4.3 Causas interruptivas da prescrição nas ações de improbidade administrativa
4.3.2 Instauração de procedimento investigativo como causa interruptiva da prescrição
Além do ajuizamento da ação correspondente, outra circunstância capaz de barrar o curso prescricional é a instauração de procedimento para apuração dos atos de improbidade administrativa, o que se justifica pelo fato de que, na medida em que providências dessa natureza são adotadas, desaparece a inércia indispensável para se caracterizar a prescrição. Outra não é a opinião de Sérgio Monteiro Medeiros:123
(...) entendemos cabível a interrupção pela prática de qualquer ato inequívoco que importe apuração do fato, seja em província administrativa – mediante instauração de sindicância, procedimento administrativo, processo administrativo-disciplinar ou inquérito policial – ou judicial, por meio de justificação judicial ou qualquer outra cautelar, desde que estreitamente vinculada ao objeto da futura ação e efetivamente necessária à sua propositura, e.g., quando nesse procedimento vem a ser identificada a autoria.
Mais uma vez, ressente-se o intérprete de uma menção legal expressa nesse sentido, o que, todavia, não impede o reconhecimento de mais essa causa interruptiva, tal qual se fez em relação à propositura da ação judicial, que também não está prevista na Lei nº 8.429/92 como causa obstativa do curso prescricional.
Ora, a prescrição, segundo já se teve oportunidade de examinar, é o perecimento da pretensão provocado pela inércia de seu titular, aliado ao transcurso do tempo. Não é,
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repise-se, a mera passagem deste último, alheia ao empenho de quem procura ver restaurado o equilíbrio perdido com a violação do direito.
Na medida em que os legitimados a utilizar os instrumentos legais de combate à improbidade administrativa empreendem esforços no sentido de investigá-la e de apurar quem são seus responsáveis, não se tem a prescrição, porque inércia não há.124 E, ausente a negligência, a inação desses sujeitos, por certo que a prescrição deverá ser mantida intacta.
Lembre-se de que, em face do juízo de prelibação instituído pelo § 8º do art. 17, que admite uma incursão no mérito da causa antes mesmo de estar completa a relação processual, é necessário que a petição inicial da ação de improbidade administrativa seja guarnecida com provas robustas. Isto sob pena de o feito ser prematuramente extinto, sem que haja oportunidade para uma produção probatória mais completa em momento posterior.
Aliás, o § 6º já adverte que a ação deverá ser instruída com documentos ou justificação que contenham indícios suficientes da existência do ato de improbidade. Caso isso não seja possível, é ônus do autor oferecer razões fundamentadas da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas. A esse propósito, transcreve-se o escólio de Cassio Scarpinella Bueno:125
Este § 6º, que trata da petição inicial da ação de improbidade administrativa, não pode ser lido fora do contexto do procedimento especial estabelecido sobretudo pelos §§ 7º e 8º, que lhe seguem (...) Os documentos, as justificações, as escusas e a
conduta de quem pretende tipificar ato(s) de improbidade administrativa serão
analisados não só no decorrer do procedimento (mais aprofundadamente na fase instrutória), mas receberão um juízo de admissibilidade expresso e razoavelmente profundo (até mesmo exauriente, quando a hipótese é de declaração da inexistência do ato de improbidade ou de improcedência da ação) logo após o estabelecimento do prévio contraditório, na forma como disciplinam os precitados §§ 7º e 8º. Se assim é, e porque o § 6º insere-se no mesmo contexto normativo dos §§ 7º e 8º do art. 17 da Lei 8.429, de 1992, não há como deixar de constatar que a petição inicial da ação de improbidade administrativa deve ser, desde a vigência daquelas normas – 27 de janeiro de 2001 –, proporcionalmente mais substancial do que a das outras ações, que não têm esta fase preliminar de admissibilidade da inicial em
contraditório. Nestas condições, a delimitação dos fatos, da causa de pedir e a produção imediata da correspondente prova dos fatos narrados (quando for o caso)
deve ser bastante robusta, sob pena de comprometer, já de início, o seguimento da 124
Sérgio Ferraz explica que, em qualquer das siuações contempladas na Lei nº 8.429/92, o Ministério Público é legitimidado para propor a ação de improbidade administrativa. Além dele, estão também legitimadas as pessoas jurídicas referidas no art. 1º do citado diploma, as quais poderão representar ao Ministério Público ou ajuizar diretamente a ação. Nesse último caso, e apenas nele, é preciso que se verifique o requisito da pertinência subjetiva, isto é, o interesse a ser tutelado deve ter relação com as atribuições ou finalidades dessa pessoa jurídica (Aspectos processuais na lei sobre improbidade administrativa. In: SAMPAIO, José Adércio Leite
et alli (org). Improbidade Administrativa – 10 anos da Lei n. 8.492/92, p. 438).
125 BUENO, Cassio Scarpinella. O procedimento especial da ação de improbidade administrativa. In: BUENO, Cassio Scarpinella e PORTO FILHO, Pedro Paulo de Rezende. Improbidade administrativa – questões polêmicas e atuais, pp. 165 e 166.
ação e, até mesmo, sua rejeição com apreciação de mérito. É dizer: ou comprova-se, desde logo, que a ação de improbidade administrativa é razoavelmente bem fundada e bem fundamentada ou é caso de extinção do processo desde logo, inclusive com o julgamento “prematuro” do mérito (CPC, art. 269, I).
Para evitar esse desfecho indesejado, é necessário que o ajuizamento da ação seja feito de forma planejada, por meio de uma inicial bem instruída, com demonstração clara dos indícios de improbidade. E a arrecadação de tais elementos indicativos de ofensa à probidade administrativa, por certo, é tarefa que reclama a dedicação de uma generosa parcela de tempo por parte dos sujeitos dela incumbidos.
Assim, enquanto o agente estiver empenhado na busca dos documentos e das provas exigidas pelo § 6º, não seria justo permitir-se o transcurso impune da prescrição, alheio a qualquer causa interruptiva, pois tal solução, certamente, não atenderia aos fins sociais da lei de improbidade administrativa.
Ponderando a esse respeito, Sérgio Monteiro Medeiros leciona:
Não seria razoável, outrossim, tipificando ofensa ao princípio constitucional da proporcionalidade, que não tendo havido inércia no concernente à atividade persecutória, que fluísse o prazo prescricional, desconsiderando-se um dos requisitos básicos da prescrição.
Para tantos, invocamos, por analogia, as disposições legais seguintes:
Lei n. 8.112, de 11 de dezembro de 1990:
“Art. 142. (...) (...)
§ 3º A abertura de sindicância ou a instauração de processo disciplinar interrompe a prescrição, até a decisão final proferida por autoridade competente.
§ 4º Interrompido o curso da prescrição, o prazo começará a correr a partir do dia em que cessar a interrupção.”
Lei n. 9.873, de 23 de novembro de 1999:
“Art. 2º Interrompe-se a prescrição: (...)
II - por qualquer ato inequívoco, que importe apuração do fato;”.
Embora esta última se refira ao prazo prescricional para a ação punitiva da União, no exercício do poder de polícia, parece-nos cabível sua aplicação, haja vista o acima expendido e a ausência de disposições específicas.
Realmente, em face da inexistência de previsão na Lei de Improbidade Administrativa, é cabível, aqui, a aplicação subsidiária do art. 142, § 3º, da Lei nº 8.112/90,
segundo o qual a abertura de sindicância ou a instauração de processo disciplinar
interrompe a prescrição, até a decisão final proferida por autoridade competente,
cláusula que se alinha perfeitamente com as condições elementares do referido instituto, de que se falou no início desse trabalho.
No caso, afasta-se a aplicação da Lei nº 9.873/99, que cuida do prazo de prescrição para o exercício de ação punitiva pela Administração Pública Federal, visto que o seu art. 5º contém determinação no sentido de que as disposições dessa norma não são aplicáveis às infrações funcionais.126 De qualquer modo, o preceito veiculado por meio de seu art. 2º serve para reforçar o entendimento de que a promoção de atos voltados à apuração dos ilícitos faz interromper a prescrição.
Por outro lado, se o não ajuizamento da ação deveu-se à desídia dos órgãos apuradores, é certo que não se poderão afastar os efeitos da prescrição. Ademais, a instauração de procedimento apuratório não tem o condão de estancar o prazo prescricional por tempo indeterminado.
De fato, não seria razoável admitir-se que o sujeito passivo da ação de improbidade administrativa ficasse indefinidamente sujeito às penalidades da lei apenas por conta de tal instauração, pois esse expediente não apenas afrontaria a segurança jurídica, como também destoaria por completo da regra geral da prescritibilidade das pretensões, que vigora no sistema brasileiro.
Vale ressaltar que, em oportunidades pretéritas, ao se manifestar a respeito de procedimentos administrativos para apuração de faltas cometidas por servidores públicos, o STF firmou o entendimento no sentido de que, tendo sido instaurado o processo administrativo ou a sindicância, o prazo prescricional do art. 142, da Lei nº 8.112/90 é interrompido, e fica estacionado por um prazo máximo de 140 dias,127 ao término do qual sua contagem se reinicia (destacou-se):
126 Impossível, igualmente, a aplicação da Lei nº 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal, por não ter a citada norma se dedicado a essa questão.
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O art. 152, da Lei nº 8.112/90 determina que “o prazo para conclusão do processo disciplinar não excederá 60 dias, contados da data de publicação do ato que constituir a comissão, admitida a sua prorrogação por igual prazo, quando as circunstâncias o exigirem”. Ou seja, o prazo máximo para que seja concluído, admitindo-se a sua proprrogação, é de 120 dias. A esse intervalo, deve-se somar o prazo do art. 167, que confere 20 dias, contados do recebimento do processo, para que a autoridade julgadora profira sua decisão. É com base nesse cálculo que a jurisprudência concluiu ser de 140 dias o período máximo pelo qual se admite que a interrupção projete seus efeitos sobre o lapso prescricional.
“I. Cassação de aposentadoria pela prática, na atividade, de falta disciplinar punível com demissão (L. 8.112/90, art. 134): constitucionalidade, sendo irrelevante que não a preveja a Constituição e improcedente a alegação de ofensa do ato jurídico perfeito. II. Presidente da República: competência para a demissão de servidor de autarquia federal ou a cassação de sua aposentadoria. III. Punição disciplinar: prescrição: a instauração do processo disciplinar interrompe o fluxo da prescrição, que volta a correr por inteiro se não decidido no prazo legal de 140 dias, a partir do termo final desse último. IV. Processo administrativo-disciplinar: congruência entre a indiciação e o fundamento da punição aplicada, que se verifica a partir dos fatos imputados e não de sua capitulação legal” (STF, Pleno, MS 23299/SP, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 06.03.02, DJ de 12.04.02).
O entendimento que aí se consagra é de que o sujeito passivo da ação judicial não pode ficar, indefinidamente, aguardando ação do sujeito ativo, por conta de causas interruptivas da prescrição, como a abertura de sindicância ou de processo administrativo disciplinar.
No que respeita às ações de improbidade, a conclusão a que se chega segue o mesmo rumo. Também nesse âmbito, a abertura de procedimento investigativo não poderá barrar o curso prescricional por tempo indeterminado, sob pena de se tornar imprescritível, por essa simples instauração, o direito de punição do agente ímprobo, o que não se alinha com os princípios basilares da ordem jurídica pátria.
É que seria de todo despropositado permitir que o curso prescricional ficasse obstado por tempo indefinido, por conta da falta de diligência de quem deveria proceder às investigações. Desse modo, o prolongamento do inquérito civil, sem motivo plausível que o justifique no caso concreto, não tem o condão de afastar o fluxo prescricional.
Ocorre que inexiste qualquer prazo legal para encerramento do inquérito civil, o que pode dar margem a duas interpretações distintas.128
De um lado, pode-se considerar que a interrupção por ele operada estende seus efeitos até a sua conclusão final, de modo que, enquanto perdurarem as investigações, estará obstada a prescrição. Tal interrupção haveria de ser interpretada segundo padrões de
128 A respeito do prazo para conclusão do inquérito civil, o art. 15, da Resolução nº 87/2006, do Conselho Superior do Ministério Público Federal determina que o inquérito civil deve ser encerrado no prazo de um ano, prorrogável pelo mesmo prazo e quantas vezes forem necessárias, por decisão fundamentada de seu presidente, à vista da imprescindibilidade da realização ou conclusão de diligências e desde que autorizadas pela Câmara de Coordenação e Revisão pertinente ou pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão. Tramita no Conselho Nacional do Ministério Público o Projeto de Resolução que tem como objetivo disciplinar em todo o Ministério Público Nacional a instauração e a tramitação de inquérito civil. De acordo com o art. 10, do citado projeto, o inquérito civil deverá ser concluído no prazo de 180 dias, prorrogável quando necessário, cabendo ao Órgão de Execução motivar a prorrogação nos próprios autos (Plenário aprecia proposta de resolução sobre inquérito civil no MP. Notícias CNMP, Brasília, 04.06.2007. Disponível em: < http://www.cnmp.gov.br/noticias_cnmp/plenario-aprecia-proposta-de-resolucao-sobre-inquerito-civil-no-mp>. Acesso em 08.06.2007, às 15:20).
razoabilidade, sob pena de se dar margem a uma situação de incerteza jurídica, dado que o agente não pode remanescer, indefinidamente, sob a perspectiva de ser punido a qualquer tempo.
Essa tese, todavia, tem como obstáculo o fato de não apontar um prazo definido de duração, o que poderia dar margem a uma situação de instabilidade e mesmo de injustiça, pela adoção, na prática, de prazos prescricionais diferenciados para condutas semelhantes.
Como se vê, a inconveniência dessa solução está em deslocar o recomeço da contagem prescricional para um momento posterior, sem oferecer qualquer limite máximo para a extensão daqueles efeitos interruptivos. Dessa forma, volta-se ao problema inicial de se colocar em risco a regra da prescritibilidade das pretensões.
Diante disso, a solução que se revela mais apropriada é a adoção, aqui, do prazo de 140 dias, que tem esteio na Lei nº 8.112/90, e tem sido utilizado pela Suprema Corte como paradigma para delimitar a interrupção prevista no art. 142, § 3º, na esfera dos processos administrativos.
Essa tese, embora também apresente os seus percalços, tem a indisfarçável vantagem de atender à necessidade de interrupção do prazo prescricional sem afastar a segurança jurídica que se busca resguardar através da prescrição.
Por conseguinte, em face da ausência de previsão legal de prazo para encerramento de procedimentos administrativos investigatórios e de inquéritos civis públicos, e tendo em vista a impossibilidade sistêmica de que a instauração desses expedientes obste o curso prescricional por período indefinido – o que poderia redundar na imprescritibilidade da pretensão que eles buscam amparar –, a melhor alternativa será a aplicação analógica do limite de 140 dias referido na Lei nº 8.112/90, segundo a interpretação que lhe tem conferido o STF.
Defendendo entendimento semelhante, assim se manifesta Mauro Roberto Gomes de Mattos:129
Após toda a exposição legal e jurisprudencial, fica bem nítido que a prescrição intercorrente é plenamente aplicável ao processo administrativo que apura a improbidade administrativa, estabilizando as relações jurídicas no decurso do tempo, como uma forma de garantir a paz social. Ultrapassados os 5 (cinco) anos legais, contados da data do ato administrativo investigado, acrescido de 140 (cento 129 MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. O limite da improbidade administrativa: o direito dos administrados dentro da lei nº 8.429/92, pp. 818 e 819.
e quarenta) dias, alusivo a conclusão do processo disciplinar e à imposição de pena, para o servidor público federal, fica consumada a prescrição, retirando do Poder Público o direito de promover punição quando exaurido o prazo legal. Quanto aos demais agentes públicos, a regra é a mesma, alterando apenas o prazo da suspensão, que varia em conformidade com os respectivos estatutos jurídicos.
Funciona a prescrição intercorrente como um princípio indelegável no processo disciplinar.
Dessa forma, a prescrição para o agente público que possua cargo ou emprego efetivo, para a apuração da prática de ato de improbidade administrativa é de 5 anos contados da data do fato investigado. A única ressalva que se faz é que a Lei nº 8.112/90, interpretada pelo STF, permite a suspensão do prazo prescricional por até 140 dias, período da apuração e do julgamento do processo administrativo disciplinar, voltando a mesma a fluir normalmente após o decurso do mesmo.
Como se vê, o autor se refere ao prazo de 140 dias em que a prescrição deixa de correr como sendo um período de suspensão do prazo prescricional. Todavia, tal terminologia parece não ser a mais adequada, haja vista que, embora o curso da prescrição fique parado durante esse intervalo, em verdade, ele não se suspende, mas se interrompe.
Tanto é assim que, quando volta a correr, sua contagem, diferentemente do que se verifica com a suspensão, não se reinicia a partir do momento em que havia sido obstada. Antes, ela volta à estaca zero, desconsiderando-se por completo o tempo que havia decorrido até então. O que ocorre, portanto, é a interrupção do curso prescricional, e não, a suspensão, como se poderia pensar, e é nesses termos que a questão tem sido compreendida pelo STF.130
4.3.3 Causas de interrupção previstas na Lei Penal e sua aplicabilidade às ações de