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Imprescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário

Dois são os dispositivos que se prestam a regulamentar a prescrição no âmbito das ações civis públicas por ato de improbidade administrativa. O primeiro deles é o § 5º do art. 37, da CF, o qual declara a imprescritibilidade da pretensão de ressarcimento dos prejuízos causados ao erário, in verbis:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

... § 5º - A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.

A segunda regra é a contida no art. 23, da Lei nº 8.429/92, que determina os prazos para propositura das ações destinadas a levar a efeito as sanções cominadas aos agentes ímprobos:

Art. 23. As ações destinadas a levar a efeitos as sanções previstas nesta lei podem ser propostas:

I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança;

II - dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego.

O texto constitucional acima transcrito consubstancia duas regras distintas. A primeira determina que caberá à lei ordinária fixar os prazos de prescrição dos ilícitos praticados por agentes públicos que ocasionem prejuízos a erário. E a segunda estabelece que

as ações que visam ao ressarcimento correspondente não se sujeitam aos efeitos do tempo.

Desse modo, para que a Lei de Improbidade Administrativa se compatibilize com a ressalva constitucional, é necessário interpretá-la no sentido de que os prazos prescricionais que ela prevê se aplicam a todas as sanções cominadas à improbidade, mas, não, à recomposição dos danos.

Conclui-se, pois, que os prazos previstos no art. 23 da Lei de Improbidade Administrativa se referem apenas às ações que objetivam a aplicação das penas cominadas em seu art. 12, sendo que o ressarcimento, como já se expôs, não tem natureza de sanção. Trata- se apenas de simples restabelecimento do estado anterior dos cofres públicos.

Para que a imprescritibilidade aí prevista seja cabível, é preciso que o erário tenha suportado um prejuízo decorrente de um ato ilícito – que pode ser doloso ou culposo, conforme esclarece o art. 10.

Se a ação civil pública identifica efetivo dano suportado pelo erário, o ressarcimento correspondente é imprescritível.99 Por outro lado, ausente a pretensão ressarcitória, devido à inexistência de prejuízo, a ação de improbidade se submete aos prazos do art. 23.

Por tal razão, há que se manter afastado o prazo de cinco anos conferido às ações populares pelo art. 21, da Lei nº 4.717/65, quando estas tiverem por escopo o ressarcimento do dano. O mesmo se diga em relação ao Decreto nº 20.910/32, que regula a prescrição qüinqüenal dos créditos contra a Fazenda Pública.

A jurisprudência, reiteradamente, tem se manifestado a respeito da não incidência da prescrição sobre as ações de ressarcimento, como se observa do julgado abaixo transcrito:

99 Registre-se a opinião contrária de Marino Pazzaglini Filho, para quem a ação de ressarcimento de danos é ação ordinária que se submete ao prazo decenal do art. 205, do CC: “Primeiro, porque a norma constitucional não afirma que a ação ordinária de ressarcimento é imprescritível. E a imprescritibilidade, por ser exceção ao princípio da segurança nas relações jurídicas, é expressamente consignada no Texto Maior, v.g., art. 5º, XLII [...]; art. 5º, XLIV. [...] Segundo, a prescrição atinge todas as ações patrimoniais, inclusive, segundo a lição de Caio Mário da Silva Pereira, ‘estendendo-se aos efeitos patrimoniais de ações imprescritíveis’. Ante o exposto, qual o prazo prescricional da ação ordinária de reparação de danos ao erário, estando prescrita a ação civil de improbidade administrativa? É o prazo decenal estabelecido para a prescrição comum no art. 205 do CC” (Lei

de improbidade administrativa comentada: aspectos constitucionais, administrativos, civis, criminais,

processuais e de responsabilidade fiscal; legislação e jurisprudência atualizadas. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2006, pp. 230 e 231). É o entendimento de que também comunga Clito Fornaciari Júnior: Prescrição das ações de ressarcimento de danos causados por ato de improbidade administrativa. In: Revista de Informação

Legislativa. Ano 42, nº 165, janeiro a março de 2005. Disponível em: <

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LITISCONSÓRCIO PASSIVO. DESNECESSIDADE. CABIMENTO DA AÇÃO. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. BENEFÍCIO CONCEDIDO DE FORMA IRREGULAR. DANO AO ERÁRIO PÚBLICO. PRAZO PRESCRICIONAL. OMISSÃO NA LEGISLAÇÃO DA AÇÃO CIVIL. PRAZO VINTENÁRIO.

I - Descabido o litisconsórcio passivo com o Prefeito e vereadores que, à época, teriam aprovado a Lei Municipal que culminou por conceder benefício de forma irregular à ré na ação civil movida pelo Ministério Público Estadual, por não se subsumir à hipótese do art. 47 do CPC, sendo partes somente a benefíciária e a Prefeitura.

II - É pacífico o entendimento desta Corte no sentido de ser o Ministério Público legítimo para propor ação civil pública na hipótese de dano ao erário, uma vez que se apresenta como defesa de um interesse público.

III - A ação de ressarcimento de danos ao erário não se submete a qualquer prazo prescricional, sendo, portanto, imprescritível.

IV - Recurso improvido (STJ, Primeira Turma, REsp 810785/SP, Recurso Especial 2006/0005942-1, rel. Min. Francisco Falcão, j. em 02.05.2006, DJ de 25.05.2006).

Uma vez que a ação de improbidade já tenha sido alcançada pelos efeitos do decurso do prazo prescricional, não se admite que a demanda prossiga com o único fim de obter o ressarcimento, mesmo que este se encontre amparado pela imprescritibilidade. Em sendo identificada tal situação, a reparação dos danos há de ser buscada por meio de ação própria, e não no bojo daquela outra.

Assim, quando prescrever a pretensão ocasionada pelo ato ímprobo, o instrumento idôneo para demandar eventual ressarcimento não será a ação civil disciplinada na Lei nº 8.429/92: este deverá ser pleiteado através de ação civil pública autônoma.100

A legitimidade para ajuizá-la não será apenas da pessoa jurídica vitimada pelo prejuízo, mas, também, do Ministério Público, o que não afronta a proibição inserta no art. 129, IX, da CF.101 A atuação ministerial se justifica em razão da gravidade que caracteriza o ato ímprobo, e pela circunstância peculiar de que ele “parte justamente do próprio agente público a quem cabe, por dever de lealdade institucional, a obrigação de velar pela coisa pública, ou do conluio do agente público com terceiro”.102

100 Sérgio Monteiro Medeiros explica que “a Ação Civil Pública mencionada na Constituição Federal é gênero, da qual são espécies a ação civil pública em sentido estrito e a ação de improbidade administrativa. Submetem-se a regramento próprio, estando aquela prevista na Lei n. 7.347/1985, e esta na Lei n. 8.429/1992, ambas estabelecendo rito especial” (Lei de Improbidade Administrativa, p. 04).

101 Art. 129 - São funções institucionais do Ministério Público: [...] X - exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas.

102 SANTOS, Carlos Frederico Brito dos. Improbidade Administrativa: reflexões sobre a Lei nº 8.429/92, p. 96.

Nesse sentido, é a preservação da moralidade pública que exige a atuação do Ministério Público, entendimento consagrado pelo verbete sumular nº 329/STJ, segundo o qual “o Ministério Público tem legitimidade para propor ação civil pública em defesa do patrimônio público.”

Por certo, essa imprescritibilidade assegurada em sede constitucional representa uma exceção, como destaca José Afonso da Silva103 (destaques no original):

A prescritibilidade, como forma de perda da exigibilidade de direito, pela inércia de seu titular, é um princípio geral do direito. Não será, pois, de estranhar que ocorram prescrições administrativas sob vários aspectos, quer quanto às pretensões de interessados em face da Administração, quer quanto às desta em face de administrados. Assim é especialmente em relação aos ilícitos administrativos. Se a Administração não toma providências à sua apuração e à responsabilização do agente, a sua inércia gera a perda do seu ius persequendi. É o princípio que consta do art. 37, § 5º, que dispõe: “A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízo ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento”. Vê-se, porém, que há uma ressalva ao princípio. Nem tudo prescreverá. Apenas a apuração e punição do ilícito, não, porém, o direito da Administração ao ressarcimento, à indenização, do prejuízo causado ao erário. É uma ressalva constitucional e, pois, inafastável, mas, por certo, destoante dos princípios jurídicos, que não socorrem quem fica inerte (dormientibus non sucurrit ius). Deu-se assim à Administração inerte o prêmio da imprescritibilidade na hipótese considerada.

E é por esse motivo mesmo – por se tratar de exceção ao sistema – que há de ser interpretada com rigor e de forma restritiva. Aplicá-la extensivamente afrontaria as normas de segurança jurídica, e contribuiria para a criação de um clima de instabilidade e de incerteza nocivos à sociedade.

Emerson Garcia104 salienta que, mesmo se tratando de danos anteriores à promulgação da Constituição de 1988, a pretensão de ressarcimento é imprescritível, haja vista a impossibilidade de serem invocados direitos adquiridos em face de uma nova ordem constitucional.

103 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 654. 104

4.2 Regramento da prescrição segundo o tipo de vínculo que o agente mantém com a