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Parte I – Alguns comentários iniciais sobre a ordem do Imperialismo Capitalista

Capítulo 4. Considerações sobre as bases que sustentam a hipótese do “sumiço” e “retorno”

4.1 A “mudança” na política externa estadunidense sob Bush

4.2.1 A contenda da (revista) Crítica Marxista

Como uma entre várias possíveis maneiras de demonstrarmos a controversa relação entre globalização e Imperialismo no debate latino-americano, gostaríamos de ressaltar a travada no terceiro número da revista Crítica Marxista, do Centro de Estudos Marxistas (CEMARX) do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Universidade de Campinas (Unicamp), que – em 1996, ou seja, no auge da euforia globalóide – dedicou uma seção inteira para apresentar posições divergentes sobre o tema283.

Enunciando nosso objetivo para direcionar a leitura, chamamos a atenção para a seguinte questão: quais são as concepções de Imperialismo (e de capitalismo) que sustentam as visões de cada um dos autores e da autora? Como de costume, é bom que frisemos que, a nós nos interessa menos as visões de cada um dos artigos e mais o que os impasses podem revelar.

282Quem, como nós, estava na escola durante a década de 1990 se lembra perfeitamente bem da lavagem cerebral que sofremos no colégio sobre o fim da Guerra Fria e essa “Nova Ordem Mundial” da “globalização” e da “paz liberal” que hoje podem parecer ao leitor mais novo uma grande asneira. É uma asneira mesmo. Foi duro de engolir. E deu azia.

283 Citaremos os artigos individualmente, mas deixemos anotado que a revista pode ser consultada no

seguinte endereço:

Em Globalização e Imperialismo, o professor de Ciência Política da Unesp, Marcos del Roio apresenta o problema de modo claro:

o século XX iniciou-se sob o signo do debate sobre o tema do imperialismo e está terminando com a discussão sobre a globalização. Qual a relação entre esses dois conceitos e realidades dentro da história da acumulação capitalista e da crítica socialista? Há continuidade ou ruptura? Quais as implicações derivadas para a ação e teoria socialista no tema proposto? 284

Procurando defender a tese de que “A globalização é uma nova fase do capital em processo” – expressa no subtítulo do artigo – Del Roio considera que “a década de 1980 marcou a vitória completa do imperialismo sobre seus oponentes, permitindo que o capitalismo ingressasse numa outra fase”. Assim o Imperialismo é uma espécie de inimigo – dos trabalhadores, com especial destaque aos socialistas, presumimos – que luta em favor do capitalismo; ou seja, uma espécie de “favorito”. Essa “vitória completa do imperialismo” teria ocorrido devido à “incapacidade de [os socialistas] formular[em] uma nova hegemonia (...) centrada no mundo do trabalho, que teria na análise crítica do capital em processo na forma imperialista seu ponto de partida”. Ainda segundo Del Roio, essa derrota, “permitiu ao capital, conduzido pelo setor financeiro, ingressar numa nova fase cuja forma está ainda mal delineada, mas que vem sendo chamada de capitalismo globalizado”. O autor não nos diz se ele concorda ou discorda dessa forma como a nova fase do capital vem sendo chamada, mas o texto nos leva a inferir que ele concorda. Dessa maneira, a “globalização” deveria ser entendida como uma fase que sucedeu a vitória completa do imperialismo. O que se poderia dizer sobre ela, naquele momento, segundo Del Roio é que

embora essa nova fase do capitalismo globalizado esteja apenas se delineando, em meio a um verdadeiro caos, pois o capital tem limites intrínsecos na sua capacidade de planejamento e suas características não estejam suficientemente claras, desde já algumas afirmações, contrárias aos apologistas das teorias sistêmicas e do fim liberal da história, podem ser feitas: o capital se assenhoreando do conjunto do planeta agora é uma realidade, antecipada, num erro profícuo, por Rosa Luxemburgo285; o risco da barbárie é ainda mais iminente, pois, além da guerra civil generalizada, ameaça a espécie humana uma catástrofe ecológica; e, pior que tudo isso, não há uma subjetividade antagônica à

284DEL ROIO, Marcos. Globalização e imperialismo: a globalização é uma fase do Capitalismo em processo. Crítica Marxista, São Paulo, Brasiliense, v.1, n.3, 1996, p.153-155.

285 A hipótese dos “erros profícuos” é hegemônica da historiografia crítica sobre Luxemburg, como veremos e procuraremos refutar.

ordem do capital global que reproponha o mais que maduro comunismo como superação do atual estado de coisas286.

Já para o sociólogo Octávio Ianni (da Unicamp) – o que não nos parece explicar muita coisa – as categorias também se interpenetram, por que

desde que se fala em globalização, logo se põe em causa o imperialismo. Um e outro se contrapõem, se complementam, dinamizam-se ou se atritam, conforme a dinâmica das relações, processos e estruturas que constituem o capitalismo como modo de produção mundial. Não se trata de imaginar que um nega ou anula o outro, mas de reconhecer que ambos se determinam reciprocamente. Entretanto, o globalismo subsume histórica e teoricamente o imperialismo. Trata-se de duas configurações históricas e teóricas distintas. Podem ser vistas como duas totalidades diferentes, sendo que uma é mais abrangente que a outra. O globalismo pode conter vários imperialismos, assim como diferentes regionalismos, muitos nacionalismos e uma infinidade de localismos287.

E, portanto, sem propriamente explicar o que quer dizer com isso288; afirma que quanto ao globalismo “trata-se de uma totalidade mais ampla e abrangente, tanto histórica como logicamente”, ao passo que

(...) cada imperialismo diz respeito a um todo histórico e lógico compreendido pela metrópole e as nações dependentes ou colônias. Tanto é assim que o imperialismo tem sido norte-americano, japonês, inglês, alemão, russo, holandês, belga, italiano ou outro. 289

Já o economista Wilson Cano (também da Unicamp), reitera as teses que se tornaram uma espécie de consenso – principalmente no campo da Ciência Econômica – entre observadores do espantoso grau em que as cifras “financeiras” aparentemente se

286Em outro texto, de 2004, o autor afirma que “a fase atual do capitalismo é uma fase que se aproxima da realização de um império universal, perspectiva existente antes mesmo do capitalismo, mas que as suas características fundamentais se expressam em um aprofundamento do imperialismo capitalista, particularmente a financeirização e a militarização. No entanto, são as próprias contradições imperialistas a conter a realização do império do mundo.” Em novo texto, agora de 2007, Del Roio coloca a questão em outros termos, igualmente inconclusivos, de modo que ficamos sem saber, afinal, qual é a posição do autor sobre a relação entre imperialismo e globalização. Em suas palavras de 2007, "A questão que se coloca inicialmente é se nos encontramos numa nova fase do capitalismo ou dentro de uma subfase do imperialismo capitalista". A Mundialização Imperialista. Lutas Sociais, 10. Disponível em http://www.pucsp.br/neils/downloads/v11_12_del_roio.pdf e Breve nota sobre a teoria do Imperialismo

(1902-1916), Revista Novos Rumos ano 22, n.47 2007, p. 33 – 39 (pág. 38), disponível em:

http://www2.marilia.unesp.br/revistas/index.php/novosrumos/article/viewFile/2103/1735

287IANNI, Octavio. Globalização e imperialismo. Crítica Marxista, São Paulo, Brasiliense, v.1, n.3, 1996, p.130-131.

288Ao menos neste texto; não estendemos a pesquisa à longa lista de obras do autor sobre Imperialismo e “Globalização”.

289P. 130. Já tivemos a ocasião de comentar, e insistimos: quando consideramos o Imperialismo um momento do Capitalismo – se quiser, por enquanto “em sua fase monopolista” – ainda que existam impérios “nacionais”, não faz sentido pensar em “imperialismos nacionais”. Se o Imperialismo Capitalista é uma “conformação” das contradições do modo de produção capitalista, a questão nacional deve ser entendida de modo perpetuamente entrecruzada com a questão global, uma vez que “capitalismo nacional” é uma idéia logicamente inconsistente.

deslocaram da “economia real” a partir do fim do “Consenso de Bretton-Woods”. Em

Notas sobre o imperialismo hoje, firma que “(...) o imperialismo viu-se obrigado a vestir

nova 'roupagem', dado que a supremacia da acumulação de excedentes financeiros não pode impedir, por muito tempo, a inevitável crise explicitada pela debilidade da acumulação real.” 290 Assim, o que dá a tônica da argumentação de Cano é a suposta falência dos Estados em tomar a dianteira da acumulação capitalista291. Supostamente esse teria sido um efeito da ofensiva imperialista “sob nova roupagem” – e temos nas entrelinhas que talvez Cano esteja sugerindo que a montagem desses Estados desenvolvimentistas possa ser explicada pela “roupagem antiga” do imperialismo, mas é apenas uma suposição cuja demonstração exigira um esforço que não pretendemos dispor no momento. Mas voltando para o que Wilson Cano explicitamente argumentou, para ele

o imperialismo, a partir de meados da década de 1970, passava assim a atuar em duas grandes frentes: 1. ataque frontal aos Estados nacionais já financeiramente debilitados, que consistiria em acirrar a crítica "ineficiência" administrativa e produtiva estatal e reafirmar que o mercado dá alocação melhor aos "fatores" e obtém melhor eficiência; 2. apropriar-se, em velocidade vertiginosa, dos novos conhecimentos já disponíveis da ciência e da tecnologia e acelerar a busca de novas descobertas292.

A globalização, destarte, seria uma espécie de consequência do imperialismo e, Assim sendo, o imperialismo, para "completar" sua globalização nos países subdesenvolvidos, está causando um verdadeiro flagelo, sucateando precocemente capacidade produtiva e infraestrutura, ao exigir a moderna substituição daqueles ativos293

Mais uma vez, a mesma visão de mundo segundo a qual havia algo que foi “flagelado”, “sucateado precocemente”. Para essa visão de mundo, a globalização é uma espécie de interrupção, traição, degeneração de algo bom (o desenvolvimento capitalista durante o período anterior).

A professora Rosa Maria Marques, do Departamento de Economia da PUC/SP e técnica do Instituto de Economia do Setor Público (IESP) da Fundação do Desenvolvimento Administrativo (FUNDAP), por sua vez, em Globalização e Estados

Nacionais, coloca os termos do debate em outros alicerces, mas ainda nos quadros dessa

290CANO, Wilson. Notas sobre o imperialismo hoje. Crítica Marxista, São Paulo, Brasiliense, v.1, n.3, 1996, p.132-135. (p. 133)

291Meta esta que os economistas também chamam de “desenvolvimentismo” ou “keynesianismo”. 292P. 133.

mesma visão de mundo. Indaga ela, “no que consiste a globalização, ou, como dizem os franceses, com o rigor que lhes é próprio, a mundialização?294” Ao que responde, de imediato, que “Trata-se de um dado estágio de desenvolvimento do capitalismo, que se caracteriza por um aprofundamento da concentração do capital e de uma nova forma de organização das empresas” além da “financeirização” e da “fragmentação”295. Alicerçando sua argumentação em uma interpretação específica de “finança” – contrária ao conceito de “capital financeiro” de Rudolf Hilferding, que como argumentaremos mais à frente sustenta o conceito de Imperialismo –; para Rosa Maria Marques, “nesse sentido, a mundialização é entendida muito mais como uma reorganização do capital industrial do que um fenômeno ao nível da troca”296; sem entretanto, deixar de anotar que “essa análise ficaria incompleta se não fizesse referência ao papel exercido pelo capital financeiro (sic) na reprodução do capital dessa fase de mundialização297 A partir dessa concepção – que, insistimos, anda na contramão da tradição marxista (o que em si

mesmo não é nem bom nem ruim, mas é digno de nota) – o Imperialismo parece nem

existir (mais?). Sob nosso ponto de vista, essa é a provável razão pela qual essa palavra “imperialismo” não aparece sequer uma única vez no texto em questão, que, como fosse a mesma coisa, trata “apenas” da relação entre os governos, as empresas e os capitalistas. Citando o economista francês François Chesnais, sua principal referência, Rosa Maria Marques conclui que “se os governos não tivessem desregulamentado, privatizado e liberado o comércio internacional, o capital financeiro e os grandes industriais não teriam a liberdade de ação que ora usufruem”298.

Já Jorge Miglioli, professor de Sociologia da Unesp, se questiona se não seria a globalização uma nova fase do capitalismo, um “resultado natural desse desenvolvimento, na medida em que o capitalismo se implantou por todo o mundo a partir do século XIX299”. Segundo essa visão, a etapa atual seria, portanto, uma etapa que

294MARQUES, Rosa Maria. Globalização e Estados nacionais. Crítica Marxista, São Paulo, Brasiliense, v.1, n.3, 1996, p.136-139. p. 136

295p. 136 296137 297138

298Mesmo texto, página 138. Como, pelo roteiro que escolhemos, ainda não tivemos a ocasião de expor o surgimento da categoria Imperialismo, cumpre-nos ressalvar que reduzir essa complexa questão a uma questão de políticas públicas é entrar na máquina do tempo e voltar mais de cem anos no debate, antes das primeiras formulações de John A. Hobson.

299MIGLIOLI, Jorge. Globalização: uma nova fase do capitalismo?. Crítica Marxista, São Paulo, Brasiliense, v.1, n.3, 1996, p.140-142. p. 140

lembra a fase inicial do capitalismo300. Deste modo, a globalização seria posterior ao imperialismo, uma espécie de imperialismo superdesenvolvido. Ou, em suas próprias palavras, ainda que hesitantes: “Para concluir, é preciso acrescentar (embora temerariamente) que a tendência capitalista à globalização supera (no sentido do verso alemão aufheben, que significa ao mesmo tempo abolir, preservar e elevar) o conhecido imperialismo.”301

De uma perspectiva radicalmente distinta, o Professor de Relações Internacionais e História Contemporânea no IFCH da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Paulo G. Fagundes Vizentini, em Imperialismo e Globalização, misturando o marxismo com as perspectivas dos sistemas-mundo argumenta que “(...) é preciso situar o próprio significado de 'globalização', expressão que se tornou corrente nos últimos anos”. Segundo ele, uma coisa é “o processo de globalização enquanto tal” que “vem ocorrendo há cinco séculos, desde a expansão comercial européia, configurando gradativamente a articulação do que Braudel denominou economia-mundo.”302 Este sentido de globalização, para ele, “trata-se de um fenômeno inerente à história do capitalismo”. Mas não é isso que, segundo ele, “hoje vulgarmente denomina-se globalização”. O que hoje se entende por “globalização” seria apenas “a etapa presente desse fenômeno, parte integrante da Revolução Técnico-Científica (RTC) ou Terceira Revolução Industrial”. Neste texto, eminentemente especulativo, Vizentini se pergunta “qual o caráter desta nova fase e, dentro dela, do imperialismo?”; ao que empreende a reconstituição dos tais “ciclos hegemônicos” típicos daquele modo de teorizar. Depois de posicionar a Revolução Industrial, a pax britânica e o liberalismo como os definidores do ciclo de 1776 a 1890; comenta o ciclo que se abre no final do século XIX, não como o momento do Imperialismo – como o definem os marxistas do período – mas como o acirramento deste [deixando no ar quando teria começado: possivelmente junto com o capitalismo e

300p. 141.

301p. 142. Hoje, por razões que nos escapam do escopo, o termo globalização saiu de moda, e a formulação do professor Miglioli soa um tanto “envelhecida”. Contudo, a reflexão sobre estarmos em uma etapa pós- imperialista é extremamente viva. Como já dissemos, temos por objetivo dessa tese, enquadrar o atual momento dentro do contínuo temporal iniciado com as crises de 1870, mas este ainda não é o momento de desenvolvermos essa argumentação. E não podemos deixar de registrar que a percepção de que a fase atual se parece com aquela fase do início é também uma hipótese importante, e nos coloca o desafio de compreendermos o que houve no intervalo entre ambas que, se não se parecia com as extremidades, cumpre anotar o que a diferenciava.

302VIZENTINI, Paulo G. Fagundes. Imperialismo e globalização. Crítica Marxista, São Paulo, Brasiliense, v.1, n.3, 1996, p.149-152.

a globalização, alguns séculos atrás]303. Ainda nesse ciclo de acirramento do imperialismo a humanidade teria vivenciado a ascensão de “novos países competidores”, do “paradigma fordista”, o desgaste da hegemonia inglesa, duas guerras mundiais, uma depressão de caráter planetário, a emergência do fascismo e a Segunda Revolução Industrial. Depois, teria vindo o ciclo da Guerra Fria, com a paz americana (aqui, nenhuma palavra sobre a URSS) e o keynesianismo. Enfim chegaríamos ao que parece interessar diretamente à questão que o autor se coloca, conforme a vinha enunciando desde o começo: o mais recente ciclo (a partir de 1970) com a Terceira Revolução Industrial e o desgaste da hegemonia americana. Neste ciclo, chama a atenção para a Revolução Técnico-Científica (alcunhada RTC), que "configura-se, então, como uma resposta global do sistema capitalista [sic] à crise do modelo de acumulação, gerando, entre outros elementos, um novo e intenso ciclo de globalização econômica” [na sequência, qualifica: “globalização da produção, das finanças e intensificação do comércio internacional”].

A essa altura já podemos saber o que há por trás desse modo de contar a história, mas sigamos com a reconstituição. A questão, segundo Vizentini, é procurar investigar “o que se deve entender por “‘imperialismo’ nesse contexto?”. Procurando responder, destaca que o capitalismo demonstrou “notável capacidade de transformação” e que “a dialética do imperialismo ensejou novos tipos de contradição”. Quais sejam elas?

Anteriormente, as forças políticas da esquerda denunciavam o imperialismo por seu avanço sobre os recursos naturais, a estrutura produtiva e força de trabalho das nações periféricas do sistema internacional. Contudo, a nova realidade criada pela RTC e pelo processo de globalização conduziu à marginalização de regiões inteiras do Terceiro Mundo. A existência de uma ampla força de trabalho mal- remunerada, de abundantes recursos naturais e mesmo de determinados setores agrícolas ou industriais simplesmente deixou de ser atrativa, em si mesma, ao capital internacional. A globalização é responsável pela marginalização relativa de regiões inteiras do planeta, como por exemplo ocorre com vastas áreas da América Latina, da África subsaariana e da Ásia meridional e ocidental. Nessas regiões, mesmo governos progressistas tiveram que aceitar ajustes socioeconômicos brutais, demandados pelo FMI e pelo Banco Mundial, para lograr deter o

303 A idéia de que o Imperialismo é uma política que acompanha toda a história do desenvolvimento capitalista também é creditada à Rosa Luxemburg. Como teremos a ocasião de argumentar, embora seja uma posição sustentável, pensamos que, ao longo do tempo, ela foi se aproximando progressivamente da idéia de que o imperialismo é uma fase específica, embora o que se convencione catalogar como imperialismo (expansão militarista) seja constituinte do capitalismo em todos os seus momentos.

processo de marginalização, e voltara inserir-se no circuito internacional304.

Embora a idéia de que a Revolução Técnico-Científica teria “marginalizado” (“abandonado”) regiões como a América Latina tenha sido uma percepção do período (fim dos anos 1990), as próximas décadas viriam a demonstrar que os interesses classicamente colonialistas (exploração de recursos “naturais”, “logísticos” e “humanos”) continuam absolutamente fundamentais para a estratégia de desenvolvimento dos países centrais: a pilhagem, de que trataremos na sequência. Diante disso, analisando quase duas décadas depois, esse texto, que reflete em alguma medida uma fração do “espírito” daquele tempo, também nos mostra os limites daquela visão de mundo e do entorpecimento que marcou determinados discursos produzidos no fim do século XX em sua dificuldade de explicar porque aquela segunda metade do século era imperialista. Em 1996, Vizentini afirmou que

304Ao que voltamos mais uma vez ao problema da ilusão de que “governos progressistas” poderiam – por meio do quê? Voluntarismo? – não “aceitar ajustes socioeconômicos brutais demandados” e mesmo assim permanecer no “circuito internacional”. A essa altura [1996] supomos que já deveria ser conhecido do autor o artigo de Giovanni Arrighi – protagonista das assim chamadas “perspectivas dos sistemas-mundo” e incontornável referência dos debates sobre os “ciclos hegemônicos” – em que procura esclarecer como tanto na conjuntura da industrialização quanto da “desindustrialização” a atuação das lideranças – “progressistas” ou “não-progressistas” – da periferia acaba – por intenções anti-sistêmicas ou não, reproduzindo o padrão de inserção – imperialista? – do centro capitalista. A título de síntese: “A primeira suposição questionável é que 'industrialização' é o equivalente de 'desenvolvimento' e que 'núcleo orgânico' é o mesmo que 'industrial'. É interessante que essa suposição atravesse a grande linha divisória entre as escolas da dependência e da modernização. Para ambas as escolas, 'desenvolver-se' é 'industrializar-se', por definição. Desnecessário dizer, as duas escolas discordam vigorosamente a respeito de como e por que alguns países se industrializaram e outros não, ou se desindustrializaram, mas a maioria dos profissionais aceita como verdadeiro que desenvolvimento e industrialização são a mesma coisa. Essa visão está tão entranhada que permanece hegemônica mesmo depois da recente onda de desindustrialização entre os Estados mais ricos da economia capitalista mundial” (p. 208). Cumpre anotarmos que essa visão está tão entranhada que ela continua obscurecendo o fato de que – independentemente das interpretações “da esquerda” ou “da direita”, o imperialismo permaneceu e aprofundou-se ao longo dos séculos XX e XXI. Mesmo porque, ainda segundo Arrighi, “(…) a expansão da industrialização aparece não como desenvolvimento da periferia, mas como periferização de atividades industriais. A industrialização da semiperiferia e da periferia foi, em última análise, um canal, não de subversão, mas de reprodução da hierarquia da economia mundial. Essa descoberta ilustra o processo, enfatizado em nossa conceituação anterior, pelo qual a tentativa generalizada, por parte dos atores econômicos e políticos, de capturar o que, em qualquer momento dado, são atividades de núcleo orgânico, estimula a competição que transforma essas atividades em atividades periféricas” (p. 231) Giovanni Arrighi, A ilusão desenvolvimentista: uma reconceituação da periferia [publicado originalmente em 1990] em A Ilusão do Desenvolvimento [1997]. Gostaríamos de anotar que a passagem central desse raciocínio foi tirada de artigo anterior, citado pelo autor. É ele The Stratification of World-Economy: An Exploration of

o que há de mais irônico, entretanto, é que a esquerda hoje se vê na