UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
MESTRADO PROFISSIONAL EM AVALIAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS
RICARDO DA SILVA PEDROSA
O PROGRAMA DE ESTUDANTES-CONVÊNIO DE GRADUAÇÃO: (RE)CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADES ÉTNICO-RACIAIS NO ÂMBITO DAS
POLÍTICAS PÚBLICAS DE INTERNACIONALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NO INSTITUTO FEDERAL DO CEARÁ
RICARDO DA SILVA PEDROSA
O PROGRAMA DE ESTUDANTES-CONVÊNIO DE GRADUAÇÃO: (RE)CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADES ÉTNICO-RACIAIS NO ÂMBITO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE INTERNACIONALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR
NO INSTITUTO FEDERAL DO CEARÁ
Dissertação apresentada ao Mestrado em Avaliação de Políticas Públicas da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Avaliação em Políticas Públicas. Área de concentração: Políticas Públicas.
Orientadora: Profa. Dra. Alba Maria Pinho de Carvalho.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Universidade Federal do Ceará
Biblioteca Universitária
Gerada automaticamente pelo módulo Catalog, mediante os dados fornecidos pelo(a) autor(a)
P414p Pedrosa, Ricardo da Silva.
O PROGRAMA DE ESTUDANTES-CONVÊNIO DE GRADUAÇÃO : (RE)CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADES ÉTNICO-RACIAIS NO ÂMBITO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE
INTERNACIONALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR NO INSTITUTO FEDERAL DO CEARÁ / Ricardo da Silva Pedrosa. – 2018.
189 f. : il. color.
Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Ceará, Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação, Mestrado Profissional em Avaliação de Políticas Públicas, Fortaleza, 2018.
Orientação: Profa. Dra. Alba Maria Pinho de Carvalho.
1. Intercâmbio. 2. Identidades. 3. Étnico-racial. 4. Africanidades. I. Título.
RICARDO DA SILVA PEDROSA
O PROGRAMA DE ESTUDANTES-CONVÊNIO DE GRADUAÇÃO: (RE)CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADES ÉTNICO-RACIAIS NO ÂMBITO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE INTERNACIONALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR
NO INSTITUTO FEDERAL DO CEARÁ
Dissertação apresentada ao Mestrado em Avaliação de Políticas Públicas da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Avaliação de Políticas Públicas. Área de concentração: Políticas Públicas.
Aprovada em: ___/___/______.
BANCA EXAMINADORA
________________________________________ Profa. Dra. Alba Maria Pinho de Carvalho (Orientador)
Universidade Federal do Ceará (UFC)
_________________________________________ Profa. Dra. Rejane Batista Vasconcelos
Universidade Federal do Ceará (UFC)
_________________________________________ Profa. Dra. Leila Maria Passos De Souza Bezerra
Universidade Estadual do Ceará (UECE)
_________________________________________ Prof. Dr. Ercílio Neves Brandão Langa
À mãe, irmãos e irmã, ao pai, às queridas
esposa e filha, aos companheiros do Programa
de Estudantes-convênio de Graduação: pelo
sentido e pela finalidade que não me
AGRADECIMENTOS
Agradeço inicialmente ao Mestrado Profissional em Avaliação de Políticas
Públicas, por ter aceitado minha pesquisa e subsidiado os saberes necessários à empreitada
então desenvolvida.
À Profa. Dra. Alba Carvalho, modelo de pensadora contemporânea, amiga e
incentivadora, exemplo de força e perseverança, rendeira de empirias e teorias. Obrigado por
me ensinar a usar o tear do conhecimento e não apenas falar sobre ele.
Às professoras participantes da banca examinadora, professora Dra. Leila Passos,
por transmitir uma maneira ímpar de situar-me no mundo e descrever as subjetividades
rebeldes que por sua própria força precisam emergir. Cabe-nos estar junto e contribuir. E
professora. Dra. Rejane Vasconcelos por evidenciar a necessidade de decidir entre as tensões
e intensões deste trabalho na busca do rigor sensível e atento, inerente à pesquisa científica.
Ao professor Dr. Ercílio Langa, irmão de orientação a desbravar vias investigativas
descoloniais... diante das marés turbulentas não temos senão os mapas e anotações celestes
dos que vieram antes de nós.
Sobretudo, aos estudantes do Programa de Estudantes-convênio de Graduação
(PEC-G), por terem dividido comigo seus olhares, sentires e saberes sobre suas culturas e
sobre suas vidas enquanto estudantes. Incrível como em cada sorriso compartilhado nós
podemos refazer as histórias de nossos antepassados. Substituindo a violência do colonizador
pelo encontro festivo de sons e cores, substituindo as tristezas por belos cantos de alegria e
poesia, e fazendo emergir nos corações um mesmo sentimento de luta pela amizade. Percebo
que nossas terras inomináveis, onde nascemos e crescemos, para onde fomos ou iremos, são
os braços de um abraço de fraternidade. Exemplo devemos ser para todo o mundo. Se um dia
fomos separados, no aqui e agora podemos estar reunidos falando muitas línguas e linguagens
mas sempre uma mesma Palavra de Amor ao próximo, Verdade e Liberdade. Que os bons
sentimentos conquistem o mundo através de nossas experiências no IFCE.
E ao IFCE, na figura de todos os meus colegas do Departamento de Turismo,
E eis no fim desta madrugada minha prece viril Que eu não ouça nem risos nem gritos, os olhos fixos nessa cidade que profetizo, bela dai-me a fé selvagem do feiticeiro dai às minhas mãos poder de modelar dai à minha alma a têmpera da espada não me esquivo. Fazei da minha cabeça uma cabeça de proa e de mim mesmo, meu coração, não façais nem um pai nem um irmão, nem um filho, mas o pai, mas o irmão, não um marido, mas o amante deste povo único.
Fazei-me rebelde a toda vaidade, mas dócil ao seu gênio Como o punho no estender do braço! fazei-me comissário do seu sangue fazei-me depositário do seu ressentimento fazei de mim um homem de conclusão fazei de mim um homem de iniciação fazei de mim um homem de recolhimento mas fazei também de mim um homem de semeadura
fazei de mim o executor dessas obras altas
Mas fazendo-o, meu coração, preservai-me de todo ódio Não façais de mim esse homem de ódio por quem só tenho ódio Pois embora me restrinja a essa raça única sabeis no entanto meu amor tirânico sabeis que não é por ódio das outras raças que me exijo lavrador dessa raça única o que quero é pela fome universal pela sede universal
intimá-la livre enfim a produzir de sua intimidade fechada a suculência dos frutos
Diário de um retorno ao país natal
RESUMO
O Programa de Estudantes-Convênio de Graduação (PEC-G) oportuniza formação de
estudantes oriundos de países do continente africano em instituições de educação superior
brasileiras. Estes estudantes de intercambio têm sua vinda e percurso acadêmico subsidiado
pelas políticas públicas de internacionalização da educação superior. Entretanto, suas
permanências e desenvolvimentos como cidadãos imigrantes passam a ser permeados pela
dinâmica das relações e tensões étnico-raciais do ambiente social da cidade e da instituição
que os acolhe (PEDROSA, 2016). Assim, parte-se da seguinte indagação: em que sentido o
PEC-G pode ser avaliado a partir das experiências da (re)construção de identidades
étnico-raciais afrodescendentes dos estudantes do programa? O estudo objetiva portanto evidenciar
as experiências de (re)construção de identidades étnico-raciais afrodescendentes como
dimensão de avaliação em profundidade do programa de mobilidade acadêmica PEC-G. A
proposta avaliativa da pesquisa se caracteriza como uma Avaliação em Profundidade do
PEC-G, possuindo como lócus uma instituição de educação superior situada em Fortaleza, a saber,
o Instituto Federal de Educação do Ceará (IFCE). Valendo-se de um olhar interdisciplinar,
abordo a questão das identidades como processo a constituir-se a partir das interações com o
outro e com as imagens socialmente gestados na cultura (HALL 2003, 2009, 2011). A
dimensão étnico-cultural das identidades será focalizada, enfatizando a produção material de
artefatos, saberes e sentires que realizam o processo de identificação/diferenciação do sujeito
com uma matriz étnico-racial (FANON, 2008; GILROY, 2002). Tendo em vista que os
processos identitários, ora em estudo, não estão apartados de seu lugar histórico de
manifestação, busco fazer uma apresentação da dinâmica identitária no contexto da diáspora
africana no Ceará (LANGA, 2016). A perspectiva metodológica adotada foi qualitativa de
inspiração etnográfico e focada na questão da identidade de um ponto do Sul global
(SANTOS, B. S., 2006, 2007). Na fase exploratória foram coletados relatos sobre a
convivência dos servidores do IFCE com os estudantes do PEC-G. O trabalho de campo foi
iniciado com observações do cotidiano de estudantes do PEC-G sobretudo nos momentos de
planejamento e execução das Semanas Culturais da África de 2014 e 2015, com reelaboração
de materiais coletados de 2013 até o presente momento (notícias veiculadas de forma
fotográficos). Assumi como principal estratégia investigativa o registro dos relatos de
experiência de nove estudantes do PEC-G/IFCE. Como técnica de análise das informações
coletadas sobre os processos identitários destes estudantes, tomo como base a Análise de
Conteúdo de (BARDIN, 2009) e a Análise do Discurso bakhtiniano (BAKHTIN, 2006;
MUSSALIM, 2001; VYGOTSKI, 2001). A vivência étnico-racial torna complexa a realidade
vivenciada pelos estudantes do PEC-G. Entre a vinda, a chegada, a obtenção de um diploma e
o retorno à seus países de origem, as identidades desses estudantes se demove e também
movimenta outras identidades com as quais passa a interagir. Nos interstícios entre os
sujeitos, manifestação de suas etnias, e a confluência entre políticas públicas de
internacionalização da educação superior e as políticas culturais e afirmativas da matriz étnica
africana é que o programa se faz.
ABSTRACT
The Undergraduate Student Agreement Program (Programa de Estudantes-Convênio de Graduação - PEC-G) provides training for students from countries of the African continent in Brazilian higher education institutions. These exchange students have their coming and
academic course subsidized by the public policies of internationalization of higher education.
However, their permanence and development as immigrant citizens be permeated with the
dynamics of ethnic-racial relations and tensions in the social environment of the city and the
host institution (PEDROSA, 2016). Thus, I start from the following question: in what
meaning can the PEC-G be evaluated from the experiences of the (re) construction of
Afro-descendant ethnic-racial identities of the students of the program? The objective of this study
is to highlight the experiences of (re) construction of Afro-descendant ethnic-racial identities
as an in-depth evaluation dimension of the PEC-G academic mobility program. The
evaluative proposal of the research, characterized as an in-depth assessment of the PEC-G,
having as a locus a higher education institution located in Fortaleza (BR), namely the Federal Institute of Education of Ceará (IFCE). Using an interdisciplinary perspective, I approach the question of identities as a process constituted from the interactions with the other and with the
socially generated images in the culture (HALL 2003, 2009, 2011). The ethno-cultural
dimension of identities will be focused, emphasizing the material production of artifacts,
knowledges and sentiments that carry out the process of identification / differentiation of the
subject with an ethnic-racial matrix (FANON, 2008; GILROY, 2002). Considering that the
identity processes under study are not far from their historical place of manifestation, I try to
present a dynamic of identity in the context of the African diaspora in Ceará (LANGA, 2016).
The methodological perspective adopted was qualitative of ethnographic inspiration and
focused on the question of the identity of a global southern point (SANTOS, B. S., 2006,
2007). In the exploratory phase, reports were collected on the coexistence of the IFCE servers
with the PEC-G students. The fieldwork was started with observations of the daily life of
G-PEC students, especially at the planning and execution times of the African Cultural Weeks of
2014 and 2015, with re-elaboration of materials collected from 2013 to the present moment
(printed news and on the institution's website, memos collected in sectors of the IFCE and
experience reports of nine PEC-G / IFCE students. As a technique for analyzing information
collected on the identity processes of these students, I take as basis the Content Analysis
(BARDIN, 2009) and the Bakhtin Discourse Analysis (BAKHTIN, 2006; MUSSALIM, 2001;
VYGOTSKI, 2001). Ethnic-racial experience makes complex the reality experienced by
PEC-G students. Between the arrival, the arrival, the obtaining of a diploma and the return to their
countries of origin, the identities of these students be demoted and it moves other identities
with which it begins to interact. In the interstices between the subjects, manifestation of their
ethnic groups and the confluence between public policies of internationalization of higher
education and the cultural and affirmative policies of the African ethnic matrix is that the
program is done.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ... 14
2 PROBLEMATIZANDO IDENTIDADES AFRODESCENDENTES NO CONTEXTO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS: DELINEANDO AS PRETENSÕES INVESTIGATIVAS ... 27
3 BASES TEORICO-METODOLÓGICAS NO PROCESSO DE INVESTIGAÇÃO ... 40
3.1 Pressupostos ontológicos e epistemológicos ... 41
3.2 Percursos da pesquisa avaliativa em políticas públicas: em busca de uma Avaliação em Profundidade ... 61
3.3 O desenho metodológico da investigação: métodos e técnicas de pesquisa ... 80
4 CONFIGURAÇÕES DA PROPOSTA DE UMA AVALIAÇÃO EM PROFUNDIDADE DO PEC-G ... 95
4.1 O cenário da internacionalização da Educação Superior no Brasil e a Educação Tecnológica ... 95
4.2 As legislações anteriores do PEC-G: ciclos de aproximação/repulsão diplomático-econômica entre Brasil e os países africanos ... 103
4.3 O PEC-G como via de inserção de estudantes estrangeiros nas instituições- educacionais superiores no Brasil ... 116
4.3.1 O PEC-G e o seu percurso nas instituições de educação superior ... 117
4.3.2 O PEC-G nos circuitos virtuais oficiais: Os sites do DCE/MRE e da SeSu/MEC: dois primeiros olhares ... 123
4.3.3 Os manuais do PEC-G: de 2000 a 2013 uma trajetória de reconstrução de ambiguidades perdidas ... 127
4.3.4 Fomento ao Programa ... 133
4.4 O contexto brasileiro contemporâneo: pistas para entender a democracia racial e o ideal de branqueamento em tempos de crise da civilização do capital ... 135
4.4.1 O colonialismo como estado de exceção e suas capilaridades históricas ... 144
4.4.2 A reprodução social da força de trabalho como característica-chave para entender o estado de exceção... 149
4.4.3 Democracia em dualidade: a vitória como um crime e o crime vitorioso ... 151
4.4.4 Etnias e classes sociais contemporâneas: o estado de exceção colonialista ... 155
4.4.5 Etnias em exceção no contexto brasileiro ... 160
5 OS ESTUDANTES DO PEC-G NA DIÁSPORA FORMATIVA: EXPERIÊNCIAS DE SER, ESTAR E PERMANECER NO IFCE ... 198
5.1 Relação etnia e situação econômica e político social dos países de origem e destino: por uma apreensão descolonial das identidades...201
5.3 (A)chegando-se e adaptando-se: processos de inserção e aprendizagem sobre o contexto brasileiro ... 225 5.4 Relações parentais e permanência no Brasil: em busca das bases
psicossociologias da permanência ... 240 5.5 Relações com a comunidade organizada de seus países: identidades nacionais
em diáspora ... 252 5.6 Relação instituição IFCE com os estudantes do PEC-G ... 265 5.7 Imagem do brasileiro antes e durante a permanência ... 298 5.8 Interação entre estudantes PEC-G e estudantes brancos e negros do IFCE:
os retornados da Europa que nunca partiram ... 306 5.9 Da raça à etnia, da indiferença à diferença: estratégias de resistência aos
preconceitos e estigmas raciais ... 330 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 356
1 INTRODUÇÃO
Jean-Paul Sartre, filósofo estruturalista francês, em entrevista concedida no ano
de 1980 à Benny Lévy, retrata que a função social do pensador (sobretudo na área de
Filosofia) é expor as contradições de seu tempo, de seu lugar de origem e de seus próprios
pensamentos e ideias. Situar-me na diversidade de modos de compreender a realidade é um
desafio inerente à prática investigativa e busco inicialmente situar-me enquanto pesquisador
em formação no âmbito do Mestrado Profissional em Avaliação de Políticas Públicas da
Universidade Federal do Ceará (UFC).
Importante citar que, desde 2012, sou técnico administrativo em educação no
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) e desenvolvo
atividades administrativas e burocráticas no Departamento de Turismo da instituição. Não
esgotando minhas inquietações nessas atividades, fiz parte das Comissões Própria de
Avaliação (CPA) e Interna de Supervisão do Plano de Cargos e Carreiras dos Técnicos
Administrativos em Educação (CIS-PCCTAE), além de ter iniciado a implantação do
Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (NEABI) do Campus Fortaleza do Instituto
Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE). A experiência com a
dinâmica institucional e com os integrantes da comunidade acadêmica do IFCE baliza as
reflexões ora empreendidas.
Durante os anos de 2006 e 2010, minha formação inicial de graduação ocorreu,
como que em fractais de contradições, entre os cursos de licenciatura em Matemática
cursado no IFCE e o bacharelado em Filosofia cursado na Universidade Estadual do Ceará
(UECE). No primeiro caso, pude vivenciar a contradição entre as áreas de Educação e de
Matemática Pura, o que me ensinou sobre a não existência de saberes realmente puros e que
não se modifiquem nas relações professor-aluno e no cotidiano das pessoas.
Além disso, a área de Filosofia oportunizou diversas indagações relacionadas às
mediações entre o ser, o pensar e o saber. Diante dessas questões, sempre me inquietou o
fato de um curso de bacharelado não contemplar, em seu currículo, uma atenção para o
existe uma contradição na formação do pesquisador em filosofia se ele não for capaz de
estabelecer profícuas mediações entre o saber filosófico e o saber pedagógico.
Essas contradições levaram-me a discutir, no Trabalho de Conclusão do Curso
da Licenciatura em Matemática, as identidades docentes, os discursos sobre a educação
tradicional e o modo como isso se institucionaliza a partir das práticas individuais dos
futuros professores de matemática. A questão da liberdade, como fundamento ontológico
do ser e do saber humano, bem como o problema da libertação enquanto necessidade de
materialização de um vivido sonhado, imaginado, significado e pensado, contribuiu e ainda
me interpela a entender os conceitos de Repressão e Liberdade em autores como Herbert
Marcuse e na Escola de Frankfurt.
Por seu turno, o fascínio com o pensamento dialético dessa escola, afirmado e
negado segundo sua capacidade de referendar uma compreensão do real e não apenas das
ideias e abstrações, intensificou em mim a necessidade de ampliar o diálogo interdisciplinar
com outras áreas do saber, como a Psicologia, a Sociologia, a Pedagogia, a
Psicofarmacologia e a Economia Política. Dessa forma, decidi por iniciar uma
Especialização em Psicopedagogia pela UECE, como um passo a mais em direção a essa
diversificação nas maneiras de perceber as contradições da contemporaneidade.
Inserindo-me em discussões e práticas relacionadas à aprendizagem, à maneira como o sujeito
aprende na interação entre o objeto e o desejo, o curso de especialização oportunizou novas
discussões sobre os contextos de aprendizagem intercultural.
Em 2013, fruto de um estágio em Psicopedagogia Institucional, iniciei meu
convívio com os estudantes vindos de países africanos. Foi um despertar para muitas
questões relacionadas à diversidade cultural e sobre as desigualdades que perduram na
sociedade brasileira e se espelham em outros países do mundo. Abriu-se então para mim
uma possibilidade de me engajar nas discussões sobre essa que é uma das problemáticas
fundantes da civilização do capital: o racismo colonialista.
Olhar Psicopedagógico sobre a Aprendizagem de Estudantes
Vindos de África: O Contexto do Programa de Mobilidade Internacional PEC-G no
Instituto Federal d
especialização. Porém, muitas questões referentes à relação entre os sujeitos, os contextos
resolvidas. Faziam-se necessários aprofundamentos a respeito das dinâmicas
macroestruturais da sociedade e da economia, demandando a continuidade nos estudos e a
tessitura de novas relações, mediações, conceitos e metodologias.
No ano de 2015, submeti ao Mestrado em Avaliação de Políticas Públicas da
UFC a proposta de estudo intitulada Programa de Estudantes-convênio de Graduação
(PEC-G): (re)construção de identidades
étnico-Com a aprovação e o início dos estudos nas disciplinas curriculares do curso, pude
vivenciar momentos ímpares de amadurecimento de mim como pesquisador e da proposta
em conjunto com colegas de turma, professores e tendo o olhar da orientadora Alba
Carvalho como catalisador de todo o processo.
Percebo que as orientações para a elaboração da dissertação de mestrado me
inseriram, enquanto pós-graduando, numa cadeia de formas de materializar e ressignificar,
no trabalho acadêmico registrado de maneira escrita, empirias e teorias. Apreendi, no
decorrer dessas interações entre orientadora e orientando, não apenas discursos e formas de
movimentar conhecimentos, mas uma enorme diversidade de sentires, posturas frente à
realidade e, sobretudo, valores e novos significados atribuídos à atividade da pesquisa
acadêmica.
Destaco, nesse sentido, o momento da qualificação também como um marco na
trajetória deste estudo. Na ocasião, pude absorver e projetar sobre o estudo novos olhares e
perspectivas, sobretudo no que diz respeito ao aprofundamento teórico metodológico e à
delimitação de meu objeto de estudo: os processos identitários étnico raciais de estudantes
migrantes de países africanos em suas experiências no programa de estudantes convênio de
graduação (PEC-G) numa instituição federal de educação superior de Fortaleza.
Dentre estes multifacetados, amplos e complexos processos de subjetivação,
centro minha atenção naqueles que são experienciados por estudantes do PEC-G durante
sua estadia no Brasil e na instituição de educação superior que os recebe, o IFCE. Este
programa faz parte das políticas públicas de internacionalização da educação superior e sua
principal característica é dar subsídios às parcerias Sul-Sul entre o Brasil e os países em
desenvolvimento.
Nos governos do Partido dos Trabalhadores (PT) sobretudo o continente
nível superior aos estudantes oriundos dos países do continente africano se configurava
como uma importante moeda de troca nas relações bilateral com diversos países como
Guiné-Bissau, Cabo Verde, Angola, Moçambique e Congo.
Mas o que significa para o estudante africano ter vindo estudar no Brasil através
de um programa de internacionalização da educação superior como o PEC-G? Durante sua
estadia o fato de terem vindo pelo programa se torna um detalhe sem tanta relevância? Ou o
conjunto de processos identitários étnico raciais vivenciados por estudantes migrantes
vindos de países africanos tem no espaço acadêmico um ponto nevrálgico, justificando um
olhar atento a estes momentos?
Uma análise inicial do Decreto Presidencial nº 7.948, de 12 de março de 2013
que dispõe sobre o Programa de Estudantes-Convênio de Graduação - PEC-G revela que
este tematiza cada uma das interações entre o estudante e as instituições brasileiras,
buscando otimizar e explicitar um modo de agir pautado na conduta exemplar do estudante
estrangeiro. A contrapartida que o estudante deve dar pelo fato de ter seus estudos
custeados pelo governo brasileiro é a excelência nos estudos.
Porém, em minha experiência com estes estudantes percebi que eles sentem
uma diferença no tratamento que a instituição lhes fornece. Isso reflete o modo como as
relações étnico raciais são incorporadas como práticas institucionais, pois se são fornecidos
tratamentos diferentes a um estudante do Congo e um estudante dos Estudados Unidos, por
exemplo, isso se deve a maneiras diferentes de encarar culturas africanas e anglo-saxônicas.
Se a cultura africana se relaciona, por um lado, à cultura de negros e negras
marginalizados, pauperizados e invisibilizados em suas lutas e potencialidades, por outro
lado, a cultura norte-americana e europeia se vincula à sofisticação, a brancos dominantes e
superiores em sua capacidade de produzir objetos que dão maior satisfação, ou seja, um
referencial que todos almejam e devem perseguir.
Sob um outro aspecto, cabe salientar que o engajamento em atividades do eixo
transversal relacionadas à interação entre culturas e etnias afrodescendentes não é
contemplado no referido texto legal. Qual demanda esse programa responde? Apenas a
demanda pela formação em nível superior?
Essa formação oportuniza o fortalecimento de parcerias de longo prazo entre o
então me ocorre outra indagação: qual a natureza dessas parcerias? Seriam apenas de
caráter eminentemente econômico?
Documentos do Instituto de Pesquisa Estatística Aplicada (IPEA) e outros
textos oficiais brasileiros publicados pelo Ministério das Relações Internacionais do Brasil
entre os anos de 2002 e 2015 (aos quais irei me referir mais adiante) destacam uma política
externa cunhada no fortalecimento de laços culturais na busca da sedimentação de
alternativas à dinâmica macroeconômica atual, em que países anglo-saxões tem maior
vantagem e estabelecem relações desiguais buscando maximizar seus ganhos em
detrimento da pauperização de outros países.
Essa ausência, portanto, observada no programa, a evidenciarei como algo
problemático para a arquitetura do planejamento das relações internacionais brasileiras e
não apenas uma característica acessória a ser descrita.
Ainda que se observe que as experiências pelas quais eles passam estão ligadas
ao modo como essas relações acontecem no contexto local da instituição que os recebe, em
nenhum momento o programa incorpora mecanismos de integração do estudante de
intercambio à atividades afirmativas da cultura de matriz afrodescendente.
O texto do programa não é denso, mas possui diversos instrumentos que
garantem: 1) a conclusão do curso no tempo mínimo necessária para integralização
curricular dos cursos de graduação; 2) o afastamento do estudante de qualquer incursão
(interferência) na dinâmica política local da instituição em que estão; 3) incentivo ao
retorno ao país de origem; 4) um modelo de formação individual do estudante.
Tais garantias buscam otimizar uma atuação discente focado na conclusão do
curso, sem tematizar outros aspectos da vida acadêmica que permeiam a formação de nível
superior no âmbito do ensino, da pesquisa e da extensão.
Porém, o programa objetiva formar estudantes de nível superior em instituições
brasileiras. Logo, em observância à Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 que
estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, o PEC-G incorpora a finalidade da
-G incorpora os
que coloca a cultura como dimensão fundamental da formação para o trabalho, como se
observa a seguir
Art. 43. A educação superior tem por finalidade:
I - estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do pensamento reflexivo;
II - formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua;
III - incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando o desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura, e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que vive; IV - promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicações ou de outras formas de comunicação;
V - suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional e possibilitar a correspondente concretização, integrando os conhecimentos que vão sendo adquiridos numa estrutura intelectual sistematizadora do conhecimento de cada geração;
VI - estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em particular os nacionais e regionais, prestar serviços especializados à comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade;
VII - promover a extensão, aberta à participação da população, visando à difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da pesquisa científica e tecnológica geradas na instituição.
VIII - atuar em favor da universalização e do aprimoramento da educação básica, mediante a formação e a capacitação de profissionais, a realização de pesquisas pedagógicas e o desenvolvimento de atividades de extensão que aproximem os dois níveis escolares (BRASIL, 1996) (grifos meus).
Em nenhum momento a legislação específica do Programa de
Estudantes-Convênio segrega ou direciona o tipo de formação que as instituições de educação superior
deverão oportunizar aos estudantes estrangeiros. Ora, nem o poderia, correndo o risco de
entrar em contradição com as diretrizes da educação nacional.
Se o objetivo de determinada instituição é fornecer uma formação cidadã, em
cuja dimensão cultural se faz fundamental, então isso implica que essa formação será
oportunizada a qualquer estudante, seja ele brasileiro ou estrangeiro. Isso tem sérias e
amplas implicações, pois nos remete ao entendimento de que uma instituição educacional
não apenas transmite conhecimentos, mas forma pessoas em suas várias dimensões:
afetivas, cognitivas, sociais, dentre outras.
Ademais, se pelo Decreto do PEC-G o estudante tenha de receber o certificado
em seu país de origem, ao término de seus estudos, mais que conhecimentos será por ele
incorporado. Padrões de comportamento, afetos, discursos, práticas profissionais, formas de
vida cotidiana, dentre outras coisas vem simbolizadas pelo diploma que recebem de uma
instituição brasileira.
Portanto, avaliar o referido programa nos remete a necessidade de avaliar muito
mais do que números de matricula, números de alunos formados, números de alunos
empregados, número de alunos que retornam ou não à seus países de origem. Estes
números precisam ser interpretados à luz dos efeitos social e cultural que o programa vem
causando em muitos contextos: o encontro entre as culturas latino-americana e africana.
Esse encontro se faz a partir da interação entre brasileiros, guineenses,
cabo-verdianos, congoleses, angolanos, moçambicanos num contexto brasileiro marcado por
questões étnico-raciais estruturantes da sociedade, da economia e da cultura brasileira.
Mas, então, como avaliar esse programa de maneira qualitativa? A partir de
quais referenciais e com quais instrumentos?
As políticas públicas de internacionalização foram deveras requeridas,
fomentadas e avaliadas pelo governo federal durante as gestões do governo do Partido dos
Trabalhadores (PT) tanto nos governos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2002 a
2010) quanto nos governos da presidenta Dilma Rousself (2011 a início de 2016), no
contexto de parceria e de acordos bilaterais entre Brasil e África. Nesse sentido, é
emblemático o fortalecimento de programas de recepção de estudantes vindos de países
latino-americanos e africanos para cursos de graduação (PEC-G) e o para cursos de
pós-graduação (PEC-PG), bem como o fomento a esses dois programas, por meio do Projeto
Milton Santos de Acesso ao Ensino Superior (Bolsa Promisaes).
Estratégias de estreitamento de relações econômicas e cooperações técnicas
também ocorrem nesse período (2002-2014), como se pode observar no documento
elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)/Banco Mundial,
Ponte sobre o Atlântico - Brasil e África Subsaariana: parceria Sul-Sul para o
NDIAL, s/d). Neste documento estão circunscritas
parcerias técnicas nas quais se incluem a transferência de tecnologia e a formação de
profissionais nas mais diversas áreas.
A dinâmica de um mundo, em tese, globalizado pela mundialização do capital,
demanda a internacionalização em diversos contextos, inclusive na educação superior. Se
intercâmbio, o acompanhamento do desempenho dos discentes em tais programas insere-se
num planejamento institucional, o qual deve estar atento para o modo como as parcerias
internacionais configuram as dimensões de ensino, pesquisa e extensão.
De fato, os estudantes migrantes/internacionais buscam integração nos espaços
universitários, expressando maneiras próprias de atuação nos diversos contextos
universitários e modos de vida peculiares na dinâmica de ocupação do espaço urbano. Na
cidade de Fortaleza, a comunidade de estudantes vindos de países africanos tem crescido,
tanto em termos numéricos como em termos de visibilidade e organização (LANGA, 2015;
MOURÃO, 2006).
Estudantes guineenses, cabo-verdianos, moçambicanos, congoleses, angolanos,
dentre outros de origem africana, passam a integrar os contextos das instituições de
educação superior públicas cearenses, sendo expressivo o contingente de estudantes que
integram as faculdades e os centros universitários particulares (LANGA, 2016).
Cabe ressaltar que, até o início de 2016, vivenciou-se no Brasil um momento de
afirmação, por parte do governo federal, de parcerias com países do continente africano e
de uma agenda mais sólida de ações afirmativas. Mesmo nesse contexto favorável à entrada
de estudantes africanos de intercâmbio, impunha-se com clareza a exigência de trabalho
com estes sujeitos no âmbito das instituições de acolhida, considerando as dificuldades de
diferentes ordens que estes estudantes enfrentam.
Como anteriormente citado, em meu trabalho monográfico de conclusão do
curso de Especialização em Psicopedagogia (PEDROSA, 2014) desenvolvi um estudo a
respeito das dificuldades encontradas no percurso acadêmico de estudantes africanos no
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE). Neste ficou
evidenciado que, se por um lado, estes estudantes de intercâmbio têm sua vinda e percurso
acadêmico subsidiados pelas políticas públicas de internacionalização, por outro lado, sua
permanência e seu desenvolvimento como cidadão imigrante passa a ser permeado pela
dinâmica das relações e tensões étnico-raciais do ambiente social da cidade que os acolhe e,
mesmo, no interior da própria instituição federal de educação superior em que desenvolvi a
pesquisa.
Além disso, os conhecimentos prévios adquiridos em seus países de origem
local. Sem essa tradução,1 potencialidades podem se perder de um contexto a outro, devido
às dificuldades com a língua, com os hábitos locais, com os modos de viver e conviver de
um país até então visto de longe (imaginado, sonhado). Da mesma forma, as diferentes
dificuldades enfrentadas por este segmento de estudantes precisam passar por um trabalho
ão serem agravadas, quanto para serem minoradas ou, mesmo,
superadas.
,2 os sujeitos africanos, como
pessoa e como grupo, constroem suas identidades a partir de múltiplas interações sociais,
caracterizadas pela montagem, mais ou menos intencional,
-, a partir dos contextos que possibilitam emergir na materialidade do
corpo uma história étnica específica de construções e desconstruções do existente
significado (FANON, 2008).
Esta pesquisa, que consubstancia a minha dissertação de mestrado, toma como
subsídio aquele trabalho psicopedagógico de acompanhamento dos estudantes de
intercâmbio vindos de países africanos.3 No entanto, discute no campo da Avaliação de
Políticas Públicas, subsidiado pelos saberes da Sociologia e da Antropologia, a
possibilidade de se propor critérios de avaliação qualitativos do PEC-G. Tal processo
avaliativo possibilitará perceber a existência ou não de características latentes, relacionadas
ao fortalecimento de políticas públicas afirmativas da cultura de matriz africana. De fato,
tomo como ponto de partida
e,
mais especificamente, ao processo de (re)construção de identidades étnico-raciais, fazendo
interagir referências africanas e brasileiras.
Atento ao fato de que os processos identitários acontecem a partir da mediação
entre sujeito e alteridade, ocorrendo em contextos relacionais tensionados pela presença das
Utilizo o termo para fazer referência ao processo abordado por Boaventura de Souza Santos (2002ª) a respeito do processo de interação entre diferentes horizontes epistemológicos que subsidiam práticas discursivas e se corporifica em movimentos sociais, requerendo abertura entre formas de enfrentamento de uma realidade adversa, realizações estéticas e éticas distintas, cuja confluência se pode perceber na necessidade de alterar uma realidade vivida em comum.
A retradução se refere à perspectiva da necessidade sempre constante de se manter traduzindo.
instituições nas quais os sujeitos estão inseridos, parto do pressuposto de que as políticas
públicas são uma forma de mediação institucional dessas relações no interior da
universidade.
Dessa forma, as instituições e seus diferentes agentes atribuem significados às
políticas públicas, com maior ou menor grau de inovação das práticas e dos processos,
oportunizando diferentes experiências à comunidade por meio da ações implementadas. Na
experiência com o acompanhamento de estudantes do PEC-G, percebo que estes se
engajam nos processos de ensino, pesquisa e extensão com determinantes peculiares, a
partir do lugar de estudante imigrante que, voluntariamente, buscou o país para uma
formação de nível superior, trazendo sua cultura, seu modo de pensar, de sentir e de viver.
Logo, os estudantes africanos de convênio apresentam diferenças no seu esforço de integrar
a instituição universitária.
O primeiro deles é o fato de estarem descentrados pela perspectiva de atuarem
profissionalmente em seus países de origem e a perspectiva de permanecerem no Brasil e
aqui se firmarem como profissionais de suas áreas de formação. Em segundo lugar,
participam da vida acadêmica não apenas no sentido de colherem conhecimentos e
experiências, mas também buscam compartilhar culturas e hábitos. Ao fazerem isso,
descentram também o olhar da comunidade acadêmica das relações típicas e, por vezes,
discriminatórias que estabelecem com a cultura afro-brasileira. Ambos, comunidade
acadêmica local e estudante de intercâmbio do PEC-G interagem e caberá a esta pesquisa
discutir essa interação e descrever algumas de suas dimensões fundantes.
Dentre essas dimensões, destaco o contato entre as afrodescendências
movimentadas pelos estudantes do PEC-G com uma outra afrodescendência, que doravante
chamarei de afrodescendência brasileira. Busco assim designar os simbolismos, práticas
culturais, hábitos sociais e as estruturas econômicas locais cunhados direta ou indiretamente
a partir das manifestações e das lutas dos descendentes de negros provenientes de diferentes
etnias originárias do continente africano, bem como as reações e interações constitutivas
das demais matrizes étnico culturais nativa e europeia frente a estas, perfazendo territórios
de maioria negra (pretos e pardos).
utilizado em conjunto com a noção de afrodescendência
uma ampla gama de caracterizações locais do povo brasileiro que remetem a um mesmo
passado ancestral (CUNHA JÚNIOR 2007; 2011). A se fazer presente nas histórias, nas
manifestações culturais, em certas tecnologias, nos hábitos alimentares, nas organizações
institucionais comunitárias, na religião e no próprio corpo, esse passado sustenta o real a
partir de cadeias móveis de memórias, artefatos, práticas e saberes que são significados
como pertencendo à uma mesma cultura. Enquanto prática cultural, por sua vez, a
ancestralidade sedimenta os significados atribuídos às memórias, sustenta a produção e a
reprodução de artefatos e técnicas de produção (CUNHA JÚNIOR, 2011). Disseminam-se
dessa maneira certos conhecimentos sobre o cotidiano da vida coletiva das comunidades
afrodescendentes.
Entretanto, em geral, a ancestralidade afrodescendente é negada pelas
instituições e por parcelas da sociedade brasileira. Mesmo usufruindo da cultura de matriz
africana no seu cotidiano, os brasileiros sistematicamente sustentam a discriminação e o
racismo. Exemplo disso é o adiamento e as dificuldades encontradas durante as lutas pelo
reconhecimento dos territórios das comunidades quilombolas, bem como a
descaracterização dos sistemas de cotas e a indiferença frente às situações de racismo nas
instituições.
Nesse mesmo sentido, as instituições organizadas da sociedade civil, o Estado e
uma variedade de indivíduos mascaram ou protelam a resolução, das situações de
discriminação institucional que pesam sobre a pessoa negra. Em tal situação, cabe destacar,
reforçam-se estruturas socioeconômicas nas quais a pobreza é violentamente ajuntada à
etnia afro-brasileira. Além disso, seja com noções de miscigenação ou de uma democracia
racial, 4 amplamente se dissemina e se justifica a indiferença frente às questões/conflitos
étnicos.
Destaco que uma abordagem em profundidade dos processos de construção de
identidades étnico-raciais dos estudantes africanos pode contribuir na caracterização das
especificidades do processo de imersão desse segmento de estudantes no contexto
acadêmico, a partir da interação entre políticas públicas de internacionalização da educação
superior e as políticas de afirmação da cultura de matriz africana.
É importante demarcar que essa imersão não se dá por parte de um grupo
homogêneo, mas por sujeitos com diversas matrizes culturais de referência, as quais
interagem entre si e com a cultura local (BARROS, 2007; LANGA, 2016). Cabe observar,
também, que o estudante de intercâmbio do continente africano passa a ter contato com
diferentes (mas congruentes) formas de discriminação e aceitação da cultura de matriz
africana. Estes processos discriminatórios e de aceitação se materializam no decorrer de seu
processo formativo em processos de linguagem característicos e universos simbólicos
revistos a partir da interação entre o estudante africano migrante e a comunidade acadêmica
em que está inserido. Assim, permitir que os próprios sujeitos se coloquem sobre as
políticas públicas que os afetam, direta ou indiretamente, será uma estratégia relevante e
necessária nos aspectos teórico-metodológicos deste estudo.
Desafio a ser enfrentado nesta investigação é a transversalidade da temática das
políticas afirmativas e de promoção da igualdade racial. Segundo Relatório do Instituto de
Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2010) seria necessário, para além dos processos de
tomada de decisão a respeito dessas políticas, uma integração com outras políticas
públicas e agentes públicos. Partindo desse direcionamento analítico, sugiro que a
abordagem do PEC-G como um programa de mobilidade internacional, perpassado pela
transversalidade da temática cultural étnico-racial afrodescendente.
No segundo segmento da dissertação, após introduzir o tema a ser abordado,
problematizo a questão das identidades afrodescendentes no contexto das políticas públicas
de internacionalização da educação superior. Assim, discuto a relevância de se refletir sobre
os processos identitários e sobre a dinâmica de afirmação da matriz cultural
afrodescendente no contexto da educação superior. Nesta perspectiva delimito a pergunta
de partida do estudo e os objetivos da pesquisa proposta.
Em seguida, no terceiro segmento, faço uma exposição da metodologia do
estudo. Delimito então sua perspectiva epistemológica e ontológica, propondo-a como
qualitativa de cunho etnográfico e focada na questão da identidade de um ponto de vista
como uma via para apreender os processos identitários dos estudantes do PEC-G,
confrontando esses relatos com suas manifestações e registros institucionais. Estes, por seu
turno, serão apreendidos mediante entrevistas com gestores e profissionais da instituição,
bem como através de coleta de dados, como notícias, correspondências oficiais
(memorandos e ofícios), registros fotográficos, dentre outros.
Cabe salientar, porém, que o foco serão as produções dos estudantes-convênio
do PEC-G/IFCE e, nesse sentido, procuro traçar um perfil inicial destes com base nas
experiências do pesquisador, reinterpretando uma gama de dados e discussões feitas
anteriormente a respeito dos contextos de aprendizagem oportunizados pelo programa na
instituição. Partindo disso, discuto também o ambiente e o contexto institucional com base
em entrevistas com gestores da Assessoria de Relações Internacionais do IFCE e
observações registradas em diário de campo.
O quarto segmento discute a proposta avaliativa do estudo, caracterizando-a
como uma Avaliação em Profundidade do programa de estudantes convenio de graduação
(PEC-G). Para tanto, faço referência ao contexto do PEC-G numa perspectiva integrativa
entre a dinâmica das relações internacionais e das políticas que tratam da questão
étnico-racial. Assim, traço um resgate histórico institucional do PEC-G desde sua formulação,
feita no sentido de unificar as formas de recepção de estudantes vindos de países latinos (e
em seguida do continente africano) até sua implementação no contexto de intensificação
das relações bilaterais entre Brasil e países africanos. Durante os governos petistas, o
PEC-G passa por reformulações e alterações de seu sentido e do significado de se formar
cidadãos de outros países em instituições nacionais.
Apercebidos inicialmente das características dos sujeitos e da instituição, do
programa a ser avaliado e da perspectiva analítica do estudo, movimento no quarto
segmento a noção de identidade (teoria), a partir da qual se abordará aquilo que será
registrado como dados (empiria). Valendo-me de um olhar interdisciplinar, abordo no
quinto segmento a questão das identidades como processo a constituir-se a partir das
interações com o outro e com as imagens socialmente gestados na cultura.
No sexto e último seguimento, destinado às considerações finais, sobretudo, a
dimensão étnico-cultural das identidades será focalizada, enfatizando a produção material
sujeito com uma matriz étnico-racial. Tendo em vista que os processos identitários ora em
estudo não estão apartados de seu lugar histórico de manifestação, busco fazer uma
apresentação da dinâmica identitária no contexto pós-colonial brasileiro.
2PROBLEMATIZANDO IDENTIDADES AFRODESCENDENTES NO
CONTEXTO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS: DELINEANDO AS PRETENSÕES INVESTIGATIVAS
Ao tratar dos programas de mobilidade acadêmica internacional, como é o caso
do PEC-G, é necessário um conhecimento do que leva os países e as instituições
acadêmicas a se engajarem na dinâmica político-econômica e cultural de um mundo em
intensa e progressiva mundialização do capital.
No âmbito das discussões ocorridas por ocasião da Conferência Mundial sobre
Ensino Superior de 2009, tratou-se especificamente da situação de formação acadêmica no
continente africano. Representantes de países africanos destacaram o aumento das
matrículas nas instituições de ensino superior na própria África e o trabalho visando a
diminuição das desigualdades raciais. Explicitaram, na ocasião, a relação entre o aumento
das matrículas e o acesso dos negros à universidade, os quais por muito tempo foram
excluídos das instituições de ensino superior.
Dentre os pontos discutidos na referida conferência, o roubo (ou fuga) de
cérebros estudantes que fazem a migração estudantil e não retornam ao seu país de
origem (SEGRERA, 2008), bem como a preparação para o mercado de trabalho e a
bruscamente a relevância e a responsabilidade da educação para com as realidades
políticas, econômicas e sociais dos países africa
Em documento elaborado ao final dessa conferência, sedimenta-se o interesse
em fomentar a educação superior pública em países africanos a partir de redes de
instituições voltadas à luta contra a pobreza e contra o subdesenvolvimento da região.
Dentre essas redes está a Southern African Regional Universities Association (Sarua),5 cuja
atuação tem buscado reforçar o financiamento da formação superior, oferecida como um
bem público sem excluir a iniciativa privada. Com esse objetivo, apercebe-se a rede que
seria necessário fomentar novas diretrizes econômicas que deem subsídios a uma mudança
mais profunda das relações desiguais de poder, no âmbito da divisão internacional do
trabalho.
Nesse sentido, sintetizando a postura da rede, Habib (2011, p. 47) destaca
existência de uma diferença entre uma cultura corporativa e uma pauta administrativa; de
, no espaço da Sarua
é preciso desenvolver um modelo estratégico atento aos problemas locais, gerenciando os
recursos e as iniciativas no sentido de construir uma organização eficiente, mas sustentável;
eficaz para os objetivos institucionais estabelecidos localmente.
Witson-Strydom e Fongwa (2012) destacam que, em vários momentos de sua
história recente, os países africanos têm sido permeados por administrações frágeis e por
conflitos políticos, com consequências militares que dificultam um desenvolvimento
continuado de projetos de fomento à educação.
Um exemplo desta situação pode ser percebido na relação entre a política do
apartheid e as universidades sul-africanas. Entre os anos de 1948 e 1994, na África do Sul, havia a segregação legitimada por regras e leis de convivência social, política, econômica e
cultural entre brancos e negros. Proibia-se o ingresso de estudantes negros nas instituições
de ensino superior e a universidade devia deixar a cargo dos Estados nacionais, da
administração pública ou do próprio mercado a discussão das questões políticas e
econômicas, envolvidas na produção de conhecimentos. Mesmo com o fim do apartheid ficou a ideia de que a universidade é um privilégio e não uma necessidade, acarretando
diminuição nos investimentos no ensino de nível superior.
O contexto social e político dos países africanos e as limitações econômicas da
África Subsaariana6 levam a discussões sobre o financiamento estatal da educação básica e
África Austral. Seu principal objetivo é fazer com que a oferta do ensino superior nesses países responda de forma significativa aos desafios de desenvolvimento que a região enfrenta.
A África Subsaariana corresponde geograficamente à região ao sul do Deserto do Saara. Socialmente se refere à países colonizados por países europeus e que possuem como característica marcante a diversidade étnico linguística e uma demarcação territorial cujas fronteiras praticamente não atendem às necessidades desses grupos étnicos. É
da educação superior. Com o fortalecimento do domínio de um modelo de
internacionalização semelhante ao de países anglo-saxões, o custeio prioritariamente
público não pode lograr êxito. Isso porque todo um mercado educacional se abre aos países
e às instituições educacionais mundializadas, levando a pressões internacionais para que
ocorra o afastamento dos Estados da oferta de uma educação pública ampla e de qualidade
(SEGRERA, 2008). No entanto, em vez de se desenvolver gradativamente e em vista a
atender demandas locais, a educação superior em África se converte em mercadoria e
reflete processos que remetem à colonização (FONSECA, 2009a; MINIÉ, 2009). Tal
situação leva Zeleza (2012, p. 18) a concluir que
A questão, para instituições de ensino superior da África, portanto, não é se internacionalizar, mas como a internacionalização se tornará mais eficaz com estratégias de internacionalização que reforcem as capacidades institucionais e intelectuais internas, a qualidade, a reputação e a competitividade, bem como o potencial para contribuir historicamente com a agenda humanista do projeto nacionalista Africano.
Pensando a universidade no contexto de tensões econômicas entre os países
desenvolvidos (detentores das tecnologias e dos processos mais avançados) e os países em
desenvolvimento (detentores de uma larga mão de obra em condições de trabalhos menos
favorável), Segrera e Durán (2012) atestam a necessidade de um protagonismo das
universidades, como instituições capazes de favorecer mudanças sociais.
Para Langa, P. V.
África subsaariana é um fenómeno pós- ontexto de uma economia baseada
no conhecimento, a formação acadêmica (culminância de todo um sistema educacional) se
torna um importante momento do ciclo de desenvolvimento de novas mercadorias e
manutenção das lógicas de um mercado mundializado. De um ponto de vista mais amplo, a
educação formal e a circulação de conhecimentos numa sociedade vai sendo incorporada no
ciclo de desenvolvimento econômico.
A mercantilização do ensino superior converte a diplomação numa relação de
compra e venda de conhecimentos, estes dissociados de seu aparecimento e de sua
necessidade sociocultural. A formação superior, generalizada por intermédio da
mercantilização, desloca a função social de tal formação. As discussões mais recentes
acerca do ensino superior em África apontam para debates sobre diversificação, expansão e
interiorização, bem como para uma mercantilização do ensino superior (LANGA P. V.,
2013). Tal contexto se repete em diversos países onde a língua oficial é o português.
Dessa forma, a internacionalização da educação de nível superior africano deve
aparecer como uma estratégia para os países africanos na luta por uma distribuição mais
igualitária de riquezas e oportunidades de desenvolvimento em nível mundial (IÑIGUEZ,
2011). Ora, certamente, o contexto brasileiro recebe tal demanda de formação superior por
parte dos países africanos, via programas como o PEC-G. Mas que contexto os estudantes
africanos do PEC-G encontraram em sua chegada aqui no Brasil? Eis uma questão-chave a
abrir vias investigativas.
Discuto a seguir a afirmação de que esse processo de internacionalização global
ocorre conquanto seja mediado pelas experiências individuais de sujeitos que realizam tal
engajamento através de suas práticas e de suas concepções. Neste sentido, estes sujeitos
enfrentam e buscam equacionar as mais diversas condições materiais envolvidas nas
parcerias e nos acordos bilaterais. Ademais, seja uma decisão dos gestores das instituições e
dos países firmar as parcerias internacionais, os sujeitos participam ativamente da
sedimentação destes acordos. Dentre essas experiências de internacionalização a que me
refiro, está a realização de um curso de nível superior em outro continente e em outro país,
numa migração peculiar de caráter estudantil.
Ao se lançarem na internacionalização, os estudantes africanos passam a
vivenciar um contexto no qual interagem pessoas e instituições que significam de modos
diferentes a afrodescendência.7 Ao chegarem, novas atribuições de significados ao que é ser
afrodescendente poderão se abrir ou acabam se fechando, devido ao preconceito e à
discriminação. De fato, esses estudantes migrantes africanos trazem consigo marcas
peculiares de vida e de cultura que modificam o espaço de vivências mediante suas ações,
organizadas ou não, conscientes ou não. Com sua presença nas instituições de educação
superior brasileiras acabam tensionando os padrões de vida e discursos familiares à
comunidade acadêmica.
Ercílio Langa (2016), ao estudar esse contexto, desenvolve uma análise sobre a
imersão estudantil africana no Ceará, não se restringindo aos que se matriculam na
educação superior pública, avançando na realidade de estudantes africanos do expressivo
contingente vinculado às faculdades particulares. Em suas produções, o pesquisador
moçambicano aborda diversos processos de subjetivação de estudantes africanos vindos de
países como Guiné-Bissal, Cabo-Verde, Congo, Moçambique e Angola, e cujos padrões
culturais são multifacetados e peculiares.
Langa (2016) identifica que os primeiros estudantes sobretudo de Guiné Bissal
e Cabo-Verde vieram para o Ceará via PEC-G nos anos oitenta do século XX. Com o
progressivo aumento do número de estudantes ocorre uma comunidade
africana de estudantes da Universidade Federal do Ceará (UFC). E, mesmo os discentes
africanos, passando a se afirmar como diferentes quando consideradas as distintas
nacionalidades, culturas e etnias, a denominação que recebem da sociedade fortalezense
(interna e externa à universidade) não acompanha essa marcação da diferença.
Assim, os estudantes desses países ainda são indistintamente designados
individualmente como acontece nas
diversas mídias que se utilizam do termo
nacionalidades do continente. No entanto, tal prática de homogeneização não se repete com
estudantes de países como Alemanha, Argentina ou Portugal e estes não são generalizados
Langa, ao destacar o incentivo às parcerias educacionais entre
Brasil e os países africanos, no período do governo de Lula da Silva (2002-2010), afirma
Chegando na América Latina, os estudantes africanos enfrentam o problema da
mercantilização da educação superior, mediante ofertas de cursos de nível superior em
instituições privadas, muitas vezes despreparadas para lidar com a diversidade de culturas e
de situações econômicas que eles encarnam em suas trajetórias. Estarão as instituições
públicas de educação superior melhor preparadas para acolher estudantes vindos de países
africanos?
Em seu cotidiano na diáspora africana como denomina o pesquisador Ercílio
Langa os estudantes do PEC-G assemelham-se aos sujeitos que frequentam, com
dificuldades, cursos de graduação em faculdades particulares. Existem ainda aqueles que,
vinculados às instituições privadas, não conseguem renovar seus vistos e deixam o âmbito
acadêmico ou permanecem de forma irregular, além dos que vêm de outros estados
brasileiros e, ainda, os que são presos por tráfico internacional de drogas, em geral
desconhecidos das comunidades africana no Ceará (LANGA, 2016). É necessário, portanto,
pensar os estudantes do PEC-G como fazendo parte de um contexto maior de estudantes
migrantes africanos no Ceará.
Importante salientar que estas comunidades africanas não são sempre coesas,
mas estabelecem relações diretas e indiretas entre si e possuem formas diferentes de se
relacionar, enquanto comunidade, com outros grupos organizados no interior da sociedade
civil cearense. Langa (2015, p. 168) sintetiza a situação de interação dos estudantes com a
população desse estado da seguinte forma
Os africanos, nos percursos cotidianos em Fortaleza, percebem também a distância social dos brasileiros afrodescendentes que, muitas vezes, acreditam que os africanos são "playboys", sujeitos ricos oriundos das elites politicas africanas, ou então são indivíduos que vêm ao Brasil ocupar os lugares que, por direito, seriam seus. Existe ainda entre os brasileiros afrodescendentes a representação de , isto é, estudantes beneficiários das cotas raciais no ensino superior no Brasil. A rigor, as formas de interação dos estudantes africanos com a população cearense, no cotidiano, tende a expressar mecanismos de discriminação[...].
Diferenças marcantes e subjetividades variadas se produzem no processo
exposto pelo autor, inclusive, tendo em vista uma imagem social do imigrante
afrodescendente, cuja produção não se dá apenas no contato com os estudantes que vêm
Por essa ótica, posso fazer referência às interações existentes entre alunos em
instituições da capital cearense e os estudantes da Universidade da Lusofonia Afro
Brasileira (UNILAB), localizada no município de Redenção, no Ceará. Neste, a estrutura
urbana se identifica com características singulares de uma cidade do interior do estado e o
estudante de intercâmbio, devido à proximidade com a capital, pode se deslocar seja para a
participação em eventos de associações, seja para integrar-se em eventos acadêmicos ou
mesmo usufruir de artefatos culturais que a capital pode proporcionar. Chegam também
notícias sobre as vivências destes alunos, no que se pontua a diferença tanto nas formas de
organização da comunidade acadêmica quanto na superação das dificuldades. As
comunidades de universitários da capital e do interior estabelecem formas distintas de
interação com a sociedade externa às suas instituições de ensino.
Ercílio Langa percebe em seus trabalhos que não ocorre apenas o processo de
diferenciação entre nacionalidades e referenciais culturais, religiosos, de classe e de gênero.
Marcadores de diferenças são constantemente descentrados também por tendências à
homogeneização advindas de alguns processos característicos, elencados a seguir.
Primeiramente, as coletividades cearenses que os acolhem passam a formular
uma imagem homogeneizada do imigrante afrodescendente, levando à sedimentação de
resistências individuais e institucionais a partir dessa imagem comum. As barreiras que os
estudantes precisam desconstruir, independente da instituição e de suas matrizes
étnico-culturais, também são comuns, pois serão formuladas a partir dessa homogeneização.
Também no interior dos grupos organizados, na forma de associações, muitas vezes os
estudantes imigrantes precisarão se organizar
terem suas demandas atendidas pelo Estado brasileiro ou pelas instituições educacionais e
da sociedade civil com as quais tem que lidar. De ambos os casos, advêm saberes e
estratégias e vivências semelhantes que os sujeitos desenvolvem e compartilham,
caracterizando atuações identificáveis enquanto pertencentes ao modo de viver do africano
no Ceará .
Tal modo de viver, destacará Langa (2015, p. 170), realiza um contexto em que:
[...]sociedades pós-coloniais como a brasileira, historicamente, o corpo negro e
afrodescendene carrega e transmite simbolicamente uma informação social negativa . Em