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Os panfletos yankees: a campanha em favor do Império que “impôs” o debate

Parte I – Alguns comentários iniciais sobre a ordem do Imperialismo Capitalista

Capítulo 3. A hipótese do “sumiço” e “retorno”

3.1 A “imposição” do tema

3.1.2 Os panfletos yankees: a campanha em favor do Império que “impôs” o debate

Dado o grau de espetacularidade que as caracteriza, e o ativo papel dos veículos “midiáticos” que as cobre, o primeiro impulso que costuma acometer aqueles que

225Noutros termos, todo o mundo é objeto desta ordem a ser imposta “de cima pra baixo”.

226A Guerra do Iraque, à revelia do Conselho de Segurança da ONU, já são outros quinhentos. Sobre a construção da legitimidade – interna e internacional – é nada desprezível a importância dos grandes veículos midiáticos. Mesmo sobre a Guerra do Iraque, Harvey, em um parêntese irônico nos lembra de que “todos os 175 jornais de propriedade de Murdoch em todo o mundo, dirigidos por redatores-chefes supostamente escolhidos por sua independência, proclamaram unanimemente que a guerra era uma boa coisa, o mesmo ocorrendo com vários outros órgãos de propriedade de magnatas dos meios de comunicação”. E mesmo assim, “(...) a média da opinião pública mundial, apesar de uma imprensa belicosa (…) e de constantes declarações apocalípticas feitas por políticos, permaneceu profundamente cética com relação à guerra, se não totalmente oposta a ela.” p. 20. Sobre Murdoch, e sua megalomania, http://exame.abril.com.br/negocios/noticias/rupert-murdoch-o-magnata-que-quer-dominar-a-midia- mundial.

227Sobre “Os Cidadãos de Bem”, http://en.wikipedia.org/wiki/The_Good_Citizen e

http://pt.wikipedia.org/wiki/Ku_Klux_Klan, além de

http://www.confradewashington.com.br/2014/04/o-cidadao-de-bem-ja-nasceu-do-mal.html, no qual o autor Rodrigo Monteiro defende que “(...) o cidadão de bem dissemina o ódio, defende a justiça com as próprias mãos, acha a exploração algo natural e, em alguns casos, acredita que o estupro é um bom remédios para lésbicas.” Mais à frente, enuncia o argumento principal, segundo o qual “os xenófobos, racistas e preconceituosos no geral foram os primeiros cidadãos de bem da história, sempre visando o 'bem da família', e o termo permanece sendo utilizado para justificar a supremacia de determinadas classes.” (todos acessados em 25 de janeiro de 2015). Em síntese: concordamos com Rodrigo no repúdio aos “cidadãos de bem”.

pensam sobre essas declarações de guerra é, sem dúvida, sucumbir à tentação de enquadrá-las como abruptas rupturas numa ordem vigente, frequentemente fazendo coro com as declarações oficiais para as quais a guerra se move pelo revide, quando não para garantir que agressões como essa não se repitam. Para que não deixemos passar batido, enfatizemos: esse é o modo conservador de encarar os fatos. Outro modo de abordar a declaração de guerra, não de todo desconectado daquela “primeira impressão” é colocar todo o seu peso no “grupo” que ocupa o poder naquele momento, tanto em termos de partido político (naquele caso, os republicanos) quanto ideológico (ainda naquele caso, neoconservadores, cristãos, etc.). Uma terceira opção “imediatista” é a reciclagem de diversos tipos de teorias conspiracionistas que ganham vulto (foram os próprios estadunidenses que promoveram os atentados; foram grupos “internos” tradicionalmente ligados à conspiração; se deve aos interesses das grandes empresas, dentre muitas outras). E nesse caso específico, sem dúvida o petróleo ocupa espaço importante em qualquer análise séria sobre as motivações dessa “reorientação” da Estratégia de Segurança Nacional228.

Não nos parece haver dúvidas de que nenhuma dessas abordagens é “estúpida” ou “idiota”. Cada uma delas, em grau menor ou maior, possui o seu grau de verossimilhança. Entretanto, nos parece que cada um desses modos de encarar as coisas se volta mais para a fumaça que para o fogo. Para nós, mais importante que entender como se deu a declaração é entender quais são as razões pelas quais essa política “colou” – tanto no que compete à sociedade estadunidense quanto às demais. Neste sentido, é muito mais importante procurar investigar quais são as condições de formação deste consenso em torno dessa nova forma de guerrear (contra um inimigo de difícil identificação, em lugares indetermináveis e durante um tempo imprevisível). Essas razões são muitas. Comecemos, então, com a mais aparente.

O sinal da Estratégia de Segurança Nacional – ansiosamente aguardada pela população ainda atônita com os ataques dos aviões – era unívoco: era preciso agir, mesmo que não se soubesse exatamente o que fazer. Esse plano [scheme] – de modo nada estranho, se nos lembrarmos do diálogo com o qual começamos nossa prosa lá nas nossas primeiras páginas – encontrou ressonância em diversos setores, que de modo

228Como provoca David Harvey – autor que assumirá mais à frente papel importante neste texto – “Os oponentes da guerra com o Iraque descrevem com freqüência o conflito como motivado todo por causa do petróleo. O governos norte-americano ou descarta de imediato essa alegação por absurda ou ignora por completo a questão. Não há dúvida de que o petróleo é crucial. Mas não é tão fácil determinar exatamente como e em que sentido o é.” (Harvey, O Novo Imperialismo, pág. 24).

menos ou mais tímido saíam do armário e assumiam publicamente desejos até então inconfessáveis, de uma forma eminentemente cínica. Desejavam uma única e exclusiva resposta por parte das autoridades: ordem. Deste modo, era preciso tornar explícitas ações até então tomadas às sombras de modo que se alterasse o conteúdo simbólico do que se entende por “segurança”.

Mas, antes, vamos tentar traçar o mapa de como essa idéia foi “vendida”. Comecemos com John Bellamy Foster, citando Gilferd John Ikenberry229:

nas sombras da guerra ao terrorismo da administração Bush, novas ideias abrangentes estão a circular acerca da grande estratégia americana e da reestruturação do mundo unipolar de hoje. Elas apelam ao direito unilateral e preferencial, até mesmo preventivo, de usar a força, facilitada se possível por coalizões de vontades – mas em última análise sem os constrangimentos das regras e das normas da comunidade internacional. No limite, estas noções formam uma visão neo-imperial em que os Estados Unidos se arrogam o papel global de estabelecer padrões, determinar ameaças, usar a força e fazer justiça. Bellamy Foster complementa que, “para Ikenberry isto não representa uma critica”, mas que “os objetivos imperialistas americanos e o seu modus operandi são muito mais limitados e benignos do que os dos antigos imperadores”. E é evidente que Ikenberry não “prega no deserto”. Na mesma Foreign Affairs (abril de 2002 – portanto antes da Estratégia, que é de setembro), o colunista do Washington Post Sebastian Mallaby (segundo Foster “auto-intitulado 'imperialista relutante'”) deixa escapar num tom quase “neutro” e “fatalista” que “a lógica do neoimperialismo é demasiado atrativa para a administração Bush lhe resistir”. Com o que faz coro o sempre presente Henry Alfred Kissinger, quando afirma, em seu livro Precisa a América de uma política

estrangeira?, que “Os Estados Unidos gozam de uma proeminência não rivalizada nem

mesmo pelos maiores impérios do passado” 230. Como podemos ver, outra constatação “científica”. Já Robert Kaplan, ensaísta do Atlantic Monthly, em livro intitulado Políticas

guerreiras, é menos comedido e argumenta abertamente em favor de uma cruzada

estadunidense “para levar a prosperidade a distantes partes do mundo sob a influência imperial americana”. Receita seguida de perto pelo conselheiro presidencial para a Segurança Nacional do presidente Carter – democrata (!) e vencedor do Nobel da Paz (!) – Zbigniew Brzezinski, que advoga em favor das políticas imperiais dos Estados Unidos,

229Professor de Geopolítica e Justiça Global (sic) na Universidade de Georgetown, e colaborador regular da prestigiada revista Foreign Affairs.

230Kissinger é ex-secretário de Estado, foi confidente de Nixon e conselheiro de todos os presidentes estadunidenses de Eisenhower a Ford. Hoje é crítico da estratégia estadunidense com a Rússia, como veremos.

que para ele deveriam “impedir a colusão e manter a dependência entre vassalos, manter os clientes dóceis e protegidos, e impedir que os bárbaros se agrupem e ressurjam”.

Ainda em 2002, neste mesmo texto, John Bellamy Foster já denunciava que “os intelectuais americanos e a elite política estão calorosamente a abraçar de forma aberta a missão 'imperialista' ou 'neoimperialista' dos Estados Unidos, reiteradamente enunciada em publicações de prestígio como o New York Times e a Foreign Affairs” 231.

Mas essa reivindicação para que “a América” assumisse o estatuto imperial não poderia deixar de ser acompanhada do discurso hipócrita que caminha passo a passo com as doutrinas imperialistas. Max Boot, eminente colunista do Wall Street Journal [agora citado por Harvey], defende que “certa dose de imperialismo norte-americano pode ser a melhor resposta ao terrorismo” ou – muito pior – que a ingerência iluminada da potência é um desejo dos que vivem na periferia232. Diante disso, a “solução” parecia óbvia: um pedido para que os EUA: saíssem do armário e assumissem seu estatuto imperial. É o que defende – se bem que em outros termos, evocando o império da Grã- Bretanha – o cínico polemista Niall Ferguson [também citado por Harvey]: “façam a transição de império informal para império formal”.

Fazendo coro com a defesa do imperialismo escancarado – e contra aqueles estadunidenses que supostamente desejavam a “mudança”, mas não tinham coragem de assumi-la – faz-se notar o “corajoso” e “politicamente incorreto” Michael Ignatieff, Professor de Política de Direitos Humanos (!) da Kennedy School of Government da Universidade de Harvard, e figurinha contumaz no influente New York Times. Na edição da NYT Magazine de 28 de julho de 2002 [novamente: anterior à publicação da

Estratégia] – citada por Foster naquele mesmo texto – Ignatieff argumenta: “[O]

imperialismo costumava ser o fardo do homem branco. Isto deu-lhe má reputação. Mas o

231Todas essas declarações foram tiradas de John Bellamy Foster, A redescoberta do imperialismo – disponível em http://resistir.info/mreview/redescoberta_do_imperialismo.html#asterisco (acessado em 9 de agosto de 2014), Tradução de José Carlos Barreiros Correia. O original pode ser acessado em http://www.monthlyreview.org/1102jbf.htm.

232“o Afeganistão e outra[s] terras perturbadas clamam hoje pelo tipo de administração externa esclarecida um dia proporcionada por ingleses autoconfiantes que usavam jodpurs [N.T.: roupas de montaria] e capacete”. Citado por Harvey.

imperialismo não deixa de ser necessário só porque é politicamente incorreto” 233. Vai além:

as forças especiais não são assistentes sociais. São um destacamento imperial, avançando o poder e os interesses americanos na Ásia Central. Chamem a isso manter a paz ou construir uma nação, chamem o que se quiser, política imperial é o que está em marcha em Mazar234. De fato, toda a guerra americana ao terrorismo é um exercício de imperialismo. Isto pode ser um choque para os americanos, que não gostam de pensar no seu país como um império. Mas o que mais se pode chamar às legiões de soldados, espiões e Forças Especiais americanos a cavalgar o globo? Neste contexto de campanha, muita gente concorria em busca de uma imagem – sempre ela – que sintetizasse de maneira precisa todo o esforço coletivo aplicado no

marketing imperial. Finalmente, Michael Ignatieff, autor do artigo de capa da

emblemática edição do New York Times de 5 de janeiro de 2003 – ilustrada por um enorme punho – apresenta o slogan definitivo que pontifica de modo rigorosamente sintético o consenso em voga: “Império Norte-americano: Acostume-se com ele” 235.

Assim, quando temos em mente a amplitude e a profundidade desse enorme esforço empreendido para justificar/cobrar/exigir que os Estados Unidos assumissem o que já não podiam mais negar – o fato de que eram um Império – discurso esse presente em setores intermediários do governo, na imprensa e na Academia; não é de se espantar o alvoroço em torno de uma declaração tão autoritária quanto aquela Estratégia de

Segurança sobre a qual vínhamos conversando. Nem tampouco causa espanto – desse

prisma – a aparente urgência com que “os marxistas” voltaram a falar sobre o

Imperialismo. Quando os setores mais conservadores da intelligentsia estadunidense

reivindicaram com tanta pertinácia a idéia de Império e mesmo de Imperialismo – com eclipse ou sem eclipse – @s “marxistas” não havia outra saída senão (re) estudar aquela gente supostamente ultrapassada que havia escrito no começo do século XX sobre esse mesmo conceito.

Contudo, afora essas diversas declarações propagandísticas apologéticas e da resposta marxista, que aparecia então como um contraponto, em forma de denúncia, a assunção imperial não veio a público em pronunciamentos oficiais por parte dos altos escalões do governo dos Estados Unidos, possivelmente receoso de conferir um aparato

233Citado por Foster, no mesmo texto. Não é estranho que a maneira como hoje se reivindica o discurso do “politicamente incorreto”, nada mais do que o direito de ser abertamente opressor contra as minorias. Sobre o assunto, recomendamos o instantaneamente clássico e obrigatório documentário O Riso dos

outros, de Pedro Arantes, disponível em https://www.youtube.com/watch?v=uVyKY_qgd54

234http://pt.wikipedia.org/wiki/Mazar-e_Sharif 235Citado por Harvey, neste mesmo texto.

de ideologia oficial ao que vem sendo realizado há muito – e de modo aparentemente eficaz – por baixo dos panos.

Assim, muitos, convenientemente desmemoriados, dão o imperialismo novamente como “teoria da conspiração” ou mimimi marxista “vazio de conteúdo”. Aquela propaganda explícita – conveniente naqueles primeiros momentos em que o espírito de vingança pairava sobre a “América” – foi dando lugar a uma retórica mais usual, em que a tônica é a conquista da legitimidade velha de guerra – ou, noutros termos, a hegemonia. E nos parece claro que para isso também concorre o fracasso [no mínimo relativo] das ações no Afeganistão e no Iraque. De nossa parte, concordamos com David Harvey – e com tantos outros, inclusive conservadores –: embora a já comentada Estratégia de Segurança Nacional “Talvez (...) não equivalha a uma declaração formal de império, (...) sem dúvida sugere intenções imperiais” 236, o que justifica o que avancemos mais um ponto em nosso itinerário.

236Págs. 14-5

Capítulo 4. Considerações sobre as bases que sustentam a hipótese do