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O CARÁTER SOCIAL DA EDUCAÇÃO, A AUSÊNCIA DA PSICOLOGIA SOCIAL E SUAS IMPLICAÇÕES

No documento Tiago Lopes de Oliveira (páginas 105-109)

RACIONALIDADE TECNOLÓGICA

D) O CONSTRUTIVISMO E A TEORIA DE JEAN PIAGET

2.3. O CARÁTER SOCIAL DA EDUCAÇÃO, A AUSÊNCIA DA PSICOLOGIA SOCIAL E SUAS IMPLICAÇÕES

Pudemos ver, anteriormente, que teorias relacionadas ao campo da Psicologia Social não marcam forte presença e não exerceram influência determinante na área da educação, em especial, em sua relação com a psicologia. Nesta parte, refletiremos sobre tal fenômeno, a partir dos escritos de Tragtenberg (1990) sobre o caráter social da educação. E em seguida, apresentaremos a perspectiva crítica de Sass (2000) a respeito da possível relação entre educação e psicologia social.

Ao tecer uma análise sobre o processo de desenvolvimento capitalista no Brasil e os efeitos da dinâmica da reprodução ampliada do capital sobre a educação, Tragtenberg (1990) levanta elementos importantes que apontam para o caráter social, histórico e político da educação, que não justificaria a ausência de teorias do campo da psicologia social quando o assunto é educação. Para Tragtenberg (1990), quando pensamos os efeitos da dinâmica do capital sobre a educação, devemos ficar atentos a duas dinâmicas: uma, intensiva, que diz respeito à centralização e à concentração (do poder, da riqueza); e outra, extensiva, que pode ser entendida como a penetração das relações de produção em áreas onde domina o pré-capitalismo, concretizadas na destruição dessas mesmas relações sociais e sua substituição por relações tipicamente capitalistas de produção.

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Tragtenberg (1990) indica que o sistema educacional também individualiza ideologicamente uma “incapacidade” decorrente de fatores socioeconômicos. Para o autor, há uma correlação direta entre a origem social do aluno e o “fracasso” escolar, em especial, a entrada tardia no sistema educacional, a repetência e o abandono. A escola consagra, no plano pedagógico, aqueles que no plano da origem socioeconômica já estão previamente escolhidos, ou seja, premia os privilegiados e penaliza os desprivilegiados.

Ainda de acordo com o autor, não é possível almejar uma democratização do ensino sem uma democratização no plano social e do trabalho, e a escola apresenta-se como aparelho ideológico, inculcando valores e o comportamento das classes dominantes nas classes dominadas. O próprio desenvolvimento da rede educacional nada mais fez do que acentuar o que já existia, uma vez que, na prática, estabeleceram- se duas redes de ensino paralelas, a escola de rico e a escola de pobre. Tragtenberg (1990) assevera que o sistema de ensino se realiza através da distribuição diferencial do saber, possibilitando meios para o exercício diferencial do poder. No entanto, o sistema de ensino deveria promover um avanço qualitativo no que se refere à visão de mundo dos pobres.

Tragtenberg (1990) também tece críticas às tecnologias educacionais e sobre elas enfatiza os seguintes aspectos: sua utilização é permeada por um véu ideológico, por meio de teorias da aprendizagem com fundamento psicológico, sendo que o real permanece opaco e a fantasia atua como único elemento transparente; observa ele também o fato de que o desconhecimento da realidade socioeconômica concreta não pode ser suprido por nenhuma tecnologia educacional.

Tragtenberg (1990) considera que o problema educacional é a forma aparente de algo essencial, que são as determinações econômicas que regem a lógica das classes,

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transmudada em lógica de poder e legitimada pelo aparelho escolar. O Estado reproduz, no plano educacional, o que já se realizara no plano econômico. O autor ainda enfatiza que a educação deve ser vista como um bem público e não como mercadoria vendida no mercado de títulos acadêmicos, Por fim, conclui que o problema só é educacional na aparência e que, na realidade, o problema central da educação apresenta-se em termos sociais, econômicos e políticos. Essas considerações parecem bastar para indicar o caráter de prática social desempenhado pelas instituições de ensino.

Sass (2000) também destaca o caráter social da educação e faz alguns apontamentos sobre a relação da psicologia com a educação. Para o autor, uma visão sobre as influências da psicologia sobre o pensamento e a prática educacionais encontra regularidades importantes de serem destacadas: i) há a concentração na psicologia da criança e da aprendizagem; ii) há a primazia de estudos sobre o desenvolvimento cognitivo; iii) subordinação dos fins da educação (políticos, éticos e culturais) aos estágios do desenvolvimento. Tais tendências, segundo o autor, marcam os vínculos da psicologia com a educação.

De acordo com as proposições de Sass (2000), levantamentos sobre pesquisas em educação trazem informações importantes a respeito da relação entre psicologia e educação. Ao analisar o estudo de Warde (1995), Sass (2000) constata uma forte influência das teorias cognitivistas e da psicologia do desenvolvimento sobre a educação. Para o autor, até aquele momento, os psicólogos e educadores interessaram-se primordialmente pelo desenvolvimento intelectual da criança. No entanto, o desenvolvimento da inteligência está relacionado com o desenvolvimento da personalidade total e, por isso, não podemos ignorar as suas condições de existência.

Sass (2000) indica que as tendências de estudos sobre o desenvolvimento cognitivo repousam na separação, que as próprias teorias psicológicas promovem, entre

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o desenvolvimento intelectual e a formação do sujeito. O autor esclarece que essa cisão não é apenas uma falha teórica, mas sim representa uma cisão real entre indivíduo, sociedade e cultura. Assim, somente adicionando o componente decisivo da crítica às teorias, elas serão capazes e estarão prevenidas de que não corram o risco de refletir o que já está estabelecido socialmente, como, por exemplo, a cisão entre indivíduo e sociedade.

Sass (2000) pondera que a admissão da Psicologia Social aliada ao componente crítico e a uma teoria da sociedade representaria muito na tentativa de superar a separação entre inteligência e formação do indivíduo e entre desenvolvimento cognitivo e personalidade.

De acordo com Sass (2000, p. 61):

Uma teoria que mereça de fato receber tal denominação, isto é, uma teoria que seja crítica, tem o compromisso de exprimir os segredos da realidade existente sem que isso signifique trabalhar a favor dessa realidade. Ao contrário, sua pretensão de transcender ao que está disposto, projetando a sociedade futura, impulsiona-a à negação das condições sociais vigentes.

A consciência sobre essa tendência presente na sociedade hodierna pode contribuir para que a relação entre psicologia e educação ocorra em outros termos, não mais transformando a primeira unicamente em ferramenta para a segunda e não mais fazendo da escola um local para a aplicação de teorias que desconsiderem seu caráter de prática social.

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No documento Tiago Lopes de Oliveira (páginas 105-109)