• Nenhum resultado encontrado

Hist. cienc. saudeManguinhos vol.17 número3

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2018

Share "Hist. cienc. saudeManguinhos vol.17 número3"

Copied!
8
0
0

Texto

(1)

Em busca da aldeia sanitária: tuberculose, saúde e cultura

na Argentina desde finais do século XIX

In search of a sanitary village: tuberculosis, health, and culture

in Argentina since the late nineteenth century

Luiz Antonio de Castro Santos

Pesquisador do CNPq; professor-associado do Instituto de Medicina Social/ Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS/Uerj).

lacs@ims.uerj.br

Lina Faria

Pesquisadora associada ao Projeto Nacionalismo e Internacionalismo em Saúde, IMS/Uerj, com bolsa de pós-doutorado sênior da Faperj.

lina@compuland.com.br Condominio Village, casa 19 25600-000 – Petrópolis – RJ – Brasil

A

o discutir a luta con tra a tuberculose n a Argen tin a, em par-t icu lar em Bu en o s Aires, d esd e o fin al d o sécu lo XIX, o h istoriador argen tin o Diego Arm us focaliza, em La ciudad im pura,

os em bates da população com a en ferm idade; as m etáforas em torn o dos tem as em ergen tes sobre saúde e doen ça; a literatura ficcion al da época; os discu rsos m édicos, h igien istas, pedagógicos, políticos e urban istas; as políticas de saúde postas em ação. A obra é resultado de an os de pesquisa de doutorado n a Un iversidade da Califórn ia, em Berkeley, sob orien tação do h istoriador porten h o Tulio Halperín Don gu i. Não se trata d e tese d e d ou torad o q u e m ais tard e sim -plesm en te ‘virou livro’, m as sim de texto am adurecido pela trajetória de trabalh o de um in telectual e forjada pelo tem po. Arm us sugere, d esd e logo, q u e teria aban d on ad o o p rojeto in icial d e p rod u zir a ‘h istória total’ da tuberculose em Buen os Aires para dedicar-se a produto m odesto, acotado (p.11), lim itado pelas fon tes dispon íveis en tre 1870 e 1950. Aqui reside n ossa discordân cia do autor, pois sobre o arcabouço das diferen tes con cepções san itárias e m etáforas sobre a en ferm idade, das propostas e práticas de in terven ção social, dos m odos de vida e de padecim en to da população, Arm us escreveu texto que supera an álises fragm en tárias e con fron ta o leitor com um vasto pain el h istórico-social.

A n arrativa h istórico-social articula Estado, políticas públicas, saberes, vida cotidian a e percepções da tuberculose. Faz uso de en orm e gam a de fon tes prim árias e secun dárias, tais com o depoim en tos orais, textos literários, revistas m édicas, relatórios oficiais, jorn ais de gran de e restrita circulação, letras de tan go, poesias e en saios sociológicos e h istóricos. ARMUS, Diego. La

(2)

As h istórias viven ciadas por tuberculosos costuram as m etáforas e represen tações culturais da en ferm idade, o ‘problem a’ de saúde pública, a m edicalização do m un do urban o, as in certezas da m edicin a dian te da doen ça, a difu são de u m n ovo código h igiên ico e a estigm atização do doen te. Situado, sem dúvida, en tre os m elh ores h istoriadores latin o-am erican os, Arm us sabe m an ejar con ceitos e in strum en tos da an álise sociológica, com o faz ao discutir questões com o o rápido crescim en to da população urban a, as preocupações com as con dições de reprodução da força de trabalh o, os esforços por con struir um a ‘raça n acion al’, os tem ores ‘oficiais’ do con tágio e o em pen h o de regulam en tação e m oralização das m assas urban as. Todos esses problem as m arcam o im agin ário popular e as políticas de saúde coletiva em Buen os Aires, n o período de 1870 a 1950.

Sem pre foi com plexa a relação en tre descobertas cien tíficas, práticas e políticas de saúde e con h ecim en to p op u lar. A iden tificação do bacilo cau sador da tu bercu lose, feita p or Koch , em 1882, n ão im pediu que perdurassem as con trovérsias cien tíficas sobre a origem e os m odos de propagação da doen ça. A própria descoberta de Koch , revela Arm us, n ão foi de im ediato aceita n a Argen tin a, e, assim , n ão foi im ediata a in clu são da tu bercu lose com o ‘questão de saúde pública’ n o im agin ário argen tin o público e privado.

No Brasil dessa época, n ão foi diferen te o processo com relação tan to à tuberculose quan to à sífilis e à h an sen íase (Bertolli Filh o, 2001; Carrara, 2004; Castro San tos, Faria, Men ezes, 2008). Ao lon go da h istória das doen ças, a tuberculose – assim com o a h an sen íase, a sífilis e o cân cer – foi percebida de diversas form as: doen ça in curável, doen ça h ereditária, p roblem a social e, d efin itivam en te, p roblem a d e saú d e p ú blica. Por ser en ferm id ad e carregada de sign ificados, excedia o m eram en te patológico. Na Argen tin a, relata Diego, a tísica era ‘tópico en las letras de tan go’ e n as poesias, n oticiada em jorn ais e revistas e presen te n os textos sociológicos e h istóricos. “Una estigm atizante experiencia para los que se habían contagiado la enferm edad y un m otivo de tem or – a veces cercano al pánico – para quienes creían que podían contagiarse” (p.16). E, por certo, preocupação em m eio a m édicos, san itaristas

e autoridades da área da saúde.

A propagação da doen ça, que rapidam en te se dissem in ou pelas gran des cidades euro-peias, n o ritm o da crescen te urban ização e in dustrialização duran te o século XIX, tam bém varreu os prin cipais cen tros urban os da Am érica Latin a. Os ín dices de m ortalidade associados à doen ça torn aram -se altíssim os, m u ito parecidos com as estatísticas de várias cidades europeias (p.24). À propagação da tuberculose seguiu-se a difusão da cultura da h igien e.

Arm us aborda a cultura da h igien e e sua relação com a tuberculose. O ideal h igiên ico, que sem pre, de um m odo ou de outro, aludia à tuberculose, foi tem a obrigatório de cada um a das ‘cidades im agin adas’ n o fin al do século XIX e in ício do XX. Em 1908 Julio Dittrich , im igran te alem ão e m ilitan te socialista, son h ava com “Buenos Aires en 1950 bajo el régim en socialista”; Aqu iles Sioen , jorn alista fran cês, radicado em Bu en os Aires, an tecipava, em 1879, um a “Buenos Aires en el año 2080. Una historia verosím il”; e Pierre Quiroule, tipógrafo

fran cês e an arquista argen tin o, idealizou um a ‘cidade dos filh os do sol’, an arquista e am erican a, em 1914. Nessas cidades im agin adas, n atureza e sociedade, e saúde e doen ça con -viviam em plen a h arm on ia e equilíbrio.

(3)

– parques e praças –, em esforço, segun do Arm us, de repen sar a cidade m odern a, em que as pessoas poderiam viver e respirar m elh or. Esse discurso biológico in sistia n a m etáfora do ‘p arq u e com o p u lm ão’, im agem relacion ad a à id eia d e d ecom p osição física e social provocada pela tuberculose. Daí a im portân cia de ‘educar os corpos’ por m eio de atividades físicas, bu scan d o a p reven ção (p .75). A p u ericu ltu ra gan h ava esp aço em cam p an h as organ izadas pela Liga Argen tin a Con tra a Tuberculose, que atuava em várias fren tes e em vários países n a Am érica Latin a, n a Europa e n os Estados Un idos (Murard, Zylberm an , 1987), on de tam bém a puericultura com eçou a gan h ar espaço n essa época.

No tocan te aos ín dices de m ortalidade relativos a h om en s e m ulh eres tuberculosos n a Argen tin a, Arm us apon ta in teressan te descom passo en tre a realidade epidem iológica e as represen tações sobre a doen ça: as taxas eram m ais altas en tre os h om en s, m as as m ulh eres ‘carregavam ’ todo o peso do estigm a. As poesias, as letras de tan go, o teatro, o cin em a, a literatura se referiam à m ulh er com o “m uchachita enferm a y tan flaca”, “doncella tísica y asexuada” (p.110, 121).1 O autor dedica capítulo especial ao papel fem in in o n a tuberculose:

cita as costureritas, que con traíam a doen ça em fun ção de algum ‘m au passo’, e as m ilonguitas,

m ulh eres de origem h um ilde e que, aspiran do a “rápida ascen são social”, se prostituíam e, frequen tem en te, ficavam tuberculosas.

Na Am érica Latin a, os processos de con strução da n acion alidade relacion aram -se estrei-tam en te às questões da im igração, da raça e das doen ças in fecciosas. Era o que se passava n a Argen tin a. A exem plo de An ton io Cetrán golo, os tisiólogos acreditavam que “ciertos tipos y razas” fossem m ais propen sos ao con tágio. Esse discurso, porém , en cerrava algum a

am biguidade, pois tam bém era com um a referên cia às péssim as con dições de vida dos trabalh adores com o fator p redisp on en te (p .139). Um con tem p orân eo logo cap taria as sim ilaridades da n arrativa de Arm us com o que ocorria n o Brasil. Aqui, as ban deiras de con strução da n ação estiveram tam bém m arcadas pelos m otes da raça e da eugen ia, pelas ideologias de progresso san itário, pela percepção do perigo de alastram en to das en dem ias n o território n acion al (Castro San tos, 2004; Lim a, Hoch m an , 2004).

Corren do por fora das trilh as eugen istas, en tretan to, a explicação com portam en tal dos ‘excessos’ atraía a com un idade m édica e cien tífica latin o-am erican a. Na Argen tin a, lem bra Arm us, a tuberculose era con h ecida com o a ‘en ferm idade dos excessos’ (p.172). Um estilo de vida ‘abusivo’ poderia fragilizar o corpo, torn an do-o vuln erável à doen ça. Isso in cluía, d esd e logo, os tem íveis abu sos sexu ais, com o a m astu rbação d e h om en s e m u lh eres. Acreditava-se que a puberdade “y la eclosión del sexo” teriam efeitos diferen tes en tre joven s ricos e pobres. Aos tuberculosos recom en dava-se “la abstinencia total”, m as h avia opin iões

(4)

de recuperação. Tal com o n o Brasil (Carrara, 2004), n a Argen tin a tam bém a sífilis se som ava aos m ales da degen eração racial e da in ferioridade n acion al, causados pela tuberculose. O corpo in dividual e o corpo social se debatiam sob o duplo flagelo.

O discurso preven tivo – que n ão pode ser sim plesm en te en capsulado sob o codin om e ‘d iscip lin ad or’ – esteve n o cen tro d os d ebates en tre m éd icos, san itaristas, p olíticos e in telectuais. Os discursos en fatizavam a im portân cia da respon sabilidade in dividual n a ren ovação dos costum es cotidian os e n a aceitação dos ‘m odern os ideais de h igien e’. As in dústrias que subm etiam a classe obreira a trabalh os árduos, crian do am bien tes propícios ao con tágio, en fren taram posturas e m edidas pun itivas ou foram alvo con stan te da crítica de an arquistas e socialistas. A ‘política dos corpos’, n o en tan to, distin guia-se dessas posturas pelo em prego da propagan da in form ativa e educativa, destin ada a “desarrolar conductas higiénicas donde los valores de la salud term inaban m ezclándose com los de un cierto ideal de belleza y de m odernidad” (p.213). Segun do o autor, m uitas práticas h igiên icas acabaram

sen do in teriorizadas pela sociedade – pelas elites e classes populares – e, de certa form a, celebradas por esses grupos, in depen den tem en te de suas posições políticas e ideológicas. O valor da h igien e social – com o con quista civil e n ão com o dispositivo de vigilân cia – veio a situar-se acim a das diferen ças sociais “y definitivam ente asociado a la propagación de la instrucción com o instrum ento de cam bio social” (p.215).

As in iciativas voltadas para o com bate da tuberculose, desen volvidas com a dissem in ação de certos m odos de vida que san itaristas argen tin os (e brasileiros, com o Sam uel Pessoa) den om in ariam h igien e social, com a form ulação de códigos san itários específicos e com a oferta de serviços in tegrados a um a rede in stitucion al de aten ção e preven ção, con form aram o n úcleo em torn o do qual se organ izou a cam pan h a con tra a en ferm idade n a Argen tin a. Até in ícios dos an os 1940, quan do se gen eralizou o uso dos an tibióticos, o com bate esteve persisten tem en te lim itado pela ausên cia de soluções e estratégias biom édicas efetivas. Arm us ch am a a aten ção para o im pacto da luta an tituberculosa, dissem in ado por toda a sociedade argen tin a, talvez decorren te da in existên cia de m edicam en to específico, o que deu m ais cor ao cen ário das ten sões e disputas en tre m édicos, políticos, religiosos e setores populares organ izad os. Os m ais d iferen tes gru p os en fatizavam u m ou ou tro asp ecto, m as tod os recon h eciam , de acordo com o autor, que se tratava de en ferm idade social e que, portan to, se fazia im perioso m elh orar as con dições de vida da população, am pliar a oferta de serviços e difun dir a educação san itária por m eio de h ábitos e con dutas h igiên icas que poderiam evitar ou preven ir o con tágio. Se a difusão da h igien e social an tituberculosa n ão foi processo exclusivo da Argen tin a, teve ali, n o en tan to, traço bastan te específico. A defesa de um estilo de vida que se supun h a saudável e h igiên ico en volveu vários segm en tos da sociedade, in cluídos os setores organ izados das classes obreiras, n a luta pela im plem en tação de um código san itário. A participação das cam adas popu lares foi, n esse sen tido, o elem en to diferen ciador, em relação ao restan te do con tin en te, do m ovim en to san itário argen tin o, caracterizado sobretudo pela propagação ‘desde abajo’.

Quan do m en cion am os o papel dos estratos m ais baixos da sociedade argen tin a, n ão n os referim os apen as aos trabalh adores. Nos últim os capítulos de La ciudad im pura, Arm us

(5)

h abitan tes de m un dos distan tes. Aqui, sem dúvida, n ossos países revelaram traços com un s. Na Argen tin a, com o n o Brasil, se h avia m édicos que utilizavam os recursos da m edicin a popular, h avia curan deiros que faziam uso dos recursos da m edicin a diplom ada. Para o autor, a aproxim ação dessas duas práticas ocorria, em certa m edida, devido às in certezas biom édicas e à au sên cia de solu ções e terapias efetivas. A tu bercu lose desafiava a área biom édica (p.300). As curas altern ativas apareciam , portan to, com o ‘ten tação’ à qual poucos resistiam , recorren do a h om en s e m ulh eres curan deiros, apoian do-se em saberes ‘h íbridos’ e em relações com os en ferm os quase sem pre m ais ‘em páticas’ (p.322).

Fin alm en te, o san atório e seu caráter disciplin ador: em regim e de prescrições rígidas sobre o corpo e o com portam en to grupal, m as com boa alim en tação, descan so, terapias e ar realm en te puro (sem as costum eiras aspas), as autoridades san itárias esperavam criar con dições para que o tuberculoso recuperasse a saúde e tivesse facilitada sua rein serção social. O san atório perm itia ao doen te livrar-se do estigm a dos ‘n orm ais’ lá fora – um a dia-lética que, por vezes, escapa às an álises sim plistas sobre con trole de corpos, acrescen taríam os –, defin in do “la geografia de una subcultura del aislam iento donde se enhebraban la autodisciplina, la coerción, el m iedo y la esperanza” (p.346). Esse quadro lem brava, sem dúvida, o isolam en to

q u e ocorria n o Brasil, tan to de tu bercu losos q u an to de h an sen ian os (Mon teiro, 2003; Castro San tos, Faria, Men ezes, 2008). Com o n o Brasil, h avia n a Argen tin a os san atórios m ais sofisticados, q u e abrigavam as classes abastadas da sociedade, m as h avia aq u eles fin an ciados pelo Estado, cuja in fraestrutura de aten ção ao tuberculoso frequen tem en te deixava a desejar. A cura de aire n a serra de Córdoba, para a elite porten h a, os san atórios,

dispen sários, pen sões e h otéis n a serra da Man tiqueira, em Cam pos do Jordão, acabavam por atrair tam bém as classes m en os abastadas de São Paulo e de outros estados brasileiros (Nogueira, 1950).

Os lugares de isolam en to n ão revelavam quadro un iform e de ‘in stituição disciplin ar’. O tom m ais com um da literatura é o de certa iron ia retrospectiva, que coloca sob suspeita toda ten tativa in stitu cion al de su peração de cen ários de doen ça e sofrim en to. Ora, os qu adros in stitu cion ais eram , ao m esm o tem po, espaços de represen tação da cu ra e de expectativas, por parte das elites m édicas e in telectuais, de que estariam crian do con dições d e co n vívio sau d ável e regen eração , d e cert o m o d o p ro t et o ras d o d o en t e q u an t o à discrim in ação e ao opróbrio. Algum as propostas articulavam a possibilidade de ‘m igração fam iliar’ para a serra de Córdoba, dan do ao doen te, n o am bien te terapêutico, o am paro das pessoas que lh e eram m ais próxim as. Era a proposta das aldeias san itárias. Se usarm os da iron ia, poderíam os falar desde logo de um a ‘in stitucion alização fam iliar’ estim ulada pela retórica da disciplin a; m as o olh ar h istórico exige respeito às lim itações do discurso m édico sobre as doen ças in fecciosas, ao avaliar ‘in ten ções veladas’ dos atos de preven ção e cura daquela época. A população doen te n ão estava sem pre às voltas com brigadas de con trole dos corpos. Arm us fala, a propósito, das propostas sobre “casitas de tipo económ ico

em pequen as com un idades urban o-rurais – com o se via n o Brasil, em Viam ão (RS), n a Colôn ia de Itapuã para h an sen ian os. Essas casitas con stituiriam as aldeias san itárias para os en ferm os. “Un escenario im aginado, casi utópico”, que buscava preservar e valorizar a

(6)

Mesm o os san atórios, qu e a literatu ra sociológica, a exem plo da obra de Goffm an , projetou com o tipos extrem os de in stituições totais, jam ais deixaram de ser tam bém cen ários de tran sgressões; de n egociação de papéis e obrigações en tre fun cion ários e pacien tes; de estratégias de defesa e cum plicidade en tre h om en s e m ulh eres, en tre pacien tes ‘agudos’ e ‘crôn icos’. Arm us m ostra que, apesar de estar em posição de subordin ação ao poder m édico, o tuberculoso, em vários m om en tos, assum ia posturas de con fron to. En fren tou n ão só o saber profission al, m as tam bém a adm in istração pública, cobran do a adoção de m edidas sociais e m édicas e atrain do o apoio da im pren sa.

Um fato m erece m en ção especial. A opin ião pública exigiu que as autoridades san itárias colocassem à disposição dos tu bercu losos certa vacin a, con h ecida com o vacin a Pu eyo, produzida pelo bacteriologista Jesús de Pueyo. Houve forte resistên cia do establishm ent

m édico, do Departam en to Nacion al de Higien e e do Con gresso Nacion al, em parte pela posição m argin al que ocupava Pueyo n o m eio acadêm ico. O debate sobre a (in )eficácia da vacin a torn ouse questão pública n a Argen tin a. Em prin cípios de 1941, as m an ch etes an un -ciavam im in en te “rebelião [sic] dos tuberculosos em toda a n ação”. Os tísicos se h aviam

m obilizado e lan çado um m an ifesto à n ação, “con Pueyo y por Pueyo” e con tra “la burocracia capitalista de la m edicina” (p.387). A sen sível an álise do autor, n o en tan to, n ão sugere que os en ferm os tivessem ch egado a in fluir de m odo pon derável n os processos decisórios. Se h ouve in terferên cia de certo peso, provin h a das classes populares e da im pren sa, m ais do que dos tísicos.2 Com o n o Brasil, n a m esm a época, as políticas de saúde n ão eram afetadas

por m ovim en tos de doen tes – n ada que lem brasse os ‘pacien tes ren ais crôn icos’ dos dias de h oje, ou as dem an das por direitos à saúde por parte de grupos ch am ados ‘de risco’, com o os HIV-positivos. No Brasil daquela época, ressaltem os, n em m esm o se fazia ouvir a voz de setores organ izados da população (Faria, Paiva, 2007), com o n a Argen tin a adm iravelm en te retratada por Arm us.

Em ou tra ch ave exp licativa, o filósofo italian o Giorgio Agam ben (2006) lem bra a con tribuição de Mich el Foucault e, partin do dele, in dica a existên cia de paradigm as distin tos para o leproso e para a vítim a da peste: o paradigm a da gran de exclusão, le grand enferm em ent,

para o caso em blem ático da lepra; e o paradigm a do quadrillage, an corado n a h istória da

peste. Neste últim o caso, im pun h a-se recorte m ultifacetado dos espaços de con vivên cia, com o se corresp on dessem a ‘q u adrícu las’ p ara fin s de con trole e vigilân cia. Tal com o acon tecia com os tuberculosos, a presen ça n um erosa de vítim as da peste torn ava im provável a exclusão, o grand enferm em ent. Se Arm us se refere à ciudad im pura de m eio século atrás,

Agam ben lem bra que a busca da cidade ‘pura’ en cam in h a-se, h oje, para a superação de tais paradigm as, em que se con fun dem ou se m esclam as práticas de exclusão absoluta e a aplicação de dispositivos de con trole; trata-se de um a n ova política dos corpos.

(7)

‘classes’ populares dem an davam – com o n o caso da vacin a Pueyo – um a in terven ção da autoridade san itária. Nem sem pre se tratou de im posição sobre o corpo social, de plan e-jam en to de estratégias hacia abajo, por parte das autoridades. Os episódios da dem an da da

vacin a Pueyo e os clam ores por reform as n a saúde pública, n a voz dos operários organ izados, den otam pon tos de fuga aos paradigm as da lepra e da peste. Havia n íveis aten uados de exclusão e de ‘quadriculação’ do espaço porten h o, que se revelavam com o in stân cias ain da im precisas, ora de cerco ‘ben evolen te’, ora de vigilân cia que n ão ch egava a ser on ipresen te. A m edicin a social da ‘aldeia san itária’ platin a apoiava-se em epidem iologia lim itada, quan to a m étodos e técn icas de m en suração, e cautelosa, quan to à im posição de receitas para o con vívio h um an o. A autoridade san itária poderia ser autoritária em seus preceitos e n orm a-tizações, m as o discurso que a legitim ava era ain da precário. Naquela época, as políticas san itárias n ão derivavam de ‘cálculos de risco’, h oje divulgados com certo alarido pela epidem iologia e pela m ídia e que se traduzem em práticas e dispositivos coercitivos – com o as práticas de con trole e exclusão social dos fum an tes n o m un do ociden tal e n o Japão. Mich el Foucault estaria lon ge de im agin ar quadro tão m eticulosam en te desen h ado para a m escla de paradigm as e a resu ltan te an u lação de espaços de con vivên cia en tre corpos saudáveis e corpos que en saiam tím idas tran sgressões.

Haverá saídas para o paradigm a da cidade pu ra, an u n ciada n o discu rso de Giorgio Agam ben ? A obra de Arm us é sin al de que persistem cidadelas de resistên cia aos im perativos da ‘saúde perfeita’. Na m etrópole porten h a dos tem pos atuais, sugere o autor n as págin as fin ais do livro, a ‘n egociação’ en tre paradigm as e subjetividades ain da se revela: “Así, y en un contexto m arcado por el triunfo de la bacteriología m oderna y una creciente m edicalización, se fueron definiendo no sólo los tipos de conducta que se suponían lim pios, saludables e higiénicos sino tam bién los que se suponían sucios, poluídos y antihigiénicos” (p.398). A luta an tituberculosa

cederá terren o a um a epidem iologia que calcula ‘riscos’ para todo ato h um an o, ou saberá retirar de outros saberes, particularm en te das ciên cias h um an as, a aceitação de n íveis de in certeza n a vida social, derivan do daí os lim ites de um a ‘saúde possível’?

NOTAS

1 Particu larm en te sobre o tem a da tu bercu lose n a literatu ra argen tin a, ver Adrián Carlos Alfredo Carbon etti,

2000.

2 O ep isód io d os en ferm os q u e p rotestaram p ela vacin a d e Pu eyo é d iscu tid o em d etalh es p or Arm u s

(2004), n a coletân ea q u e ele p róp rio e Hoch m an organ izaram n o Brasil (Hoch m an , Arm u s, 2004).

REFERÊNCIAS

AGAMBEN, Gio rgio .

Metróp olis. Con ferên cia p ron u n ciad a n o Sem in ário Metrop oli/ Moltitu d in e, 11 n ov. 2006. Ven eza. Disp on ível em áu d io em : h ttp :/ / www.globalp roject.in fo/ art-9966.h tm l. Acesso em : 17 m ar. 2009. 2006.

ARMUS, Diego .

‘Qu erem os a vacin a Pu eyo!!’: in certezas biom éd icas, en ferm os q u e p rotestam e a im p ren sa – Argen tin a, 1920-1940. In :

Hoch m an , Gilberto; Arm u s, Diego (Org.).

Cuidar, controlar, curar: en saios h istóricos sobre saú d e e d oen ça n a Am érica Latin a e Caribe. Rio d e Jan eiro: Ed itora Fiocru z. p .393-426.

(Coleção História e Saú d e). 2004. BERTOLLI FILHO, Cláu d io.

(8)

T t

CARBONETTI, Ad rián Carlos Alfred o. La tu bercu losis en la literatu ra argen tin a: tres ejem p los a través d e la n ovela el cu en to y la p oesia. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio d e Jan eiro, v.6, n .3, p .479-492. 2000. CARRARA, Sérgio .

Estratégias an ticolon iais: sífilis, raça e

id en tid ad e n acion al n o Brasil d e en tregu erras. In : Hoch m an , Gilberto; Arm u s, Diego (Org.).

Cuidar, controlar, curar: en saios h istóricos sobre

saú d e e d oen ça n a Am érica Latin a e Caribe. Rio d e Jan eiro: Ed itora Fiocru z. p .427-453. (Coleção História e Saú d e). 2004.

CASTRO SANTOS, Lu iz A. d e.

Pod er, id eologias e saú d e n o Brasil d a Prim eira Rep ú blica: en saio d e sociologia h istórica. In : Hoch m an , Gilberto; Arm u s, Diego (Org.).

Cuidar, controlar, curar: en saios h istóricos sobre

saú d e e d oen ça n a Am érica Latin a e Caribe. Rio d e Jan eiro: Ed itora Fiocru z. p .249-293. (Coleção História e Saú d e). 2004.

CASTRO SANTOS, Lu iz A.; FARIA, Lin a; MENEZES, Ricard o .

Con trap on tos d a h istória d a h an sen íase n o Brasil: cen ários d e estigm a e con fin am en to.

Revista Brasileira de Estudos da População,

São Pau lo, v.25, n .1, p .167-190. 2008. FARIA, Lin a; PAIVA, Carlos Hen riq u e A. Saú d e e d oen ça n a Am érica Latin a e n o Caribe: p ersp ectivas h istórico-sociológicas. Physis, Rio d e Jan eiro, v.17, n .1, p .203-218. 2007.

HOCHMAN, Gilberto; ARMUS, Diego (Org.).

Cuidar, controlar, curar: en saios h istóricos sobre saú d e e d oen ça n a Am érica Latin a e Caribe. Rio d e Jan eiro: Ed itora Fiocru z. (Coleção História e Saú d e). 2004.

LIMA, Nísia Trin d ad e; HOCHMAN, Gilberto. Pou ca saú d e e m u ita saú va: san itarism o, in terp retações d o p aís e ciên cias sociais. In : Hoch m an , Gilberto; Arm u s, Diego (Org.).

Cuidar, controlar, curar: en saios h istóricos sobre saú d e e d oen ça n a Am érica Latin a e Caribe. Rio d e Jan eiro: Ed itora Fiocru z. p .493-533.

(Coleção História e Saú d e). 2004. MURARD, Lion ; ZYLBERMAN, Patrick. La m ission Rockefeller en Fran ce et la création d u Com ité Nation al d e Défen se con tre la Tu bercu lose (1917-1923). Revue d’Histoire Moderne et Contem poraine, Paris, v.34, p .257-289. 1987.

MO NTEIRO , Yara No gu eira.

Prop h ylaxis an d exclu sion : com p u lsory isolation of Han sen ’s d isease p atien ts in São Pau lo. História, Ciências, Saúde – Manguinhos, Rio d e Jan eiro, v.10, su p l.1, p .95-121. 2003. NO GUEIRA, O racy.

Voz es de Cam pos de Jordão: exp eriên cias sociais e

Referências

Documentos relacionados

Benchim

An dré an d Ricardo’s article focu ses p rim arily on clash es between Cobbe an d Ch arles Darwin over th e u se of an im als in scien tific exp erim en ts... Benchim

In her first article on the subject, Cobbe (1866) defended the validity of experiments involving the sacrifice of live animals, as long as they were performed in the name of the

Th e scope of th is paper is to explore som e discourses on th e body, th e h um an m otor, an d en ergy (fatigue an d work) produced by Mosso, Tissié an d Lagran ge (in th e

El objetivo de este trabajo es explorar algun os discursos sobre el cuerpo, la m áquin a y la en ergía (fatiga y trabajo) producidos por Mosso, Tissié y Lagran ge (en el Viejo Mun

This reconstruction of the debates, proposals, and actual changes at the Faculty focuses especially on Alfredo Lanari, who, at the First Congress on Medical Education, held by

Si la observación del pasaje de Ven us h abía producido un a diferen cia clara de opin io- n es en tre Beuf y Gould, esta n ueva tarea de astron om etría produciría un duro in

Acceptin g th e h eterogen eity of both th e system s for legitim izin g scien tific facts an d th e epistem ological practices observed by each disciplin e, I aim to sketch