• Nenhum resultado encontrado

Sobre a Odisséia do Capital : comentários acerca da historiografia do Imperialismo Capitalista em nossos dias

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Sobre a Odisséia do Capital : comentários acerca da historiografia do Imperialismo Capitalista em nossos dias"

Copied!
579
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

THIAGO FERNANDES FRANCO

Sobre a Odisséia do Capital: comentários acerca da

historiografia do Imperialismo Capitalista em nossos

dias

CAMPINAS 2015

(2)

THIAGO FERNANDES FRANCO

Sobre a Odisséia do Capital: comentários acerca da

historiografia do Imperialismo Capitalista em nossos

dias

Prof. Dr. Eduardo Barros Mariutti – orientador

Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico, área de concentração: História Econômica, do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Doutor em Desenvolvimento Econômico, área de concentração: História Econômica.

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELO ALUNO THIAGO FERNANDES FRANCO E ORIENTADA PELO PROF. DR. EDUARDO BARROS MARIUTTI.

CAMPINAS 2015

(3)
(4)

TESE DE DOUTORADO

THIAGO FERNANDES FRANCO

Sobre a Odisséia do Capital: comentários acerca da

historiografia do Imperialismo Capitalista em

nossos dias

Defendida em 29/10/2015 COMISSÃO JULGADORA

(5)

Dedico esta tese ao meu amigo Pedro Biffi,

(6)

No mestrado, sucumbindo ao comodismo e ao receio de esquecer pessoas importantes, optei por fazer um agradecimento genérico. Algo me diz que aqui preciso fazer diferente. Escrevi mais de 500 páginas. Não vou miguelar mais algumas. Continuo com receio de cometer injustiças e sei que vou. Vai com receio mesmo. Peço desculpas a quem se sentir injustiçado. Precisaria de muito mais do que 600 páginas para agradecer adequadamente, mas vou poupar uns bytes e ir direto ao assunto. Mais ou menos, claro. Em todo o caso, preciso mostrar alguns dos ciclos que agora se encerram, ressaltando que outros permanecem. Vou procurar enfatizar a importância acadêmica que essas pessoas tiveram para esta tese, mas é evidente que não dá pra fazer isso descoladamente da minha vida pessoal. Não sei se isso é bom ou se é ruim, mas eu sou assim.

Algumas tradições devem ser respeitadas e mantidas. Uma delas é sempre reverenciar primeiro quem veio antes de nós. Por esse motivo, meus primeiros agradecimentos vão para minhas/meus avós. Por ocasiões várias, puderam e conseguiram aproveitar momentos e lugares muito particulares da história do século passado e promover a nós que viemos depois condições sócio-econômicas-educacionais muito melhores que a que eles próprias tiveram. Quando acompanhamos a trajetória das profissões através das quais obtiveram seus ganhos econômicos, temos uma boa medida de o quanto essa história é a história de precariedades ilusórias que muitas vezes persistem. Meu avô Jayme foi alfaiate. Meu avô Silvio, farmacêutico. Minha avó Carmem foi professora de “grupo” (Escola Pública). O ofício de alfaiate praticamente inexiste,

(7)

grifes para variados estratos sociais. Os vidrinhos e os instrumentos da farmácia de meu avô foram substituídos por gigantescos monopólios que não têm qualquer interesse pelas pessoas a quem elas deveriam servir. Nunca mais vi farmácia com banco de praça dentro. E as escolas públicas agonizam1. Não tive a ocasião de conhecer minha avó Nely, mas também aproveito para agradecê-la, pelo menos por minha mãe. Não posso deixar de agradecer à Lu, minha madrinha e vó-drasta. Ela, junto ao meu avô Sílvio, são responsáveis por oferecer a mim memórias que certamente marcaram essa tese. Especialmente quando íamos ao distrito de Eleutério, em Itapira. Ali a gente comia fruta “do pé”, catava minhoca, pescava e nadava no rio. Ali contemplávamos a vida em um ritmo completamente deslocado da urbanidade que já marcava Mogi-Mirim nas décadas de 1980 e 1990. Foi gostoso. E dá uma imagem de contraponto das mudanças que separam o quintal da Dona Fany e do seu Filo do mundo que oferecemos às nossas crianças. Tempo e espaço. [e mais um monte de cortes, mas isso fica pra mais tarde].

Às minhas tias e aos meus tios também devo agradecer. É pela convivência com eles que pude traçar diversas pontes entre os diversos ciclos pelos quais se pode pensar o século XX. Em traços gerais, são gentes que estudaram em faculdades num momento em que o ensino superior se estendia às classes menos aristocráticas, contemplando uma certa pequeno-burguesia de profissionais liberais. Foi ali onde essa minha gente aprendeu a viver e a defender os seus. Tiveram e têm uma vida material confortável e legaram aos filhos a oportunidade/necessidade de cursarem faculdades. Que hoje nada disso implique em qualquer garantia econômica e que a maioria de nós não tenha condições de reproduzir a mesma vida confortável que tivemos, também constitui um fato que procuramos explicar ao longo deste longo texto. Devo a essa gente muito afeto, conforto material e, sobretudo, as imagens de quão drástica foi a mudança que separa o mundo deles do meu. Vivemos hoje em um mundo atolado de quinquilharias mercantis que inexistiam. Mas por outro lado, penso que ainda vivemos essa mesma época, porque ela é a época das transformações – pelo menos no interior do Estado de São Paulo; e, mais precisamente, dos brejos do pequeno rio de cobras, de onde viemos. Tudo isso foi muito importante para minha formação e para a minha tese.

1 Oxalá a estudantada em ocupação consiga implodir isso que hoje chamam de escola e fazer algo melhor no lugar. Aqui também não nos parece haver esperanças senão a partir de uma revolução radical.

(8)

outros, “chegaram lá” – o que é um baita legado. Além disso, devemos a essa gente grande parte de nossos valores e nossa visão de mundo, devemos também o fato de termos chegado aqui e cursado os tais cursos superiores, o que nos colocou em condições de competição – como dizem por aí – muito vantajosas em termos escolares.

Agradeço muito à minha mãe e ao meu pai, que me oferecem muito mais do que é possível exprimir em palavras. Não vou nem tentar.

Agradeço aos muitos amigos e amigas de meus pais que estiveram sempre presentes e dispostos a nos ajudar em tudo o que fosse necessário, em especial Brito, Dija e Nelsinho, bem como seus filhos, queridos amigos. A “esses velhos da “Panela” devo uma referência importante de amizade profunda, duradoura e desinteressada.

Certo dia meu avô Jayme me contou do seu orgulho que sentia por seu neto cursar duas faculdades. Ele, que não teve a ocasião de estudar senão até a quarta série – na época nem esse nome tinha. Me disse que já que eu faria duas, que fizesse uma por ele. E eu fiz. Tó, vô, esse doutorado também é seu. [O sentimento de que isso não reflete muito mérito meu e que a estrutura escolar é extremamente injusta e exclusiva não pode embotar meus olhos de ver o esforço que vocês fizeram para que eu estivesse aqui. Eu já fiz isso antes, e peço desculpas por isso].

Aproveito também para agradecer à primaiada. Pensando na trajetória de cada um de nós é mais fácil para mim entender as minhas escolhas. Gosto muito de vocês e agradeço pela longa convivência, mesmo quando as mudanças do mundo nos levaram para tão longe que Pindamonhangaba se tornou perto.

Não posso deixar de agradecer à minha querida irmã, Maura: mulher muito forte e muito especial, com quem aprendo constantemente. Principalmente porque temos formas muito diferentes de enfrentar as coisas desse mundão véio e sem portêra. Espero continuar aprendendo contigo. Vamos continuar nos esforçando para deixar um mundo melhor do que recebemos e honrar a luta de quem veio antes. Também é verdade que já foi muito pior. Obrigado, Pi, por ser um exemplo para mim.

(9)

muito nos afastamos, por motivos diversos. Muitas vezes entre nós se abriu um profundo abismo de valores e de visões de mundo. Mas vocês também estão aqui, de vários modos e por isso eu agradeço: Felipe Pavani, Bruno Biazotto, Rafael Pereira, Rachel de Pieri...

Ainda carrego alguns amigos da primeira infância comigo, e agradeço a eles por isso. Bruno Miranda, amigo a três gerações, espero que consiga encontrar seu caminho. Felipe Moreno, espero que seu ceticismo com relação a esse mundão continue sendo um bom guia e que você continue sendo doce, gentil e sagaz. Mesmo de longe, sua companhia ainda se faz muito presente no meu modo de pensar. Impossível mensurar sua importância para a minha vida e para o meu trabalho: valeu, meu caro. Você é um dos meus ídolos.

Devo à minha mãe, mas principalmente à Tia Carmela a intransigência que me levou a prestar a contragosto o vestibulinho do Cotuca. A entrada na Unicamp é um dos maiores divisores de água da minha vida, inclusive acadêmica. À minha prima Luciana Barchesi e ao meu primo Bruno Barchesi preciso agradecer por terem pego na minha mão e facilitado o trampo que era sair de Mogi e enfrentar a babilônia campineira na qual vim a me meter. Vocês e a Carol abriram o caminho pra mim. [Foi legal, legal, legal, legal, legal]. Agradeço muito. Me traz muita alegria ver que cada um de vocês conseguiu descobrir o seu caminho, mas lamento que estejamos tão ausentes e que eu até hoje não tive a ocasião de ver o Bruno atuando. Espero resolver isso logo.

No Cotuca, formei grande parte do meu modo de ser e dos meus valores. E fiz muitos amigos. Agradeço a todos eles, especialmente a Daniel “Grande” Jacomini Moreira da Silva, sem dúvida a pessoa responsável pela permanência e reprodução de nossa amizade. Agradeço aos companheiros do Panela ELD (Guilherme Fernandes, Will Tadokoro, André Valente, Daniel Rampazzo, Fernando Cocão Narita, Leandro Asnésio Zanvettor e Gabriel Pipa Carvalho), e do Refugo (Thiago Paixão, João Henrique Bodas do Canto Tito, Zé Eduardo Querido...). Dr. Hélio Arakawa, Paulo Farias, Eduardo “Tique” Ferraciolli: não teria chegado aqui sem vocês. Com Simon Sassá Sávio Santos, meu primeiro companheiro de casa, tenho duas dívidas grandes. Além da parceria que me ajudou muito a me adaptar à vida campineira, foi quem me apresentou ao sofista Robson

(10)

(e é) importante na minha vida para a reafirmação de um sentimento de coletividade e solidariedade. Espero que vocês consigam se achar no meio dessa zica toda.

Foi muito engrandecedor estudar em um colégio em que fomos tratados como adultos desde os quinze anos de idade. Parte da pedagogia não-pedagógica que marcava alguns daqueles professores trago comigo em boa conta. Isso também cultiva a autonomia. Também foi ali que comecei – sem saber onde ia dar – um ciclo de 17 anos na Unicamp. Jamais esperava permanecer tanto, e é muito estranho chegar ao final. Foi fundamental conhecer o muitas vezes fascinante mundo das engenharias, que o dinheiro

também está destruindo.

Agradeço imensamente meus primeiros chefes, que me demitiram ainda estagiário. Eles tinham razão: aquilo não é para mim. Em termos estritamente acadêmicos, preciso ressaltar que foi ali no Cotuca, durante uma apresentação sobre o processo de terceirização do trabalho, na negligenciada disciplina “História”, sob a orientação do professor Edson, que eu escolhi a minha profissão. Naquele dia decidi ser professor, ainda que não soubesse do quê. Sou grato a todas as pessoas envolvidas por todo o caminho que me abriu ali, ainda que de forma aparentemente distorcida. Tenho certeza de que aqueles quatro anos estão aqui nessa tese.

Na recusa do ambiente corporativo que seria o “caminho natural” a seguir depois do técnico em eletroeletrônica, e sem saber exatamente porque, “escolhi” traçar um percurso que chamam de transdisciplinar. Dentro das “Humanidades”. Munido de uma bolsa de estudos, frequentei uma faculdade “de elite”, que definitivamente não era para o meu bico, mas à qual devo muito da minha formação (palavra que não consigo desassociar de fôrma, mas que foi tantas vezes repetida ali, que julgo por bem mantê-la). Fiz amizades incríveis com gentes com as quais aprendo muito até hoje. Agradeço aos meus colegas Conrado Evangelista e Fabrizio Sardelli Panzini, meus companheiros de casa antes de Brill, Rodz, Zezão e – agregadamente – o jornalista André Bordim e o pesquisador Luís Carlos Monday. Junto com Fábio Aquino e Luis Renato Rua, Fabrízio e Conrado foram meu grupo de trabalho durante toda a graduação em Relações Internacionais. Aprendi muito com vocês. A Conrado devo ainda o nome pelo qual me tornei conhecido ali: Thiago, o Teimoso. Ou, simplesmente ToT. Foi uma observação

(11)

certo que não fosse a teimosia não estaria aqui.

Agradeço também a Decinho Borsatto, Manuel Nigli e Fernanda Emerenciano. A Laura Mesquita Barbosa e Kelly Barrago, que me economizaram muito trabalho inútil. A Maria Fernanda Trigílio, que eu conheci ainda no primeiro dia e que se mostrou para mim uma grande referência de mulher corajosa e decidida que sabe correr atrás do que quer. A Érika Amusquivar, Patrícia Rinaldi, Alcides dos Reis Peron [amigo desde o “maternal”], companheirada de trabalho.

Em especial, agradeço ao meu mestre, Thiago Mendes Borges. É para mim uma grande referência como professor. Ofereceu com muitos anos de antecedência uma chave que se mostrou fundamental para o formato deste trabalho, sem contar as diversas vezes em que menciono ao longo da tese. E ainda faltaram várias, por certo. Mestre, minha gratidão para contigo é muito maior que essa tese. São muitos os sentidos em que eu quero ser que nem você quando eu crescer. Muito te admiro. [E se não for pra falar de amor, nem me chama].

Um forte abraço e muito agradecimento a quem veio depois, em especial a Gabriela Murua, mina muito importante para mim, mesmo e talvez principalmente nas divergências [ali também se aprende, porque não?], a Lucas Page Pereira, meu “filho”, e a Pedro Costa Júnior, inefável e amado amigo. Não cabem aqui xs estudantes que marcaram meu debute como professor, mas destaco Daniel de Paula e Edson Leão Neto, meus primeiros orientandos de monografia: agradeço muito a vocês.

Silvia Feola: muito te agradeço por ter participado dessa etapa.

Entre a professorada, destaco desde pronto meu agradecimento para Eduardo Mariutti, o primeiro professor do primeiro dia, e que veio a se tornar meu orientador de monografia, mestrado e doutorado. Ao final de um longo ciclo de três subfases totalizando onze anos, estou certo de que foi uma excelente escolha ter pedido sua orientação. Lembro nitidamente quando me indicou que estudássemos juntos o tema do imperialismo, naquele momento ainda fora de moda, conforme explicarei adiante. Tenho certeza de que hoje nosso projeto de iniciação científica não teria sido recusado. [Como não poderia deixar de ser, se não tem bolsa, vai sem bolsa mesmo] As próximas páginas são apenas uma parte do resultado de onze anos de pesquisa e não me parece exagerado afirmar que sem a sua orientação não estariam aqui. Muito provavelmente eu ainda estaria pesquisando outras coisas menos “complexas” e menos “pretensiosas”. Nunca foi

(12)

abrindo caminhos de pesquisa pra quem vem depois. O trabalho sempre deve ser coletivo. Vida longa ao (GE)NII!

Muito importantes também foram outros professores daquela instituição. Professor Silvio Rosa, presente na banca de monografia e doutorado, impossível medir sua contribuição e expressar meus agradecimentos. Professora Angelita Souza, que foi a primeira pessoa a me indicar que apresentasse meus trabalhos em congressos científicos. Professor José Luiz Niemeyer dos Santos Filho, com quem tomei o gosto da pesquisa. Professor Rodrigo Passos, hoje grande amigo, pessoa admirável e pesquisador da mais alta qualidade. Professora Carla Corte, mulher sensacional. Professores Carlos Toledo, Hernani Maia, Lício Raimundo, Zeca Ruas – dentre outrxs – muito agradecido por vocês terem ultrapassado as barreiras que costumam separar discentes e docentes. Fico contente de ter partilhado com vocês muito conhecimento e amizade.

Ainda naquela instituição, não poderia deixar de mencionar verdadeiros mestres: gente que trabalha na limpeza, na manutenção, na portaria, na secretaria e na jardinagem. Ao “irmão” Roberto, que jamais deixará de ser para mim o grande exemplo de como a missão docente pode ajudar a transformar a vida das pessoas. E de como é gostoso participar disso. Sempre que o cansaço bate me lembro do seu sorriso e da sua gratidão [esta, para mim, um tanto exagerada: os méritos – sim, eles também existem, a despeito da meritocracia – são seus]. Quando me disse que havia pedido demissão e que trabalharia no hospital foi para mim como a renovação dos votos. Ser professor é uma coisa muito legal! Simbolizando toda a minha amizade com a rapaziada segregada desde o uniforme, por quem tenho um carinho muito especial e em quem me reconheço apesar das grandes diferenças, destaco uma pessoa fundamental para a minha formação e para a minha permanência ali, um grande amigo com quem muito aprendi e com quem desfrutei muito do meu tempo: Ginelsom “Fofo” Lima, muito agradecido. Ser teu amigo tornou a passagem bem mais agradável.

Em paralelo – quando possível – a esse curso de Relações Internacionais, estava também na graduação de Ciências Sociais. Agradeço imensamente aos grandes mestres com os quais pude conviver ali. Em especial meus amigos Felipe Dittrich Ferreira e Marcos Vinícios Vieira, meus principais interlocutores dos assuntos “teóricos”. Nesses primeiros anos de Barão Geraldo, por imposição de diversas coisas, vivi pouco o IFCH.

(13)

agradecimento a Rogério “Morcego”: valeu “molekote”.

Findo o ciclo da “faculdade de elite”, pude me dedicar integralmente à Unicamp mais uma vez. Não tenho palavras para descrever os conhecimentos acadêmicos e as amizades que travei a partir dos quatro principais grupos políticos dos quais participei até hoje: Cantineiro/Miséria, Pagode do Souza, Associação Atlética Dona Zebra e Miguxos Futsal Clube, sem qualquer ordem de preferência. É conhecida a minha aversão por organizações. Cada uma com sua temporalidade, essas são aquelas que me trouxeram mais alegrias e menos aborrecimentos. Cada uma delas durou o tempo que tinha que durar, deixou os frutos que tinha que deixar, foi substituída por novas pessoas com novas idéias. Lição importante. Agradeço imensamente a essas gentes. Fernando “Souza” Pedrazzoli Filho, Raul Pinheiro, João da Silva (à época, João das Barragens), Batata sem Umbigo Dias, Ricardo Flóqui Normanha, Arthur Prado, Renan Justin Villela, Miguel Damha, Samuel Bussunda Silva Pereira, Lucas Lamonica, Rita de Cássia Barbosa, Fernando Mekaru, Hugo Ciavatta, Caio Moretto Ribeiro, André Lopes, Thiago Aoki, Patrique Bonduki, Gardenal e Pintadinha (in memorian), Thomaz Lenhador Fonseca, Potiguara Lima, Fabinho Zuca, Bruno “Banderas” Conti...

Fábio Accardo de Freitas, João Gabriel Priolli e “Vitor Lalo” Canale: muito agradecido a vocês, meus irmãos queridos.

Thiago Bueno, Carolina Santos Pinho e João Carlos Maestro Rocha, Eugênio O’Rosa Rodrigues, Richard Martins, Marcus Leijoto, Yan Caramel, Newton Monteiro, Matheus Porpeta Youssef Chabchoul, Danilo Negreti, Nil Sena, Rafael Abdalla, Diego Cajuru e Leon Scoca, Rafael Valotta Rodrigues, Aline Ferragutti, Paulinha Saes, Lauren, Renan Guga Paiva Chaves, Marcelinho, Joseane Carina, Laura Fraccaro, Dan Martins, Daniel Doni Bueno, Franco Villalta, Alê Araújo, Djalma Braz, Edna Pimenta, Rodrigo Eisinger, Ronaldo Gomes, André Capa Grilo, Murilo Antunes, valeu, gente amiga (inclusive os que eu esqueci de citar nominalmente).

Agradeço às pessoas amigas que me deram um teto na Moradia. Saudosa P12; Juliano Martoni, Fernando Roberti da Silva, Felipe Jiló, Marcelo Costa, Ricardo Damião Ikier, César Queiroz e a infinita Rafaell Batata Cavaglhyery. Incontáveis idéias dessa tese foram trocadas nessa casa e seus arredores.

(14)

graduação no Instituto de Economia. Foi estranho. Era um Instituto frio e opressivo, em que implicavam até mesmo com a minha bermuda – para não falar na minha alergia por camisas. Devo a Pedro Biffi a minha adaptação. Meu amigo querido – a quem dedico esta tese – foi quem me disse, certa vez, que devemos “fazer nosso ambiente”. Essa reflexão eu levo pra sempre. Foi o que me fez persistir ali naquele ambiente até então hostil, com o qual tenho hoje uma relação de afeto, inclusive pelas transformações pelas quais passamos – eu e o Instituto. Faço votos de que a herança autoritária que ainda pesa ali seja extirpada definitivamente: não é possível conciliar autoritarismo e pensamento crítico.

Devo a Armando Funari, Andrej Slivnik, Theo Martins e André Calixtre (além da rapaziada do futsal) a sobrevivência nos meus primeiros anos no mestrado. Agradeço também aos meus colegas de turma José Tadeu Tim Almeida, Gustavo Cavarsan, Luciana Portilho, Denis Montagner e Daniel “Brasil” Feldman [já então no doutorado] e ao meu querido parceiro Julierme Felix Tosta (de quem sinto muitas saudades). E também devo expressar minha gratidão imensa a Daniel Costa, amigo de infância e de adulteza, grande economista e sujeito incrível.

Devo a Lucas Corazza muito. Foi um isopor com cervejas geladas, uma bola, uns churrascos no bosque e sua amizade que viraram o jogo e geraram uma porção imensa de transformações naquele ambiente. Conhecimentos, amizades, estudos, festa. Sem fronteiras. Em uma palavra de seu agrado: vivência. Valeu, Lucas, é o responsável por isso! Ali nasceram e cresceram muitas amizades: Fábio Pádua dos Santos (muito agradecido, meu nobre, inclusive por estar presente mesmo na ausência), Leo LDN Nunes, Lucas Andrietta (parceiro constante, piadista incansável que deixa o labutar menos pesado e deixou minha tese mais colorida), Roberto Simiqueli, Vitor Burkvar, Thomas Conti, Rafael Silva, Victor Young, Gustavo Zullo, Eduardo Dudu Rao, e Douglinhas Maciel.

Preciso de um parágrafo à parte para o meu bom Ulisses [academicamente, SILVA, Ulisses Rubio Urbano da]. Não sei precisar quando ele chegou, mas sei dizer quando nossa amizade foi estreitada: quando eu precisava muito. Conheço e conto com muitas pessoas generosas em meu extenso círculo de amigos. Mas Ulisses tem um lugar especial entre elas. Foi fundamental poder contar com a sua gentileza, presteza, críticas, favores vários... Nos momentos finais da tese – e nos momentos iniciais da minha

(15)

desabafos, os choramingos e o mau-humor. Me incentivando muito. Trazendo pão, lavando a louça, puxando a orelha. Cuidando de mim e da minha família... e ainda pensando que incomoda[!!!]. O extremo oposto do homônimo prototípico que nomeia essa tese. Meu bom Ulisses: muito agradecido, sua amizade é fundamental.

Agradeço também a quem veio depois, gente por quem tenho muito carinho e especial afeição: à poeta Marina B. Laurentiis; a Bruno Rampone, Caio Momesso, Carlos Iramina, Bruno H. Silva, Mika, Robson de Oliveira, Tom, Ricardo, Codorna, Ana, Mayara Pantaleão, Jéssica Dalcol, Niel Silva, Eduardo Djanikian e diversas outras gentes. Algumas dessas pessoas participaram de um projeto pelo qual tenho grande admiração: o EJA. Vocês me ensinaram muitas coisas e me fizeram ver a pedagogia com novos olhos. Mesmo longe das suas atividades imediatas, a convivência com vocês muito me engrandece.

Devo um agradecimento especial às pessoas que participam do GENII, lugar ímpar de formação acadêmica e pessoal.

E mais uma vez devo expressar os agradecimentos a trabalhadoras e trabalhadores do IE: Alexandra, Mirian e Cleyton, Fátima, Andréa, Marinete, Regina, Elaine, Luiz “Sassá” Eduardo, Régis e toda a rapaziada gente fina da manutenção. Murilão, meu querido: valeu a força, valeu a torcida! Sou muito grato. Foram incontáveis as vezes em que essas pessoas participaram ativamente da minha vida nos oito anos da pós-graduação e por diversas vezes tornaram a vida acadêmica menos sisuda e menos trabalhosa.

Entre o professorado, destaco minha gratidão a Lígia Osório Silva, pessoa incrível, que me marcou profundamente pela erudição, correção, crítica e gentileza. Uma professora como um dia eu gostaria de ser. Agradeço ao professor José Ricardo por suas aulas heterodoxas e eruditas. Agradeço aos professores Marcelo Proni e Fernando Macedo pela supervisão em meus estágios, bem como às professoras Ana Rosa e Simone de Deos, que foram as coordenadoras de graduação com as quais trabalhei. Não posso deixar de expressar minha gratidão com os professores Fabio Campos e Carlos Cordovano Vieira que participaram da minha qualificação e banca de doutorado. Suas sugestões, discordâncias e inquietações reverberarão por muito tempo. Muito agradecido estou à professora Isabel Loureiro, pessoa muito especial, que admirava de longe e tive a satisfação de conhecer na banca de doutoramento.

(16)

Ao fechamento do meu ciclo na Unicamp – que começou em uma quinta-feira chuvosa e inesquecível no ano da graça de 1999 – ainda considero que a frase que melhor expressa minha experiência aqui é aquele pixo que tiraram do muro do Cotuca: “Entrei, sofri, sobrevivi”. Essa frase original – afora a piada – é muito triste, e verdadeira. Acho que minha vida na Unicamp, motivada por muito futsal e muito pagode, foi muito mais alegre do que ela expressa. Mas não me parece possível não ser melancólico em uma despedida. Já ouvi muitas vezes que a Unicamp é uma “mãe” ou a “terra do nunca”. Pra mim as relações que tive durante esses nem tão curtos 17 anos não cabem nesse simplismo. Encontrei boas pessoas. Outras nem tanto. Agora que chegou a hora em que meu caminho aqui acabou, é estranho. Não foi fácil. E por outro lado foi fácil.

Não tenho nem como listar as pessoas às quais devo agradecer por ainda estar aqui mais ou menos em pé. Pessoas que me deram um afago, um apoio, um teto, uma grana. Fabio Accardo de Freitas, meu querido: sem palavras. Leandro Ramos Pereira: “irmão de alma” e “ex-marido”; parceiro de futebol, de samba, de estudos, que me deu um teto e muito mais que isso quando eu precisei. Rapha Armando, meu irmão querido: como poderia agradecer a tudo? Robson Gabioneta, sofista, amigo de todas as horas: valeu, hominho! Obrigado a todos vocês [que sabem bem o quanto eu evito essa palavra]. Quando a gira gira, sempre tem pessoas por perto. A gente deixa e recebe um tanto e vamo que vamo.

Agradeço imensamente a Marina Machado Barbosa do Nascimento. Minha companheira por muitos desses passos. Espero que tenhamos a sabedoria de continuar re-significando a nossa relação para muito além das nossas divergências e saibamos trilhar um caminho de paz, amizade e respeito que propicie às nossas pequenas um ambiente de carinho e afeto. Acho que temos conseguido, apesar de nossos muitos erros. Te admiro por muitas coisas, mas preciso agradecer por você ser uma referência de mulher para nossas filhas. Gosto muito de você. Agradeço à Marcia, Lia, Carol, Júlia e Bia. Agradeço à Eliete e Tom Zé, minha sogra e meu sogro – e muito mais que isso. Sem sua confiança, seu suporte, e os incontáveis apoios que vocês têm nos dado, nada

(17)

devo também a vocês.

À Thayana, minha companheira, parceira querida, que tem caminhado comigo nesses últimos anos: meus mais sinceros agradecimentos. Preciso mencionar a força que me dá todos os dias em nossa vida conjunta, mas o que eu gostaria mesmo de agradecer é por ter tido a coragem de ter ficado ao meu lado e me trazido de volta possibilidades de vida que eu julgava não mais poder experimentar. Passamos, em um momento que para mim era crucial, por uma experiência inacreditável naquela UTI neonatal. Foi uma zica do pântano. Mas sobrevivemos. Mais fortes, mais unidos, mais maduros. Espero que vivamos ainda muitos e muitos anos juntos para podermos seguir aprendendo a cada dia como ser uma família mais delícia. Te admiro muito. Você é uma mulher incrível.

Agradeço muito a quem – em sua esmagadora maioria mulheres – trabalha no CAISM. Devo a vocês a vida de duas das pessoas mais importantes da minha vida. Não é possível expressar minha gratidão. E agradeço a nosso “anjo da guarda”, André Rangel, pessoa decisiva, amigo leal com quem podemos contar em todos os momentos. Obrigado por tudo.

Por fim, seguindo aquela mesma tradição que fazemos questão de respeitar, devo – e quero – agradecer a quem vem depois: às maiores alegrias que a vida me deu, minhas filhas amadas Luiza, Isabel e Clara. Minha maior fonte de aprendizado, minhas experiências mais importantes e profundas. Não há nada que se compare a um abraço e um beijo de vocês. Vocês são a alegria da minha vida. Espero a cada dia aprender mais com vocês a como ser um pai e espero que tenhamos a sabedoria de nos tornarmos a cada dia mais amigos. O mundo que a minha geração deixa para vocês, com todas as significativas melhoras que não convém que esqueçamos, é bem bosta. Mas eu tenho fé de que a geração de vocês vai nos ensinar a viver de um modo melhor. É o que vocês me ensinam sempre. E a vocês eu agradeço muito. Muito mesmo. Amo vocês muito mais do que consigo dizer.

(18)

conversar, ouvi de minha Vó Carmem uma máxima que deu a tônica dessa tese. Ela estava, como de costume, em pé, nos servindo, quando vinha dizendo aquelas frases que saem da nossa boca sem pensar: “No meu tempo é que era bom...e...”. Me lembro como fosse hoje da sua cara de espanto e do seu sorriso quando parou de despejar o café antes de terminar a xícara e soltou uma gargalhada: “Era melhor nada. Muitas coisas eram uma porcaria. A gente tem que parar com essas manias de velho... Muita coisa melhorou”. Autocrítica, não é pra qualquer um. Valeu, vó Carmem. [sei que vou morrer, não sei a hora. deixarei saudades.]

Em uma tese que tem por fundamento anotar que pertencemos ao tempo dela, é importante que saibamos que muito se perdeu, mas não podemos deixar de notar que, aos solavancos, um número grande de lutas se fazem presentes em nossas vidas. Não temos espaço para idealizações. Nem do ontem nem do hoje. Como disse certa vez o poetinha em momento de particular grandeza: “O Amanhã não quer ver ninguém bem. Hoje é que é o dia do presente. E hoje é sábado”.

À benção aos meus mestres e às minhas mestras do samba, do pagode e das outras coisas importantes da vida, saravá

(19)

Este é o samba do crioulo doido: a história de um compositor que durante muitos anos obedeceu o regulamento, e só fez samba sobre a história do

Brasil. E tome de

incofidência, abolição,

proclamação, Chica da Silva, e o coitado do crioulo tendo que aprender tudo isso para o enredo da escola. Até que no ano passado escolheram um tema complicado: a atual conjuntura. Aí o crioulo endoidou de vez, e saiu este samba:

(Stanislaw Ponte Preta e/ou Sérgio Porto)

(20)
(21)

Publicadas originalmente no volume 4 da extinta porque independente Revista Miséria. Disponível online em http://tirasdamiseria.blogspot.com.br/2011/06/cirroses-bar.html

(22)

Neste trabalho, procuramos defender a tese de que a historiografia contemporânea [a partir de 2002] sobre o imperialismo [ainda?] não foi capaz de estabelecer de maneira inequívoca as especificidades do tempo histórico que se esforça por demarcar, o que se manifesta principalmente nas dificuldades em demonstrar em

quê exatamente as assim chamadas “teorias clássicas do imperialismo” não dariam conta

das explicações das características fundamentais das relações sociais em nossos dias. A partir da constatação de que os conceitos fundamentais das “teorias clássicas” – a despeito de quaisquer mudanças que ocorreram nos cem anos que nos separam daquelas formulações – continuam válidos, nosso exame sobre essas teses contemporâneas assumiu a hipótese de que – em alguma medida, a ser explicada – ainda vivemos naquela mesma temporalidade.

A tese se divide em seis movimentos. Na primeira parte, procuramos tecer comentários sobre o que constitui a Ordem do Imperialismo Capitalista. Na segunda parte, avaliamos uma hipótese bastante trabalhada contemporaneamente sobre o

suposto sumiço do conceito “imperialismo” durante o século XX (a partir da hipótese

levantada por Prabhat Patnaik). Em seguida, na terceira parte, procuramos apresentar e refutar duas das principais críticas contemporâneas às teses clássicas (o suposto fim das rivalidades entre as potências e o suposto “economicismo”). Na quarta parte, por sua vez, procuramos avaliar o que julgamos as principais tentativas de delimitar as especificidades do imperialismo contemporâneo (Ellen Meikisins Wood e David Harvey) e na quinta procuramos apresentar pontos das assim chamadas “teses clássicas” que nos parecem reafirmar particularmente bem a atualidade daqueles escritos (nos trabalhos de Rosa Luxemburg e Rudolf Hilferding). Por fim, na sexta parte, procuramos apreciar uma tentativa de periodizar as supostas novidades do nosso tempo presente (o

capital-imperialismo de Virgínia Fontes). Em todas elas, procuramos recorrer ao máximo de

citações que conseguimos na tentativa de demonstrar os avanços e limites dessa historiografia sobre o imperialismo que temos por objetivo apreciar.

Palavras-chave: Imperialismo; Capitalismo; Relações Internacionais; História Econômica.

(23)

In this paper, we try to demonstrate that contemporary historiography [from 2002] on imperialism [yet?] failed to establish unequivocally the specifics of historical time that strives to demarcate, which is mainly manifested in difficulty in demonstrating what exactly the so-called "classical theories of imperialism" would not give account of the explanations of the fundamental characteristics of social relations today. From the realization that the fundamental concepts of "classical theories" - despite any changes that have occurred in the hundred years that separate us from those formulations - are still valid, our examination of these contemporary theories assumed the hypothesis that - to some extent, to be explained – we still live in that same temporality. The thesis is divided into six movements. In the first part, we seek comment on what is the Order of the Capitalist Imperialism. In the second part, we evaluate a hypothesis quite worked contemporaneously on the alleged disappearance of the concept "imperialism" during the twentieth century (from the hypothesis raised by Prabhat Patnaik). Then in the third part, we try to present and refute two of the main criticisms contemporary to classic thesis (the supposed end of the rivalries between the powers and the alleged "economism"). In the fourth part, in turn, we try to evaluate what we consider the main attempts to define the specifics of contemporary imperialism (Ellen Meikisins Wood and David Harvey) and fifth try to present points of so-called "classical theories" that seem to reaffirm particularly well the relevance of those writings (in the works of Rosa Luxemburg and Rudolf Hilferding). Finally, in the sixth part, we seek to appreciate an attempt to periodize the alleged news from our present time (the capital-imperialism Virginia Fontes). In all of them, we seek recourse to a maximum of quotes we can in an attempt to demonstrate the progress and limits of historiography of imperialism that we aim to appreciate.

(24)

“Não sou eu quem me navega, quem me navega é o mar”

(Paulinho da Viola e

Hermínio Bello de

Carvalho)

Nossa hipótese foi construída a partir de leituras sobre as possibilidades de interpretação dos nossos dias pelas categorias de um Imperialismo supostamente novo. Segundo parte dos argumentos que defendem essa idéia, o período do Imperialismo

stricto sensu [o imperialismo “clássico”] teria terminado no mais tardar com o fim da

Segunda Grande Guerra, quando teria sido inaugurada uma nova fase do capitalismo, marcada pelo pacto social, pela capacidade de o Estado controlar as finanças e pela Guerra Fria. Diante disso – ainda de acordo com essa visão – as “teorias clássicas do Imperialismo” teriam “envelhecido” e perdido o seu poder explicativo. Outra parte desses argumentos defende – de uma maneira que nos parece ainda mais problemática – que foi exatamente porque as relações internacionais se tornaram inequivocamente imperialistas que o conceito imperialismo teria sido deixado para segundo plano. Uma vez que a maior parte dessas visões – de ambas as partes – se baseia em trabalhos predominantemente empíricos, se aceitarmos a hipótese de que o conceito imperialismo perdeu espaço ao longo do século XX, nos parece provável que aquelas teorias que versavam sobre ele teriam sido relegadas a uma curiosidade da história do marxismo que, na melhor das hipóteses, poderia servir para estudos históricos sobre o período ao qual se dedicaram – principalmente o tempo que separa a crise de 1870 e a guerra de 1914. No entanto, independentemente de aceitarmos essa hipótese, isso não ocorreu. Pelo contrário, acompanhamos pelo menos desde 11 de setembro de 2001 – e para sermos mais rigorosos, desde a publicação da Estratégia de Segurança Nacional dos Estados Unidos [em setembro de 2002] – a um aumento exponencial de trabalhos explicitamente voltados à análise do imperialismo. Mas da mesma maneira como ocorreu nos tempos “clássicos”, esse “resgate” das discussões sobre o “imperialismo”, não surgiu das posições anti-imperialistas [marxistas ou não], mas foram motivadas pelo fato de que sob o governo de George Bush II apareceram inúmeras declarações

(25)

”para-Neste contexto, não nos parece inusitado que a reação dos discursos anti-imperialistas tenha sido trazer novamente à baila as teorias clássicas sobre o imperialismo, bem como extensos debates sobre o que teria gerado o “eclipse” e o “retorno” do tema.

Sob nosso ponto de vista, a apreciação do debate sobre as especificidades do “novo” imperialismo, entretanto, exigia que adotássemos uma entre duas hipóteses de leitura: 1) ou as categorias das “teorias clássicas” serviriam para explicar tanto o imperialismo do começo do século XX quanto o do começo do século XXI (o “novo” imperialismo), mas não o(s) período(s) situado(s) cronologicamente entre um e outro; ou 2) as categorias serviriam para explicar todo o intervalo temporal entre 1870 e os nossos dias – e nesse caso cumpriria demonstrar em quais condições se sustentam as hipóteses contrárias.

Paralemamente a isso nos pareceu pertinente discutir quais foram as condições em que o imperialismo teria sumido, ou, melhor dizendo, quais foram as visões sobre o capitalismo que sustentaram a idéia de que ele não serviria para explicar o período do pós-Guerra. Como ambos os movimentos para nós se mostraram frutos de uma mesma raiz, nos cumpre investigar o que aconteceu ao longo desse período que produziu essas interpretações, ou seja: porque o imperialismo do pós-guerra é por vezes interpretado como menos imperialista que o imperialismo dos dois extremos do século.

O ponto de partida de nossas pesquisas foram os trabalhos contemporâneos. De imediato, verificamos que grande parte dessa historiografia concorda que diversos aspectos das “teorias clássicas” se mantêm atuais e, assim, procuramos identificar quais são esses aspectos. Em seguida, ainda examinando a historiografia atual, notamos que quase toda ela, apesar de identificar certa atualidade das teses “clássicas”, defende o argumento de que elas não serviriam – ao menos sem substantivas reformulações – para explicar a contemporaneidade. E aqui identificamos o que pensamos ser o problema teórico mais importante dessa historiografia atual: uma enorme dificuldade em apresentar de modo satisfatório em quê, exatamente, aquelas categorias estariam ultrapassadas. Do contrário, quando procuram apresentar o que seriam as “novidades” ou as “especificidades” do tempo presente, em geral xs contemporânexs recorrem a idéias como a “intensificação”, o “aprofundamento” ou até mesmo o “retorno” dos

mesmos caracteres que levaram “os clássicos” e a clássica a elaborarem o conceito

(26)

século foi interpretado como menos imperialista tem nada que ver com os conceitos “clássicos”, mas, sim, com a apropriação seletiva que a historiografia contemporânea faz deles. Sendo assim, voltando às “teorias clássicas”, optamos por assumir a hipótese segundo a qual estas são adequadas para entender, inclusive, a segunda metade do século XX. É uma idéia que pretendemos demonstrar nesta tese.

Para o texto que apresentamos na sequência, escolhemos uma estrutura de

apresentação que nos pareceu mais adequada do que a que utilizamos em nossas

pesquisas. Em particular nos pareceu importante refutar uma hipótese de leitura sobre o século XX que julgamos um grande empecilho para a concepção de formas de vida radicalmente anticapitalistas. Segundo essa visão, supostamente ao período do imperialismo “clássico” (1870-1947) teria sucedido um momento de paz e bonança (1947-1973), marcado pelos pactos sociais que teriam engendrado os tais “Anos Dourados” do capitalismo – que ainda para essa visão, deveriam ser os marcos das lutas contemporâneas contra os efeitos “mais perversos” do capitalismo.

Sob nosso ponto de vista, essa leitura é uma cilada. Primeiro, porque essa ordem do “bem-estar social”, ao contrário do que diz a propaganda rasteira, não foi tão “dourada” assim. Para a esmagadora maioria da população – inclusive no centro – foi uma ordem opressiva e excludente. Em segundo lugar, o palavrório que lamenta o fim dessa “época de ouro” não parece se dar conta de que as condições sobre as quais ela se

(27)

quanto devolver a pasta de dente ao tubo2”.

2Joaquim Ernesto Palhares, Diretor Geral de Carta Maior, setembro de 2014, no prefácio de A Internacional

do Capital Financeiro, Palhares (org.). São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2014. Este livro nos

parece bastante ilustrativo da esquizofrenia desse palavrório. Lançado às vésperas do segundo turno da “polarizada” eleição presidencial de 2014 como uma propaganda do governo Dilma – então candidata à reeleição – reúne um conjunto extenso de petistas e/ou simpatizantes que vociferam contra o mal do “neoliberalismo” – que o governo hoje reeleito está levando ao paroxismo. Entretanto, a despeito de a maior parte dxs autorxs em algum momento dos respectivos textos atestar a impossibilidade de voltar à ordem “dourada” esta nunca deixa de ser a perspectiva de cada umx delxs, que sempre acabam por negar qualquer alternativa menos comprometida com a reprodução do capital. Para ficarmos em um paradigmático exemplo, a epígrafe do livro – que precede o prefácio no qual Palhares afirma que não se deve tentar colocar a pasta de dente de volta ao tubo! – afirma que “O capitalismo financeiro é economicamente improdutivo (não cria riqueza de verdade), socialmente parasitário (vive das receitas produzidas por outros setores da economia) e politicamente antidemocrático (restringe a distribuição da riqueza, cria desigualdades imensas e luta por privilégios).” Como diria a sabedoria popular: “Até aí tudo bem”. Mas é exatamente por não perceber que essas são as características intrínsecas e inescapáveis do capital (e não de uma suposta modalidade neoliberal pós-1970) que é possível continuar argumentando que “(Os Bancos) 'deveriam voltar a fazer o que faziam quando foram criados: oferecer um local seguro para as poupanças e capital a negócios que pretendem se desenvolver'.” C.J. Plychroniou, Truthout. Santa Ingenuidade, Batman!. Como pretendemos argumentar, essas interpretações, por mais bem-intencionadas que sejam, na prática fazem coro com o (liberal!) John A. Hobson e ignoram um século de conhecimento sobre o imperialismo capitalista [cuja razão de ser sempre foi a de desvelar as teias que ligam as formas mais aparentes com as contradições essenciais do capital]. Considerando as profundas articulações em voga desde o longo prazo, não nos espanta que – a despeito da chantagem eleitoral “antineoliberal” – o governo do Partido dos Trabalhadores (sic) se empenhe com tanta ênfase na promoção da agenda imperialista do capital: por hora “neoliberal”, noutra “desenvolvimentista” e assim sucessivamente; até que a morte as separe.

(28)

Sumário

Agradecimentos ... vi Resumo ... xxii Abstract... xxii Sobre a pesquisa que nos conduziu à formulação da idéia central ... xxiv Parte I – Alguns comentários iniciais sobre a ordem do Imperialismo Capitalista ... 1 Capítulo 1. Sobre a ordem e o Imperialismo Capitalista ... 3 1.1 Sobre a ordem em geral ... 3 1.2 Sobre as fissuras da ordem em sua forma atual ... 9 1.3 Sobre a ordem do Imperialismo Capitalista ... 13 1.4 Sobre a seletividade da violência e a ideologia imperialista ... 23 Capítulo 2. Sobre a periodização do Imperialismo Capitalista ... 37 2.1 Sobre as temporalidades em geral ... 37 2.2 Sobre a periodização do Imperialismo Capitalista como um todo ... 41 2.3 Sobre a Odisséia do Capital ... 56 2.4 Sobre as tarefas da nossa geração... 62 Parte II – Podemos considerar o mundo contemporâneo imperialista? – Alguns comentários historiográficos sobre o “sumiço” e o “retorno” do conceito Imperialismo . 69 Capítulo 3. A hipótese do “sumiço” e “retorno” ... 71 3.1 A “imposição” do tema ... 78 3.1.1 A Estratégia de Segurança Nacional de 2002 ... 78 3.1.2 Os panfletos yankees: a campanha em favor do Império que “impôs” o debate ... 83 Capítulo 4. Considerações sobre as bases que sustentam a hipótese do “sumiço” e “retorno” ... 89 4.1 A “mudança” na política externa estadunidense sob Bush II ... 89 4.1.1 Entre “neoliberais” e “neoconservadores” ... 91 4.2 “Globalização” e/ou Imperialismo ... 107 4.2.1 A contenda da (revista) Crítica Marxista ... 108 4.3 Sobre a periodização de diferentes momentos do Imperialismo Capitalista ... 124 4.4 Sobre a “traição das elites” e as (im)possibilidades de um “novo 'New Deal'” ... 136 Parte III – O que há de ‘novo’ no ‘Novo Imperialismo’? – Alguns comentários historiográficos sobre as críticas contemporâneas às “teorias clássicas” ... 151 Capítulo 5. Mudanças na dinâmica da rivalidade entre as potências imperialistas ... 159 5.1 Rivalidade entre as potências hoje ... 162 5.2 Comentários sobre a centralidade da rivalidade intercapitalista para o debate do Imperialismo183 Capítulo 6. O suposto economicismo nas teorias clássicas do Imperialismo ... 193 6.1 O “discreto charme” da ciência burguesa: economicismo, juridicismo e outros ismos ... 200 6.1.1 A crítica de Karl Polanyi à falácia economicista ... 200 6.1.2 A origem da controvérsia sobre o “economicismo” do marxismo “como um todo” ... 211 6.1.3 Algumas lições do debate sobre a “transição socialista” e a experiência histórica da U.R.S.S.221

(29)

6.2.1 O socialismo jurídico, de Friedrich Engels e Karl Kautsky ... 233 6.3 O fetichismo dos economistas ... 251 6.4 A importância da totalidade para o materialismo histórico ... 261 Parte IV – O que há de específico no Capitalismo Contemporâneo? Alguns comentários historiográficos sobre os principais avanços do debate contemporâneo sobre o imperialismo dos nossos dias ... 269 Capítulo 7. Alguns comentários sobre a especificidade do Imperialismo Capitalista na interpretação de Ellen Meiksins Wood ... 271 7.1 Os primórdios do Império do Capital: Império Britânico e a origem (agrária) do capitalismo... 280 7.2 Uma “nova fase” do Império do Capital: Império Estadunidense ... 300 7.2.1 Imperativos “puramente ‘econômicos’” que dependem a cada dia mais dos imperativos “extraeconômicos” ... 306 7.2.2 A distinção do capitalismo a partir da separação do “econômico” e do “político” ... 320 Capítulo 8. Alguns comentários sobre a especificidade do “Novo Imperialismo Capitalista” na interpretação de David Harvey ... 333 8.1 “Opressão via capital” ... 344 8.2 “Acumulação via espoliação” ... 349 8.2.1 Resistências, lutas e as diferenças entre “acumulação primitiva” e “acumulação via espoliação” ... 363 8.3 Imperialismo como acumulação por espoliação: é novo o novo imperialismo? ... 376 Parte V – A “teoria clássica sobre o imperialismo capitalista” caducou? – Alguns comentários historiográficos sobre teorias “clássicas” ... 387 Capítulo 9. Alguns comentários sobre as interpretações de Rosa Luxemburg sobre o Imperialismo ... 391 9.1 As primeiras percepções sobre a importância do tema imperialismo ... 398 9.2 Imperialismo em A acumulação do capital ... 417 9.3 Reprodução social total em A acumulação do capital ... 423 9.4 Anticrítica ... 439 Capítulo 10. Alguns comentários sobre a interpretação de Rudolf Hilferding sobre o Imperialismo ... 461 10.1 O capital financeiro enquanto síntese das formas parciais do capital ... 465 10.2 O Estado e as Lutas de Classes em O Capital Financeiro ... 469 10.3 O Estado na hegemonia do capital financeiro e no fetichismo do direito burguês ... 495 10.4 Alguns comentários sobre o capital financeiro e a propriedade privada capitalista ... 502 Parte VI – Considerações sobre a periodização do Imperialismo Capitalista: o “novo” imperialismo e o imperialismo velho de guerra ... 517 Capítulo 11. Alguns comentários sobre a periodização de Virgínia Fontes sobre o (capital)imperialismo ... 519 Parte VII. Mais alguns comentários a título de considerações finais ... 531 Referências ... 536

(30)

Parte I – Alguns comentários iniciais sobre a ordem do Imperialismo Capitalista

“Porque que é que

ninguém mete o grampo, num pulso daquele de colarinho branco, roubou jóia e o ouro da Serra Pelada, somente o doutor é que não sabe de nada” (G. Martins e Naval)

“Sambista de rua morre sem glória”

(31)
(32)

Capítulo 1. Sobre a ordem e o Imperialismo Capitalista

“Se Deus desse asa à cobra, o mundo não estava perdido, carroça andava na frente e o burro atrás escondido. [...] Carroceiro puxava carroça e na frente do burro ele vinha, a cozinheira ia pra sala e a

madame pra cozinha,

servente seria chefe,

soldado seria tenente, chefe ia trabalhar lá na vaga do servente, se Deus desse asa a cobra, Meu Deus como ia morrer gente. [...]

Ai eu queria ver o que iam

fazer os ladrões de

gravata, quando vissem a coisa preta, porque quem não sabe rezar, não faz trato com o capeta, eles estão me entendendo pra quem sabe ler um pingo é letra”

(Cosme da Viola e Darci do Pandeiro)

1.1 Sobre a ordem em geral

Assume-se como verdade – corroborada – entre muitos outros – por um iconoclasta filósofo europeu – que “os homens” são dotados, quase que por coisas da sua própria natureza, de certo instinto de obediência que, traduzido para a sociedade, determina que todos os agrupamentos humanos organizados obedecem – porque

precisam obedecer – a princípios hierárquicos mais ou menos rígidos em que o poder se

(33)

se é verdade que em todas as épocas, desde que os homens existem, houve também grupos humanos (associações sexuais, comunidades, tribos, nações, igrejas, estados) e sempre um grande número de homens obedecendo a um pequeno número de chefes; se, consequentemente, a obediência é aquilo que foi por mais tempo melhor exercido e cultivado entre os homens, temos o direito de presumir que em regra geral cada um de nós possui em si mesmo a necessidade inata de obedecer, como uma espécie de consciência formal que ordena: 'Farás isso sem discutir; privar-te-ás daquilo sem reclamar; em suma, é um 'tu farás'3.

É enorme o poder de sedução dessa verdade – que se assenta na percepção sobre o mundo em que vivemos e a “natural” extensão do que estamos vendo para a “eternidade” – o que não poderia ser operado senão a partir de um egocentrismo latente. Mas, olhando mais de perto, é igualmente impressionante o efeito que ela produz no que toca ao encobrimento da História, inteiramente cicatrizada por atos de rebeldias, rebeliões, insurreições e vandalismos, dificilmente explicáveis sob essa lei geral.

Parece-nos, contudo, que essa verdade sobrevive, a despeito de incontáveis e contundentes refutações. Somente a título de exemplo, ficaremos com outro europeu iconoclasta, já este um antropólogo. Pierre Clastres. Encarnando o espírito dessa ciência moderna condenada a empreender a “revolução copernicana” contra o etnocentrismo4 que ela mesma outrora alimentou – Clastres refutou essa verdade com classe e fundamento empírico (!) “(em conformidade com os dados da Etnografia)” 5. Como fruto

de uma embasada reflexão comparativa, afirma

3Nietzsche, Frederich, citado por Pierre Clastres em Copérnico e os selvagens [1969], artigo que abre os trabalhos do fundamental A sociedade contra o Estado, pág. 7. (grifos do autor)

4P. 19.

5As seguintes citações de Clastres são do referido livro A sociedade contra o Estado, dos quais citamos aqui o primeiro (Copérnico e os selvagens, de 1969) e o último artigos (também chamado de A sociedade contra

o Estado, de 1972). Todas as críticas que devem ser mantidas, mantidas; a Antropologia continua nos

ensinando que nem tudo somos “nós” e que, muitas vezes, a despeito de “nossa” limitada maneira de ver o mundo, o impossível continua sendo tão possível quanto sempre o fora. Por outro lado, também cumpre que ressaltemos o fato de que, segundo Bento Prado Junior – amigo do autor, com quem chegou a passar compartilhar das férias em mais de uma ocasião – diferentemente de muitos de seus pares, Clastres nunca rejeitou a filosofia, de onde partiu e da qual esteve sempre hereticamente próximo. Para uma apreciação dessa discussão, sugerimos a apresentação de Bento para o Arqueologia da Violência – pesquisas de

(34)

que o poder político é universal, imanente ao social (quer o social seja determinado pelos ´laços de sangue' ou pelas classes sociais), mas que ele se realiza de dois modos principais: poder coercitivo e poder não-coercitivo. [E, portanto] O poder político como coerção (ou como relação de comando-obediência) não é o modelo do poder verdadeiro, mas simplesmente um caso particular, uma realização concreta do poder político em certas culturas, tal como a ocidental (mas ela não é a única, naturalmente).6

Desta maneira, ainda seguindo suas palavras, “não existe (…) nenhuma razão científica para privilegiar essa modalidade de poder a fim de fazer dela o ponto de referência e o princípio de explicação de outras modalidades diferentes” 7. Assim, ao contrário daquele citado filósofo – e de todo o senso comum [inclusive o acadêmico] – que busca na obediência uma espécie de generalização da “natureza do homem” e procura demonstrar que seria, portanto também natural o nosso estatuto de obediência contemporâneo, nosso amigo antropólogo, procurando olhá-las a partir de outras perspectivas, observa que aquelas sociedades “primitivas”, ao contrário do que se supunha, são caracterizadas não pela ausência de mecanismos de poder, mas na forte e organizada recusa a essa forma do poder, que advém do trabalho e do gosto pela acumulação8, por sua vez o fundamento das sociedades divididas entre dominantes e dominados9. Noutros termos, que antecipam uma discussão que se mostrará importante nesta tese: é por recusarem à economia10 que conseguem impedir o surgimento do Estado e da propriedade privada11 e manter uma sociedade que vive da igualdade de seus participantes. Em suas próprias palavras,

6P. 17, grifos do autor. 7P. 17. 8P. 137. 9P. 138. 10P. 139, grifos do autor. 11P. 142.

(35)

nada existe, no funcionamento econômico de uma sociedade primitiva, de uma sociedade sem Estado, que permita a introdução da diferença entre mais ricos e mais pobres, pois aí ninguém tem o estranho desejo de fazer, possuir, parecer mais que o seu vizinho. A capacidade, igual entre todos, de satisfazer as necessidades materiais e a troca de bens e serviços, que impede constantemente o acúmulo privado de bens, tornam simplesmente impossível a eclosão de um tal desejo, desejo de posse que é de fato desejo de poder. A sociedade primitiva, primeira sociedade de abundância, não deixa nenhum espaço para o desejo de superabundância. As sociedades primitivas são sociedades sem Estado porque, nelas, o Estado é impossível12.

O que – insistimos – não significa que nessas sociedades não exista poder, ou qualquer tipo de liderança, mas que

(...) o chefe não dispõe de nenhuma autoridade, de nenhum poder de coerção, de nenhum meio de dar uma ordem. O chefe não é um comando, as pessoas da tribo não têm nenhum dever de obediência. O

espaço de chefia não é o lugar do poder, e a figura (mal denominada) do

'chefe' não prefigura em nada aquela de um futuro déspota. Certamente não é da chefia primitiva que se pode deduzir o aparelho estatal em geral, [porque] (...) a sociedade primitiva nunca tolerará que seu chefe se transforme em déspota.13

Como curiosa ilustração, nosso amigo antropólogo reproduz as palavras de um chefe guerreiro de uma tribo abipone do Chaco argentino, o cacique Alaykin:

Os abipones, por um costume recebido de seus ancestrais, fazem tudo de acordo com sua vontade e não de acordo com a de seu cacique. Cabe a mim dirigi-los, mas eu não poderia prejudicar nenhum dos meus sem prejudicar a mim mesmo; se eu utilizasse as ordens ou a força com meus companheiros, logo eles me dariam as costas. Prefiro ser amado e não temido por eles.14

O objetivo de nosso herético antropólogo parece ser o de provocar o senso comum e contrariar os consensos estabelecidos – e aos nossos olhos ele o faz com clareza e rigor. Não obstante sejam as “primitivas sociedades” empenhadas em fazer vigorar sua própria “ordem” 15, o que as caracteriza é – pela visão que acompanhamos – exatamente a solidez dos mecanismos que existem para impedir a emergência do que

hoje e aqui entendemos por Estado. O Estado, “que em sua essência é unificado” 16, é interditado naquelas sociedades exatamente pelo seu caráter totalizante, uma vez que,

12P. 143.

13P. 143, grifos no original. Qualquer semelhança entre esses líderes reais e os hipotéticos servidores públicos dos contratualistas não nos parece mera coincidência.

14P. 145. A quem notar a total inversão dos pressupostos maquiavélicos que fundam a Ciência Política Moderna, novamente notamos que não nos parece haver coincidência alguma.

15P. 147. 16P. 148.

(36)

para o sistema simbólico que ali vigora, a representação do Um é a própria representação do Mal17.

Para quem já estiver especulando o que essa reflexão está fazendo na introdução de uma tese sobre o Imperialismo, não temos razão para esconder que estamos também aqui, nos referindo à crítica ao “monopólio” [poderíamos acrescentar, tanto a sua versão “política”, quanto sua versão “econômica”], fundamental para o raciocínio que iremos acompanhar mais de perto adiante18. Teremos a ocasião de voltar a comentar sobre essa (tentativa de) monopolização do poder que tribos indígenas chamavam de “Um”. A quem quiser seguir a pista: esse será um dos eixos condutores dessa tese, embora nem sempre isso possa parecer evidente @ leitorx pouco familiarizado com nossos assuntos, com quem gostaríamos de conversar neste exercício.

Para finalizar nossa digressão introdutória, fechemos com a conclusão daqueles estudos de antropologia, que oferecem uma singela lição a todxs aquelxs que porventura ainda acreditem na inevitabilidade de que as coisas humanas tenham sido e sempre sejam conforme as conhecemos aqui e agora:

17P. 150.

18 Noutro registro, Elias defende que “a sociedade do que hoje denominamos era moderna caracteriza-se, acima do tudo no Ocidente, por certo nível de monopolização. O livre emprego de armas militares é vedado ao indivíduo e reservado a uma autoridade central, qualquer que seja seu tipo, e de igual modo a tributação da propriedade ou renda das pessoas concentra-se em suas mãos. Os meios financeiros arrecadados pela autoridade sustentam-lhe o monopólio da força militar, o que, por seu lado, mantém o monopólio da tributação. Nenhum dos dois tem, em qualquer sentido, precedência sobre o outro, pois são dois lados do mesmo monopólio. Se uma desaparece, o outro o segue automaticamente, embora o governo monopolista possa ser, às vezes, abalado mais fortemente num lado do que no outro. [...] Apenas quando surge esse monopólio permanente da autoridade central, e o aparelho especializado para administração, é que esses domínios assumem o caráter de ‘Estados’ (vol. ii, páginas 97 e 98)”; para depois acrescentar que “quando falamos em ‘livre competição’ e ‘formação de monopólio’, em geral temos em mente fatos correntes: pensamos, em primeiro lugar, na ‘competição livre’ por vantagens ‘econômicas’, da qual participam pessoas ou grupos, dentro de um dado conjunto de regras, empregando-se o poder econômico, e no curso da qual alguns aumentam gradualmente seu controle sobre as vantagens econômicas, simultaneamente destruindo, submetendo ou restringindo a existência econômica dos demais. As lutas econômicas dos nossos dias, porém, não só culminam diante de nossos olhos, numa restrição constante à competição realmente ‘livre de monopólios’ e na lenta formação de estruturas monopolistas. Conforme já indicamos, tais lutas pressupõem a existência assegurada de certos monopólios muito desenvolvidos. Sem a organização monopolista da violência física e da tributação, limitada no presente às fronteiras nacionais, a restrição dessa luta por vantagens ‘econômicas’ ao emprego do poder ‘econômico’, bem como a observância de suas regras básicas, seriam impossíveis em qualquer época, mesmo em Estados isolados. Em outras palavras, as lutas econômicas e os monopólios dos tempos modernos ocupam seu lugar dentro de um contexto histórico mais amplo. E só em relação a esse contexto mais amplo é que nossas observações genéricas sobre o mecanismo da competição e do monopólio podem assumir todo o seu significado. Só se levarmos em conta a sociogênese dessas instituições monopolistas firmemente enraizadas do “Estado’ – que durante uma fase de expansão e diferenciação em grande escala abriu a ‘esfera econômica’ à competição individual irrestrita, e assim à formação dos monopólios privados –, só então poderemos distinguir mais claramente, em meio ao grande número de fatos históricos particulares, a interação dos mecanismos sociais, a estrutura organizada da formação desses monopólios. (vol. ii; páginas 106 e 107)”.

(37)

(…) o que os selvagens nos mostram é o esforço permanente para impedir os chefes de serem chefes, é a recusa da unificação, é o trabalho de conjuração do Um, do Estado. A história dos povos que têm uma história é, diz-se, a história da luta de classes. A história dos povos sem história é, dir-se-á com ao menos tanta verdade, a história de sua luta contra o Estado.19

Pensando em nosso trabalho, julgamos que as reflexões sobre como as coisas poderiam ser se não fossem como são – ou, o que é também uma implicação dessa afirmativa – como elas podem vir a ser diferentes, já fornece, pelo negativo, algumas pistas de por quais caminhos deve percorrer nossa busca por uma sociedade mais livre e mais igualitária.

Mas, cumpre que nos indaguemos: por que, afinal de contas, continua sendo propagandeada aos quatro ventos aquela verdade segundo a qual o instinto de obediência

é natural, de modo que se faça a “todos” convencidos de que “os homens” desejam, naturalmente, a ordem?

Alguns anos atrás, em um filme comercial de grande circulação (em português,

blockbuster), um louco [“vilão” ou (“anti-”) “herói”?], cinicamente retirou o véu do

esquema terrível e injusto no qual vivemos. Esquema este que condena milhões de pessoas à miséria e à morte, para que, abaixo de tudo, as pessoas (algumas!) possam viver sob a falsa aparência da tranqüilidade e da ordem. Alguma ordem. Qualquer ordem, desde que ordem. Mesmo uma péssima ordem. Mesmo uma ordem nefasta. Mesmo uma ordem violenta20.

Muito concorre para que essa ordem seja sustentada. Um intenso pacto de solidariedade – hegemonia – faz com que mesmo gentes prejudicadas por essa ordem defendam-na com unhas e dentes, amedrontadas, sucumbindo a um esforçado e constante processo de manutenção perpétua de uma situação de submissão21. Quem pode fazer a denúncia? Os loucos. Apenas os “vilões”, tal qual nossa personagem. Nada

19P. 152

20 “Quando se diz que a política internacional busca uma ‘ordem’, deve-se perguntar ‘ordem’ para quem e com quais interesses?” (HALLIDAY, 2007, p. 80.) Na “politica interna”, o mesmo é verdadeiro.

21Sobre o processo de manutenção da submissão, sugerimos a leitura de “Resposta a pergunta: O que é o

Esclarecimento?” de Immanuel Kant. Existem muitas versões online desse precioso texto, por exemplo em

http://thomasconti.blog.br/2013/immanuel-kant-que-e-esclarecimento/, acessado em 17 de março de 2015 às 10:40h.

Referências

Documentos relacionados

A improcedência por falta de prova, que até agora tem sido considerada como julgamento de mérito, em verdade, não passa de um falso mérito e não pode ser atingida

A primeira a ser estudada é a hipossuficiência econômica. Diversas vezes, há uma dependência econômica do trabalhador em relação ao seu tomador. 170) relata que o empregado

O período de redemocratização foi consolidado com a edição da Constituição Federal, de 5 de outubro de 1988, instrumento jurídico democrático que restaura a

Neste sentido, surge o terceiro setor como meio eficaz de preenchimento da lacuna deixada pelo Estado, tanto no aspecto da educação política quanto no combate à corrupção,

"Para o segurado filiado à previdência social antes da Lei 9.876/1999, que vier a cumprir os requisitos legais para a concessão dos benefícios do regime geral será considerado

Neste capítulo foram descritas: a composição e a abrangência da Rede Estadual de Ensino do Estado do Rio de Janeiro; o Programa Estadual de Educação e em especial as

de professores, contudo, os resultados encontrados dão conta de que este aspecto constitui-se em preocupação para gestores de escola e da sede da SEduc/AM, em

Pensar a formação continuada como uma das possibilidades de desenvolvimento profissional e pessoal é refletir também sobre a diversidade encontrada diante