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Questões de gênero na vida de mulheres mães de crianças com deficiência

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

QUESTÕES DE GÊNERO NA VIDA DE MULHERES MÃES DE CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIA

MARIA DE FÁTIMA JERONIMO MARQUES

NATAL/RN 2019

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MARIA DE FÁTIMA JERONIMO MARQUES

QUESTÕES DE GÊNERO NA VIDA DE MULHERES MÃES DE CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIA

Documento para Exame de Defesa de Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, do Centro de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como pré-requisito para obtenção do título de Doutora em Educação. Orientadora: Rita de Cassia Barbosa Paiva Magalhães

NATAL/RN 2019

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial Moacyr de Góes - CE Marques, Maria de Fatima Jeronimo.

Questões de gênero na vida de mulheres mães de crianças com deficiência / Maria de Fatima Jeronimo Marques. - 2019. 220 f.: il.

Tese (doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Centro de Educaçao, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2019.

Orientador: Profa. Dra. Rita de Cassia Barbosa Paiva Magalhães.

1. Mãe de criança com deficiência - Educação - Tese. 2. Relações Sociais de Gênero - Educação - Tese. 3. Deficiência - Educação - Tese. 4. Educação - Tese. I. Magalhães, Rita de Cassia Barbosa Paiva. II. Título.

RN/UF/BCZM CDU 376-055.2

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MARIA DE FÁTIMA JERONIMO MARQUES

Documento para Exame de Defesa de Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, do Centro de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como pré-requisito para obtenção do título de Doutora em Educação.

BANCA EXAMINADORA

Profa. Dr. Rita de Cassia B. P. Magalhães - Orientadora Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN

Profa. Dra. Isabel Maria Sabino de Farias Universidade Estadual do Ceará – UECE

Prof. Dra. Mariângela Lima de Almeida Universidade Federal do Espirito Santo - UFES

Profa. Dra. Eliana Costa Guerra

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

Profa. Dra. Maria Aparecida Dias

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

Profa. Dra. Maria Marina Dias Cavalcante (suplente externo) Universidade Estadual do Ceará – UECE

Profa. Dra. Lúcia de Araújo Ramos Martins (suplente interno) Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

NATAL/RN 2019

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AGRADECIMENTOS

A construção do conhecimento é sempre coletiva. É realizada na interação de vários olhares e, alicerçada na história de indivíduos e do mundo a nossa volta. Não seria possível construir esse estudo sozinha, por essa razão, quero agradecer:

À minha família, particularmente, ao meu companheiro João, pelo apoio diário. Pela atenção e cuidado prestado, assim como, pelo constante incentivo aos meus projetos pessoais, acadêmico e profissional;

À professora Rita Magalhães pelo compromisso, dedicação e apoio. Por me estimular e embarcar junto comigo nas discussões sobre gênero. Gratidão! E, quanto tenho agradecer às mulheres mães colaboradoras das pesquisas. Estrelas que iluminaram o caminho e sem as quais, não seria possível a construção desse estudo;

Aos queridos amigos e parceiros Elizangela, Isis, Jonas e Rogério que teceram valiosos diálogos e reflexões durante o processo investigativo, particularmente, no desenvolvimento da intervenção;

Às professoras Dra. Eliana Costa Guerra, Dra. Maria Aparecida Dias, Dra. Isabel Sabino de Farias, assim como, ao professor Dr. Jefferson Fernandes Alves pelas valiosas contribuições no Doutoral I que subsidiaram as inúmeras reflexões acerca do estudo;

Às companheiras do CRAS/Ponta Negra que cotidianamente, são apoio, incentivo e cuidado. Serei sempre grata!

Aos membros do Estado Independente do Guaíra. Aqueles/as que há muito, são refúgio, aconchego e companheirismo.

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RESUMO

Historicamente, as relações sociais de gênero expressas, sobretudo na divisão sexual do trabalho, determinam o lugar das mulheres no âmbito doméstico, sua responsabilização pelos cuidados com a prole e manutenção das necessidades da família corroborando para a construção e perpetuação de desigualdades entre o conjunto dos gêneros. No âmbito das famílias de pessoas com deficiências, as desigualdades se complexificam, haja vista que são as mulheres mães os sujeitos familiares que mais realizam adaptações na rotina ou passam a dedicar-se exclusivamente ao/a filho/a dependente. Maternar um/a filho/a com deficiência se expressa de forma singular na vida das mães, pois cada sujeito tem necessidades particulares, além do mais, pode se tornar mais difícil a depender também dos comportamentos e das práticas sociais com as quais esbarram nos espaços de sociabilidade. Partindo dessas premissas como eixos norteadores, construímos nosso objeto de pesquisa: explicitar, a partir das relações sociais de gênero, as desigualdades vivenciadas pelas mulheres mães de crianças com deficiências colaboradoras da pesquisa, assim como os desafios enfrentados no cotidiano. O estudo tem natureza qualitativa caracterizada pela partilha entre os sujeitos envolvidos (pesquisadora e colaboradores), onde os dados construídos resultam do mergulho na realidade de sujeitos reais, em suas narrativas, nos movimentos concretos e ocultos do processo investigativo. Considerando as particularidades de nossas colaboradoras, suas demandas e necessidades tomamos como aporte a abordagem metodológica da pesquisa-ação que possibilitou sistematizar o conhecimento produzido e construir uma intervenção junto às mulheres mães colaboradoras. Para fins de coleta e construção dos dados, utilizamos a observação, realizada no contato direto com os sujeitos e a instituição envolvida, entrevista semiestruturada individual realizada com 07 (sete) mulheres mães de crianças com deficiência, análise de documentos com o objetivo de mapear e descrever o campo de pesquisa e seu território e, intervenção com a participação de 05 (cinco) das 07 mulheres entrevistadas. Ainda, para fins avaliativos elaboramos e aplicamos dois instrumentos de avaliação. A guisa de conclusão, destacamos que a investigação explicitou a manutenção de concepções acerca da maternidade forjada na estreita associação entre religiosidade e gênero. As reflexões e diálogos promovidos mostraram que alguns processos de adoecimentos, acometidos às mulheres mães estão relacionados a sobrecarga de atividades dedicadas aos/as filhos/as e a família, assim como, é pouco o tempo dedicado as necessidades próprias. Identificamos que as colaboradoras da pesquisa vivenciam processos estigmatizantes que invisibiliza suas demandas e necessidades. Foi ainda possível evidenciar que, como forma de enfrentamento a extenuante rotina, as mulheres mães, constroem redes de apoio social como estratégia para aliviar o peso da caminhada.

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ABSTRACT

Historically, social relations of gender, expressed mainly in the sexual division of labor, determine the place of women in the domestic sphere, their responsibility for the care of the offspring and maintenance of the family needs, corroborating for the construction and perpetuation of inequalities between the genres. In the context of the families of people with disabilities, inequalities become more complex, since the mothers (women) are the family subjects who most adapt routinely, or dedicate themselves exclusively to the dependent child. Maternalizing a child with a disability is expressed in a singular way in the mothers’ life, since each subject has particular needs, and it can also become more difficult to depend also on the behaviors and social practices with which they bump into spaces of sociability. Based on these premises, we have as an objective: to explain, from the social relations of gender, the inequalities experienced by the mothers of children with deficiencies collaborating in the research, as well as the challenges faced by them in the daily life. The study has a qualitative nature, characterized by the sharing between the involved subjects (researcher and collaborators), where the constructed data result from the dive into the reality of real subjects, in their narratives, in the concrete and hidden movements of the investigative process. For purposes of data collection and construction, we used observation, performed in direct contact with the subjects and the institution involved; the individual semi-structured interview conducted with 07 (seven) mothers women of children with disabilities; the analysis of documents with the objective of mapping and describing the field of research and its territory. We also developed an intervention with the participation of 05 (five) of the 07 (seven) mothers interviewed. 08 (eight) meetings were held to promote spaces for reflection and sharing about the place of the mother (women), as well as providing moments of care directed to our collaborators. For evaluation purposes we elaborate and apply two evaluation instruments. As a conclusion, we emphasize that the investigation explained the maintenance of conceptions about maternity forged in the close association between religiosity and gender. The reflections and dialogues promoted showed that some processes of illness, affecting mothers, are related to the overload of activities dedicated to children and the family, as well as little time dedicated to their own needs. We have identified that the collaborators of the research experience stigmatizing processes that make their demands and needs “invisible”. It was also possible to show that, as a way of coping with the strenuous routine, women mothers construct social support networks as a strategy to alleviate the daily struggle.

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RESUMEN

Históricamente las relaciones sociales de género, expresadas sobre todo en la división sexual del trabajo, determinan el lugar de las mujeres en el ámbito doméstico, su responsabilización por los cuidados con la prole y el mantenimiento de las necesidades de la familia, corroborando para la construcción y perpetuación de desigualdades entre el conjunto de los miembros géneros. En el ámbito de las familias de personas con discapacidades, las desigualdades se complican, en vista de que las mujeres madres son los sujetos familiares que más realizan adaptaciones en la rutina, o pasan a dedicarse exclusivamente al hijo o hija dependiente. Un niño con discapacidad se expresa de forma singular en la vida de las madres, pues cada sujeto tiene necesidades particulares, además puede tornarse más difícil a depender también de los comportamientos y de las prácticas sociales con las que tropiezan en los espacios de sociabilidad. A partir de esas premisas, tenemos como objetivo: explicitar, a partir de las relaciones sociales de género, las desigualdades vivenciadas por las mujeres madres de niños con deficiencias colaboradoras de la investigación, así como los desafíos enfrentados por ellas en el cotidiano. El estudio tiene naturaleza cualitativa, caracterizada por el compartir entre los sujetos involucrados (investigadora y colaboradores), donde los datos construidos resultan del buceo en la realidad de sujetos reales, en sus narrativas, en los movimientos concretos y ocultos del proceso investigativo. Para la recolección y construcción de los datos, utilizamos la observación, realizada en el contacto directo con los sujetos y la institución involucrada; la entrevista semiestructurada individual realizada con 07 (siete) mujeres madres de niños con discapacidad; el análisis de documentos con el objetivo de mapear y describir el campo de investigación y su territorio. También desarrollamos una intervención con la participación de 05 (cinco) de las 7 mujeres madres entrevistadas. Se promovieron 8 (ocho) encuentros cuyo objetivo era promover espacios de reflexión y compartir sobre el lugar de la mujer madre, así como proporcionar momentos de cuidado dirigido a nuestras colaboradoras. Para fines de evaluación elaboramos y aplicamos dos instrumentos de evaluación. A modo de conclusión, destacamos que la investigación explicitó el mantenimiento de concepciones acerca de la maternidad forjada en la estrecha asociación entre religiosidad y género. Las reflexiones y diálogos promovidos mostraron que algunos procesos de adicción, acometidos a las mujeres madres, están relacionados con la sobrecarga de actividades dedicadas a los hijos y la familia, así como es poco el tiempo dedicado a las necesidades propias. Identificamos que las colaboradoras de la investigación experimentan procesos estigmatizantes que invisibilizan sus demandas y necesidades. También se pudo evidenciar que, como forma de enfrentamiento a extenuante rutina, las mujeres madres construyen redes de apoyo social como estrategia para aliviar el peso de la caminata.

Palabras clave: Relaciones Sociales de Género. Mujeres madres.

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LISTA DE SIGLAS

APAE – Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais BPC – Benefício de Prestação Continuada

CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CER – Centro Especializado em Reabilitação

CF – Constituição Federal

CID – Classificação Internacional de Doenças

CIDID – Classificação Internacional de Deficiências, Incapacidades e Desvantagens

CRAS – Centro de Referência de Assistência Social CRI – Centro de Reabilitação Infantil

DETRAN – Departamento de Trânsito

EASE – Estabelecimento de Assistência e de Saúde Esperança FMI – Fundo Monetário Internacional

IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IFRN – Instituto Federal do Rio Grande do Norte LBA – Legião Brasileira de Assistência

NEE – Necessidades educacionais especiais OMS – Organização Mundial de Saúde ONU – Organização das Nações Unidas SUAS – Sistema Único de Assistência Social SUS – Sistema Único de Saúde

UFRN – Universidade Federal do Rio Grande do Norte UPA – Unidade de Pronto Atendimento

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 - Teses e Dissertações disponíveis no bando de dados da CAPES/ 2013- 2015. ... 24 Quadro 2- Distribuição dos estudos elaborados na área de Educação sobre Gênero identificadas no Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES/2013-2015. ... 33 Quadro 3 - Matrículas da Rede de Ensino Municipal, 2017 ... 87 Quadro 4 - Matrículas da Rede de Ensino Municipal – EDUCAÇÃO ESPECIAL, 2017. ... 88 Quadro 5 - Quantitativo de Serviços e Equipamentos disponíveis no bairro Cidade da Esperança (2016)... 90 Quadro 6 - Caracterização das mulheres mães participantes do estudo. ... 99 Quadro 7 - Lista de documentos verificados ... 106 Quadro 8 - Sistematização das atividades desenvolvidas durante o processo investigativo. ... 106 Quadro 9 - Síntese dos encontros realizados na primeira fase da intervenção. ... 110 Quadro 10 - Colaboradores externos da pesquisa ... 111 Quadro 11 -Síntese dos encontros realizados na segunda fase da intervenção. ... 112 Quadro 12 - Distribuição de quantitativos de atendimentos no EASE, por faixa etária, em agosto de 2017. ... 122 Quadro 13 - Questionário da primeira avaliação. ... 190

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Bairros que compreendem a Região Administrativa Oeste. ... 88

Figura 2 - Mapa ilustrativo da localização das instituições (Centro Cultural/Escola Via Láctea e EASE). ... 95

Figura 3 - Imagem em 3D da “Sala das Mães” (imagem ilustrativa). ... 97

Figura 4 - Imagem em 3D da “Sala das Mães” (imagem ilustrativa). ... 97

Figura 5 - Análise por triangulação de dados ... 114

Figura 6 - Ilustração da fachada do EASE ... 123

Figura 7 - Painel produzido pelas mulheres colaboradoras da pesquisa. ... 143

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SUMÁRIO

1. INÍCIO DA CAMINHADA ... 15 2. FAMÍLIA, GÊNERO E DEFICIÊNCIA: um olhar sobre a vida das mães de crianças com deficiência ... 40

2.1 Aspectos sócio-históricos da constituição da família: interfaces com as relações de gênero ... 41 2.2 Relações sociais de gênero e família: espaço de sua reprodução e manutenção ... 50 2.3 Deficiência: aproximações e reflexões acerca de suas particularidades no âmbito familiar e na vida das mulheres mães ... 63 3. O CAMINHO, O LUGAR E ELAS: aspectos metodológicos do estudo ... 80 3.1 O caminho: percurso metodológico da investigação ... 80 3.3 O Lugar: lócus da investigação, da construção do afeto e da intervenção ... 93 3.2 Elas: nossas colaboradoras ... 98 3.3 Mais caminhos: técnicas e instrumentos de construção dos dados .. 100 4. REFLEXÕES SOBRE O COTIDIANO DAS MULHERES MÃES PARTICIPANTES DA PESQUISA: o desafio de compreender a singularidades e construir a coletividade ... 115

4.1 Aproximações reflexões realizadas na sala das mães do EASE ... 115 4.2. São as estrelas que nos guiam: singularidades de nossas colaboradoras ... 127 6. SER MULHER, SER MÃE DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA: as estrelas, suas realidades e desafios ... 156

6.1 A Escolhida: manutenção de mitos e as determinações de gênero acerca da mulher mãe ... 156 6.2 A dimensão de gênero na construção da Escolhida ... 161 6.3 A desigual distribuição do trabalho doméstico: marcas de gênero na vida das mulheres mães ... 166

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6.4 Sobrecarga e estigma: reflexões sobre a rotina de mulheres mães de

crianças com deficiência ... 173

6.5. Quando juntas, as estrelas formam constelações: as relações de solidariedade construídas pelas mulheres ... 182

6.6. Como as estrelas avaliaram a intervenção ... 189

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 194

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X Olhamos eternamente para as

estrelas como mendigos que eternamente olham para as mãos.

E imaginamos cousas absurdas de realização. Cousas que não existem e cujo valor é o de consistirem parte da ilusão. E olhamos eternamente para as

estrelas porque parecem diferentes. E quando agrupadas eu as revejo individualizadas. Estrelas… só. Quem sabe se naquela imensidão

elas sofrem o mal dissolvente, passivo, mas dissolvente ainda: solidão. Brilham para o mundo. No entanto

estão sozinhas na lúgubre fantasia de pontas. Nunca, meditem, nunca as encontraremos pois elas olham igualmente para nós e nos desejam porque estão sós. HILDA HILST (Da Poesia, 2017)

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1. INÍCIO DA CAMINHADA

Às vezes as coisas coincidem com a ideia que fazemos delas; às vezes não. Quase sempre não, mas aí o tempo já passou, e então nos ocupamos de coisas novas, que se encaixam em outra família de ideias. O Filho Eterno. Cristóvão Tezza

Objetos de pesquisa não surgem aleatoriamente. Eles emergem a partir de condições objetivas e subjetivas de vida, permeadas pelas experiências e vivências dos sujeitos envolvidos, assim como pela dinâmica societária que, em contexto histórico tão adverso, convoca-nos a refletir de forma contundente e crítica sobre o aprofundamento da barbárie expressa, sobretudo, nas diversas formas de violência, na violação de direitos sociais, preconceitos, desigualdades, que atinge, principalmente, a vida de grupos sociais historicamente oprimidos.

Considerando as desigualdades de gênero vivenciadas pelas mulheres no âmbito das relações cotidianas, particularmente nas relações familiares, pareceu-nos imperioso buscar compreender as singularidades que permeiam a vida de mulheres mães de crianças com deficiência. Dessa forma, propomo-nos a explicitar as desigualdades, lutas e necessidades vivenciadas/sentidas pelas nossas colaboradoras a partir das relações sociais de gênero.

Neste estudo, compreendemos Gênero, Família e Deficiência como categorias centrais. Gênero é aqui compreendido como categoria de análise que busca esclarecer a construção social do sexo distanciando-se das concepções biológicas do ser homem/mulher. Consideramos família uma instituição social, com configurações e arranjos diversos, formada por consanguinidade e/ou afetividade. Essa instituição se constitui como um espaço de socialização, desenvolvimento, manutenção da saúde e do equilíbrio emocional de seus membros, mas, contraditoriamente, também pode se constituir local de desigualdades e violência. Acerca da deficiência, consideramo-la que se soma as limitações físicas, sensoriais, cognitivas

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barreiras sociais e atitudinais. Tais barreiras produzem processos excludentes e violadores de direitos, seja no acesso à saúde, à educação, ao lazer e à participação ativa da vida em sociedade. No decorrer desta exposição, poderemos observar que nossas categorias se inter-relacionam, formando uma teia de relações nem sempre igualitárias. Essa teia nos desafia a refletir criticamente e a construir coletivamente possibilidades de enfrentamento.

Faz-se necessário destacar, pois, que a aproximação com o objeto de pesquisa se dá também por meio de escolhas e percursos pessoais e profissionais. Já dizia Paulo Freire (1989, p. 33): “estudar é um dever revolucionário”, é um ato exige de nós a tarefa de descortinar o mundo a nossa volta, buscar a essência dos fenômenos, suas estruturas e determinações. Com a educação podemos traçar novos rumos e promover mudanças pessoais e coletivas.

Sem dúvidas a formação em Serviço Social nos proporcionou o aprofundamento dos debates sobre direitos humanos, diversidade e gênero, tecendo os fios a partir dos quais se forjaram os alicerces da militância política na defesa intransigente da liberdade e da autonomia de homens e de mulheres, dimensões, a nosso ver, imprescindíveis para materialização de uma vida livre de preconceitos, discriminações e violências.

No âmbito da organização política, a luta em defesa da garantia e ampliação dos direitos humanos das mulheres, da construção de um mundo livre da opressão e da desigualdade contribuiu para o fortalecimento das estruturas do conhecimento crítico da realidade. Assim, construímos nosso entendimento acerca da inadiável luta não apenas das mulheres, mas do negro, do/a homossexual, da pessoa com deficiência, sujeitos e/ou grupos cujas as diferenças os inscreve perversamente, incluídos pela lógica da “normalidade” e dos padrões socialmente estabelecidos.

Na militância política, participamos de muitas formações. Nessas atividades compreendemos que os processos educativos podem ser realizados nos mais variados espaços, e que, por meio do diálogo e da troca das experiências entre os indivíduos, é possível construir um pensamento crítico, ou seja, elaborar olhares sobre o mundo e seus fenômenos procurando

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superá-los, compreender suas determinações e, assim, estabelecer pontes para mudanças pessoais e coletivas.

Em 2014, tivemos a oportunidade de ministrar a disciplina de Educação, Diversidade e Cidadania III no Curso de Especialização em Direitos Humanos promovido pelo Programa de Formação Continuada do Centro de Educação – UFRN. A disciplina contribuiu para adentrar no universo analítico e conceitual da deficiência e da educação inclusiva. As vivências e as experiências promovidas pela disciplina trouxeram-nos questionamentos acerca dos direitos humanos, da deficiência e de sua relação com os processos sociais e culturais, os quais fomentaram o desejo de aprofundá-los. Surge o desejo de trilhar novos caminhos.

A partir daí se iniciou nosso percurso na área da educação. No primeiro momento, foram delineados alguns contornos da proposta de investigação, porém o caráter qualitativo e interventivo do estudo pressupõe que a construção do objeto assim como da intervenção seja explicitada pelo campo. Dessa forma, ao passo que fui aproximando-me do cotidiano institucional e dos sujeitos envolvidos nos olhares e nas reflexões também foram sendo modificados. Podemos afirmar que, não é possível destituir a subjetividade desse processo. Nossa orientação política e pessoal também teve influências nas mudanças que viriam. Ao longo da introdução, explicitaremos de forma mais detalhada a direção que tomou a pesquisa, por ora, deter-nos-emos em elaborar, algumas considerações teóricas que, possivelmente, já trarão indicações dos rumos tomadas pela pesquisa.

Destaca-se que pesquisadores/ras e profissionais na área da educação têm realizado pesquisas e estudos sobre diferentes aspectos e dimensões que conformam práticas e concepções; didática e currículo, estratégias de ensinagem e aprendizagem, entre outros aspectos que contribuem para refletir, qualificar e desenvolver não apenas novas práticas de ensino, mas a construção de novos olhares acerca das necessidades e demandas da comunidade escolar. Para isso, essa área considera a diversidade e particularidades de desenvolvimento do alunado, na perspectiva de atender as singularidades dos indivíduos e promover espaços de inclusão e autonomia.

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Nesse contexto de pesquisa, família, deficiência e gênero se colocam como categorias analíticas importantes em produções acadêmicas e debates realizados por muitos profissionais da educação e pesquisadores/ras. Com essas categorias, é possível compreender: a diversidade de indivíduos e grupos sociais – nas dimensões de gênero/orientação sexual; o terreno complexo e dinâmico no qual, cotidianamente, os sujeitos de sua prática profissional convivem e mantêm redes de solidariedade e de afetividade e ainda, as respostas necessárias a condição intelectual, motora e/ou sensorial dos estudantes, mas também do grupo que o cerca.

As famílias são centrais nos processos de desenvolvimento dos sujeitos sociais – com ou sem deficiência. Mas, como dissemos, não podemos negar que, inserida no movimento real da sociedade, contraditoriamente, é também espaço onde acontecem processos de violência, violação de direitos e assimetrias de gênero. Na particularidade de famílias de pessoas com deficiência, uma sobrecarga maior de atribuições pesa sobre as mulheres. No seio da família estão localizadas nossas colaboradoras, mães de crianças com deficiência. Nesse ambiente, elas encontram apoio e/ou desamparo, solidariedade ou discriminação. Nesse sentido, teremos como ponto de partida do nosso percurso: a família, particularmente, aquela que possua ao menos uma pessoa com deficiência. Nesse ambiente familiar, daremos foco às mulheres mães de crianças com deficiência.

Destacamos que aqueles/as com o desejo de se aventurar no universo dos estudos sobre família devem compreender a diversidade de fatores a interferir na sua manutenção e reprodução. Da mesma forma, é necessário compreender a família na sua historicidade e especificidades, bem como compreender também os modos como se relaciona com das demais instituições sociais (SIMIONATO; OLIVEIRA, 2003).

De acordo com Nogueira (2015), no âmbito da educação, a categoria família já se fazia presente na literatura desde as décadas de 1950/1960. Para a autora, a novidade dos estudos atuais, reside no tratamento dado pelas pesquisas à instituição família.

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As pesquisas iniciais restringiam-se às características morfológicas do grupo familiar (a renda, o nível de escolarização dos membros, a ocupação dos pais, quantidade de filhos/as etc). A partir dos anos 1970, os estudos realizados reduziam o papel da família à “transmissão – aos descendentes – de uma herança (material ou simbólica), a qual seria determinante para os resultados escolares dos indivíduos” (NOGUEIRA, 2015, p.03).

Nos anos 1980, a Sociologia da Educação volta seu olhar às dimensões microscópicas da realidade social, em particular para a escola, a sala de aula, o currículo e a família. Nesse contexto, os/as pesquisadores/ras investigaram as “múltiplas e variadas” estratégias desenvolvidas pelas famílias no que se refere à escolarização de seus/suas filhos/as. É importante ressaltar que esse movimento acompanha tanto as mudanças no âmbito da organização familiar, como dos processos escolares.

Não raras vezes, os/as pesquisadores/ras buscaram investigar a relação estabelecida entre a instituição familiar e os espaços escolares com o objetivo de compreender e de estimular a participação dos/as pais/mães nos processos de escolarização de seus/suas filhos/as. Outro campo da investigação são os estudos sobre as relações de gênero, raça/etnia, diversidade sexual e inclusão ampliando os debates no seio da educação em geral e, em particular, da educação especial.

No âmbito da Educação Especial, tem-se indicado a importância de realizar estudos acerca da família nos processos inclusivos de filhos/as com deficiência. Ao realizarmos uma breve pesquisa na produção acadêmica no período correspondente a 2013 a 20151, identificamos uma série de estudos e sistematizações que objetivam compreender, discutir e propor intervenções junto a famílias de pessoas com deficiência2.

1 Usamos como referência os três anos antecedentes à nossa incursão no Doutorado (2015). A pesquisa realizada foi subsidiária das nossas primeiras aproximações com o objeto, haja vista a necessidade de nossa aproximação com os estudos acerca da categoria família na área da educação.

2 Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas (BRASIL, 2011).

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Na Revista de Educação Especial (versão online), por exemplo, por meio das palavras-chave: “família”, “escola” e “inclusão”, identificamos 07 (sete) trabalhos, cujos objetivos em destaque compreendiam o debate sobre a família da pessoa com deficiência e as concepções acerca da deficiência; e a articulação com a escola e recursos para a estimulação precoce. Entre as temáticas centrais destacamos: percepções de familiares de crianças com autismo acerca do ambiente escolar (MATSUKURA; MINATIL, 2015); percepção dos pais sobre os processos inclusivos de crianças com Necessidades Educacionais Especiais - NEE (ARROJA; FREITAS; RIBEIRO; DIAS 2015); representações sociais das famílias em processos de intervenção precoce (ALMEDA, LAPA, 2015); deficiência intelectual: conceitos e diagnósticos (OLIVEIRA; SMEHA, 2014); inter-relação família, escola e gestão pública (ALVES; SOBRINHO, 2014); percepção das mães acerca da volição dos filhos com paralisia cerebral (EMMEL; OLIVEIRA, 2014); e os recursos e as necessidades dos pais de crianças pré-escolares com necessidades educacionais (GUALDA; BORGES; CIA, 2013).

Ao realizar a leitura dos artigos, pudemos perceber que os estudos supracitados se propõem a analisar concepções familiares acerca da deficiência ou de processos relativos ao impacto da presença da criança na dinâmica familiar. Ainda, exploram a questão da estimulação essencial e da participação da família no processo de desenvolvimento da criança com deficiência. A partir dos conteúdos desses textos, é possível afirmar também que procuram dar respostas em termos instrumentais aos pais e mães sobre os estímulos e cuidados cotidianos dos filhos com deficiência.

É certo que o ambiente familiar influência nos processos de desenvolvimento das crianças nascidas com ou sem deficiência. Entretanto, as crianças com deficiência necessitam de maior atenção e incentivo dos membros da família no seu desenvolvimento. Dessa forma, os pais carecem de orientações específicas e espaços que possam auxiliá-los na tarefa, sendo, portanto, imprescindível a constituição de processos de intervenção junto às famílias para que assim, obtenham melhores resultados no desenvolvimento de seus/suas filhos/as. Contudo, é importante compreender que pais e mães, também, precisam de apoio e de cuidados, afinal, são sujeitos imersos em uma

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experiência que lhes fazem vivenciar situações limites, dores e sofrimentos, mudanças e adaptações.

Entre os artigos catalogados na Revista de Educação Especial, destacamos um elaborado por Gualda, Borges e Cia (2013, p. 07), intitulado “Famílias de crianças com necessidades educacionais especiais: recursos e necessidades de apoio”. Ao longo desse estudo, as autoras afirmam a relevância de identificar os recursos e as necessidades das famílias de crianças com necessidades educacionais especiais (NEE). Tais informações são importantes para “subsidiar programas interventivos que atinjam diretamente o que as famílias necessitam, ou seja, que tenham por objetivo empoderar os familiares” (GUALDA, BORGES; CIA, 2013, p.325).

Quanto aos participantes, a pesquisa contou com 12 familiares de crianças com deficiência incluídas em pré-escolas. Do total, 10 (dez) eram mães e 02 (dois) pais. A dimensão de gênero se mostra evidente na pesquisa, marcado pela expressiva presença feminina no estudo. A majoritária presença das mulheres relaciona-se, entre outros motivos, à ausência de pessoas capacitadas e/ou de serviços públicos para atendê-las adequadamente fora do horário das atividades escolares. Nesse sentido, as mães passam a sacrificar suas possibilidades de lazer e desenvolvimento profissional pela intensa dedicação ao filho.

Para Carvalho (2004, p. 55-56), o envolvimento da família no universo escolar tem sido restrito à obrigação materna. Diz a autora:

O pai está ausente da educação no espaço do lar. Porém, no mundo público, na reunião na escola, é o pai quem fala. [...]. A separação público/ masculino–privado/feminino e a dicotomia de papéis sexuais e de gênero em casa e na escola, coloca as mais pesadas expectativas sobre as mães, reproduzindo a assimetria de papéis sexuais e de gênero que faz recair sobre as mulheres toda a responsabilidade pela educação das crianças, em casa e na escola.

A quase exclusividade da responsabilidade das mulheres no atendimento às demandas dos/as filhos/as provoca uma sobrecarga física e psicológica acentuando os níveis de estresse e adoecimento psíquico. Mães de crianças com deficiência vivenciam as inquietações e as angústias provocadas

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pelos limites e barreiras sociais postas à sua prole; as dificuldades de acesso aos serviços de saúde e as demais políticas sociais; e os problemas socioeconômicos de cada família (BARBOSA; OLIVEIRA, 2008; MATSUKURA et al, 2007).

Durante esta pesquisa, realizamos um levantamento na Revista Brasileira de Educação Especial (2013-2015). Para isso, usamos as palavras-chave: “família”, “escola” e “inclusão” e identificamos 6 (seis) estudos, cujos objetivos versavam sobre formas de comunicação/interação utilizadas entre pais e filhos/as, bem como tratavam do envolvimento familiar nos processos escolares e nos cuidados. Esses trabalhos são: “Comunicação da criança surda (indígena) com família e a escola” (BRUNO; LIMA, 2015); “Relações familiares: mãe, pai, irmãos e criança com deficiência” (DESSEN; SILVA, 2014); “Interação de mães de crianças com síndrome de Down e seus filhos” (MAYER; ALMEIDA; LOPES-HERRERA, 2013); “Expectativas das mães de crianças surdas sobre o desenvolvimento dos filhos” (FREITAS; MAGALHÃES, 2013); “Envolvimento parental na escola” (CRISTOVAM; CIA, 2013); e “Orientações de fisioterapia às mães” (ALPINO; VALENCIANO; FURLANETO; ZECHIM, 2013).

O estudo de Christovam e Cia (2013) buscou analisar a apreensão de professores e de pais de crianças com deficiência sobre os processos inclusivos. Essas autoras destacam que a troca de informações entre a família e a escola foi apontada pelos participantes como fator um que influencia positivamente o processo de aprendizagem. Além disso, os pais dizem necessitar de informações sobre como atuar de maneira positiva para contribuir com a escola. As pesquisadoras afirmam que “a troca de informações entre as duas instâncias é normalmente apontada na literatura como uma das mais importantes formas de realização do envolvimento parental na escola” (CHRISTOVAM; CIA, 2013, p. 568).

Dessa forma, envolver os pais na escolarização dos/as filhos/as com deficiência pode constituir um processo positivo, visto que ao conhecer os recursos e as demandas das famílias, os professores (e demais profissionais da instituição escolar) poderão contribuir com o grupo familiar na minimização do “estresse sofrido e no desafio diário da escolarização e estabelecer uma

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interação colaborativa que auxilie no processo de inclusão escolar” (CHRISTOVAM; CIA, 2013, p. 565).

Além de todos os trabalhos encontrados indicarem a relevância da aproximação da família nos processos escolares, as temáticas destacadas nos chamam atenção dada à centralidade das mães nos estudos sobre processos de escolarização e desenvolvimento de pessoas com deficiência. Dos 06 (seis) trabalhos selecionados, 03 (três) tinham como sujeitos principais as mães. Quando não eram elas os agentes principais, as mulheres estavam presentes, majoritariamente, na composição dos grupos participantes.

Destaca-se, por exemplo, o artigo elaborado por Christovam e Cia (2013), intitulado “Envolvimento Parental na Visão de Pais e Professores de Alunos com Necessidades Educacionais Especiais”. De acordo com as autoras, a investigação contou com a participação de 60 familiares, dos quais

44 eram mães, 9 pais e 4 avós.

Como afirma Carvalho (2004, p. 44), para a escola,

[...] o envolvimento ou participação dos pais e das mães na educação dos filhos e das filhas significa comparecimento às reuniões, atenção à comunicação escola–casa e, sobretudo, acompanhamento dos deveres de casa e das notas (CARVALHO,2004, p. 44).

Na particularidade da criança com deficiência, muitas vezes, esse envolvimento ocorre de forma compulsória: os pais se tornam cuidadores/as da prole também no ambiente escolar, pois nem todas as escolas contam com o trabalho de professores/as auxiliares e cuidadores/as.

Os demais 05 trabalhos catalogados na Revista Brasileira de Educação Especial versam sobre as especificidades das deficiências e os instrumentos, técnicas e tecnologias disponíveis a serem utilizados pelas famílias para ampliar as possibilidades de desenvolvimentos dos sujeitos com deficiência. Procuram ainda, problematizar as interações e os conhecimentos que a família e instituições escolares possuem sobre a condição destas crianças.

Estudos nessa perspectiva são imprescindíveis para socialização de informações e conhecimentos voltados à superação de barreiras visíveis e

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invisíveis ao desenvolvimento das pessoas com deficiência. Contudo, essa área de estudo carece de problematizações sobre a realidade social na qual se inscrevem esses sujeitos e de discussões acerca das condições objetivas de vida da família. Podemos citar como exemplo: tempo livre para que se dediquem ao acompanhamento dos/as filhos/as, as condições financeiras que dispõem para oferecer atividades extraescolares (como professor particular), ou ainda de compreensão das condições subjetivas traduzidas em capital cultural, aqui entendido, como as capacidades culturais específicas transmitidas intergeracionalmente, por meio da socialização primária (SILVA, 2005).

Realizamos ainda pesquisa no Banco de dados de Teses e Dissertações da CAPES, tendo como referência a produção na área da Educação Especial realizadas no período de 2013-2015. Identificamos 118 (cento e dezoito) trabalhos que versavam sobre processos inclusivos, dos quais 07 (sete) incluíam como sujeitos as famílias de pessoas com deficiência, como podemos observar no quadro 01 a seguir:

Quadro 1 - Teses e Dissertações disponíveis no bando de dados da CAPES/ 2013- 2015.

Grupos Título Autor(A)

Tese Programa de intervenção familiar para a estimulação de linguagem em crianças com síndrome de Down

MAYER, 2016

Autistas em idade adulta e seus familiares: recursos disponíveis e demandas da vida cotidiana

ROSA, 2015

Dissert. Avaliação Multidimensional de um programa de intervenção com mães de crianças com deficiência

AZEVEDO, 2014

Habilidades sociais parentais e infantis, problemas de comportamento em pré-escolares: avaliação de pais e professores

BRASIL, 2014

Variáveis Familiares de Crianças com Deficiência e os tipos de escolarização inclusiva e segregada

MARINS,2015

Efeito de um programa de comunicação alternativa para a capacitação de mães de crianças com paralisia cerebral não verbal'

MANZINI, 2013

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crianças com deficiência visual com a participação das mães

Fonte: elaboração própria a partir dos dados coletados.

Embora os estudos sobre família na área da educação não seja um fenômeno recente, no âmbito da educação inclusiva/especial a categoria “família” ainda carece de problematizações. A maioria dos trabalhos caminhava na direção de construir estratégias ou instrumentos desejáveis às famílias de pessoas com deficiência, pensando em seus membros como colaboradores dos processos inclusivos. Nessa mesma direção, apontamos nossa proposta de investigação no sentido de colaborar com as famílias de crianças em processos de reflexão e fortalecimento de sua autonomia frente às demandas e necessidades cotidianas. A nossa inquietação era de como fazê-lo.

Indubitavelmente, a implementação das políticas de educação inclusiva nos sistemas de ensino e no interior das escolas (públicas e privadas) vem disseminando novos princípios educativos, novos saberes e novas concepções que impulsionam olhares acerca da diversidade e da deficiência. Em contrapartida, tem gerado novos desafios, conflitos e problemas. Com isso, analisa-se as políticas públicas para construção de possíveis estratégias a fim de que cada vez mais as crianças, independente de condição física, cognitiva, sensorial, da condição da raça/etnia, orientação sexual e classe social recebam uma educação de qualidade na direção da cidadania e da plena participação nos espaços de sociabilidade. Nesse caminho, consideramos ser indispensável a participação da família numa perspectiva colaborativa com a instituição escolar.

Quanto mais informações sobre a condição do filho, dos seus limites, de suas possibilidades de desenvolvimento, assim como a disponibilidade e a socialização dos serviços e dos direitos sociais com os familiares, maior será as possibilidades da concretização da política de educação inclusiva. Isso é possível quando valorizamos o potencial da família da pessoa com deficiência, compreendemos suas escolhas, carências, desejos e fortalecemos sua autonomia frente aos desafios cotidianos.

Partimos, portanto, do pressuposto Freireiano: a autonomia está relacionada com a capacidade que os indivíduos têm de criar suas próprias

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representações do mundo, de pensar e de construir formas de resolver suas demandas e seus problemas individuais e coletivos e, nesse sentido, entender-se como sujeito da história (FREIRE, 2002).

A reflexão sobre sua vida e a vida em sociedade, segundo Freire (2002), possibilita homens e mulheres superar determinismos, problematizar os fenômenos sociais e, ao mesmo tempo reconhecer a sua responsabilidade de sua passagem pelo mundo. Ademais, espera-se que esses sujeitos reconheçam os limites postos pelas condições materiais, econômicas, sociais e políticas, culturais e ideológicas em que nos encontramos, a fim de possibilitar a criação de estratégias de superação que fortaleçam o desejo de mudar o mundo.

Com isso, compreendemos que uma intervenção voltada às famílias de crianças com deficiência não poderia apenas buscar estratégias e instrumentos de capacitação de mães. Devemos ir além disso: espera-se, por conseguinte, possibilitar às nossas colaboradoras o pensar sobre a vida, suas demandas e necessidades, construindo um processo de fortalecimento das estratégias aos desafios enfrentados pelas famílias envolvidas.

Nesse sentido, propomo-nos, precipuamente, em analisar a relação entre a família de crianças com deficiência e a escola no processo de escolarização dos/as filhos na perspectiva da educação inclusiva, buscando, assim, potencializar a autonomia dos pais na defesa dos direitos dos seus/suas filhos/as. Nossa intervenção envolveria, a priori, pais e profissionais (professoras e coordenação pedagógica) da escola escolhida como campo de pesquisa.

Mencionamos, neste estudo, que as categorias “família”, “deficiência” e “relações de gênero” formam uma teia, ou seja, se entrelaçam promovendo pontos de entrecruzamentos, e, ao mesmo tempo, se expressam de forma particular na vida de mulheres mães de crianças com deficiência. Contudo, de forma geral, elas terão que realizar maiores adaptações em suas vidas, sofrerão preconceitos e processos de estigmatização.

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Maternar um/a filho/a com deficiência se expressa de forma singular na vida das mulheres mães, haja vista as necessidades próprias de cada sujeito. Além do mais, pode se tornar mais complexo e difícil a depender também dos comportamentos e práticas sociais com as quais esbarram nos espaços de sociabilidade. Outros fatores que dificultam são as concepções e as ideias sobre o desenvolvimento de crianças com deficiência que, embora arcaicas, ainda, circulam no imaginário social.

Ao longo da história, pessoas com deficiência enfrentaram a eliminação, a exclusão, a normatização e uma diversidade de modos de segregação. Um longo caminho foi trilhado para que fossem construídas políticas e legislações na esteira do direito à cidadania desse grupo social.

Na Modernidade, a compreensão da deficiência parte dos pressupostos biomédicos que sustentavam ser possível classificar e catalogar os impedimentos corporais a provocar variações consideradas indesejadas em relação a um ideal de corpo normal. Argumentava-se ainda que processos de exclusão, desemprego, baixa escolaridade eram provocados pelo corpo lesado, incapaz de realizar o trabalho produtivo (DINIZ, et al., 2010).

Diniz et al. (2010) afirmam que os estudos biomédicos foram utilizados, sobretudo, para guiar a construção de políticas de saúde e de bem-estar:

O olhar médico tornou-se soberano como o discurso explicativo e curativo sobre os impedimentos corporais, fossem eles descritos como doenças ou deficiências. Amparadas pelos saberes biomédicos, surgiram instituições especializadas no cuidado da deficiência, em particular para as pessoas com impedimentos intelectuais, onde se mantinham os indivíduos fora do convívio social. Com pouco espaço para a socialização cotidiana, as pessoas com deficiência se viram confinadas ao mundo silencioso da casa ou da institucionalização permanente (DINIZ et al., 2010, p. 02).

Se, por um lado, esse modelo médico provocou o confinamento das pessoas com deficiência, por outro, contribuiu para superar as narrativas religiosas que entendiam os impedimentos corporais como infortúnio, castigo, fardo.

Gradativamente, estudos começaram a questionar se o impedimento das pessoas com deficiência em realizar algumas tarefas é inerente à questão

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física/corporal ou está relacionado às barreiras atitudinais, pedagógicas e físicas vivenciadas por eles. Nesse sentido, as barreiras fariam parte do próprio impedimento.

Diniz et al. (2010) afirmam que a partir da década de 1970 novos olhares passam a considerar a deficiência não como uma tragédia pessoal, mas como uma forma de opressão. Isso é consequência, sobretudo, dos padrões de normalidade estabelecidos na sociedade; conceito básico derivou do Modelo Social da Deficiência. Uma perspectiva na qual não se pode reduzir a deficiência ao impedimento, ou seja, implicando em conjugar ao conceito as dimensões culturais, políticas e econômicas de uma sociedade e tempo determinados.

Desde a década de 1950 e 1960, por exemplo, estudos seminais, como, por exemplo, os de Erving Goffman (1963) sobre “estigma” e “instituições totais” colocavam em questionamento as ditas relações mistas entre estigmatizados e não estigmatizados. Assim, a deficiência era compreendida como marca social que determinados indivíduos carregavam por possuírem características que divergem daquelas padronizadas em uma sociedade (GUIMARÃES, 2008).

Nesse estudo, filiamo-nos aos teóricos do modelo social. Consideramos, por conseguinte, que a deficiência é perpassada por processos culturais, econômicos e políticos nas mais variadas conjunturas sociais. Esse entendimento nos possibilita historicizá-la, ou seja, apresentar seus significados compartilhados em momentos históricos distintos, permitindo a elaboração de suas conceituações e explicações. Nesse sentido, corroboramos com Gesser (2010, p. 51), ao afirmar que a deficiência deve ser entendida a partir da sua relação com a cultura e com a história – dimensões objetivas e subjetivas da vida –, “visto que, é a partir dos processos de apropriação destes determinantes que o sujeito se constitui, ou seja, que ele compreende, sente e age nas/sobre as situações cotidianas”.

Tal compreensão propõe a ruptura com a linearidade e a naturalidade do fenômeno, situando-o no campo da reflexão concreta, rumo à problematização e, na especificidade da pessoa com deficiência, na construção processos de

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inclusão social potencializadores dos sujeitos e de enfrentamento a cultura da normalidade, dominante em diversas sociedades.

Como é possível observar, até o momento, tecemos considerações acerca das categorias “família” e “deficiência”, passando de forma sutil pelo lugar que a mulher mãe assume no âmbito doméstico e nos processos educativos da sua prole. Mas que, ao destacarmos a centralidade do cuidado, a sobrecarga de atribuições, a responsabilização da mulher sobre a educação das crianças também estamos buscando problematizar as relações de gênero estabelecidas na sociedade em que vivemos e sua implicação nos processos de inclusão.

Assim, na direção da compreensão histórica do papel da mulher no ambiente familiar e na sociedade, importa tecer algumas considerações sobre as relações de gênero. Barbieri (1993) diz que os estudos de gênero surgem com a necessidade de explicar a condição de subordinação histórica das mulheres. A categoria é pensada quando mais uma vez se levantou o debate sobre a relação entre natureza e cultura acerca da hipótese do determinismo biológico na explicação da desigualdade social e política. Conforme Barbieri (Id. Ibid., p. 149),

Es en esta búsqueda donde surge y se expande el concept de género como categoria que en lo social, corresponde al sexo anatómico y fisiológico de las ciências biológicas. El género es el sexo socialmente construído.

Os sistemas de gênero/sexo correspondem ao conjunto de práticas, símbolos, representações, normas e valores sociais que as sociedades elaboram a partir das diferenças entre os sexos (BARBIERI, 1993). Significa que, a partir das diferenças biológicas, a sociedade estabelece formas individualizadas de ser homem e ser mulher na sociedade. Assim, foram estabelecidos e difundidos modelos específicos de homem e de mulher, aceitos e internalizados pelo coletivo, passando a compor o processo de formatação do feminino e do masculino.

Para Scott (1990), em todas as sociedades, os seres humanos nascem iguais: macho ou fêmea. Por meio de processos ideológicos, econômicos e

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culturais aprendem a ser homens e mulheres, “[...] incorporando estereótipos necessários aos interesses de preservação da ordem vigente numa dada sociedade” (SILVA, 1992, p. 62). Nesse movimento, as atribuições e as funções exercidas pelo conjunto dos gêneros foram assumindo características de relações hierárquicas e desiguais, aprofundadas conforme as determinações materiais e subjetivas dos sujeitos e da sociabilidade da qual fazem parte.

Associada as narrativas de feminilidade e masculinidade, as normas, os símbolos, a política, entre outros, gradualmente, as mulheres foram postas em uma posição de subordinação e inferioridade perante os homens, tendo como destino o espaço doméstico e a maternidade. Exalta-se o papel natural da mulher como mãe, atribuindo-lhe todos os deveres e as obrigações na criação do/as filho/as e limitando a função social feminina à realização da maternidade.

Nessa direção, Chodorow (1990) salienta que, além de gerarem filhos/as, as mulheres também assumem a responsabilidade pelo cuidado da criança que chega à família. Dessa forma, dedicam mais tempo ao bebê do que os homens e por essa razão, mantêm os primeiros laços emocionais com os/as filhos/as. Se as mães biológicas não podem dar essa atenção e cuidado (devido a sua participação na esfera da vida pública), outras mulheres assumem essa tarefa (ex: avós, babás). Mais uma vez, são as mulheres e não os homens que empregam tempo ao cuidado das crianças.

Ainda conforme a autora, por meio da conexão aparentemente natural entre a possibilidade de gestar uma criança e amamentar, elabora-se a ideia de que as mulheres também são as responsáveis pelo cuidado do filho. Esse cuidado, não se esgota nos primeiros meses de vida da criança, mas prolonga-se no decorrer dos anos atendendo a dimensões diferentes em cada etapa da vida. Assim, a maternidade é tida como evidente e inevitável à medida que contribui (sob tal perspectiva) para a consolidação das relações entre os sexos, a ideologia sobre as mulheres e as desigualdades tanto no âmbito das relações familiares como no espaço público (CHODOROW, 1990).

De acordo com Azevedo (2014), os estudos sobre a família demonstram que, particularmente, quando se tratam de crianças com deficiência, as mães

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são as que mais apresentam informações acerca da organização familiar e do desenvolvimento de seus membros. Isso se justifica porque os principais cuidados familiares, majoritariamente, “são realizados pelas mães, o que implica na responsabilidade prática de viabilizar os tratamentos necessários para a criança e dedicar maior tempo aos cuidados da mesma” (AZEVEDO, 2014, p. 26).

Aguirre (2007) observa que há dois grandes tipos de cuidado: aquele destinado a crianças e adolescentes, no qual há satisfação envolvida e aquele proporcionado a pessoas com enfermidades, idosos e deficientes. Neste último, o cuidado está imerso na lógica de sacrifício, um sacrifício que pode envolver um grau de reconhecimento social. Não são raras as vezes em que mães de crianças com deficiência são denominadas de “mães especiais/mães guerreiras” que remete a excepcionalidade da condição, mas também da escolha “mítica” daquela mulher (entre tantas outras).

A maternidade e a responsabilidade pelos cuidados dos/as filhos/as, dos membros da família e da unidade doméstica colocam a mulher em situação de alvo potencial de diferentes estressores. Quando o filho tem deficiência, é a mulher, o membro da família, que mais faz adaptações nas rotinas de vida. A vivência com a deficiência é um processo doloroso com muitos conflitos para esta mãe, que se sente despreparada frente às novas exigências de cuidados desse filho. A mulher vivencia tempos difíceis, de angústia e de temor diante da ameaça percebida nas limitações do filho. É muito comum as mulheres abrirem mão dos projetos individuais, do trabalho, do lazer para se dedicarem às demandas do filho (AZEVEDO, 2014; MATSUKURA, et al., 2007).

A partir das elaborações sociais/culturais, no contexto familiar, o papel da mulher mãe deve ser do cuidado integral. Ela é aquele sujeito que não mede esforços para proporcionar o melhor aos/as filhos/as, particularmente, quando este apresenta alguma deficiência. Diante do contexto de um filho com deficiência, ela passa a sofrer uma imposição social para exercer esse papel de forma imperiosa, sem restrições, sempre disponível e disposta a contribuir da melhor maneira para o desenvolvimento saudável dos filhos.

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As expectativas associadas à figura materna com frequência criam estereótipos. A mãe é vista como um ser extraordinário, detentora de um amor ilimitado. Dentro do padrão idealizado, a mulher carrega a obrigatoriedade de tornar-se mãe de uma criança (saudável e compatível com os padrões de normalidade). O nascimento de um filho com deficiência, no entanto, rompe com as expectativas causando sentimentos de incapacidade e de impotência.

Ademais, em uma sociedade que não promove uma convivência igualitária com as diferenças, que isola a pessoa deficiente, que olha abertamente em público e evita o contato, que nega sua participação nos espaços de socialização e lazer que é insensível as demandas e singularidades dos diversos sujeitos, enfim, em uma sociedade como essa, as mulheres mães de crianças com deficiência sofrem com falta de conhecimento, rejeição e preconceito em relação a elas (BUSCAGLIA, 2006)

Assim como seus/suas filhos/as, as experiências dessas mulheres mães são permeadas por processos estigmatizantes. Além dos sentimentos diversos e contraditórios, não raras vezes, as mulheres são culpabilizadas pela condição do/a filho/a. Por exemplo, insinua-se com frequência que se a mãe tivesse sido mais cuidadosa durante a gravidez, se tivesse tomado conta de si mesma ou não tivesse se casado com aquele marido, essa criança deficiente não existiria (BUSCAGLIA, 2006). Ou ainda: que o esforço não é suficiente ou poderiam estar próximas da prole para que esta se desenvolva de forma satisfatória. Tais pensamentos podem ser devastadores para as mulheres.

Buscaglia (2006) nos alerta para a dimensão humana dos membros familiares. É importante, pois, compreender que aquela mulher/mãe é, em primeiro lugar, uma pessoa e, como tal, a maternidade é mais um papel desempenhado por este indivíduo. Mães são também filhas, esposas, trabalhadoras, cidadãs, consumidoras: possuem sentimentos, formas de lidar com os desafios, hábitos e concepções diversas. Não podemos nos esquecer disso em nossas pesquisas.

Com base nessas argumentações, podemos afirmar que a questão sobre quem assume os custos de cuidar de indivíduos dependentes tem implicações tanto em nível macro, como em nível microssocial. No nível

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macrossocial, a questão que se coloca é como abordar a divisão das responsabilidades entre estado/família/mercado, seja na elaboração das políticas públicas indispensáveis às famílias, seja nas redes de apoio estabelecidas, ou na oferta de serviços públicos e privados aos indivíduos que necessitam. No nível microssocial, podemos destacar: a divisão de tarefas entre homens e mulheres e entre gerações; as concepções individuais; e processos de autonomia e emponderamento dos grupos familiares.

No âmbito da educação, há uma série de estudos e de sistematizações com distintas perspectivas teóricas e enfoques metodológicos sobre a relação gênero e educação. De acordo com Louro e Meyer (2001), as elaborações teóricas vêm sendo priorizadas e admitidas por educadores, por trabalhadores e por intelectuais. Esses estudiosos estão espalhados em diversos centros de pesquisa, universidades ou escolas, formando núcleos de estudos ou trabalham de forma isolada e estão espalhados pelas diversas regiões do país. Obviamente, é preciso reconhecer que o debate e as sistematizações não estão localizados apenas nesses espaços de pesquisa, mas também em escolas e centros comunitários, onde docentes e estudantes questionam suas experiências e ensaiam práticas sob a ótica do gênero.

Para ilustrar a afirmação de Louro e Meyer (2001), realizamos uma pesquisa no catálogo de teses e dissertações da CAPES. O recorte temporal foi de 2013 a 2015 e utilizamos como palavra-chave: “gênero”. Identificamos 357 trabalhos que versavam sobre a temática, distribuídos como mostra o quadro a seguir.

Quadro 2- Distribuição dos estudos elaborados na área de Educação sobre Gênero identificadas no Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES/2013-2015.

Ano Teses Dissertações

2013 28 81

2014 41 91

2015 27 89

Total 96 261

Fonte: CAPES/2018. Elaboração própria.

Após esse levantamento realizamos nova pesquisa, contudo, particularizamo-la com o filtro “Área conhecimento”: Educação Especial.

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Utilizamos os mesmos critérios de busca, mas não encontramos nenhum trabalho. Significa, portanto, que temos um objeto ainda pouco discutido, mas de relevância inconteste, visto que as mães são centrais para oportunizar as crianças o acesso à educação e aos serviços necessários ao seu desenvolvimento. Nesse sentido, é importante compreendermos quais são as lutas travadas cotidianamente, os desejos e as angústias dessas mulheres e, a partir daí, construir com elas uma possibilidade de caminho a ser trilhado.

Além da CAPES, buscamos mais informações no portal da ANPEd – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação. Nele, identificamos 03 (três) trabalhos: 01 (um) no GT15 – Educação Especial, com o título “Entrelace entre gênero, sexualidade e deficiência: uma história feminina de rupturas e emponderamento” (DANTAS, T. C; SILVA, J. S.S; CARVALHO. M. E. P, 2013); e 02 (dois) no GT23 – Gênero, Sexualidade e

Educação, com os títulos “Um olhar de gênero sobre a ‘inclusão social”

(MEYER, D. E; KLEIN, C., 2013); “A produção da mãe leve, flexível, forte nas páginas da Pais & filhos” (SCHWENGBER, M. S. V., 2007).

O estudo de Carvalho, Dantas e Silva (2013, p. 556), disponível no acervo de trabalhos do GT15, teve como objetivo central problematizar “o processo de empoderamento e o exercício da autoadvocacia na vida de pessoas com deficiência como condições que influenciam o reconhecimento da identidade de gênero e das questões de sexualidade”. As autoras defendem que a visão incapacitante associada a pessoas com deficiência produz a invisibilidade da sexualidade e o não reconhecimento do ser homem/mulher com deficiência. Nesse estudo, elas discutem a intersecção entre gênero e deficiência ressaltando a importância do desenvolvimento do empoderamento das pessoas com deficiência nos processos decisórios sobre sua vida, particularmente, no estudo acerca de sua sexualidade.

No segundo trabalho, Meyer e Klein provocam uma reflexão acerca do que denominam de “generificação da inclusão social”. Para essas autoras, o “gênero atravessa e constitui formas de conhecimento, distribuição de recursos, processos de organização do trabalho e a estrutura de instituições e serviços implicados com a inclusão social” (MEYER E KLEIN, 2013, p. 02). Elas alertam também para a responsabilização “crescente de mulheres-mães

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(sobretudo das pobres) em políticas nomeadas como sendo de inclusão social” (idem), em que tais mães são posicionadas, por um lado, como causadoras dos problemas enfrentados na sua família; por outro, como agentes responsáveis pela promoção da inclusão social.

O terceiro estudo, realizado por Schwengber (2007), analisa a politização da maternidade e, em particular, a politização dos corpos grávidos a partir da análise de produções midiáticas. A autora conclui que desmistificar a essência biológica da corporalidade feminina é descortinar a construção sociocultural do processo de gravidez. Além disso, ela elucida alguns processos naturalizantes da maternidade expostos no produto midiático pesquisado.

Em comum, os trabalhos problematizam a construção social do gênero e de suas repercussões nas vidas das mulheres, seja no âmbito da sexualidade – castrando-lhes o desejo e a autonomia sobre seu corpo e seu prazer –, seja no âmbito das feminização das políticas públicas, em particular na política de inclusão, ou seja, na naturalização da maternidade.

Os trabalhos contribuem para pensarmos a respeito da relação entre família, deficiência e gênero, mas nos colocam também a pensar sobre a pouca produção de estudos neste campo. Essa escassez de trabalhos só faz reafirmar a importância desse tipo de estudo. É, nesse sentido, crucial analisar a condição da mulher mães de crianças com deficiência considerando, sobretudo, as relações de gênero e suas inflexões na vida e na autonomia destas.

Como mencionamos anteriormente, construímos a investigação tendo a relação família e escola como elemento central, contudo, no decurso do processo, foi sendo explicitada uma variedade de elementos que nos convocava destacar as mães – e não a sua relação com a escola – como sujeitos centrais na investigação. A dimensão de gênero, a sobrecarga objetiva e subjetiva, a necessidade de falar de si, de se expressar, as dores, a presença marcante das justificativas divinas (mito como resposta), a negação a si mesmas para cuidar de seus/suas filhos/as se fez presente desde o início da investigação.

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A partir daí pensamos: os/as filhos/as das mulheres participantes da nossa investigação (em alguma medida) estão acolhidos na escola, nos serviços terapêuticos, na política de assistência. E elas? O que se tem pensado/elaborado para minimizar suas angústias, para colaborar com elas na tarefa de maternar, sem desprezar sua humanidade e demandas próprias?

Por essa razão, em meio às atividades da investigação, reconstruímos nosso objeto e propomos uma complementação às atividades previstas,como pode ser notado na exposição da metodologia. O campo nos levou a mudar de rumo, mostrou-nos que na pesquisa qualitativa o olhar do pesquisador, necessariamente, precisa acompanhar a dinâmica que se mostra; e precisa também estar atento às questões que se colocam e precisam de respostas.

Com base nas argumentações apresentadas, alguns questionamentos genéricos surgiram como motores de nossa reflexão, a saber: como são sentidas, vivenciadas e enfrentadas as desigualdades das relações de gênero na vida cotidiana de mulheres mães de crianças com deficiência? Como as relações de gênero corroboram na construção da compreensão que as mulheres mães têm acerca do processo de maternar uma criança com deficiência? E como elas determinam o lugar que assumem na exclusividade do cuidado?

Nesta investigação, consideramos que as determinações das desigualdades de gênero, as expressões do machismo e as condições objetivas de vida implicam em uma sobrecarga física e emocional de mulheres mães de crianças com deficiência. Ainda que seus filhos tenho acesso, mesmo que precariamente, aos serviços, às terapias e aos processos escolares inclusivos, essas mães tendem a ser invisibilizadas, destituídas da condição de sujeitos, ou percebidas apenas como instrumentos destinados ao cuidado dos/as filhos/as. Sofrem, ainda, processos de estigmatização e são, não raras as vezes, culpabilizadas pela condição do/a filho/a, vivenciando situações de discriminação e preconceito por onde passam.

A partir desses apontamentos, definimos como objetivo: explicitar, a partir das relações sociais de gênero, as desigualdades vivenciadas pelas

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