UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ DEPARTAMENTO DE DIREITO PÚBLICO
CURSO DE DIREITO
POLIANA FONTENELE ARRAES
INTERRUPÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
POLIANA FONTENELE ARRAES
INTERRUPÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Monografia apresentada como exigência parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob a orientação do Professor Dr. Francisco de Araújo Macedo Filho.
AGRADECIMENTOS
Ao Senhor, meu Deus, pelo dom da vida, e pela graça que continuamente tem derramado sobre mim.
Aos meus pais, por todo amor e incentivo.
A minhas tias, pelo amor e apoio.
Ao meu professor orientador, prof. Francisco de Araújo Macedo Filho, e aos ilustres integrantes da banca examinadora, prof. William Paiva Marques Júnior e Milena Sousa de Oliveira, pelas preciosas sugestões e críticas formuladas.
A Bruna Sales, Ciro Porto, Ellane Costa, Karine Araruna, Leslie Anne Maia, Marcelo Moro, Ramon Portela e Talita Miranda, pelo companheirismo, pela amizade e pelos momentos compartilhados.
Ao Dr. Márcio Andrade Torres, Procurador da República, pelo estímulo à pesquisa.
Aos Drs. Francisco Rinaldo de Sousa Janja e Francisco Romério Pinheiro Landim, Promotores de Justiça, pela colaboração.
RESUMO
Analisa a incidência de causas interruptivas do curso da prescrição no âmbito das ações civis públicas por ato de improbidade administrativa. Examina os principais aspectos referentes ao instituto da prescrição: seus fundamentos, suas condições elementares e suas causas impeditivas, suspensivas e interruptivas. Em seguida, procede ao exame do perfil do combate à improbidade administrativa traçado pela Lei nº 8.429/92: o delineamento do princípio da probidade, os atos que o afrontam e as sanções a eles cominadas. A partir desses conceitos preliminares, analisa a pertinência da incidência da interrupção do prazo prescricional nas ações de improbidade administrativa, considerando que o art. 23 do citado diploma é silente a esse respeito.
ABSTRACT
It approaches the incidence of interruptive causes of the course of the temporal lapsing in public civil actions for act of administrative improbity. It examines the main aspects regarding to the institute of the temporal lapsing: its fundamentals, its elementary conditions and its impeditive, suspensive and interruptive causes. After that, proceeds examining the profile of the combat, disciplined by Law nº. 8.429/92, to the administrative improbity: the delineation of the principle of the probity, the acts that disobey it and the sanctions previewed against them. Based on these preliminary concepts, it is analyzed the relevancy of the incidence of the interruption of the temporal lapsing in the administrative improbity actions, considering that art. 23 of the cited law is silent concerning this subject.
LISTA DE ABREVIATURAS
CC – Código Civil
CDC – Código de Defesa do Consumidor
CPC – Código de Processo Civil
CP – Código Penal
STJ – Superior Tribunal de Justiça
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO... 10
2 CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DO INSTITUTO DA PRESCRIÇÃO... 12
2.1 Objeto, conceito, condições elementares e fundamentos... 12
2.1.1 Objeto da prescrição e seu conceito... 13
2.1.2 Condições elementares da prescrição... 17
2.1.3 Fundamentos jurídicos... 19
2.2 Principais traços distintivos entre prescrição e decadência... 21
2.2.1 Diferenciação com base na classificação dos direitos proposta por Chiovenda... 22
2.2.2 Distinção entre os institutos no Código Civil de 2002... 24
2.3 Causas impeditivas, suspensivas e interruptivas do prazo prescricional... 27
2.3.1 Causas de impedimento e de suspensão... 27
2.3.2 Causas de interrupção do prazo prescricional... 30
3 A LEI Nº 8.429/92 E O COMBATE À IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA... 35
3.1 Delineamentos da probidade... 35
3.1.1 O princípio da moralidade administrativa... 36
3.1.2 Conteúdo do princípio da probidade administrativa... 38
3.2 Atos de improbidade administrativa... 42
3.2.1 Atos de improbidade administrativa que importam enriquecimento ilícito... 43
3.2.2 Atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário... 46
3.2.3 Atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da Administração Pública... 48
3.3 Sanções impostas em razão da improbidade administrativa... 50
3.3.1 Natureza jurídica das sanções da improbidade administrativa... 52
3.3.1.1 A natureza jurídica da improbidade administrativa e a Reclamação nº 2.138... 55
4 INTERRUPÇÃO DO PRAZO PRESCRICIONAL NA AÇÃO CIVIL PÚBLICA
POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA... 66
4.1 Imprescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário... 66
4.2 Regramento da prescrição segundo o tipo de vínculo que o agente mantém com a Administração Pública... 70
4.2.1 Agentes públicos detentores de mandato, ou ocupantes de cargo em comissão ou função de confiança... 70
4.2.2 Agentes públicos ocupantes de cargo efetivo ou de emprego público... 71
4.3 Causas interruptivas da prescrição nas ações de improbidade administrativa... 75
4.3.1 Interrupção do prazo prescricional pelo ajuizamento da ação de improbidade... 78
4.3.2 Instauração de procedimento investigativo como causa interruptiva da prescrição.... 80
4.3.3 Causas de interrupção previstas na Lei Penal e sua aplicabilidade às ações de improbidade administrativa... 86
4.3.4 Efeitos da interrupção do prazo prescricional... 88
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS... 90
1 INTRODUÇÃO
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, ao estabelecer os
alicerces básicos sobre os quais deve repousar a Administração Pública, estabeleceu as
sanções a que estarão sujeitos os administradores públicos que incorrerem em atos de
improbidade administrativa:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
... § 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
No § 5º desse mesmo dispositivo, assentou que caberá à lei a tarefa de fixar os
prazos de prescrição para os ilícitos praticados pelo agente – servidor ou não – que ocasionem
lesão à Administração Pública e aos seus princípios norteadores, “ressalvadas as respectivas
ações de ressarcimento.”
Editada com o fim de regulamentar essa matéria, a Lei n° 8.429, de 02 de junho de
1992, esclarece quais atos se enquadram no conceito de improbidade administrativa, e dispõe
sobre as penas aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no
exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou
fundacional.
A apuração desses atos costuma ser tarefa de realização complexa, cujo
implemento exige dedicação de boa parcela de tempo por parte dos órgãos dela encarregados,
mas é preciso que a pretensão punitiva do Estado seja levada a efeito dentro de um prazo
razoável, sob pena de o agente se tornar imune às sanções legais.
Isso porque, em que pese o interesse social no combate à improbidade
administrativa, o ordenamento impõe a segurança jurídica como um valor a ser também
resguardado. A regra, pois, é de que o agente ímprobo não fique, indefinidamente, à mercê de
A respeito do assunto, a Lei nº 8.429/92 determina o prazo dentro do qual deverá
ser ajuizada a ação de improbidade administrativa. Conforme dispõe em seu art. 23, I e II, o
termo inicial do curso da prescrição: a) será o término do mandato, a exoneração ou a
dispensa, para os agentes que exercem mandato, cargo em comissão ou função de confiança;
b) conta-se do prazo fixado em lei específica para as faltas disciplinares puníveis com
demissão a bem do serviço público, para os que exercem cargo de provimento efetivo ou
emprego público.
O referido diploma não estabelece um lapso temporal único a ser aplicado para
todos os agentes públicos; antes, delega às diversas instâncias – federal, estadual e municipal
– a atribuição de demarcar o fim do prazo prescricional para a punição dos atos de
improbidade.
Dessa forma, para os ocupantes de cargos efetivos ou empregos públicos, o termo
final será aquele estabelecido em lei específica para as faltas puníveis com a demissão a bem
do serviço público. Para os detentores de mandato ou ocupantes de cargo em comissão ou
função de confiança, por outro lado, o prazo para a propositura da ação será qüinqüenal, nos
termos do inciso I do art. 23.
Há que se observar que a citada lei nada mencionou sobre a existência de
eventuais causas de interrupção do prazo prescricional. Assim, é de se indagar: teria a norma
deixado de fazê-lo a fim de evitar que, nas ações de improbidade, o prazo prescricional sofra
qualquer espécie de intervenção? Ou, pelo contrário, a omissão legal deve conduzir o
intérprete a buscá-las nos demais diplomas do ordenamento jurídico?
Para que tais perguntas pudessem ser respondidas de forma satisfatória, cuidou-se,
em primeiro lugar, de analisar os caracteres básicos da prescrição, desde seus fundamentos e
suas condições elementares, até se chegar às causas que a interrompem. Em seguida,
analisou-se o perfil do combate à improbidade administrativa instituído pela Lei nº 8.429/92: o
delineamento da probidade, os atos que a afrontam e as sanções a eles cominadas.
Passou-se, então, ao estudo da prescrição no âmbito específico das ações civis
públicas por ato de improbidade administrativa, oportunidade em que se examinou a
pertinência da incidência de causas interruptivas de seu curso. Para tanto, procurou-se analisar
a legislação pertinente à luz da doutrina especializada. Buscou-se, igualmente, o seu cotejo
com a jurisprudência mais recente, com vistas a uma abordagem ampla do assunto – ainda
2 CONSIDERAÇÕES A RESPEITO DO INSTITUTO DA PRESCRIÇÃO
2.1 Objeto, conceito, condições elementares e fundamentos
O tempo é um fenômeno natural capaz de produzir relevantes conseqüências na
órbita do direito. Há quem diga, inclusive, que dentre os acontecimentos naturais ordinários,
esse é o que repercute de forma mais incisiva nas relações jurídicas.1
Com efeito, em diversos casos, o nascimento, o exercício e a extinção de direitos
sofrem a influência de seu transcurso. É o que ocorre, por exemplo, com a capacidade civil: o
passar dos anos assinala a transição da incapacidade absoluta para a capacidade relativa, e
desta para a capacidade plena, que se adquire com a maioridade.
Da mesma forma, o tempo pode se converter em fator determinante na aquisição
ou na extinção de direitos ou de pretensões. Tal é o que se verifica no campo da prescrição
aquisitiva ou usucapião e da prescrição extintiva ou liberatória.
Todavia, apesar desse ponto de convergência, e da identidade de nomenclaturas, os
dois institutos não se confundem. A usucapião é instituto próprio do Direito das Coisas que
tem por objeto a propriedade – aqui, o tempo, aliado à posse, origina a aquisição do domínio.
Por outro lado, na prescrição extintiva, aquele que por certo período se manteve inativo frente
à violação de seu direito, perde a possibilidade de pleitear a reparação dele.
Conforme uso corrente na doutrina, o termo prescrição, quando desacompanhado de adjetivos, é utilizado para designar, unicamente, a prescrição extintiva, e é dessa
modalidade especial que cuidará o presente trabalho.
1
2.1.1 Objeto da prescrição e seu conceito
Longa controvérsia se travou a respeito de qual seria o objeto da prescrição.
Câmara Leal2, um dos doutrinadores brasileiros mais dedicados ao estudo da matéria, noticia
a existência de duas correntes distintas. Para a primeira, de origem alemã, tal objeto
consistiria nas ações, ao passo que, para a segunda, ítalo-francesa, a prescrição versaria sobre as obrigações e os direitos a elas correlatos. Essa divergência se refletiu também no Brasil, que conheceu defensores de ambas teses.
Orlando Gomes, por exemplo, foi enfático ao definir a prescrição como sendo “o
modo pelo qual um direito se extingue pela inércia, durante certo lapso de tempo, do seu
titular, que fica sem ação própria para assegurá-lo.”3 De acordo com ele, é a “extinção de
qualquer direito”4 o objeto da prescrição liberatória. O entendimento esposado por esse autor,
contudo, não foi o que se consagrou na doutrina pátria.
De fato, a tese que recebeu maior acolhimento foi aquela segundo a qual a
prescrição faz perecer a ação, sem operar qualquer efeito direto sobre o direito material. É o
que ensina Clóvis Beviláqua,5 para quem “prescrição é a perda da ação atribuída a uma
direito, e de toda a sua capacidade defensiva, em conseqüência do não uso delas, durante um
determinado espaço de tempo.”
O ilustre civilista vê a ação como o meio através do qual a sociedade faz
intermediação entre o sujeitos ativo e passivo, com vistas à proteção do direito; este, em si,
não perde o vigor pelo não exercício. Quem se desnatura com o tempo é a ação que o reveste,
a qual, em suas palavras, “é um órgão que se atrofia pelo desuso.”6
Câmara Leal o acompanha. Ele esclarece que o direito só basta-se a si mesmo
enquanto está sendo respeitado, pois, uma vez descumprido, não é capaz de prover à sua
própria conservação. Diante dessa realidade – e do fato de que a autotutela é rechaçada pelo
ordenamento jurídico, que só a admite em casos extremos – é preciso que o sujeito ativo
disponha de um meio externo para se proteger de eventuais ofensas ao seu direito. Esse meio
é justamente a ação, através da qual se postula a proteção do Estado.
2 LEAL, Antônio Luís da Câmara. Da prescrição e da decadência. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 08. 3 GOMES, Orlando.
Introdução ao Direito Civil, pp. 423 e 424.
4
Ibidem, p. 422.
5 BEVILÁQUA, Clóvis; PEREIRA, Caio Mário da Silva. Teoria geral do direito civil. Ed. rev. e atual. Rio de
Janeiro: Rio, 1975, p. 286.
6
Conforme lição do citado doutrinador, o não exercício de um direito constitui mera
manifestação da vontade de seu titular. E, por em nada ser incompatível com a sua
manutenção, não tem o condão de extingui-lo. Isto posto, arremata (sem grifos no original):
E essa potencialidade, em que se mantém pela falta de exercício, só poderá sofrer algum risco e vir a atrofiar-se se, contra a possibilidade de seu exercício a todo momento, se opuser alguém, procurando embaraçá-la, ou impedi-la, por meio de ameaça ou violação. É então que surge uma situação antijurídica, perturbadora da estabilidade do direito, para cuja remoção foi instituída a ação, como custódia tutelar.É contra essa inércia do titular, diante da perturbação sofrida pelo seu direito, deixando de protegê-lo, ante a ameaça ou violação, por meio da ação, que a prescrição se dirige, porque há um interesse social de ordem pública em que essa situação de incerteza e instabilidade não se prolongue indefinidamente.7
Sílvio Rodrigues8 comunga do mesmo entendimento. Ele sustenta que a prescrição
consiste na perda da ação apropriada à defesa de um direito violado, provocada pela inércia
do credor ante a essa transgressão, durante o lapso temporal previsto em lei. Seu objeto, pois,
é a própria ação, e não o direito, que fica ileso.
O referido autor argumenta ainda que, na prática, pouco importa que a prescrição
atinja a ação ou o próprio direito, uma vez que este, sem aquela, perde quase inteiramente sua
eficácia; quer dizer, a prescrição acaba por também projetar seus efeitos sobre o direito
material.
A tese de que a prescrição afeta a ação encontrava amplo respaldo no Código Civil
(CC) de 1916, conforme se depreende da leitura de seu art. 75.9 À época da edição daquele
diploma, conforme os preceitos da teoria imanentista, a ação era vista como sendo o próprio
direito em movimento, isto é, o direito material reagindo contra qualquer violação ou ameaça
de transgressão.10
7 LEAL, Antônio Luís da Câmara. Da prescrição e da decadência, p. 10. 8 RODRIGUES, Silvio.
Direito Civil, vol. 1. 34. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 324.
9
Art. 75. A todo o direito corresponde uma ação, que o assegura.
10 “O que caracteriza essa teoria, não obstante as variantes imprimidas por seus adeptos, é que a ação se prende
Contudo, a concepção de que a ação é o direito material em resposta a uma ofensa
restou superado em face da teoria da ação como um direito autônomo e abstrato. Atualmente,
a mais abalizada doutrina processualista a define com um direito subjetivo público,
independente do direito material invocado pelo autor. É o que ensina Moacyr Amaral Santos11
(destacou-se):
A ação, em suma, é um direito subjetivo público, distinto do direito subjetivo privado invocado, ao qual não pressupõe necessariamente, é, pois, neste sentido, abstrato; genérico, porque não varia, é sempre o mesmo; tem por sujeito passivo o Estado, do qual visa a prestação jurisdicional num caso concreto. É o direito de pedir ao Estado a prestação de sua atividade jurisidicional num caso concreto.
Ou, simplesmente, o direito de invocar o exercício da função jurisdicional.
Esse direito não está condicionado à real existência do direito material alegado
pelo autor. Dessa forma, tenha ou não razão em sua demanda, a este será sempre assegurado o
direito a um provimento jurisdicional adequado, isto é, terá sempre o direito de acionar o
Poder Judiciário e de obter dele uma resposta, ainda que esta seja denegatória de seu pedido.
Uma vez que o direito de ação se encontra de todo desvinculado da existência do
direito subjetivo material, mesmo que se tenha encerrado o prazo prescricional, o autor não
estará impedido de ajuizar demanda com vistas à reparação do direito que julga possuir.
Como se vê, a possibilidade de se recorrer ao Poder Judiciário para obter uma solução para os
conflitos permanece inalterada – o que não significa dizer que a resposta por este encontrada
tenha que, necessariamente, coincidir com a desejada pelo demandante.
Dessa forma, descabido falar que a prescrição atinge a ação; tanto esta quanto o
próprio direito material permanecem incólumes. O que perece, em verdade, é a pretensão,
traduzida como “a exigência da subordinação de um interesse de outrem ao próprio.”
Agnelo Amorim Filho12 explica que quem nasce com a violação do direito não é a
ação, e sim, a pretensão, que ele define como “o poder de exigir de outrem,
extrajudicialmente, uma prestação”, ou “um poder dirigido contra o sujeito passivo da relação
11
SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, p. 155.
12 AMORIM FILHO, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para
de direito substancial”. Dessa forma, a ação é atingida pela prescrição apenas de forma
mediata, como conseqüência do perecimento da pretensão:
De qualquer forma, a pretensão é sempre um prius lógico imediato em relação à ação: a ação não nasce diretamente da violação do direito, mas da recusa do obrigado em satisfazer a pretensão. E se quase nunca se atenta para tal circunstância, e se quase sempre se confunde pretensão com ação, é porque, na maioria dos casos, se propõe a ação processual (contra o Estado), sem se exercitar antes a pretensão contra o sujeito passivo da relação substancial, pois a lei não exige que uma só seja proposta depois de desatendida a outra.
A seguir, o autor ressalva que, à luz da teoria da ação como direito autônomo e
abstrato, a recusa do sujeito passivo em satisfazer a pretensão do demandante não deve ser
vista como um fator determinante para o nascimento da ação, e, sim, como uma das condições
para o seu exercício, haja vista que a ação independe da relação de direito substancial. Assim,
apenas após ter sido essa sua condição afetada pelo transcurso do prazo prescricional é que
ação se vê também atingida.13
Indubitavelmente, o CC/2002 afastou a tese de que a prescrição importa o
perecimento da ação. Tanto que, em seu art. 189, declara expressamente que é a pretensão
surgida com a violação do direito que se extingue com o tempo. In verbis:
Art. 189. Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.
O que se degenera, pois, é a pretensão do titular. Prova disso é que o pagamento,
total ou parcial, efetuado após a consumação do prazo prescricional não dá direito à repetição.
Ou seja, a obrigação jurídica prescrita transforma-se em uma obrigação natural, a qual,
mesmo sem dispor de meios que a tornem exigível, autoriza a retenção dos valores pagos pelo
devedor.14
13 O CPC, em seu art. 269, IV, determina que, em se verificando a ocorrência da prescrição, deverá ser o
processo extinto com resolução do mérito. Nessas condições, a decisão proferida forma coisa julgada sob os aspectos formal e material.
14 O art. 882, do CC, é expresso nesse sentido, ao expor que “não se pode repetir o que se pagou para solver
2.1.2 Condições elementares da prescrição
Em regra, dois são os requisitos ou elementos da prescrição apontados pela
doutrina, quais sejam, a inércia do titulardo direito e o transcurso do tempo. É a lição, entre outros, de Clóvis Beviláqua15 e de Orlando Gomes.16 Desse modo, para a maior parte dos
autores, para que tal instituto se configure, basta apenas que o titular do direito não pratique
ato tendente à sua conservação dentro do prazo pré-estabelecido pela lei.
Todavia, analisando a questão de forma mais detalhada, Câmara Leal registra
serem quatro as condições elementares da prescrição, as quais serão aqui examinadas em
razão de sua importância para os objetivos do presente estudo.
A primeira dessas condições é a existência de uma ação exercitável: para que a prescrição possa incidir, é necessário, primeiramente, que a ação exista. Ou seja, pressupõe-se
tenha havido a violação de um direito atribuído ao titular.
É de se trazer à memória, que, conforme o entendimento do referido autor, a
prescrição traduz uma forma de perecimento da ação. É compreensível, portanto, que ele
condicione aquela à existência desta última.
Ocorre que, conforme já se expôs, segundo o art. 189, do CC, o que se atinge com
a prescrição é a pretensão do titular do direito ofendido. Por isso, a existência de uma ação
exercitável não pode ser considerada condição elementar da prescrição, dado que o direito de
se recorrer ao Poder Judiciário subsiste apesar do encerramento do prazo prescricional.
Assim, mais consentâneo com a doutrina civilista moderna e com a legislação vigente seria
falar na existência, não de uma ação exercitável, mas de uma pretensão surgida a partir da
violação do direito.
Questiona-se se a prescrição tem início no mesmo instante em que tal violação se
opera, ou se, diferentemente, é preciso que o sujeito tome conhecimento dessa agressão para
que o prazo prescricional comece a correr.
Ora, se a razão para a inércia do titular está no desconhecimento de que o seu
direito foi violado, fica claro que não houve qualquer desleixo ou negligência de sua parte em
15 BEVILÁQUA, Clóvis.
Teoria Geral do Direito Civil, p. 290.
16
relação a essa violação. E, assim sendo, resta descaracterizada a prescrição, como bem expõe
Câmara Leal:17
Não nos parece racional admitir-se que a prescrição comece a correr sem que o titular do direito violado tenha ciência da violação. Se a prescrição é um castigo à negligência do titular [...], não se compreende a prescrição sem a negligência, e a esta, certamente, não se dá quando a inércia do titular decorre da ignorância da violação.
De fato, não há como se pleitear a reparação de um direito que não se sabe ainda
ter sido violado. Em tais situações, o ordenamento estaria consagrando uma injustiça se
permitisse que a inércia do titular lhe fosse imputada para efeitos de perecimento da
pretensão.
É que há casos em que o sujeito passivo só vem a ter noção de que seu direito foi
lesionado algum tempo depois que a transgressão se operou. Isso acontece, principalmente,
naqueles direitos de que decorre dever geral e negativo, que obrigam a todos se abster de
praticar atos que possam agredi-lo.
Em situações desse tipo, afasta-se o imediato início do curso prescricional, já que
este, por uma questão de justiça e de lógica, deverá estar vinculado ao conhecimento da
violação por parte de quem deva combatê-la. E o credor, para que possa ver postergada a
contagem da prescrição, deve provar em qual momento veio a tomar ciência do fato.
Diferentemente da situação anteriormente citada, tem-se que se a ignorância
quanto à existência dessa ofensa, por si só, for bastante para configurar o desinteresse do
sujeito ativo pelo seu direito, não há motivo para se adiar o início do curso prescricional.
É o que ocorre com os direitos pessoais. Para esses, não cabe falar em
desconhecimento da violação, já que é no descumprimento mesmo da obrigação pelo sujeito
passivo que se materializa a afronta ao direito, de modo que a prorrogação do início da
prescrição se torna desnecessária.
Assim sendo, para os direitos pessoais, se a obrigação é positiva, a prescrição se
inicia no momento em que o sujeito passivo deixa de dar ou de fazer aquilo a que está
obrigado. Por outro lado, se a obrigação é negativa, aquela começa a correr no instante em
que o devedor realiza ato que tinha se obrigado a não praticar.
17
Adverte-se para o fato de que o início da contagem da prescrição só deve ficar
condicionado ao conhecimento da ofensa nas prescrições de curto prazo. Porque quando o
prazo conferido pela lei é extenso, presume-se que houve tempo suficiente para que o
interessado tivesse se informado acerca de sua ocorrência.
O segundo elemento integrante da prescrição apontado por Câmara Leal é a
inércia do titular da ação pelo seu não-exercício.
Ela se caracteriza pela passividade daquele que, diante da usurpação de seu direito,
nada faz para repará-lo, isto é, abstém-se de exercitar a ação que poderia defendê-lo. Essa
inação, como dito, tem origem no instante em que a lesão se torna conhecida.
Contudo, para que seja eficiente, para efeito de configuração da prescrição, é
preciso que essa abstenção seja prolongada no tempo, quer dizer, que se mantenha durante o
prazo estipulado pela lei. Esse, pois, o terceiro requisito da prescrição: continuidade da
inércia.
Por fim, o autor aponta a ausência de causas preclusivas como sendo a quarta condição elementar da prescrição. Essas causas, sobre as quais será falado adiante, podem ser
interruptivas, impeditivas ou suspensivas do prazo prescricional. Salvo a ocorrência de
alguma dessas restrições obstativas de seu curso normal, a prescrição se consuma quando o
prazo legal corre sem que se verifique qualquer intervenção do titular do direito lesado no
sentido de sua reparação.
2.1.3 Fundamentos jurídicos
Fundamento de um instituto é a sua razão primeira, isto é, o motivo que
determinou a sua criação, o qual não se confunde com suas características ou com as
eventuais utilidades que ele possa vir a apresentar. Em regra, a criação de todo instituto deve
ter com fundamento o atendimento do interesse público; a satisfação de interesses privados
pode se dar como um efeito reflexo, mas não deve ser o fator determinante.
Diversos foram os fundamentos apresentados pela doutrina para a prescrição. Há
quem diga, por exemplo, que ela se firma na presunção de que o direito já se extinguiu,18 ou
18
na de que foi renunciado ou abandonado por seu titular.19 Assim, se este permitiu que se
esvaísse todo o prazo legal sem reclamar qualquer reparação, pressupõe-se que a dívida já foi
paga ou perdoada, ou que o credor abriu mão do que lhe era devido.20
Para outros, a prescrição se estriba na inconveniência de se exigir de quem já
pagou uma dívida que mantenha sempre guardados todos os papéis relativos à comprovação
de seu adimplemento, para o caso de vir a ser novamente cobrado muito tempo depois da
ocorrência de tais fatos. Ademais, argumenta-se, atentaria contra a justiça o fato de que a
dívida cujas parcelas deveriam ter sido cobradas periodicamente venha a ser reclamada em
sua totalidade de uma só vez.21
Câmara Leal22 ensina que, à luz das origens romanas do instituto, três são os seus
fundamentos: o da necessidade de se afastarem as incertezas das relações jurídicas; o do
castigo à negligência do titular; e o do interesse público.
De fato, há um interesse direto da sociedade na consolidação das relações
jurídicas. Isto é, à ordem pública, convém que se estabeleça um clima de segurança e de
harmonia, e que se afastem, tanto quanto possível, as incertezas que uma demanda pode
suscitar.
Com a prescrição, essa situação de instabilidade é afastada, e o Estado restabelece
o equilíbrio que se havia perdido no instante em que o direito foi violado. Em regra, esse
restabelecimento deveria ter sido feito a partir da interveniência do titular, inconformado com
a violação do seu direito. Mas, como nenhuma providência foi por este adotada, o próprio
ordenamento cuida de recuperar a segurança, pela cessação da incerteza.
Além de servir como meio para restauração do equilíbrio, a prescrição também
constitui uma pena infligida em razão da inação do titular. “Quem se conserva inativo,
desinteressando-se do direito que possui, deve perdê-lo”, explica Orlando Gomes,23
parafraseando o conhecido brocardo dormientibus non succurrit jus.
Para Câmara Leal, o motivo para a imposição desse castigo reside no
descumprimento, pelo sujeito ativo, de um dever de cooperação social. Com a usurpação do
19 Carvalho de Mendonça, apud, LEAL, Antônio Luís da Câmara. Da prescrição e da decadência, p. 13.
20 A viabilidade desses argumentos é frágil, porque, no instante em que o titular ajuíza demanda para ter seu
direito reparado, demonstra que não abdicou dele.
21 BEVILÁQUA, Clóvis. Teoria Geral do Direito Civil, p. 288. 22 LEAL, Antônio Luís da Câmara.
Da prescrição e da decadência, p. 14.
23
direito, explica o autor, surge uma situação antijurídica que, para ser afastada, requer, em
primeiro lugar, um inconformismo eficaz de seu titular, manifestado através da ação.
Ao se manter inerte, o sujeito ativo deixa de cumprir seu papel social, por permitir
que um estado de desequilíbrio e de ofensa à ordem jurídica se perpetue no tempo. Assim, a
prescrição representa uma punição à negligência de quem, com a sua inércia, deixa de debelar
a instabilidade jurídica provocada pela violação do direito.
Não se aceita a objeção de que a prescrição representaria uma injustiça perpetrada
contra o titular do direito ofendido por dois motivos: em primeiro lugar, porque ele próprio foi
o primeiro a desprezá-lo com o seu descuido. Em segundo, porque o interesse que ao seu se
contrapõe não é o do devedor, mas o da sociedade, ansiosa pelo desfecho da situação
irregular.
“A prescrição é uma regra de ordem, de harmonia e de paz, imposta pela
necessidade de certeza nas relações jurídicas”, ensina Clóvis Beviláqua.24 Embora acabe por
beneficiar o sujeito passivo, interessa mais ainda à sociedade, por representar para ela um
elemento de estabilidade. Tanto é assim que as normas sobre prescrição são matéria de ordem
pública, que não se podem modificar pela vontade das partes.
Como conseqüência disso, tem-se que: a) não cabe aos particulares declarar a
imprescritibilidade de qualquer direito, pois apenas a lei pode fazê-lo; b) a vontade dos
particulares também não é capaz de operar a dilatação dos prazos prescricionais; c) só se pode
renunciar à prescrição após ter sido ela consumada.
2.2 Principais traços distintivos entre prescrição e decadência
Longa e tormentosa querela doutrinária foi travada em torno da distinção entre
decadência e prescrição. Tal dificuldade se devia, em grande parte, ao tratamento conferido a
esses institutos pelo CC/1916, que, a título de disciplinar a prescrição, cuidou,
indiscriminadamente, tanto de prazos prescricionais como de decadenciais. O CC/2002, por
sua vez, ocupou-se da matéria de forma mais sistematizada, o que, em grande parte,
simplificou o trabalho do intérprete quanto a essa diferenciação.
24
Câmara Leal25 define a decadência como sendo “a extinção do direito pela inércia
de seu titular, quando sua eficácia foi, de origem, subordinada à condição de seu exercício
dentro de um prazo prefixado, e este se esgotou sem que esse exercício se tivesse verificado”.
À semelhança da prescrição, ela se caracteriza por ser uma causa extintiva baseada
na inércia do titular do direito, e por encontrar no tempo o seu fator operante. Todavia,
diversamente do que se verifica na prescrição, aqui, é o próprio direito que, diretamente, sofre
as conseqüências do decurso do tempo.
Diversos foram os critérios procurados para distinguir os dois institutos. A maioria
deles, contudo, falhava por se ater mais aos efeitos de um e de outro do que às suas essências.
2.2.1 Diferenciação com base na classificação dos direitos proposta por Chiovenda
Dentre os critérios utilizados para se diferenciar a prescrição da decadência, aquele
que recebeu maior acolhimento por parte da doutrina foi o proposto por Agnelo Amorim
Filho. Ele toma como base a classificação dos direitos desenvolvida por Giuseppe Chiovenda,
segundo quem os direitos subjetivos podem ser de dois tipos: direitos a uma prestação e
direitos potestativos.
Os direitos a uma prestação são aqueles em que se vislumbra a existência de um
sujeito passivo e de um sujeito ativo, unidos em torno de uma prestação a que aquele se
obrigou em face deste. Os direitos potestativos são aqueles em que a lei atribui ao titular a
possibilidade de, por meio de sua manifestação de vontade, influir sobre a situação jurídica de
outras pessoas, sem que se faça necessário o concurso da vontade destas.
A marca distintiva dos direitos potestativos “é o estado de sujeição que o seu
exercício cria para outras pessoas, independentemente da vontade delas, ou mesmo contra o
seu querer.”26 Além disso, tais direitos não têm uma prestação que lhes corresponda, de
maneira que não dão ensejo ao nascimento de uma pretensão.
25 LEAL, Antônio Luís da Câmara. Da prescrição e da decadência, p. 101. 26 AMORIM FILHO, Agnelo.
Em princípio, os direitos potestativos não necessitam de uma ação para que
possam surtir seus efeitos. Exemplo disso é o direito do mandante de revogar o mandato, o
qual dispensa o seu titular de recorrer ao Poder Judiciário.
Porém, há determinados direitos potestativos em que o apelo à função jurisdicional
se faz necessário, caso aquele sobre quem os efeitos da sujeição devam recair se oponha ao
seu exercício. A título exemplificativo, pode-se citar o direito do condômino de dividir a coisa
comum, a qual pode vir a encontrar a resistência dos demais condôminos. A ação, aqui, não é
a regra, mas pode surgir eventualmente.
Há, ainda, uma terceira categoria de direitos potestativos, que são aqueles cujo
exercício pressupõe, necessariamente, o ajuizamento de uma ação, ainda que coincidam os
interesses de todos os sujeitos envolvidos. Nesses casos, procura-se conferir maior segurança
a determinadas situações jurídicas consideradas relevantes para a ordem pública. É o caso, por
exemplo, do direito de invalidar o casamento anulável.
Com base nessa distinção e na natureza do provimento jurisdicional pleiteado,
Chiovenda classificou as ações em: condenatórias, constitutivas e declaratórias. As primeiras
são aquelas que visam a uma prestação por parte do sujeito passivo. Referem-se, pois, aos
direitos que envolvem uma prestação.
Uma vez que esses são os únicos direitos que dão origem a uma pretensão,
conclui-se que somente as ações condenatórias estão sujeitas a sofrer os efeitos da prescrição.
No segundo caso, tem-se as ações que objetivam a criação, modificação ou
extinção de um determinado estado jurídico; não têm por fim a satisfação de uma pretensão,
nem pressupõem a existência de um direito lesado. São, portanto, meio de exercício dos
direitos potestativos.
Como visto, a regra geral é de que os direitos não se extinguem pelo seu não-uso.
Todavia, há aqueles cujo exercício cria para outros um estado de sujeição tal, que ao
ordenamento, houve por bem limitá-los no tempo. Quer dizer, quando a sujeição deles
emanada coloca em risco a paz pública, a lei excepciona a regra da perpetuidade dos direitos e
fixa um prazo para que sejam exercidos. Decorrido este, quem se extingue é o próprio direito.
Não há que se falar em extinção da pretensão, porque, nos direitos potestativos, ela
não existe. Nem há perecimento da ação, porque, se esta fosse aniquilada, mas o direito
persistisse, permaneceria a situação de instabilidade que se procurou evitar. “Infere-se, daí,
em primeiro lugar, é a extinção desse direito, e não a extinção da ação”,27 a qual só
reflexamente é afetada.
Essa observação permite concluir que apenas os direitos potestativos se submetem
à decadência, pois são os únicos cujo exercício cria um estado de sujeição para outras pessoas.
Conseqüentemente, apenas as ações constitutivas estão sujeitas a sofrer os efeitos da
caducidade.
As ações declaratórias, por sua vez, nem versam a respeito de uma prestação, nem
procuram impor qualquer espécie de sujeição: em nada inovam no mundo jurídico. Têm por
fim, exclusivamente, obter uma certeza a respeito do que já existe, ou daquilo que não existe,
no mundo jurídico. Por isso, não se sujeitam à precrição ou à decadência. São, pois,
imprescritíveis, da mesma forma que as ações constitutivas para as quais a lei não estabelece
um prazo decadencial.
É tomando por base tais considerações que Agnelo Amorim Filho28 propõe o
seguinte critério para distinguir a prescrição da decadência:
1ª) Estão sujeitas a prescrição (indiretamente, isto é, em virtude da prescrição da pretensão a que correspondem): - todas as ações condenatórias, e somente elas; 2ª) Estão sujeitas a decadência (indiretamente, isto é, em virtude da decadência do direito potestativo a que correspondem): - as ações constitutivas que têm prazo especial de exercício fixado em lei;
3ª) São perpétuas (imprescritíveis): -a) as ações constitutivas que não têm prazo especial de exercício fixado em lei; e b) todas as ações declaratórias.
2.2.2 Distinção entre os institutos no Código Civil de 2002
Conforme dito anteriormente, o CC/2002, tomando rumo diferente do diploma de
1916, tratou expressamente da decadência, tendo tornado mais evidentes os aspectos
distintivos dos dois institutos.
De antemão, a diferença fundamental entre eles está em que a prescrição afeta os
direitos que envolvem uma pretensão, enquanto a decadência se restringe ao âmbito dos
27 AMORIM FILHO, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para
identificar as ações imprescritíveis.
28
direitos potestativos. Assim, a prescrição tem por objeto a pretensão do sujeito ativo; e a
decadência, o próprio direito, “que, por determinação da lei ou da vontade do homem, já
nasce subordinado à condição de exercício em limitado lapso de tempo.”29
A decadência pode ser de dois tipos: legal ou convencional. Aquela é estabelecida
pela lei e não admite renúncia, devendo ser reconhecida de ofício pelo juiz. Esta é
determinada pelo acordo de vontade das partes, que podem a ela renunciar após ter se
consumado, e cujo conhecimento fica condicionado à sua alegação pelas partes a quem
aproveita.
Já a prescrição é estabelecida apenas pela lei, e seu prazo não pode ser alterado
pelos sujeitos envolvidos na relação jurídica. A renúncia por parte daquele a quem beneficia é
possível, mas fica condicionada à sua prévia consumação, e só é admitida se não gerar
prejuízo para terceiros. Ela se materializa no instante em que o devedor deixa de alegá-la
como defesa indireta de mérito em face do credor, ou quando pratica atos no sentido de
efetuar o pagamento da dívida.
Na prescrição, o exercício da ação é meio de proteção do direito violado; na
decadência, é o instrumento através do qual se torna possível o exercício do direito. A
prescrição pressupõe um direito já exercido pelo titular, e que foi violado pelo sujeito passivo;
na decadência, esse direito ainda não foi posto em prática.
Em relação aos efeitos, a prescrição não corre contra determinadas pessoas, e pode
ser suspensa ou interrompida. A decadência, pelo contrário, corre contra todos, e seu curso
não sofre qualquer espécie de impedimento, senão o próprio exercício do direito, por
intermédio da ação.
Mas há exceções a essa regra. O art. 208, do CC, por exemplo, declara que a
decadência não corre contra os absolutamente incapazes. Outra exceção é o art. 26, § 2º, I e II,
do Código de Defesa do Consumidor (CDC). De acordo com o citado dispositivo, obstam o
curso da decadência a reclamação formulada pelo consumidor até a resposta negativa
correspondente, bem como a instauração de inquérito civil, até que seja este concluído.
Ademais, diferentemente da prescrição, cujo prazo geral é de 10 anos, a
decadência, segundo o entendimento predominante, não tem um prazo geral. Seus prazos,
específicos para cada caso, são contados em dias, meses, ano e dia e anos, ao passo que os
prazos prescricionais regulados no CC são sempre contados em anos.
29
Outra questão relevante diz respeito à possibilidade do reconhecimento de ofício
da prescrição, que, conforme dispunha a redação do art. 194, do CC, só era admitido quando
favorecesse interesse de absolutamente incapaz.
A vedação ao reconhecimento de ofício da prescrição foi derrubada pela Lei nº
11.280/06, que, além de revogar o supracitado dispositivo, conferiu nova redação ao § 5º do
art. 219, do Código de Processo Civil (CPC). Dessa forma, no bojo da reforma processual,
introduziu-se significante alteração na disciplina da prescrição (sem grifos no original):
Art. 219. A citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição.
... § 5º O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição.
A lenta construção teórica do instituto já havia consolidado que, para operar os
seus efeitos, a prescrição, necessariamente, deve ser invocada por aquele a quem for
beneficiar.
Essa lógica, já sedimentada na doutrina civilista, foi bruscamente invertida pela
Lei nº 11.280/06, que, a pretexto de conferir maior celeridade e efetividade ao processo,
permitiu seja a prescrição pronunciada independentemente de sua alegação pela parte a quem
interessa.
Ora, conforme dito, a prescrição é matéria de ordem pública, estabelecida com
vistas à segurança jurídica e à paz social. Assim sendo, não destoa por completo de sua
natureza a possibilidade de ser pronunciada ex officio. Porém, há que se perquirir o momento mais adequado para esse reconhecimento.
Ao longo da citada reforma, nenhuma menção foi feita ao art. 191 do CC, de
maneira que restou intacta a possibilidade de a prescrição já consumada vir a ser objeto de
renúncia por parte daquele a quem beneficiaria.
Para que se coadune com esse dispositivo, o novo § 5º do art. 219, do CPC, deve
ser interpretado no sentido de que a decretação da prescrição só pode vir a ser efetuada após a
relação processual ter sido completada com a citação do réu. Adotando-se tal providência, não
também se confere ao demandado a oportunidade de exercer o direito de renunciar à
prescrição.
2.3 Causa impeditivas, suspensivas e interruptivas do prazo prescricional
Ao se distinguir a prescrição da decadência, falou-se que uma das principais
diferenças entre os dois institutos é que esta, em regra, não sofre qualquer espécie de
embaraço em sua marcha, ao passo que o fluxo da prescrição pode vir a conhecer
determinados obstáculos.
De fato, a prescrição está sujeita à influência de determinadas circunstâncias ou
fatos capazes de embaraçar o seu curso normal, quer seja impedindo que ele se inicie, quer
seja suspendendo-o ou interrompendo-o. Câmara Leal chamou-as de “causas preclusivas”, e é
sobre elas que será falado a seguir.
2.3.1 Causas de impedimento e de suspensão
Impedimento e suspensão são causas preclusivas tratadas conjuntamente pelo CC.
A razão pela qual recebem esse tratamento uniforme está em que elas alcançam, na prática,
efeitos semelhantes. Quer dizer, ambas fazem paralisar o prazo prescricional.
O principal fator de distinção entre elas diz respeito ao termo inicial da
paralisação. O impedimento é anterior ao surgimento da prescrição, cujo curso, diante da
existência daquela, sequer chega a se iniciar. Por outro lado, as causas suspensivas são
supervenientes à prescrição, cuja contagem fica congelada enquanto aquelas estiverem
pendentes. Sobrevindo após a prescrição ter se iniciado, fazem com que ela fique estagnada,
de maneira que só volta a fluir depois do seu desaparecimento.
As circunstâncias que ensejam uma ou outra, porém, são as mesmas. O que as
Exemplo tradicionalmente apontado pela doutrina é o da dívida contraída entre
cônjuges. Determina o inciso I do art. 197, do CC, que um dos motivos que obstam a
prescrição entre eles é a constância da sociedade conjugal. Se essa dívida foi feita no curso do
matrimônio, a causa é de impedimento, e o prazo não se inicia, a menos que a sociedade se
dissolva. Se o negócio jurídico precede o casamento, no instante em que este se realizar, o
prazo deixará de correr e ficará suspenso até o fim da sociedade conjugal.
A previsão aí contida tem a finalidade de evitar que a paz familiar seja perturbada.
Por meio dela, nem se comprometem os interesses patrimoniais dos cônjuges, que não
precisam se preocupar com o escoamento do prazo prescricional, nem se põe em risco a
harmonia conjugal, que, certamente, seria abalada caso o titular do direito se visse obrigado a
ajuizar a ação para não ver a sua pretensão atingida.
Também impede a lei que corra a prescrição entre ascendentes e descendentes
durante a constância do poder familiar. Mas não é qualquer parentesco em linha reta que
impede o curso da prescrição: é somente entre pais e filhos que ela não corre, e apenas
enquanto vigente o que a lei chama de “poder familiar”, outrora denominado “pátrio poder”.
Determinam esse impedimento as relações afetivas que se presume existir entre
essas pessoas, o dever de proteção recíproca. No dizer de Beviláqua, “a confiança, que deve
reinar entre elas, daria a feição de abuso reprovável a esse lucro de umas fundado na inação
das outras.”30 É que os vínculos jurídicos que unem os sujeitos aí citados dificultariam, ou
mesmo impediriam, que um deles defendesse o seu direito em face do outro.
Igual é o fundamento quando se trata de relação entre tutores e tutelados, e entre
curadores e curatelados: tutela e curatela também funcionam como causas de impedimento ou
de suspensão.
Porém, para o tutor ou curador, esse efeito só se verifica enquanto permanece a
tutela ou curatela. Uma vez extintas, a prescrição fluirá normalmente para aqueles, embora
possa ficar obstada em relação ao seu ex-tutelado ou ex-curatelado, se ainda estiver na
condição de incapaz de que trata o art. 3º do CC.
O objetivo dessa regra está em evitar que a tutela ou curatela sejam prejudiciais ao
tutor ou curador, haja vista que o seu dever de proteção, em tese, o impede de agir contra os
interesses dos que estão sob sua responsabilidade. Por outro lado, evita também que elas
30
sejam utilizadas em benefício próprio, com o fim de permitir o livre transcurso do prazo
prescricional.
Igualmente, determina a lei que a prescrição não corre contra os absolutamente
incapazes, contra os ausentes do País em serviço público da União, dos Estados ou dos
Municípios,31 nem contra quem esteja servindo às Forças Armadas, em tempo de guerra. A
finalidade do art. 198, do CC, é proteger o interesse de pessoas que estejam em condições
especiais, o que não impede que a prescrição corra normalmente quando vier a favorecê-las.
Declara o CC, também, que a prescrição não corre na presença de condição
suspensiva, nem se o prazo ainda não tiver se encerrado ou se estiver em curso ação de
evicção. Contudo, essa regra é plenamente dispensável, porque, em todos esses casos, ainda
não se configurou a ocorrência da violação que fará surgir a pretensão do titular do direito.
A suspensão e o impedimento podem ser transitórios ou definitivos, conforme a
causa que os determinou. Serão permanentes se, por exemplo, forem motivadas pela
incapacidade decorrente de doença mental incurável; ao contrário, se decorrerem apenas da
menoridade, serão passageiras.
Câmara Leal32 explica que a suspensão da prescrição afasta a negligência do titular
do direito violado, ou seja, “tem por efeito suspender a série de omissões que a deveriam
integrar. Essas omissões, embora reproduzidas durante o período da suspensão, não são
computadas para a integração da prescrição”. Assim, a pretensão, e o próprio direito, são
protegidos dos efeitos que o tempo poderia lhes acarretar.
Essa proteção, via de regra, não alcança terceiros; apenas o titular da pretensão é
beneficiado. Mas, em se tratando de solidariedade ativa, cuja obrigação for indivisível, todos
os credores são também atingidos, e não, apenas aquele em razão de quem ela foi instituída. O
autor ressalta ainda que “a suspensão da prescrição produz os seus efeitos contra todos
aqueles que estão juridicamente ligados ao sujeito passivo da ação, e contra os quais a ação
poderia ser intentada, isoladamente, ou conjuntamente.”33
Ainda sobre as causas suspensivas e impeditivas, importante preceito é consagrado
no art. 200, do CC, o qual veda o decurso da prescrição enquanto estiver pendente sentença
criminal que diga respeito aos mesmos fatos que estão sendo discutidos no juízo cível. Essa
31 Exemplos de pessoas abrangidas por essa isenção legal são os representantes diplomáticos, os agentes
consulares, os delegados brasileiros em missão oficial no exterior e os comissionados pelo governo federal, estadual ou municipal, para estudos em países estrangeiros, entre outros.
32 LEAL, Antônio Luís da Câmara.
Da prescrição e da decadência, p. 168.
33
regra tem a clara finalidade de evitar futuras contradições entre o que for decidido nas duas
instâncias. A esse respeito, lecionam Stolze Gagliano e Pamplona Filho:34
Outro exemplo muito comum é quando se despede um empregado por falta grave de improbidade, havendo sido dado início também à persecução criminal. Enquanto pendente a discussão no juízo penal, não correrá a prescrição para demandas cuja causa de pedir próxima seja a acusação de improbidade. Isso pode ser extremamente útil para uma cognição exauriente da matéria e uma solução integral da lide, pois se buscará mais a verdade real do que a realidade formal e muitas vezes apequenada de uma reparação puramente pecuniária.
2.3.2 Causas de interrupção do prazo prescricional
“Interrupção da prescrição é a cessação de seu curso em andamento, em virtude de
alguma das causas a que a lei atribui esse efeito.”35 É, pois, o fenômeno por meio do qual
afeta-se o curso prescricional, fazendo com que ele seja reiniciado em razão da ocorrência de
determinadas situações previstas em lei.
Uma vez verificada a interrupção, o prazo prescricional até então decorrido é
desconsiderado, e sua contagem é reiniciada a partir da data do ato interruptivo, ou do último
ato do processo para o interromper. Quer dizer, enquanto, na suspensão, esse prazo é
retomado no ponto em que tinha sido surpreendido pela causa suspensiva, na interrupção, o tempo já decorrido é descartado para efeito de perecimento da pretensão.
Outro ponto que a distingue da suspensão é o fato de que esta opera seus efeitos
apenas por determinação normativa, prescindindo de qualquer atitude das partes.
Diferentemente, a interrupção só produz frutos a partir de um comportamento dos sujeitos
envolvidos nessa relação jurídica.
Determina o parágrafo único do art. 202, do CC, que a contagem do prazo
prescricional se reinicia no instante seguinte àquele em que foi barrada pela causa
interruptiva. Essa regra tem aplicação para os casos em que a interrupção foi motivada por
algum dos motivos enumerados nos incisos II a VI do citado dispositivo:
34 GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil, vol. 1. Parte
Geral. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 518.
35
Art. 202. A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar-se-á:
I - por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da lei processual;
II - por protesto, nas condições do inciso antecedente; III - por protesto cambial;
IV - pela apresentação do título de crédito em juízo de inventário ou em concurso de credores;
V - por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;
VI - por qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento do direito pelo devedor.
Parágrafo único. A prescrição interrompida recomeça a correr da data do ato que a interrompeu, ou do último ato do processo para a interromper.
Todavia, tendo sido provocada por meio de um processo judicial, como é o caso
do inciso I, a interrupção perdura pelo tempo em que estiver pendente a demanda. Só com o
fim desta é que aquela começará a correr novamente.36 É que enquanto está em curso a
demanda, não há inércia do titular que fundamente a fluência do prazo prescricional. Dessa
forma, até que tenha fim o processo, não se reinicia a prescrição.
Além desse efeito, a interrupção tem ainda o condão de fazer a pretensão recuperar
todo o vigor que havia perdido com a prescrição em curso. Porém, quando a causa
interruptiva consistir no ajuizamento da demanda, a sentença que decidir o direito fará
também extinguir a pretensão.
Esse prolongamento da pretensão, por óbvio, cria uma situação de vantagem para
o titular do direito. Por outro lado, repercute negativamente para o sujeito passivo, porque
retarda os benefícios que a consumação da prescrição iria lhe trazer.
O mesmo acontece com o terceiro interessado. Se a prescrição o beneficiaria, a
interrupção o coloca em desvantagem, por fazê-la reviver. Se o prejudicaria, porque ele tem
interesse na conservação do direito, a interrupção é, para esse terceiro, proveitosa.
Uma das inovações introduzidas pelo CC/2002 na disciplina da prescrição diz
respeito à expressa determinação de que ela só poderá ser interrompida uma única vez. Essa
limitação é de grande valia, pois evita abusos, além da própria perpetuação da lide.
Coaduna-se, pois, com os fundamentos do instituto examinado.
36
Conforme visto acima, seis são as circunstâncias capazes de promover a
interrupção da prescrição. A primeira delas, diz o inciso I, é o despacho do juiz, mesmo
incompetente, que ordena a citação, desde que ela seja promovida pelo interessado no prazo e
na forma da lei processual.
Essa norma deve ser entendida no sentido de que “exarado o despacho positivo inicial de citação (‘cite-se’), os efeitos da interrupção do prazo prescricional retroagirão até a data da propositura da ação, desde que a parte promova a citação nos prazos legalmente
previstos.”37 Se ela não o fizer, a interrupção só produzirá seus efeitos na data em que a
citação se realizar.
Comentando dispositivo análogo existente no CC/1916, Câmara Leal38 adverte que
não é apenas a demanda direta que faz interromper a prescrição, já ela também pode ser
barrada por outros meios, tais como a reconvenção.
O autor explica, ainda, que a citação que interrompe a prescrição pode ser qualquer
processo judicial que objetive a proteção do direito. Assim, conclui que a prescrição se
interrompe:
1º - pela citação do prescribente:
a) para demanda relativa ao direito prescribendo; b) para a conciliação preliminar;
c) para processos preparatórios que importem em começo de proteção judicial ao direito prescribendo, como o arresto, o seqüestro, a detenção pessoal;
2º - pelo compromisso para o juízo arbitral;
3º - pela alegação do direito prescribendo, em ação intentada pelo prescribente contra o titular, feita por este, quer por via de exceção, quer de reconvenção, quer de embargos de compensação.
É de se registrar que a capacidade interruptiva da citação independe do feito que a
demanda venha a alcançar. Isto é, qualquer que seja o seu resultado – perempção, extinção
sem resolução do mérito, entre outros – a prescrição é tolhida.
Também a interrompe o protesto feito em juízo com o objetivo expresso de
alcançar esse efeito. Por meio dele, o credor rompe com a inércia e manifesta seu interesse em
37
GAGLIANO, Pablo Stolze e PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil, p. 521. A propósito, o art. 219, caput e § 1º, do CPC, determinam que um dos efeitos da citação é a interrupção da prescrição, a qual retroagirá à data da propositura da ação.
38
que a obrigação seja cumprida. A incompetência do juiz que recebeu esse protesto não tem o
condão de interferir em sua capacidade interruptiva.
O inciso III do art. 202, ao inserir o protesto cambial como uma das formas de
interrupção da prescrição, encerra a discussão anterior à nova codificação, e suplanta o antigo
entendimento jurisprudencial consagrado na Súmula 153 do Supremo Tribunal Federal (STF),
segundo a qual “o simples protesto cambiário não interrompe a prescrição.”
Outra causa que faz interrompê-la é a apresentação de título de crédito em
inventário ou em concurso de credores.
O inciso V encerra norma genérica, que confere a qualquer ato judicial de
constituição do devedor em mora o efeito de interromper a prescrição. Interpelações e
notificações são exemplos dessas medidas.
Por derradeiro, determina o CC que a prescrição se interrompe por qualquer ato do
devedor que importe no reconhecimento do direito, ainda que por via transversa. “Aqui, se
prescinde de um comportamento ativo do credor, o qual se torna desnecessário dado o
procedimento do devedor”, esclarece Sílvio Rodrigues.39 O autor justifica essa regra, dizendo
que se o próprio sujeito passivo, manifestamente, reconhece sua obrigação, “seria estranho
que o credor se apressasse em procurar tornar ainda mais veemente tal reconhecimento.”
Ressalte-se que, embora o terceiro interessado possa, legitimamente, afastar a
renúncia da prescrição, não pode impugnar a interrupção quando ela é provocada por ato do
prescribente. Quer dizer, enquanto a prescrição ainda corre, esse terceiro tem apenas mera
expectativa de direito, insuficiente para impedir que a prescrição se opere por força de ato do
próprio sujeito passivo.
De acordo com o que determina o art. 203 do CC, dá-se a qualquer interessado a
possibilidade de promover os atos tendentes à interrupção da prescrição.
Havendo pluralidade de credores, a interrupção promovida contra um deles não
beneficia os demais, assim como, em caso de pluralidade dos devedores, não prejudica a todos
eles. Porém, em se tratando de solidariedade – ativa ou passiva –, a regra se inverte, e todos
passam a ser atingidos pela interrupção do lapso prescricional.
39
Todavia, se operada diretamente contra um dos herdeiros do devedor solidário,
apenas este será prejudicado por essa causa preclusiva, a menos que se trate de obrigações e
3 A LEI Nº 8.429/92 E O COMBATE À IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
3.1 Delineamentos da probidade
A Carta da República de 1988, tendo fixado as linhas gerais do regramento da
Administração Pública, estatuiu uma série de princípios a serem observados. Além daqueles
explícitos, reconheceu outros, implícitos, extraídos dos incisos e parágrafos do art. 37, e de
outros dispositivos espalhados ao longo de seu texto.
Nesse contexto, elegeu o princípio da probidade administrativa como um dos
fundamentos da Administração Pública, e prognosticou as sanções a que estarão sujeitos os
administradores públicos que incorrerem em atos de improbidade na gestão da coisa pública:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
... § 4º - Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.
Além desta, também outras disposições constitucionais fazem referência ao
princípio em questão. É o caso, por exemplo, do art. 14, § 9º, que prevê a inelegibilidade com
vistas à defesa, entre outras, da probidade administrativa, e do art. 15, V, que autoriza a perda
ou suspensão dos direitos políticos com base nesse mesmo motivo. Bem assim, tem-se o art.
85, V, segundo o qual constituem crime de responsabilidade os atos do Presidente da
República ofensivos à probidade na administração.
As sanções estabelecidas pelo art. 37, § 4º, têm o fim de proteger não apenas o
patrimônio público em seu aspecto econômico e material, mas também os valores morais e
éticos que norteiam o Poder Público. Tanto que se impõem formas de punição graves, como é
o caso da suspensão dos direitos políticos, ainda que do ato não tenha decorrido qualquer