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Atos de improbidade administrativa que importam enriquecimento ilícito

3.2 Atos de improbidade administrativa

3.2.1 Atos de improbidade administrativa que importam enriquecimento ilícito

A primeira das espécies de improbidade contemplada pela Lei nº 8.429/92 é a que importa o enriquecimento ilícito, isto é, a que acarreta alguma vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades relacionadas no art. 1°.55

Considera-se vantagem indevida aquela obtida sem qualquer justificativa plausível que a respalde.56 O que se busca censurar é a manipulação da função pública para obter proveitos a que não se faz jus, por qualquer meio ardiloso – abuso ou excesso de poder, exploração de prestígio, tráfico de influência, entre outros.

O dispositivo atinge o enriquecimento irregular não apenas do próprio agente público, mas também de terceiros. Tanto é assim que os arts. 6º, 7º e 16 prevêem a

55 Tais entidades são as que compõem a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual. O parágrafo único inclui, ainda, as entidades que recebem subvenção, benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público, bem como aquelas para cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.

56 COSTA NETO, Nicolao Dino de Castro e. Improbidade Administrativa: aspectos materiais e processuais.

In: SAMPAIO, José Adércio Leite et alli (org). Improbidade Administrativa – 10 anos da Lei n. 8.492/92, p.

possibilidade de estes últimos serem alcançados pela perda de valores, pela indisponibilidade ou pelo seqüestro de bens, tanto quanto aquele.

O enriquecimento ilícito que se procura combater pode ou não causar prejuízo aos cofres públicos, mas não é essa a questão que aqui se focaliza, e sim, o desvio ético do agente que se utiliza de suas atribuições para conseguir, ainda que para outrem, benefícios econômicos indevidos. Aliás, mesmo que o ato observe todos os aspectos formais que o regem, se tiver sido utilizado como trampolim para a obtenção de vantagem imerecida, estará configurada a improbidade.

A improbidade administrativa que implica enriquecimento ilícito exige o dolo por parte do agente ímprobo, e é a mais grave dentre as modalidades contempladas na Lei nº 8.429/92. E, por essa razão, é também a que recebe as reprimendas mais contundentes.

Os incisos do art. 9º ilustram algumas condutas ímprobas que importam enriquecimento ilícito, sendo o caput do dispositivo a matriz dessa espécie de improbidade, como ressalta Wallace Paiva Martins Júnior57:

Como já dito, o rol do art. 9º é exemplificativo, mas com base nele e no caput do preceito legal é possível a diagnose de grupos ou subespécies de enriquecimento ilícito no exercício de função pública: a) o auferimento de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício da função pública em sentido amplo, por ação ou omissão legal ou ilegal (art. 9º, caput, V, IX e X); b) a percepção de vantagem econômica de quem tenha potencial interesse a ser satisfeito por ação ou omissão do agente público (art. 9º, I e VIII); c) a percepção de vantagem econômica indevida aliada à causação de prejuízo ao erário (art. 9º, II, III, IV, VI, XI e XII); d) a aquisição de bens de qualquer natureza de valores desproporcionais à evolução do patrimônio ou renda (art. 9º, VII).

Dentre os exemplos oferecidos pelo art. 9º, destaca-se o inciso VII, segundo o qual constitui ato de improbidade administrativa adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público.

Esse dispositivo é norma residual, especialmente útil naquelas hipóteses em que estão mascaradas a ação ou a omissão do agente ímprobo. Como destaca o autor supracitado, “se não se prova a prática ou a abstenção de qualquer ato de ofício do agente público que

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enriqueceu ilicitamente, satisfaz o ideário de repressão à imoralidade administrativa provar que seu patrimônio tem origem inidônea (...)”.58

É que a lei, ciente das dificuldades cotidianamente enfrentadas no combate à improbidade administrativa, cria instrumentos para contornar os engenhosos subterfúgios usados pelos agentes violadores da probidade administrativa. Assim, para que se configure a improbidade marcada pelo enriquecimento ilícito, há que se verificar a convergência de dois fatores.

O primeiro deles é a desproporcionalidade entre a renda do agente público e a sua evolução patrimonial. O segundo é a prova de que não há outra origem para as suas posses, ou seja, a comprovação de que não há nenhuma herança, nenhum outro negócio ou fonte lícita que justifique o descompasso entre os valores por ele percebidos na qualidade de agente público e os bens incorporados ao seu patrimônio.

Afirma-se que, em tais situações, vigora a inversão do ônus da prova, de modo que, para livrar-se da pecha de ímprobo, caberá ao agente público demonstrar que há compatibilidade entre o seu patrimônio e a renda percebida.59

Contudo, essa questão há de ser analisada com bastante cautela, a fim de que não seja lesionado o princípio da presunção de inocência, contemplado no art. 5º, LVII, da CF,60 e que vigora plenamente no âmbito do combate à improbidade administrativa.

Ao ingressar na Administração Pública, o agente público é obrigado a declarar os bens que compõem seu patrimônio pessoal, devendo atualizá-lo anualmente, segundo determina o art. 13, da Lei nº 8.429/92, e a Lei nº 8.730/93,61 instituídos como forma de facilitar a fiscalização da improbidade administrativa. Além dessa declaração, prestada pelo próprio agente, conta-se, ainda, com outras fontes de informação, tais como cadastros ou rendimentos em seu nome existentes em instituições bancárias, serviços notariais e de registros públicos etc.

A prova de que há incompatibilidade caberá ao autor da ação, a quem competirá a missão de, diante de indícios de irregularidade, investigar tais fontes em busca de elementos que a comprovem. Uma vez feita essa demonstração, estará identificada a improbidade, a

58 MARTINS JÚNIOR, Wallace Paiva. Probidade Administrativa, pp. 231 e 232.

59 MEDEIROS, Sérgio Monteiro. Lei de Improbidade Administrativa. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2003, p. 04.

60 Art. 5º, LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. 61 Disposições semelhantes são trazidas pelo art. 13, § 5º, da Lei nº 8.112/90 – Estatuto dos servidores públicos da União – e pelo art. 22, da Lei nº 9.826/74 – Estatuto dos funcionários públicos civis do Estado do Ceará.

menos que o agente obtenha êxito em explicar a origem dos bens ou a razão de sua evolução patrimonial fora de proporção.

Sobre essa temática, cabe observar a pertinente lição de Nicolao Dino de Castro e Costa Neto:62

Ora, qual é a probabilidade de um agente público adquirir, de forma lícita, um bem cujo valor seja incompatível com a evolução de seu patrimônio ou de sua renda? A resposta é nenhuma. Existe impossiblidade material e lógica de qualquer pessoa incorporar licitamente ao seu patrimônio bens que sejam desproporcionais à sua receita.

Não há aí uma mera presunção, mas uma certeza matemática de que inexiste possibilidade lícita de agregação patrimonial para um agente público cuja única fonte de receita seja o exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública.

Nesse sentido, não há qualquer prejuízo ao princípio da presunção de inocência, que só teria sido ferido se fosse exigida do agente a comprovação da origem de seu patrimônio mesmo ante à ausência de qualquer vestígio de desproporcionalidade em relação à sua renda.