atualmente, prescindem, necessariamente, de uma captação de recursos financeiros e sustentabilidade econômica, além de uma gestão profissional e transparente, aspectos característicos no contexto de um regime empresarial.

Nessa esteira, foi possível verificar que a adoção de uma estrutura jurídica de cunho empresarial pelas entidades de prática desportiva – em sua maioria organizadas em um modelo associativo – é um processo de adequação à realidade, resultando na possibilidade de maior desenvolvimento econômico e captação de financiamentos e recursos, além de inserção no mercado moderno do futebol profissional.

Contudo, não se pode olvidar que em paralelo à adequação organizacional e estrutural das entidades de prática desportiva profissional com a realidade contemporânea de atividade

econômica do futebol, é preciso preservar as raízes associativas, por vezes seculares, de promoção cultural e social no seio da sociedade, traduzindo-se em um verdadeiro patrimônio histórico nacional.

Desse modo, é fundamental que a normativa nacional reconheça a natureza ímpar da atividade desportiva de futebol profissional, assim como suas estruturas e busque meios de incentivar os clubes a adoção de modelos jurídicos empresarias adequados, que buscam atender a coexistência dessas duas realidades distintas.

Buscou-se encontrar soluções em vista dos problemas relatados. Nessa perspectiva, importa destacar, ainda que de modo tímido, é possível notar um ensaio do legislador brasileiro na busca pela profissionalização e gestão transparente no ínterim das entidades de prática desportiva, como por exemplo a vigente Lei 13.155/2015 (conhecida como “Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte”), que estabelece princípios e práticas de responsabilidade fiscal e financeira e de gestão transparente, além do Programa de Modernização da Gestão e de Responsabilidade Fiscal do Futebol Brasileiro – PROFUT voltado ao parcelamento e pagamento dos (absurdos) débitos fiscais e previdenciário dos clubes brasileiros.

No mesmo ponto de vista, fora analisado o Projeto de Lei 2758/2019, de autoria do deputado Felipe Francischini, que dentre outras disposições, visa a criação de uma nova estrutura societária chamada SAFUT (Sociedade Anônima do Futebol), inspirada na legislação portuguesa, que apresenta um processo específico de conversão às entidades de prática desportiva profissional, cumprindo, ao menos em sua essência, com as soluções apresentadas no presente estudo.

Haja vista somente a normativa desportiva atual, não existindo, portanto, uma estrutura societária própria ou mesmo diretrizes específicas a serem adotadas nesse processo de adequação das entidades desportivas à realidade latente de viés empresarial do futebol mundial, averiguou-se soluções doutrinárias dentro do disponível e permitido pela legislação nacional vigente.

Conforme exaustivamente ilustrado, por demais justificativas, o melhor percurso para as entidades de prática desportiva é o destacamento de suas atividades profissionais ligadas ao futebol, que passará a ser organizado sob a forma de uma sociedade empresária adequada, com o devido controle direto ou indireto pela própria entidade desportiva, que permanecerá sob suas

raízes associativas, sem fins lucrativos, promovendo a integração social, recreativa e a prática dos esportes amadores.

Verificou-se, também, que a respectiva sociedade empresária que melhor serve aos interesses e particularidades intrínsecas à prática do futebol profissional, com a criação da respectiva nova pessoa jurídica, é o modelo da Sociedade Anônima. Tal escolha deve-se, principalmente, pela capacidade de gerar riquezas e captar recursos financeiros junto ao mercado, além da possibilidade de abertura do seu capital e de uma estrutura organizacional pautada em uma gestão profissional, adequada, estratégica e transparente.

Como alternativa à constituição dessa sociedade empresária desportiva, tem-se o instrumento societário denominado “drop down”, em que a associação desportiva transfere seus bens e direitos (ativos) relacionados ao futebol – como direitos de uso de imagem, contratos com atletas e patrocínios, direitos de transmissão dos jogos e estruturas físicas atinentes a prática do esporte – e recebe, em contrapartida, participação societária correspondente na forma de ações daquela sociedade empresarial.

Portanto, como objetivo deste estudo, é possível apontar para uma reestruturação jurídica dos clubes de futebol brasileiros com a adoção de um modelo empresarial adequado que viabilize a finalidade lucrativa e o devido desenvolvimento sustentável e econômico da prática do futebol profissional, mas por outro lado, sem que seja ceifada a história e a cultura destas instituições de torcidas gigantescas e apaixonadas pelo esporte.

Infere-se, assim, que evidenciada a inadequação do modelo associativo, sem fins lucrativos e de administração não profissional, das entidades que exploram o futebol profissional, torna-se imperativo a profissionalização da gestão dessas associações desportivas no mesmo caminho traçado no início da prática do futebol, em que os atletas amadores foram substituídos por atletas profissionais, hoje o mesmo deve ocorrer com os dirigentes e administradores, o que contribuirá para o pleno desenvolvimento do futebol nacional e a consequente competitividade com o mercado europeu.

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