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Tiago Lopes de Oliveira

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Academic year: 2018

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Tiago Lopes de Oliveira

A situação atual da psicologia na educação: a presença da ciência e da tecnologia

DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: HISTÓRIA, POLÍTICA, SOCIEDADE

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Tiago Lopes de Oliveira

A situação atual da psicologia na educação: a presença da ciência e da tecnologia

DOUTORADO EM EDUCAÇÃO: HISTÓRIA, POLÍTICA, SOCIEDADE

DOUTORADO: Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de DOUTOR em Educação: História, Política, Sociedade, sob a orientação do Prof. Doutor Odair Sass.

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Banca Examinadora

____________________________________

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Resumo

O presente trabalho pretende contribuir para um processo de reflexão sobre a atual situação da psicologia no campo da educação e tem como objetivos investigar: a) que teorias psicológicas são predominantes nessa área de estudo; b) como essas teorias podem ser utilizadas nas pesquisas que relacionam psicologia e educação. O estudo foi fundamentado na descrição sobre a estrutura objetiva da sociedade industrial e sua concernente racionalidade, contendo uma discussão sobre a relação entre ciência e tecnologia. Com o propósito de levantar dados sobre o objeto deste estudo foi elaborada uma discussão sobre o desenvolvimento da psicologia no campo da educação, com foco no desenvolvimento da psicologia educacional e escolar e na fundamentação teórica da psicologia na educação. Também foi elaborado um levantamento junto ao Banco de Teses da CAPES com o intuito de conhecermos melhor a presença das teorias psicológicas na educação. Por fim, foi realizada a análise de duas teses de doutorado com o intuito de demonstrar os possíveis usos das teorias psicológicas na educação. Para fundamentarmos as análises, privilegiamos principalmente os conceitos de ciência e tecnologia, racionalidade tecnológica, formação e sociedade industrial apresentados pelos autores da teoria crítica, Adorno, Horkheimer e Marcuse. Nessa pesquisa observamos que atualmente há, no campo da educação, uma tendência de predominância de teorias psicológicas que consideram fundamentais em suas análises os aspectos sociais e históricos implicados no processo de formação do indivíduo. Constatamos, no entanto, que o potencial de transformação social dessas teorias também depende da forma como são apreendidas nas pesquisas. Por fim, concluímos que atualmente, na educação, a psicologia passa a apresentar uma maior preocupação com os aspectos sociais e históricos do processo educacional em detrimento de uma visão mais individualista. E esse fato, favorece o desenvolvimento da psicologia como ciência na educação.

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Abstract

This work aims to contribute to a process of reflection on the current situation of psychology in the education field and aims to investigate: a) that psychological theories are prevalent in this area of study, b) how these theories can be used in researches that link psychology and education. The study was founded on the description of the objective structure of industrial society and its concerning rationality, containing a discussion about the relationship between science and technology. With the purpose of collecting data about the object of this study was elaborated a discussion about the development of psychology in the education field, focused on the development of educational psychology and scholastic and on the theoretical foundation of psychology in education. It was also prepared a survey with the CAPES Bank of Thesis in order to better understand the presence of psychological theories in education. Finally, we performed the analysis of two doctoral theses in order to demonstrate the possible uses of psychological theories in education. To establish the analyzes, we focus mainly on the concepts of science and technology, technological rationality, training and industrial society presented by the authors of critical theory: Adorno, Horkheimer and Marcuse. In this research we found that there are currently, in the field of education, a trend of prevalence of psychological theories that consider fundamental in their analyzes historical and social aspects implicated in the process of formation of the individual. We note, however, that the transforming potential of these theories also depends on the way they are perceived in the polls. Finally, we conclude that currently in education the psychology begins to show greater concern with the social and historical aspects of the educational process at the expense of a more individualistic vision. And this fact favors the development of psychology as science in education.

Keywords: science and technology, technological rationality, critical theory of society, psychology and education.

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Riassunto

Questo lavoro si propone di contribuire ad un processo di riflessione sulla attuale situazione della psicologia nel campo dell'educazione e si propone di indagare: a) le teorie psicologiche che sono prevalenti in questo settore di studi, b) come queste teorie possono essere utilizzati nella in ricerca che collega psicologia e l'educazione. Lo studio è stato basato sulla descrizione della struttura oggettiva della società industriale e la sua razionalità relativa, contenente una discussione del rapporto tra scienza e tecnologia. Con lo scopo di raccogliere dati circa l'oggetto di questo studio, è stato elaborato una discussione dello sviluppo della psicologia nel campo dell'educazione, con un focus nello sviluppo della psicologia educativa e accademica e nel fondamento della psicologia nell'educazione. Anche un sondaggio è stato preparato dalla Banca di tesi dalla CAPES, al fine di conoscere meglio la presenza di teorie

psicologiche nell’educazione. Finalmente, abbiamo effettuato l'analisi di due tesi di dottorato per dimostrare i possibili usi di teorie psicologiche nell’educazione. Per fondamentare le analisi, ci concentriamo principalmente i concetti di scienza e tecnologia, razionalità tecnologica, formazione e società industriale presentato dagli autori della teoria critica: Adorno, Horkheimer e Marcuse. In questa ricerca abbiamo trovato che ci sono attualmente, nel campo della educazione, una tendenza di prevalenza di teorie psicologiche che considerano fondamentale nella loro analisi gli aspetti storici e sociali coinvolti nel processo di formazione della persona. Notiamo, tuttavia, che il potenziale sociali trasformante di queste teorie dipende anche dal modo in cui si sono percepiti nei sondaggi. Infine, concludiamo che, attualmente, nel'educazione, la psicologia inizia a mostrare una maggiore attenzione per gli aspetti sociali e storici del processo formativo, a spese di una visione più individualistica. E questo fatto favorisce lo sviluppo della psicologia come scienza nell’educazione.

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Agradecimentos

Agradeço ao CNPq pelo financiamento da bolsa de estudo.

Ao Prof. Odair Sass, pela paciência e dedicação dispensadas durante todas as orientações.

Ao Prof. José Leon Crochik que também contribui com essa pesquisa e a enriqueceu com suas contribuições sempre sábias e incentivadoras.

Ao Prof. Carlos Antonio Giovinazzo Jr. que com muita humildade me ajudou na conclusão dessa pesquisa.

À Prof.ª Maria do Carmo Guedes por tudo aquilo que me ensina em todos os nossos encontros.

Aos professores do Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade, pelos ensinamentos que contribuíram para a minha formação.

À Betinha, pela simpatia e gentileza com que sempre ajuda a todos que precisam resolver algum problema.

Um agradecimento especial aos amigos de turma: Márcia, Renata, Álvaro, Anoel, Domênica, Tânia e Elis, com toda certeza vocês fizeram a diferença nesse meu percurso.

À Letícia, pelas horas de saudades e por ser uma das pessoas mais importantes da minha vida, a quem eu dedico esse trabalho. Aproveito para agradecer a Vera e Hilda pelo incentivo e pelas boas conversas.

Aos amigos Daniel, Rafael, Caio Rocha, Paulo, Trude, Pablo, Lalo, Nuno, Caio, Renato, Renato Blota, Marco, Rodriguinho, Ricardo Bonante, Rick, Denis, Sé e Lula, pelo companheirismo e por tudo aquilo que aprendo com vocês a cada dia. Valeu!

Ao Diego, Dimitri e Natasha, que mesmo morando longe, estão sempre presentes em meu coração.

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Sumário

Apresentação 12

Introdução 13

Justificativa 15

Tema da pesquisa 16

Problema e objeto da pesquisa 18

Objetivo 18

Hipótese 21

1. Ciência e tecnologia na sociedade industrial 23

1.1. Estrutura objetiva da sociedade industrial: a maquinaria e a indústria moderna 25

1.2. Da racionalidade individualista à racionalidade tecnológica 30

1.3. Controle social, tecnologia e ideologia da racionalidade tecnológica 40

1.4. Relações entre ciência e tecnologia 46

2. A psicologia no campo da educação 51

2.1. As definições da psicologia no campo da educação 51

2.1.1. A relação entre a psicologia e o desenvolvimento da psicologia escolar e educacional 61

2.1.2. A proposta de periodização da psicologia educacional e escolar 66

2.2. Fundamentação teórica da psicologia na educação 77

2.2.1. As teorias psicológicas presentes na educação 78

2.3. O caráter social da educação, a ausência da psicologia social e suas implicações 104

3. O desenvolvimento da psicologia na educação 108

3.1. Levantamento de dados junto ao Banco de Teses da Capes 109

3.1.1. Procedimentos utilizados na seleção dos resumos 109

3.1.2. Procedimentos utilizados na análise dos resumos selecionados 112

3.1.3. Resultados da análise dos resumos 114

3.2. Procedimentos para seleção das teses 117

3.2.1. Parâmetros utilizados na análise das teses selecionadas 118

3.3. A psicologia como ciência na educação 119

3.3.1. Informações da tese 1 119

3.3.2. Análise da tese 1 120

3.4. A psicologia como tecnologia na educação 125

3.4.1. Informações da tese 2 126

3.4.2. Análise da tese 2 126

Considerações Finais 136

Referências Bibliográficas 140

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Lista de Siglas

ABRAPEE - Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior EHPS - Educação: História, Política, Sociedade

EJA - Educação de Jovens e Adultos

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Lista de Tabelas e Quadros

Quadro 1 - Concepções de Ciência e Tecnologia 50

Quadro 2 - Formulário para catalogação das informações 110

Tabela 1 - Frequência total dos resumos selecionados separada por ano e palavra-chave 110

Tabela 2 - Frequência de resumos excluídos separada por palavra-chave e motivos da

exclusão 111

Tabela 3 - Frequência de resumos excluídos separada por ano e motivos da exclusão 111

Tabela 4 - Frequência de resumos analisados separada por ano e palavra-chave 112

Tabela 5 - Frequência de resumos separada por referência teórica 115

Tabela 6 - Frequência de resumos separada por referências principais 115

Tabela 7 - Informações dos resumos analisados organizados por área de estudo 148

Tabela 8 - Informações dos resumos analisados organizados por ano 152

Tabela 9 - Informações dos resumos selecionados reunidos na categoria ‘Área como

Referência’ 156

Tabela 10 - Informações dos resumos selecionados reunidos na categoria ‘Fenomenologia’

157

Tabela 11 - Informações dos resumos selecionados reunidos na categoria ‘Foucaultiana’158

Tabela 12 - Informações dos resumos selecionados reunidos na categoria ‘Histórico

-Social-Vigotskiana’ 159

Tabela 13 - Informações dos resumos selecionados reunidos na categoria ‘Marxista’ 160

Tabela 14 - Informações dos resumos selecionados reunidos na categoria ‘Miscelânea’ 161

Tabela 15 - Informações dos resumos selecionados reunidos na categoria ‘Outras

Referências’ 162

Tabela 16 - Informações dos resumos selecionados reunidos na categoria ‘Piagetiana

-Cognitivista’ 163

Tabela 17 - Informações dos resumos selecionados reunidos na categoria ‘Psicanalítica’164

Tabela 18 - Informações dos resumos selecionados reunidos na categoria ‘Teoria das

Representações Sociais’ 165

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El mejor argumento en favor de la educación superior, la frase más cabal que vendría a resumir lo que ella puede hacer por nosotros, es la afirmación de que debe capacitarnos para distinguir a un hombre bueno cuando lo vemos.

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12 APRESENTAÇÃO

Esta pesquisa tem como referência o projeto temático de pesquisa Teoria crítica,

formação e indivíduo, sob a coordenação geral dos professores José Leon Crochík

(USP/IPUSP) e Odair Sass (PUCSP/EHPS). O projeto temático é sustentado por dois projetos de pesquisa, distintos e articulados: a) um denominado Preconceito em relação

aos incluídos na Educação Inclusiva, de autoria de Crochík, que investiga o preconceito

e a discriminação manifestados sobre alunos incluídos na escola regular, vinculando-se às questões da Educação Inclusiva e ao tema da Inclusão Social; b) o outro, cujo título é

Relações entre a Psicologia e a Estatística na constituição do campo educacional, de

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13 INTRODUÇÃO

Na pesquisa que realizei sobre a situação do trabalho juvenil e as suas implicações sobre os sujeitos, analisei os motivos que levam um jovem a querer trabalhar, bem como os efeitos do trabalho sobre esse jovem (Oliveira, 2008). Descobri que no estágio1, os jovens, ao invés de realizarem atividades que trazem aspectos positivos para a sua formação, assimilam um modelo de comportamento e um padrão de pensamento compatíveis com a sociedade industrial capitalista. Os jovens aprendem a

respeitar regras e pensar de forma eficiente, o que significa, pensar somente na medida

em que são solicitados a responder às exigências do aparato; pensar a mais ou a menos não é desejável nem necessário. O referencial teórico que utilizei para realizar a análise do trabalho juvenil foi o da teoria crítica. Na obra dos autores da Escola de Frankfurt –

em especial, Adorno, Horkheimer e Marcuse –, encontrei a base explicativa para essa forma de pensar, denominada racionalidade tecnológica. De acordo com esses autores,

a sociedade do capitalismo tardio sustenta e é sustentada com base nessa ideologia da

racionalidade tecnológica, fenômeno que traz uma série de implicações para a

sociedade e os indivíduos. Essas implicações vão da paralisia da crítica à absorção

completa do indivíduo pelo sistema social. Os indivíduos já não mais conseguem

opor-se ao que está estabelecido, além do que a ciência e a tecnologia – que poderiam deter um potencial para libertá-los – são as principais responsáveis por essa absorção e paralisia. A racionalidade tecnológica não está restrita a uma classe social ou a um determinado setor da sociedade; pelo contrário, estendeu-se por todas as esferas: nas objetivas – do lazer ao trabalho –, bem como nas subjetivas – a forma de pensar das pessoas. Daí pode-se concluir que, no estágio, os jovens não estavam aprendendo, mas

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14 sim reproduzindo e expressando essa forma de pensar – e, em consequência, de se comportar – que lhes era transmitida desde a infância, primeiro pela família, depois na escola, sem contar a influência da indústria cultural, que cada vez mais cedo acontece

sobre os indivíduos2.

A esfera da produção de conhecimento também é influenciada por essa forma de pensar e, assim como o trabalho, exerce papel fundamental na manutenção do controle

social necessário para a reprodução das atuais condições de existência. Sob o prisma da

ideologia da racionalidade tecnológica, as disciplinas científicas, cada vez mais, perdem o seu potencial de crítica das condições sociais e históricas e passam a operar de acordo e em consonância com tais condições, fato este que está relacionado com a servidão da ciência à condição de tecnologia.

É interessante refletir sobre quais são as diferenças e as consequências de se desenvolver conhecimento a partir de uma perspectiva científica ou tecnológica, bem como pensar sobre as relações estabelecidas entre as duas concepções e suas implicações sobre os sujeitos e a sociedade.

Desses questionamentos extraí as seguintes perguntas de pesquisa: No campo da educação, há um predomínio de teorias que podem ser consideradas tecnologias?; Por que isso acontece?

A escolha pelo campo da Educação está relacionada com a discussão proposta por Sass (2008), bem como com os inúmeros argumentos que apontam a área

2 Enquanto finalizava a pesquisa sobre o trabalho juvenil, comecei a participar das discussões advindas do projeto temático “Teoria Crítica, Formação e Indivíduo” (2008), coordenado pelos professores Odair Sass

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15 educacional como privilegiada para pensar as questões relacionadas à formação do indivíduo e ao desenvolvimento do pensamento. Além disso, na Educação, a Psicologia exerce papel de destaque, sendo uma das principais ciências que constituem essa área de estudo.

JUSTIFICATIVA

A realização desta pesquisa é importante, pois: a) contribui para esclarecer os impactos da racionalidade tecnológica e da ideologia imanente a ela no campo educacional, por meio da análise do desenvolvimento da Psicologia; b) contribui para uma reflexão sobre o papel dessa disciplina científica na formação dos indivíduos, bem como sobre suas possíveis aplicações e repercussões para o aumento do controle e da administração social ou da realização de um mundo livre.

Na atualidade, sob a égide do sistema capitalista de produção, o conhecimento passou a ser produzido com base em interesses relacionados cada vez mais com o aumento da produtividade e com o controle social. O estudo da relação entre ciência e tecnologia é importante à medida que permite revelar a capacidade do conhecimento produzido para favorecer as condições sociais, históricas e políticas estabelecidas ou de

questioná-las para que seja possível vislumbrar as transformações necessárias ao

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16 TEMA DA PESQUISA

No estudo das relações estabelecidas entre a Estatística e a Psicologia, Sass (2008 e 2011) aponta que essa aproximação foi resultado da ideologia da racionalidade tecnológica – característica da sociedade industrial. O autor também assevera que a produção e a reprodução do controle social dependem da adaptação e integração do indivíduo às pautas sociais estabelecidas. Para Sass (2008), em consonância com os autores da teoria crítica, a tecnologia é um dos principais fatores específicos da sociedade industrial que visa garantir, de um lado, a adaptação e a integração do indivíduo ao sistema e, do outro lado, a exclusão daqueles que a ele se opõem. Ainda de acordo com Sass (2008: 40):

Também as ciências humanas e sociais produzem conhecimentos que a par de apontarem para a liberdade do homem convertem-se em meios eficazes de simplesmente integrar o indivíduo ao existente, isto é, transformam-se em tecnologia.

Por fim, é importante mencionar a afirmação de Sass (2011: 132) que atenta ao

“fato de que a conformação dos indivíduos à sociedade industrial não é uma questão

estritamente subjetiva ou de consciência, mas uma consequência das relações sociais imanentes às condições objetivas”, ou seja, essa conformação não é produto apenas de mudanças na forma de pensar das pessoas, mas sim de mudanças na forma como a sociedade está organizada.

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17 da integração e da adaptação dos indivíduos ao statu quo; iii) o papel da tecnologia

nesse processo de integração e adaptação.

Esta pesquisa parte das questões enfatizadas por Sass (2008 e 2011) e pretende investigar como a Psicologia, sob a influência da ideologia da racionalidade tecnológica, desenvolve-se no campo da Educação.

Os elementos que proporcionaram a articulação entre a Psicologia e a Estatística na esfera educacional também podem estar na base da hegemonia da tecnologia ao lugar da ciência e, com isso, acarretar a primazia, nesse mesmo campo, de teorias psicológicas que não questionam o sistema social. Estudos anteriores3 apontam para essa direção; no entanto algumas análises históricas da Psicologia na Educação4 já indicam uma modificação nessa situação, ao verificarem uma crescente preocupação dos pesquisadores dessa área com os aspectos sociais e históricos dos problemas investigados. A consideração desses aspectos pode representar o fortalecimento da presença da ciência ao lugar da tecnologia.

PROBLEMA E OBJETO DA PESQUISA

Delimita-se como objeto de estudo desta pesquisa a Psicologia enquanto disciplina científica, em especial, e suas aplicações e expressões no campo da Educação. Com base nas proposições de Sass (2008 e 2011) vale a pena destacar que não são

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18 apenas as teorias psicológicas que se aproximam da estatística ou que admitem sua utilização que podem ser consideradas tecnologias. Há teorias psicológicas que não têm por base a estatística e que se opõem ao seu uso, mas que também podem ser consideradas tecnologias, uma vez que contribuem predominantemente com os componentes necessários ao controle social exigido pela sociedade industrial capitalista e têm reduzida sua capacidade de crítica das atuais condições sociais e políticas.

O problema de pesquisa pode ser exposto por meio das seguintes perguntas: Em que medida, as teorias psicológicas estão associadas à ideologia da racionalidade tecnológica? No campo da educação, devido à influência da racionalidade tecnológica, há um predomínio de teorias psicológicas que podem ser consideradas tecnologias, ou seja, que não consideram os aspectos sociais e históricos e não incentivam a reflexão para promover as necessárias transformações nas atuais condições de vida?

OBJETIVO

Esta pesquisa considera que as condições sociais objetivas têm relação direta com o predomínio de determinadas teorias ou tendências do pensamento científico. É importante averiguar como a realidade social se transforma em componentes das teorias, uma vez que o elemento social externo passa a desempenhar certo papel na constituição da teoria, bem como verificar como as condições sociais e históricas objetivas expressam-se nas teorias psicológicas.

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19 esta pesquisa é o da teoria crítica, em especial as contribuições de Adorno, Horkheimer e Marcuse. Os principais conceitos discutidos são: ciência e tecnologia (Marx, Marcuse, Horkheimer, Adorno); esclarecimento (Horkheimer e Adorno); ideologia (Adorno, Horkheimer e Marcuse); racionalidade tecnológica (Marcuse); formação (Adorno, Horkheimer e Marcuse); indivíduo e sociedade (Adorno, Horkheimer e Marcuse); sociedade industrial (Adorno, Marcuse).

Para cumprir o objetivo proposto, foram realizadas as seguintes etapas:

a) análise da estrutura da sociedade industrial com o intuito de compreender: i) as condições sociais objetivas que favorecem a intensificação da racionalidade tecnológica; (ii) o significado do conceito de racionalidade tecnológica e da ideologia correspondente ; iii) as relações estabelecidas entre indivíduo e sociedade, com ênfase nas questões relacionadas ao controle social e à padronização do pensamento. Para isso, realizou-se a leitura de textos de importantes autores que contribuíram com as discussões sobre essas questões. As principais referências utilizadas foram Adorno (1996), Marx (1987) e Marcuse (1969 e 1999);

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20 principais referências utilizadas foram: Adorno e Horkheimer (1973 e 1985); Horkheimer (1984 e 2007); e Marcuse (1999);

c) análise histórica das relações estabelecidas entre a psicologia e a educação ao longo do tempo, com o intuito de compreender quais são as raízes históricas e as principais influências que sustentam a relação entre esses dois campos do saber. Para isso, realizou-se um levantamento histórico sobre o desenvolvimento da Psicologia Escolar, para apresentar as principais escolas de pensamento e as correntes teóricas que marcam forte presença nessa área do conhecimento. As principais referências utilizadas foram: Antunes (2003, 2007 e 2008); Barbosa (2011 e 2012); e Barbosa e Souza (2012); d) síntese das principais correntes teóricas que estão na base da relação estabelecida entre a psicologia e a educação. As principais referências utilizadas foram: Goulart (1987); e Waney e Azevedo (2009). Também chamamos a atenção para o caráter social da educação e para a importância de se considerar os aspectos sociais e históricos nas pesquisas e na resolução dos problemas educacionais. As principais referências utilizadas foram: Sass (2000) e Tragtenberg (1990);

e) levantamento junto ao Banco de Teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES – para verificar quais são as teorias e abordagens psicológicas predominantes nas pesquisas em educação. Foram analisados os resumos das teses de doutorado das áreas de Psicologia e Educação defendidas entre os anos de 2009 e 2011. Tal levantamento tornou possível o esclarecimento de como a psicologia tem se desenvolvido no campo da educação;

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21 produção científica da psicologia está servindo aos mecanismos de perpetuação da dominação em forma de tecnologia5.

HIPÓTESE

A hipótese desta pesquisa pode ser assim sumariada:

a) No campo da educação, predominam teorias psicológicas que podem ser classificadas como tecnologia e que não consideram como fundamentais em suas investigações os aspectos sociais e históricos do objeto em estudo. Determinadas teorias classificadas como tecnologia tem mais chance de se proliferarem, pois possuem mais afinidades com a ideologia da racionalidade tecnológica e tem menos potencial crítico para provocar uma transformação no ‘statu quo’.

b) No campo da educação, não predominam teorias psicológicas que podem ser classificadas como ciência e que consideram como fundamentais em suas investigações os aspectos sociais e históricos do objeto em estudo. Determinadas teorias classificadas como ciência possuem menos afinidade com a ideologia da racionalidade tecnológica e têm mais potencial crítico para provocar uma transformação no statu quo.

A possível ênfase, no campo da educação, de teorias psicológicas cognitivistas e intelectualistas em detrimento de teorias sociais e históricas pode estar relacionada com a racionalidade tecnológica. Esta, por pregar a eficiência e a adaptação imediata ao aparato, promove e se ajusta melhor a teorias que não se voltam para sua análise e que se preocupam primordialmente com aspectos individuais (psicológicos, biológicos e

5 Tais questionamentos foram investigados no Núcleo Psicologia e Tecnologia do Programa de Estudos

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23 1. CIÊNCIA E TECNOLOGIA NA SOCIEDADE INDUSTRIAL

As questões relativas ao desenvolvimento da Psicologia no campo da Educação decerto estão associadas à estrutura social que determina as relações entre os homens. Assim, é preciso primeiro investigar como é tal estrutura, como se dá sua ascendência sobre os sujeitos e qual padrão de pensamento adota como prerrogativa.

Na sociedade atual, organizada com base nos princípios do sistema capitalista de produção, não são somente as mercadorias que passam a ser produzidas de acordo com interesses privados, mas também o conhecimento adquire essa característica. Os autores da teoria crítica mostram que não somente a ciência e seus produtos foram apropriados privadamente, mas, da mesma forma, a arte e seus frutos. É evidente que todas as sociedades necessitam reproduzir suas condições de existência, em particular reproduzir as condições e as relações de produção. No entanto, a atual sociedade industrial é a que melhor utiliza e desenvolve todo aparato – artístico, científico, técnico, político, social – com o objetivo de comprovar e perpetuar as condições de vida existentes, bem como aumentar as possibilidades de integração e adaptação dos indivíduos ao statu quo.

Ao examinar o papel determinante que a psicologia desempenha junto à educação, encontramos autores e textos que, desde o início do século XX, imprimiram uma marca basicamente intelectual e cognitivista à psicologia no campo da educação, bem como aqueles autores que iniciaram a crítica da maneira como essa ciência determinou a organização didático-pedagógica dos conteúdos escolares em detrimento de uma perspectiva social.

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24 psicologia e educação. As constatações da autora mostraram o crescimento e o alto grau de utilização de determinadas teorias psicológicas – a exemplo da teoria genética de Jean Piaget –, no período investigado, que não incluem em suas discussões o caráter sociocultural dos processos psicológicos implicados na educação dos indivíduos.

Sass (2000) também chama atenção para a ausência de teorias sociais nas relações estabelecidas entre a psicologia e a educação. Para o autor, “há uma primazia

de estudos sobre o desenvolvimento cognitivo e uma subordinação dos fins da educação

(políticos, éticos e culturais) aos ‘estágios universais’ do desenvolvimento” (p. 57). Os

questionamentos de Warde (1995) e Sass (2000) sobre a primazia de determinadas teorias psicológicas na educação relacionam-se com os questionamentos sobre a influência da racionalidade tecnológica no desenvolvimento da psicologia no campo da educação.

Constatamos que, no campo da educação, estudos importantes apontam que as teorias psicológicas predominantes são as teorias intelectualistas, cognitivistas e desenvolvimentistas, as quais, mediante suas análises, centram suas atenções nos aspectos individuais (psicológicos, biológicos e orgânicos).

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25 1.1. A ESTRUTURA OBJETIVA DA SOCIEDADE INDUSTRIAL: A

MAQUINARIA E A INDÚSTRIA MODERNA

Um dos fatores mais importantes no surgimento da racionalidade tecnológica foi o crescimento da maquinaria e da indústria moderna.

As condições sociais atuais são fortemente marcadas pela presença da tecnologia, a qual não está reduzida ao uso de aparelhos ou à criação de inovações tecnológicas. Para Marx (1987), a tecnologia revela o modo de proceder do homem para com a natureza, o processo imediato de produção da sua vida, e assim elucida as condições de sua vida social e as concepções mentais que dela decorrem. É mister recordarmos que, para Marx, o ideal (os pensamentos de uma sociedade) não é mais do que o material transposto para a cabeça do ser humano e por ela interpretado.

Marx (1987), ao discutir o papel da maquinaria na indústria moderna, levanta questões pertinentes à relação existente entre a tecnologia e um padrão de pensamento a ela compatível que se ampliou por todas as esferas da sociedade. Assevera que as máquinas, ao invés de liberarem os homens do trabalho, tornaram-se um meio de aumentar a exploração do trabalhador em detrimento de sua liberdade. A maquinaria é meio para produzir mais-valia. O autor chama a atenção para o surgimento de um verdadeiro sistema de máquinas que exigiu o ajustamento do trabalhador ao seu modo de operar. O novo processo industrial, caracterizado pelo uso cada vez mais acentuado das máquinas, potencializou a exploração dos trabalhadores e gerou consequências sobre seu pensamento e comportamento, os quais tiveram de ser ajustados a esse processo.

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26 suplementares (jovens e mulheres), algo que foi possível graças à introdução da maquinaria no sistema produtivo. Para o autor (Marx, 1987, p. 456):

Assim, a maquinaria, ao invés de substituir trabalho e trabalhadores, transformou-se imediatamente em meio de aumentar o número de assalariados, colocando todos os membros da família do trabalhador, sem distinção de sexo e de idade, sob o domínio do capital.

Dessa situação, é importante mencionar a influência da maquinaria sobre os sujeitos que estão sob o seu domínio. De acordo com Marx (1987):

A obliteração intelectual dos adolescentes, artificialmente produzida com a transformação deles em simples máquinas de fabricar mais-valia, é bem diversa daquela ignorância natural em que o espírito, embora sem cultura, não perde sua capacidade de desenvolvimento, sua fertilidade natural (Marx, 1987, p. 456).

Por fim, Marx (1987) conclui que “o trabalho na fábrica exaure os nervos ao extremo, suprime o jogo variado dos músculos e confisca toda a atividade livre do trabalhador, física e espiritual” (Marx, 1987, p. 460).

Marx (1987) aponta que a indústria, a qual se apropria do trabalho e produz a maquinaria expande-se para todos os ramos da produção e internacionaliza-se. Marcuse (1999) toma essa referência para evidenciar que a indústria e a tecnologia a ela associada são ampliadas para todas as esferas da sociedade, transformando-se no modo predominante de produção.

De acordo com Marcuse (1999):

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27 estamos tratando da influência ou do efeito da tecnologia sobre os indivíduos, pois são em si uma parte integral e um fator da tecnologia, não apenas como indivíduos que inventam ou mantêm a maquinaria, mas também como grupos sociais que direcionam sua aplicação e utilização. A tecnologia, como modo de produção, como a totalidade dos instrumentos, dispositivos e invenções que caracterizam a era da máquina, é assim, ao mesmo tempo, uma forma de organizar e perpetuar (ou modificar) as relações sociais, uma manifestação do pensamento e dos padrões de comportamento dominantes, um instrumento de controle e dominação (Marcuse, 1999, p. 73).

As ponderações de Marcuse (1999) chamam a atenção para o fato de que a tecnologia, apesar de seu potencial transformador, atualmente representa um dos mais eficientes dispositivos de manutenção e controle social.

Para os propósitos desta pesquisa é importante mencionar outra característica fundamental da sociedade capitalista, a saber, sua capacidade de reproduzir os elementos necessários para sua reprodução. A atual sociedade, marcadamente industrial, coloca todos os seus componentes a favor de sua autorreprodução, o que equivale a dizer que dá preferência a e estimula tudo que reforça sua capacidade de manter-se sempre a mesma. Ora, se é nítido que a sociedade se transformou desde a época de Marx até agora, no entanto, algumas características fundamentais continuam inalteradas, tais como a divisão social de classes, o modelo da exploração do trabalho e a propriedade privada dos meios de produção. E são justamente essas três características que garantem o privilégio de alguns grupos e a centralização do poder e da riqueza em detrimento da satisfação das necessidades básicas de grande parte da população mundial. O atual modelo de organização social privilegia uma minoria em detrimento da maioria das pessoas, que vivem sem a garantia de que irão poder contar com tudo o que é essencial para a vida humana.

(29)

28 principais países ocidentais tornaram-se muito menos perceptíveis as diferenças de

classe do que nos decênios durante e logo após a revolução industrial” (Adorno, 1996, p. 63). Para o autor, a imensa elevação do potencial técnico da sociedade industrial e a quantidade de bens de consumo que beneficiam todos os países altamente industrializados ocultam a verdadeira divisão social das relações de produção e ocasionam uma falsa nivelação das classes que atua como ideologia ao esconder os conflitos desses grupos e as consequências de uma sociedade dividida entre explorados e exploradores. De acordo com Adorno (1996), faz-se necessária uma análise da sociedade que leve em conta os verdadeiros fatos objetivos que determinam a posição do sujeito na estrutura social. Apesar de ocultas, as relações antagônicas entre as classes sociais ainda se fazem presentes, conforme a teoria de Marx sobre o capitalismo, e até hoje aqueles que detêm os meios de produção exploram aqueles que apenas possuem sua força de trabalho.

Conforme o pensamento de Adorno (1996), a “dominação sobre os seres humanos continua a ser exercida através do processo econômico” e “objeto disso já não

são mais apenas as massas, mas também os mandantes e seus apêndices” (Adorno,

1996, p. 67). Para o autor, a sociedade é “de acordo com o estádio de suas forças produtivas, plenamente uma sociedade industrial” e, por outro lado, “é capitalismo em

suas relações de produção” (Adorno, 1996, p. 68). De acordo com Adorno (1996):

(30)

29 com ele. Hoje, como antes, produz-se visando o lucro (Adorno, 1996, p. 68).

Marx (1987) assevera: “ao lado dessa centralização ou da expropriação de

muitos capitalistas por poucos, desenvolve-se, cada vez mais, a aplicação consciente da

ciência ao progresso tecnológico” (Marx, 1987, p. 881). Ainda, segundo o autor, a

indústria moderna “faz da ciência uma força produtiva independente de trabalho,

recrutando-a para servir ao capital” (1987, p. 414). Além disso, indica que a maquinaria como instrumental de trabalho exigiu a substituição da rotina empírica pela aplicação consciente da ciência. Para o autor, com o surgimento da indústria moderna:

A ciência em vez de permanecer em poder do trabalhador para aumentar suas forças produtivas em seu benefício, colocou-se contra ele em quase toda parte. O conhecimento torna-se um instrumento que pode separar-se do trabalho e opor-se a ele (Marx, 1987, p. 414).

As formulações de Marx (1987) evidenciam o quanto o desenvolvimento da indústria moderna inseriu a ciência cada vez mais à disposição dos interesses do sistema capitalista de produção. Ainda de acordo com o autor:

Esse processo desenvolve-se na manufatura, que mutila o trabalhador, reduzindo-o a uma fração de si mesmo, e completa-se na indústria moderna, que faz da ciência uma força produtiva independente de trabalho, recrutando-a para servir ao capital (Marx, 1987, p. 414).

(31)

30 1.2. DA RACIONALIDADE INDIVIDUALISTA À RACIONALIDADE

TECNOLÓGICA

As transformações ocorridas na estrutura social objetiva da sociedade, em especial, aquelas associadas ao desenvolvimento da maquinaria e à aplicação tecnológica da grande indústria moderna trouxeram mudanças significativas para os indivíduos. É importante investigar quais foram as principais implicações dessas mudanças bem como do padrão de pensamento a elas associado.

Primeiramente, procuraremos acompanhar o percurso proposto por Marcuse (1999), desde sua análise e compreensão de uma “razão individualista”, presente na

sociedade nos séculos XVI a XVIII, até sua transformação em razão tecnológica, a partir do século XIX. Em seguida, a partir das contribuições de Adorno e Horkheimer (1973) e Horkheimer (2007), investigaremos as transformações na concepção de indivíduo intensificadas desde o período do Renascimento.

Marcuse (1999) é um dos autores que investigaram o surgimento de um tipo de racionalidade como consequência do desenvolvimento do novo processo de produção de mercadorias calcado na indústria e na mecanização desse processo industrial. Foi no decorrer do desenvolvimento tecnológico que uma nova racionalidade e novos padrões de individualidade se disseminaram na sociedade.

(32)

31 dos homens, e o indivíduo livre era o que criticava esses padrões. Essa maneira de pensar, denominada pelo autor de “racionalidade individualista”, é produto de um princípio de individualismo que era condicionado pela afirmação de que o interesse próprio era racional, ou seja, resultava do pensamento autônomo e era constantemente guiado e controlado por ele. A possibilidade de realização dessa racionalidade pressupunha um ambiente social e econômico adequado, e a sociedade liberal era considerada adequada a essa racionalidade individualista.

Dos princípios da sociedade liberal, em que reinava a compreensão do homem como um ser livre e racional, ocorreram as significativas transformações que colocaram não somente o indivíduo contra seus próprios interesses, mas também a ciência e a tecnologia contra os interesses da humanidade.

De acordo com Marcuse (1969), anteriormente, o indivíduo apoiava valores que contradizem flagrantemente os valores que predominam na sociedade de hoje. Nos séculos XIV à XVII, o indivíduo podia ser definido como:

O sujeito de certos padrões e valores fundamentais que nenhuma autoridade externa deveria desrespeitar. Esses padrões e valores diziam respeito às formas de vida que se mostravam mais adequadas ao desenvolvimento total das faculdades e habilidades do homem (Marcuse, 1999, p. 75).

(33)

32 Marcuse (1999) menciona que o princípio individualista necessitava de um ambiente social e econômico adequado para existir, e a sociedade liberal era considerada o ambiente adequado a essa racionalidade individualista. Nesse ambiente, as marcas da individualidade repousavam sobre a transformação dos produtos e ações individuais em necessidades sociais. Cada indivíduo se diferenciava pelos diversos produtos e pelas diversas formas de agir na sociedade. No entanto, no decorrer do

tempo, “o processo de produção de mercadorias solapou a base econômica sobre a qual

a racionalidade individualista se desenvolveu” (Marcuse, 1999, p.76). Para o autor, o poder tecnológico foi determinante nessa transformação das condições sociais que já não mais favorecem a racionalidade individualista e passam a favorecer outro tipo de racionalidade, a tecnológica. Segundo o pensamento de Marcuse (1999), o poder tecnológico do aparato tende à concentração do poder econômico e afeta toda a racionalidade daqueles a quem serve. Essa racionalidade tecnológica não está confinada

aos sujeitos e empresas de grande porte, “mas caracteriza um modo difundido de

pensamento” que “estabelece padrões de julgamento e fomenta atitudes que predispõem

os homens a aceitar e introjetar os ditames do aparato” (Marcuse, 1999, p. 77).

No entanto, Marcuse (1999) chama a atenção para o fato de que não se pode mais falar de introjeção para explicar a identificação do indivíduo com a sociedade, pois isso dependeria de processos espontâneos do ego que cada vez mais são impossibilitados de existir devido à gerência e organização complicadas e científicas do aparato social. A dimensão interior da mente na qual a oposição ao statu quo pode se

desenvolver foi invadido e abastado pela realidade tecnológica.

(34)

33 domínio das grandes empresas. O argumento para justificar tal concentração de poder tecnológico e econômico era o de que as grandes indústrias eram mais eficientes na produção de mercadorias – ou seja, utilizavam menos tempo, menos matéria-prima, menos força de trabalho. Em nome dessa eficiência, era necessário que existisse um sistema de coordenação total, que eliminasse todo o desperdício. Tudo que não favorecesse o princípio da eficiência competitiva deveria ser eliminado, até mesmo o pensamento. É importante mencionar que todo esse aparato era e ainda é utilizado com o objetivo de se obter lucro; e essa utilização lucrativista do aparato impõe não somente a quantidade, a forma e o tipo de mercadoria a serem produzidas, mas afeta toda a racionalidade daqueles a quem serve.

Marcuse (1999, p. 78) aponta que, nas atuais condições, “o avanço individual se transformou em eficiência padronizada” e ressalta:

O indivíduo eficiente é aquele cujo desempenho consiste numa ação somente enquanto seja a reação adequada às demandas objetivas do aparato, e a liberdade do indivíduo está confinada à seleção dos meios mais adequados para alcançar uma meta que ele não determinou (Idem, ibidem).

Ainda de acordo com Marcuse (1999), a liberdade individual anterior foi submersa na eficiência com a qual o indivíduo desempenha serviços atribuídos a ele. Isso é decorrência da atual organização social, que se racionalizou de tal forma que o indivíduo não pode fazer nada melhor do que adaptar-se sem reservas.

(35)

34 De acordo com Veblen,

O processo da máquina pede um ‘treino consistente na apreensão mecânica das coisas’ e este treino, por sua vez, promove uma ‘programação da vida’, um ‘grau de compreensão treinada e uma estratégia ágil em todas as formas de ajustes quantitativos e adaptações’. A ‘ mecânica da submissão’ se propaga da ordem tecnológica para a ordem social; ela governa o desempenho não apenas nas fábricas e lojas, mas também nos escritórios, escolas, juntas legislativas e, finalmente na esfera do descanso e do lazer (Veblen, apud Marcuse, 1999, p. 82).

Para Marcuse (1999), o ponto decisivo é que essa nova atitude é perfeitamente racional e razoável, uma vez que traz benefícios como segurança e conforto para aquele que seguir as instruções do aparato, o qual “combina a máxima eficiência com a

máxima conveniência, economizando tempo e energia, eliminando o desperdício”

(Marcuse, 1999, p.80). O autor também enfatiza que, “ao manipular a máquina, o

homem aprende que a obediência às instruções é o único meio de se obter os resultados

desejados” (Marcuse, 1999, p. 81) e que, pelo fato das relações entre os homens estarem

cada vez mais mediadas pelo processo da máquina, “o comportamento humano se

reveste da racionalidade do processo da máquina” (Marcuse, 1999, p. 81). Segundo o

autor:

A racionalidade individualista nasceu como uma atitude crítica e de oposição que derivava a liberdade de ação da liberdade irrestrita de pensamento e consciência e media todos os padrões e relações sociais pelo interesse próprio racional do indivíduo. Ela transformou-se na racionalidade da competição em que o interesse racional foi substituído pelo interesse de mercado, e a conquista individual foi absorvida pela eficiência. Racional é aquele que mais eficientemente aceita e executa o que lhe é determinado, que confia seu destino às grandes empresas e organizações que administram o aparato (Marcuse, 1999, p. 98).

(36)

35 pensamento sob o controle da racionalidade tecnológica também afeta os valores de verdade críticos, e, atualmente, todos os homens agem de forma racional, isto é, “de

acordo com os padrões que asseguram o funcionamento do aparato e, portanto, da

manutenção da própria vida” (Marcuse, 1999, p. 86).

Das ideias de Marcuse (1999) é pertinente reconhecer que o homem, desde o Iluminismo e, principalmente na época do liberalismo econômico, já não encontra na sociedade as condições para sua realização; em consequência, precisou se adaptar prontamente às novas condições impostas, regidas pela ganância por lucro daqueles que controlam o aparato industrial, tecnológico e científico. Além disso, é importante mencionar, Marcuse (1999) enfatiza que essas mudanças não são efeito (direto ou indireto) da maquinaria sobre seus usuários, mas são, antes, elas próprias, determinantes no desenvolvimento da maquinaria e da produção em massa. A conclusão, portanto, é a de que, antes do desenvolvimento das grandes indústrias, já se fazia presente, na sociedade, um padrão de pensamento (modelo científico) indissociável e compatível com o projeto de necessidades objetivas do sistema de produção.

A transformação do aparato em um sistema em que os seres humanos, e em consequência suas vidas, são pequenos detalhes surgiu com base em um modelo de pensamento que atingiu seu apogeu na época do Iluminismo. Os homens foram transformados em peças que podem ser substituídas sem acarretar problemas para o sistema.

Horkheimer (2007), ao discorrer sobre a história do indivíduo, aponta que o seu modelo emergente é o herói grego, audaz e autoconfiante, que triunfa na luta pela sobrevivência e emancipa-se da tribo. De acordo com o autor, foi Aristóteles quem

descreveu o homem grego como um tipo de indivíduo “com coragem de europeu e

(37)

36 reflexão, adquiriu a competência para dominar os outros sem perder a própria liberdade. Horkheimer (2007) assevera que antes se fazia presente um antagonismo entre a individualidade e as condições sociais e econômicas de existência individual; atualmente, esse antagonismo é suplantado, na mente dos indivíduos, pelo desejo de se adaptarem à sociedade reinante.

O autor também mostra que foi Platão quem fez a primeira tentativa de elaborar uma filosofia da individualidade de acordo com os ideais da pólis; Platão, ao conceber o

homem e o estado como estruturas harmoniosas, melhor organizadas quanto mais a divisão de trabalho correspondesse aos aspectos do psiquismo do homem, deu início à visão que considera função primordial do indivíduo a de adaptar-se ao sistema, ou seja, cumprir um papel a que ele está, de certa forma, predestinado. Platão explica que, no domínio prático, a harmonia é cumprida encaminhando cada indivíduo para a sua função de acordo com suas características; no domínio teórico, a harmonia está presente em um sistema que determina a finalidade de cada forma na hierarquia universal. De acordo ainda com Horkheimer (2007), o pensamento de Platão corrobora com o entendimento de que não faz sentido para um homem resistir ao destino, tanto quanto para qualquer outro organismo da natureza resistir aos ritmos das estações. O autor também indica que Aristóteles não discorda de Platão e ensina que uns nascem escravos e outros livres, justificando-se com a afirmativa de que, mesmo quando se é escravo, carrega-se uma virtude, a obediência.

(38)

37 Horkheimer (2007) ressalta que esse foi o primeiro momento na história cultural em que a consciência individual e o estado começam a ser separados. O homem emergiu como indivíduo no momento em que a sociedade começou a perder a coesão e ele tornou-se consciente da diferença entre sua vida e a da coletividade. Porém, o autor alerta para o fato de que, no Iluminismo, a ideia de individualidade tornou-se uma síntese dos interesses materiais do indivíduo. O liberalismo caracterizou-se por uma multidão de empresários independentes que cuidavam de sua propriedade. A individualidade desses empresários era a de um provedor orgulhoso, convencido de que a comunidade e o estado dependiam dele e de outros como ele. Contudo, na atualidade, o empresário independente não é mais figura típica. O homem comum acha cada vez mais difícil planejar o seu futuro, que cada vez menos depende de sua própria prudência e cada vez mais das disputas entre os colossos do poder. A individualidade perdeu sua base econômica, e instaurou-se a crise do indivíduo. Por fim, o autor referido realça que esse

fato se deve à atual estrutura e conteúdo da “mente objetiva”, que penetra a vida em todos os setores. Conclui que o decréscimo contínuo do pensamento e da resistência individual, resultante dos mecanismos econômicos e culturais do industrialismo moderno, tornará a evolução para o humano cada vez mais difícil. A época do poder industrial sem limites gerou o processo de liquidação do indivíduo.

(39)

38 essas discussões filosóficas foram deixadas de lado e a individualidade foi reduzida às condições materiais do sujeito. Porém, cada vez menos existem possibilidades para a maioria dos indivíduos se afirmar por meio das suas condições materiais.

Segundo Horkheimer e Adorno (1973), o indivíduo, na sociedade contemporânea, tem a sua possibilidade de liberdade reduzida e encontra-se cada vez mais encarcerado pelos mecanismos de controle sociais.

O indivíduo é um ser mediado socialmente, ou seja, a sua constituição depende das relações sociais a que pertence e com as quais se estabelece. De acordo com Horkheimer e Adorno (1973b):

A vida humana é, essencialmente, e não por mera casualidade, convivência. Com esta afirmação, põe-se em dúvida o conceito de indivíduo como unidade social fundamental. Se o homem, na própria base de sua existência, é para os outros, que são os seus semelhantes, e se unicamente por eles é o que é, então sua definição última não é a de uma indivisibilidade e unicidade primárias, mas, outrossim, a de uma participação e comunicação necessárias com os outros. Mesmo antes de se referir ao eu; é um momento das relações que vive, antes de poder chegar, finalmente, à autodeterminação (Horkheimer e Adorno, 1973b, p. 47).

(40)

39 Com efeito, a crença na independência radical do ser individual em relação ao todo nada mais é, por sua vez, do que uma aparência. Horkheimer e Adorno (1973b) indicam que:

O indivíduo, num sentido amplo, é o contrário do ser natural, um ser que, certamente, se emancipa e afasta das simples relações naturais, que está desde o princípio referido à sociedade, de um modo específico, que por isso mesmo, recolhe-se em seu próprio ser. Se é certo que a chamada psicologia das massas se desdobra, de fato, em processos psicológicos individuais, também se observa o fenômeno inverso, quando o conteúdo e a forma de cada indivíduo se devem à sociedade como estrutura dotada de leis próprias (Horkheimer e Adorno, 1973b, p. 53).

Com o aumento do uso da técnica na indústria, a sociedade hodierna desenvolveu um dinamismo social que obriga o indivíduo a lutar implacavelmente por seus interesses de lucro, sem se preocupar com o bem da coletividade. Para Horkheimer e Adorno (1973b), o meio ideal da individuação, a Arte, a Religião, a Ciência, retrai-se como posse privada de alguns indivíduos. A sociedade, que estimulou o desenvolvimento do indivíduo, desenvolve-se agora, ela própria, afastando de si o indivíduo, a quem destronou.

(41)

40 intelectual, que se volta para a assimilação imediata do factual e causa a impotência social do pensamento crítico.

Ao final, deve-se ressaltar que os elementos aqui discutidos são importantes para a compreensão da relação existente entre determinadas condições sociais objetivas e a expressão da racionalidade tecnológica presente em todas as esferas da vida. Esses elementos servem para a investigação da relação existente entre a racionalidade tecnológica e a primazia de determinadas teorias psicológicas no campo da educação.

Fica, então, evidenciado que a sociedade industrial é causa e consequência de um padrão de pensamento que sustenta e repõe a ordem social. Também se pode perceber que é necessário discutir as implicações dessa racionalidade tecnológica nos indivíduos e nas mais importantes esferas da sociedade, com, por exemplo, a esfera da produção do conhecimento – a ciência e a tecnologia.

1.3. CONTROLE SOCIAL, TECNOLOGIA E IDEOLOGIA DA

RACIONALIDADE TECNOLÓGICA

Neste tópico investiga-se o papel da tecnologia como um dos principais mecanismos de controle da sociedade industrial contemporânea. Além disso, é importante compreender o papel exercido pela ideologia da racionalidade tecnológica na atual forma de administração social.

(42)

41 Engels a consideraram, a saber, ocultação entre essência e aparência, para a justificação do existente.

Segundo Horkheimer e Adorno (1973c), a ideologia é justificação e pressupõe a experiência de uma condição social que se tornou problemática, mas que deve ser defendida. A ideologia, em sentido estrito, dá-se onde regem relações de poder que não são intrinsecamente transparentes. Conforme as ideias de Horkheimer e Adorno:

A falsa consciência de hoje, socialmente condicionada, já não é espírito, nem mesmo no sentido de uma cega e anônima cristalização com base no processo social; pelo contrário, trata-se de algo cientificamente adaptado à sociedade. Essa adaptação realiza-se mediante os produtos da indústria cultural, como o cinema, as revistas, os jornais ilustrados, rádio, televisão. (Horkheimer e Adorno, 1973c, p. 200).

Na atualidade, boa parte das esferas da sociedade esforça-se em realizar uma única tarefa: a manutenção da ordem vigente. Os processos sociais que, em outros períodos históricos, pareciam ser capazes de promover uma possível transformação na sociedade encontram-se reprimidos. Ao indivíduo, o ofício mais fácil parece ser aceitar de forma imediata o que lhe é imposto de forma heterônoma. Aquele que ousar discordar será objeto de censura, já que o adestramento para o conformismo já se estendeu até as manifestações psíquicas mais sutis. Fica cada vez mais difícil aos homens resistirem à adaptação às condições estabelecidas.

Sobre o entendimento do conceito de ideologia como justificação do existente, vale destacar a sua relação com a tecnologia que foi intensificada com o desenvolvimento do capitalismo monopolista.

(43)

42 O conceito de ideologia como um conjunto de ideias ou representações, as ideias da classe dominante, por exemplo, ou como uma determinada modalidade de consciência social em oposição à outras, tornou-se obsoleto, pois correspondia à forma liberal do capitalismo (Maia, 2007, p. 115).

O liberalismo deu lugar ao capitalismo monopolista, o que acarretou modificações no conteúdo da ideologia. Agora, ela também pode ser identificada como um vasto conjunto de procedimentos técnicos de administração do psiquismo dos sujeitos, que visa a reproduzir a aparência social. Assim, a ideologia converteu-se na mera afirmação de que a realidade, como esta aparece, não poderia ser diferente (Maia, 2007). A reprodução da ordem social, agora, faz-se por meio da tecnologia, aplicada com o fim de dominar os homens e a natureza.

De acordo com Maia (2007), o capitalismo tardio caracteriza-se pela administração técnica das esferas de produção, distribuição e consumo de mercadorias. Essa administração técnica se tornou tão abrangente que já não há lugar para o desenvolvimento de outra forma de razão, que não seja a razão instrumental. Para o autor:

Assim, na sociedade do capitalismo tardio, a tecnologia não quer dizer somente determinado conjunto de técnicas, mas, principalmente, a aplicação cada vez mais ampla e radical da ratio instrumental a todas as esferas da vida, o que culmina numa consciência tecnificada, que toma as questões morais e políticas como questões que podem ser equacionadas e resolvidas tecnicamente (Maia, 2007, p. 119).

(44)

43 ordenar todas as relações sociais de acordo com suas necessidades. Na administração do Estado, o nacional-socialismo desenvolveu um tipo peculiar de racionalidade como instrumento de dominação de massa. Segundo Marcuse (1999):

Podemos chamá-la de racionalidade técnica porque tem origem no processo tecnológico e daí é aplicado para ordenar todas as relações humanas. Essa racionalidade opera de acordo com os padrões de eficiência e precisão. Ao mesmo tempo, no entanto, está dissociada de tudo que a liga às necessidades humanas e desejos dos indivíduos; está inteiramente adaptada às exigências de um aparato de dominação que tudo abrange. Os vassalos humanos e seu trabalho burocraticamente organizado não passam de um meio para um fim objetivo, que não é nada além da manutenção do aparato em uma escala cada vez mais eficiente. O nacional-socialismo transformou todas as relações pessoais e sociais nas funções minuciosamente supervisionadas e controladas de tal aparato (Marcuse, 1999, p. 118).

Marcuse (1999) destaca como o próprio aparato transformou-se em ideologia ao discutir o papel da tecnologia na administração social, afirma que a independência de pensamento, autonomia e direito à oposição política estão perdendo sua função crítica básica numa sociedade que parece cada vez mais capaz de atender as necessidades dos indivíduos através da forma pela qual está organizada. Tal sociedade pode, justificadamente, exigir a aceitação de seus princípios e instituições e reduzir a oposição à discussão e promoção de diretrizes alternativas dentro do statu quo. Os processos

(45)

44 e a operar por meio da manipulação das necessidades e impedir, assim, o surgimento de uma oposição eficaz ao todo.

Marcuse (1969) indica que, quanto mais racional, produtiva, técnica e total se torna a administração repressiva da sociedade, tanto mais inimagináveis se tornam os modos e os meios pelos quais os indivíduos administrados poderão romper a servidão. O autor também mostra que as formas prevalecentes de controle social são tecnológicas; na verdade, a estrutura e eficiência do aparato ajudam a manter a sujeição da população.

(46)

45 A racionalidade tecnológica revela seu caráter político ao se tornar o grande veículo de melhor dominação, no qual sociedade e natureza, corpo e mente são mantidas em um estado de permanente mobilização para a defesa desse universo.

Por fim, Marcuse (1999) enfatiza que as relações entre os homens são cada vez mais mediadas pelo processo da máquina. O comportamento humano se reveste da racionalidade desse processo, e esta racionalidade tem um conteúdo social definido. Quanto mais racionalmente o indivíduo se comporta e quanto mais devotadamente se ocupa de seu trabalho racionalizado, tanto mais sucumbe aos aspectos frustrantes dessa racionalidade. O processo da máquina impõe aos homens os padrões do comportamento mecânico, e o sistema de vida criado pela indústria moderna é da mais alta eficácia, conveniência e eficiência. A razão, portanto, se torna uma atividade que perpetua esse mundo, e, em consequência, a racionalidade está se transformando de força crítica em uma força de ajuste e submissão. O autor referido conclui que várias influências contribuíram para causar a impotência social do pensamento crítico, sendo a mais importante entre elas o crescimento do aparato industrial e seu controle, que abrangeu todas as esferas da vida. Todos os homens agem de forma igualmente racional, isto é, de acordo com os padrões que asseguram o funcionamento do aparato e, portanto, a manutenção de sua própria vida.

(47)

46 1.4. RELAÇÕES ENTRE CIÊNCIA E TECNOLOGIA

A ciência e a tecnologia, ao longo da história, sempre mantiveram uma relação. No entanto, em um determinado momento histórico, essa relação se intensificou, de forma que uma (a ciência) passou a submeter-se ao modo de operar da outra (a tecnologia).

Carone (2003) menciona que foi Francis Bacon quem, no século XVII, declarou e anunciou os tempos da servidão da ciência à tecnologia. Segundo a autora, ele foi o primeiro filósofo a propor o método experimental para o estudo da natureza. Mais afinado com os interesses da ciência moderna, propunha a descoberta das leis da natureza por meio de um método experimental e a transformação técnica da natureza por meio da aplicação de suas leis. A autora também faz referência ao fato de os preceitos baconianos exercerem a função de administrar os sentidos, a memória e a mente, para que as nossas faculdades cognoscitivas e o conhecimento já existente fossem continuamente vigiados e ordenados de modo a garantir o sucesso da investigação científica. Ainda conforme a interpretação de Carone (2003) sobre Bacon,

em primeiro lugar, é interessante notar que a “verdade” e o “verdadeiro” são termos

associados com “fértil”, “útil ao bem estar do homem”, “progresso material da vida

humana”. Em segundo lugar, “verdade” e “verdadeiro” ligam-se com o que “é conforme

os fatos”, com “os procedimentos metodológicos corretos”, com “os resultados

(48)

47 método experimental. Como nos mostra Carone (2003), para Bacon, a principal vantagem de sacrificarmos nossa natureza subjetiva em proveito do conhecimento do mundo físico é a de que ciência é poder. Em síntese, poder de dominar a natureza e, consequentemente, também dominar os homens. Para a autora, esse parece ser o ponto crucial da teoria de Bacon: a ciência como o meio mais avantajado de construir um império sobre a vida humana6. A técnica passa a subordinar a produção científica, por ser ela a sua real finalidade. Conclui, então, Carone (2003) que a relação entre meios e fins foi invertida, e a ciência passa a servir de meio para a finalidade técnica ser cumprida. Invadida e submetida pela racionalidade técnica, a ciência se tornou, a partir do século XVII, um poder sobre os homens e não necessariamente a favor dos homens. Com isso, a era do capital ganhou com a ciência em função da técnica uma aliada indispensável. A tecnologia, por sua vez, tem servido para aumentar a acumulação capitalista e não para desalienar o trabalhador, que continua subordinado aos interesses da produção econômica. Pode-se dizer, então, que não há uma ética para a ciência subordinada à técnica, mas apenas imperativos: o de continuar produzindo um saber para o domínio da natureza; o de servir para o aumento do capital; o de suprir tecnologicamente as guerras; o de inventar técnicas (inclusive psicológicas), cada vez mais sofisticadas, a serviço da engenharia social e da submissão ordenada dos homens (Carone, 2003).

No que diz respeito às reformulações nas bases científicas e ao modo de operar da ciência, Horkheimer (1984) assevera que as bases das ciências da natureza da época moderna originaram-se no Iluminismo. Desse momento em diante, à ciência cabe estabelecer, com a ajuda de experiências sistematizadas, as regras para dominar o mais

6 A invenção da pólvora e da agulha de marés mostram como a arte da navegação levou os europeus a

(49)

48 amplamente possível a natureza. Na nova ciência do Renascimento, surge a possibilidade de leis naturais, e com ela a possibilidade do aumento sobre o domínio da natureza. Horkheimer (1984) também enfatiza que na sociedade burguesa a ciência está indissoluvelmente ligada ao desenvolvimento técnico e industrial.

Para Horkheimer e Adorno (1973), com o progresso e o aperfeiçoamento das ciências naturais, nas quais o ideal de leis determináveis com rigorosa exatidão assume novas formas, apresentou-se a exigência de um modelo teórico de sociedade que estivesse dotado de idênticas características de exatidão. A exatidão rigorosa da comprovação passou a ter mais valor do que uma verdade absoluta ou sociedade justa.

A ciência, que também traz condições para a liberdade, nos dias atuais, em vez de contribuir para a libertação dos homens, se desenvolve para manter e perpetuar as condições existentes servindo à tecnologia.

De acordo com Horkheimer e Adorno (1985, p. 19), “o esclarecimento tem

perseguido sempre o objetivo de livrar os homens do medo e investi-los na posição de

senhores”. Segundo esses autores, em um determinado momento histórico, o

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Tabela 1 - Frequência total de resumos selecionados separada por ano e palavra-chave
Tabela 3 - Frequência de resumos excluídos separada por ano e motivos da exclusão
Tabela 4 - Frequência de resumos analisados separada por ano e palavra-chave
Tabela 6 - Frequência de resumos separada por referências teóricas principais
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Referências

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