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O Mundo Funerário da Idade do Ferro no Território Algarvio

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Academic year: 2021

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2º CICLO ARQUEOLOGIA

O Mundo Funerário da Idade do Ferro no

Território Algarvio

Ana Delfina Costa Pereira

M

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Ana Delfina Costa Pereira

O Mundo Funerário da Idade do Ferro no

Território Algarvio

Dissertação realizada no âmbito do Mestrado em Arqueologia, orientada pela Professora Doutora Andreia Arezes

Faculdade de Letras da Universidade do Porto

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Ana Delfina Costa Pereira

O Mundo Funerário da Idade do Ferro no

Território Algarvio

Dissertação realizada no âmbito do Mestrado em Arqueologia, orientada pela Professora Doutora Andreia Catarina Magalhães Arezes

Membros do Júri

Professora Doutora Maria de Jesus Sanches (Diretora de Ciclo - Mestrado em Arqueologia) Faculdade de Letras – Universidade do Porto

Professor Doutor Francisco Manuel Veleda Reimão Queiroga (Professor Auxiliar Convidado) Faculdade de Letras – Universidade do Porto

Professora Doutora Andreia Catarina Magalhães Arezes (Professora Auxiliar) Faculdade de Letras – Universidade do Porto

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Sumário

Declaração de Honra.……….………7 Agradecimentos……….8 Resumo………..9 Abstract………....10 Índice de gráficos……….11 Índice de tabelas……….……..12

1. Introdução. Objeto de Estudo.……….……….13

1.1. Limites geográficos e cronológicos………...…………..16

1.1.1. Limites geográficos………16

1.1.2. Limites cronológicos………..…18

2. Estado da Arte. A Investigação Precedente………..………....20

2.1. As Fontes Clássicas………...………20 2.2. Antes do Século XX………...…………...26 2.3. O Século XX………...………..28 2.4. O Século XXI………...………….33 2.5. Um ponto de partida………..………37 3. Arqueologia da Morte………..41

3.1. A Arqueologia da Morte no Desenvolvimento Teórico da Arqueologia………….41

3.2. As novas potencialidades da Arqueologia da Morte………....50

3.3. O impacto da Arqueologia da Morte na investigação da Idade do Ferro…………..56

4. A ocupação do território algarvio durante a Idade do Ferro……….64

4.1. As necrópoles conhecidas………...64

4.2. Outros Sítios………....80

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4.4. A ocupação do Algarve na Idade do Ferro………...85

4.5. Uma revisão geográfica…..……….90

5. Os Materiais……….96 5.1. Cerâmica……….98 5.2. Metais………..…99 5.3. Pasta vítrea………....101 5.4. Líticos………...…103 5.5. Os conjuntos……….….103

5.6. Materialidades, Deposições e Significados………...105

6. Considerações Finais………..…114 7. Referências Bibliográficas……….117 8. Anexos………...133 8.1. Lista de Necrópoles………...133 8.2. Mapas………....135 8.2.1. Território Algarvio………...…135 8.2.2. Concelhos……….139

8.3. Modelos Digitais de Terreno……….…152

8.4. Fichas de Inventário……….….158

9. Apêndice………....354

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Declaração de honra

Declaro que a presente dissertação é de minha autoria e não foi utilizada previamente noutro curso ou unidade curricular, desta ou de outra instituição. As referências a outros autores (afirmações, ideias, pensamentos) respeitam escrupulosamente as regras da atribuição, e encontram-se devidamente indicadas no texto e nas referências bibliográficas, de acordo com as normas de referenciação. Tenho consciência de que a prática de plágio e auto-plágio constitui um ilícito académico.

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Agradecimentos

Agradeço em primeiro lugar à Professora Doutora Andreia Arezes, orientadora desta dissertação, por toda a dedicação, todas as sugestões, e toda a paciência que desde o primeiro momento dedicou a este projeto. De facto, o incansável interesse e disponibilidade que sempre demonstrou foram a base estável para todo este trabalho. A todos os Museus visitados deixo também um agradecimento, pela recetividade e flexibilidade a que se prestaram.

Ao Núcleo Museológico de Arqueologia – Alcoutim, especialmente na pessoa da Dra. Alexandra Gradim, que me recebeu. Ao mesmo tempo, deixo um agradecimento ao Doutor João Luís Cardoso, que permitiu a reprodução de elementos gráficos na presente dissertação.

Agradeço ao Museu da Escrita do Sudoeste – Almodôvar, nas pessoas do Dr. Rui Cortes, arqueólogo municipal, e Joana Almeida, restauradora-conservadora.

Ao Museu Municipal Dr. Santos Rocha, na pessoa do Dr. Marco Penajoia.

Ao Museu Nacional de Arqueologia, na pessoa do seu diretor, Doutor António Carvalho, e da Dra. Luísa Guerreiro.

Ao Doutor Francisco B. Gomes, que disponibilizou as informações e registos fotográficos das contas de colar de Fonte Velha de Bensafrim.

À Doutora Daniela Ferreira pelas fotografias dos materiais da necrópole de Quinta da Queimada.

À APPA-VC, especialmente na pessoa de Ana Valentim, cujas considerações foram em vários casos fulcrais para o estudo de muitos elementos.

Ao Professor Doutor Alberto Gomes pela partilha de dados e pelo apoio nas ferramentas GIS.

Ao Tomás Pereira Botelho, por todas as referências, contribuição e revisão do capítulo 5. Ao Pedro Lopes Barbosa, por sempre me ter incentivado a seguir o sonho da Arqueologia, e à Susana Pereira, por sempre me ter dito que era má ideia.

Aos colegas de curso, em especial à Diana Margarido e à Flávia Oliveira, pelos debates, pela partilha, pela entreajuda e pelo companheirismo.

À Catarina Magalhães, que não só foi companheira de curso, como foi a irmã mais velha que me acolheu e apoiou. Ao Zecas e ao André um agradecimento também muito grande. A toda a minha família, em especial ao Ilídio e à Catarina, e à minha mãe, que foi a super-heroína que tornou tudo isto possível.

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Resumo

A presente Dissertação surge da necessidade de sistematizar os conhecimentos relativos às necrópoles da Idade do Ferro identificadas no atual território Algarvio, assim como os materiais nelas exumados, os quais embora publicados esparsamente, careciam de uma visão global e análise dentro de um panorama geral. De facto, uma parte dos artefactos têm vindo a ser alvo de investigação, mas muitos faziam parte de acervos museológicos sem perspetivas de serem estudados.

Partindo de investigações precedentes, e tendo discutido as possibilidades e limites da Arqueologia funerária, assim como o impacto que pode exercer na Arqueologia Funerária e do impacto que pode ter na investigação pré e proto-histórica, procedemos ao exame das necrópoles e da sua relação com os espaços da vida conhecidos na região. Finalmente, a observação e interpretação destes dados foi sendo articulada com os materiais, devidamente catalogados e analisados.

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Abstract

This Dissertation arises from the need to systematize the knowledge about the necropolises identified Iron Age necropolis in the current Algarve territory, as well as the artifacts therein exhumed. Even though they have been sparsely published, they lacked a global vision and general perspective analysis. In fact, some have been analysed, although many belonged to museums with no prospect of being studied.

Based on previous researches as a starting point and having discussed the possibilities and limits of Funerary Archaeology, as well as its impact on pre and proto-historic investigation, we explored both necropolis and its relationship to the habitat sites identified in the region. Finally, we articulated the observation and interpretation of these data with those resulting from the analysis of the materials, whose description of which is exhaustively presented in the attached catalogue.

Keywords: Iron Age; Funerary World; Archaeology of Death; Algarve.

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Índice de gráficos

Gráfico 1 – Altimetria das necrópoles algarvias……….91 Gráfico 2 – Altimetria dos habitats algarvios………..93

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Índice de tabelas

Tabela 1 – As necrópoles conhecidas e a sua geologia………...………95 Tabela 2 – Depositários de materiais e número de inventário……….97

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1. Introdução. Objeto de Estudo

O presente trabalho pretende debruçar-se sobre o Mundo Funerário da Idade do Ferro naquele que é, atualmente, o território Algarvio.

Tendo em conta o nosso desconhecimento acerca do território do Algarve, e as intervenções que teriam ou não sido levadas a cabo, o nosso objetivo passou, em primeiro lugar, por aferir quais os sítios conhecidos, os trabalhos efetuados, assim como as publicações existentes acerca do tema.

Ao mesmo tempo, e tendo em conta que as materialidades são o fio condutor deste projeto, os locais de depósito dos materiais exumados nas necrópoles teriam de ser identificados, de modo a permitir o seu exame e registo rigorosos, assim como o seu registo, de modo a identificar paralelos crono-geográficos pertinentes para o estudo em curso.

Depois de alocados todos os materiais, seria então tempo de analisar os dados como parte de um conjunto mais ou menos coeso daquilo que será o reflexo das práticas funerárias durante o período cronológico e na área geográfica em questão.

As semelhanças com o mundo funerário do final do Bronze do Sudoeste, muitas vezes utilizadas por diversos autores para defender as suas opiniões, serão discutidas, enquanto se cruzam paralelos com o Baixo Alentejo, a costa Atlântica portuguesa, e o sudoeste espanhol.

Compreender o mundo funerário da Idade do Ferro implica compreender de que forma os condicionalismos regionais e as influências externas se combinaram e permitiram que, no espaço de poucos séculos, se multiplicassem as modalidades de enterramento, os materiais depositados, as formas de construção e – já para lá do nosso alcance – as conceções cosmogónicas, religiosas ou espirituais que acompanhavam estas sociedades. Na «Proto-História de Portugal», Armando Coelho da Silva e Mário Varela Gomes apresentam a incineração como o ritual mais antigo (Silva & Gomes, 1992, p. 146), distinguindo os ritos alentejanos dos algarvios: os Cempsos terão recorrido à cremação,

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enquanto que os Cónios algarvios teriam recorrido à inumação (Silva & Gomes, 1992, p. 150), indicação com a qual tendemos a discordar.1

A Idade do Bronze Médio e Final, como momento antecedente do período retratado por este trabalho, necessita de alguma contextualização, especificamente na região que envolve a área que nos propusemos a trabalhar.

O Sul do território peninsular é marcado, regra geral, por enterramentos em cista, provavelmente com inumações. Não obstante, alguns autores apontam a deposição do inumado como um segundo passo de um possível ritual, com o qual tentam explicar a falta de vestígios osteológicos – nomeadamente, a possibilidade do esqueleto ser exposto às intempéries ou a animais como forma de descarnamento (Amo y de la Hera, 1993, pp. 172-173).

Ainda que, na Andaluzia Oriental, num momento de transição para a Idade do Bronze Final, continuamos a poder falar de inumação de crianças dentro da área de assentamento, de acordo com o ritual argárico, os enterramentos, também de inumação, começavam a ser realizados fora dos complexos habitacionais (Gracia Alonso, 2008, p. 49).

No entanto, para a Andaluzia Ocidental, os dados parecem carecer de afinações cronológicas ou estudos sistemáticos – alguns enterramentos aparentam misturar rituais e ideias, como é o caso da inumação de uma criança em urna, cuja cronologia é apontada para o Bronze Final (Garcia Alonso, 2008, p. 49). São também conhecidas inumações em fossas pouco profundas, sem mobiliário funerário, com os indivíduos em posição fetal – este caso, de Llanete de los Moros aponta para a transição Bronze Médio-Final (Gracia Alonso, 2008, p. 50).

Do lado português são, não obstante, conhecidos vários enterramentos em cista: a necrópole mais debatida será, sem dúvida, a de Atalaia, em Ourique (Schubart, 1965). Esta foi inicialmente escavada por Abel Viana, que também sobre ela publicou (Viana, 1959). Ainda que, atualmente, a sua cronologia esteja em franca discussão (Cardoso & Gradim, 2011, pp. 193-194; Silva P. M., 2014, pp. 89-90), pareceu-nos importante

referi-1

De facto, não podemos concordar com tão demarcada distinção uma vez que, durante o século VI a.C., no Algarve, conviveram práticas de inumação em Fonte Velha de Bensafrim (Lagos) e Cabeço da Vaca (Alcoutim), a título de exemplo, com práticas de incineração, como no caso do Convento de Nossa Senhora da Graça em Tavira. Na necrópole de Gregórios 2 foi reconhecida, ainda que não intervencionada, uma provável cremação em urna de período cronológico coevo.

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la, tendo em conta as proximidades arquitetónicas com muitas das necrópoles do Baixo Alentejo e norte Algarvio.

Ainda assim, muitos outros exemplos existem: a necrópole da Alfarrobeira, em Silves, que se insere na Idade do Bronze do Sudoeste (Gomes, 1994), ou a necrópole das Soalheironas, em Alcoutim, cujos materiais apontam para o mesmo período da supramencionada (Cardoso & Gradim, 2011).

Enquanto que, na zona Sudeste da Península Ibérica, a reocupação de monumentos megalíticos com mobiliário funerário enquadrável no Bronze Final (da 2ª metade do século XI a meados do X a.C.) é um fator conhecido (Gracia Alonso, 2008, p. 73), a zona Sudoeste fica envolta no «enigma» Tartéssico.

Este mundo é muitas vezes visto através do peso da influência oriental – nomeadamente, a fenícia – acabando por ser difícil desentrançar as duas realidades, cada vez mais confundidas e equiparadas na demais bibliografia (Arruda, 1996a, p. 33).

De facto, quando chegamos à Idade do Ferro, parece existir um certo desconhecimento em relação às formas de enterramento regionais locais, e alguma confusão no momento de destrinçar os rituais indígenas, daqueles de origem exógena, que, a pouco e pouco, começaram a ser rastreados pelo registo arqueológico.

Generalizou-se a ideia de que, antes da chegada fenícia, os rituais passariam por eliminar todos os vestígios dos indivíduos, que seriam, por exemplo, depositados em rios com os seus pertences, opção que não só não deixaria vestígios arqueológicos, como poderia explicar achados fortuitos de materiais em leitos de rios (Gracia Alonso, 2008, p. 257). A teoria de que a incineração teria sido trazida pelos grupos vindos do Oriente parece ganhar força, mas outra questão surge: os enterramentos de incineração são de indivíduos locais que abandonaram os seus rituais, ou são de colonos fenícios que se fizeram incinerar nos locais onde se fixaram?

No entanto, de acordo com Raquel Vilaça, há indícios da existência de rituais de incineração e inumação a coexistirem no Bronze Final (início do I milénio a.C., neste caso), talvez distinguindo classes sociais, questões de género ou outros papéis sociais (Vilaça, 2014, pp. 110-111).

Note-se que a «(…) expressão da morte entre os fenícios nunca foi muito ostentosa (…)» (Gracia Alonso, 2008, p. 268), o que contrasta com os materiais recolhidos nalgumas

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necrópoles ditas «fenícias» ou orientalizantes – é o caso da necrópole do Olival do Sr. Dos Mártires, em Alcácer do Sal (Paixão, 2014), ou a sepultura (de inumação) do Gaio, em Sines (Arruda, 2011).

Ao mesmo tempo, são conhecidas necrópoles de inumação, já no território algarvio, que contêm elementos de adorno orientalizantes considerados de luxo – ainda que, discutivelmente, em número mais reduzido.

Tendo em conta o desconhecimento acerca dos rituais que definiriam o mundo do Sudoeste antes do período «Orientalizante», são facilmente compreensíveis as contrastantes opiniões que surgem plasmadas nos autores da especialidade, pelo que tentaremos destrinçar algumas destas observações.

1.1.

Limites geográficos e cronológicos

1.1.1. Limites geográficos

Inicialmente, considerámos que o foco desta dissertação poderia versar sobre o desconhecimento de sítios correspondentes ao mundo funerário do Noroeste Português e/ou Peninsular durante a Idade do Ferro, de forma a tentar compreender aquilo que poderia ter falhado nas investigações anteriores ou quais as áreas geográficas em torno dos habitats com potencial interesse para um eventual estudo das práticas funerárias da «cultura castreja». Preferimos afastar-nos deste tema tendo em conta o volume de sítios de enorme interesse do Sul do país, muito mais capazes de nos elucidar sobre a vida e a morte na Idade do Ferro.

No que se refere ao Nordeste peninsular, durante a transição da Idade do Bronze para a Idade do Ferro, os enterramentos podiam oscilar entre cistas, megálitos reutilizados, ou grutas naturais, sendo que a inumação era a forma de enterramento mais generalizada. É, sobretudo, partir dos alvores do I milénio a.C. que começamos a ver os primeiros Campos de Urnas na região – com o ritual da incineração em ustrinum (equiparável a uma pira funerária; López-Cachero, 2011, pp. 118-119). Os restos seriam depositados em urnas e, posteriormente, em fossas funerárias ou, nalguns casos, em grandes cistas ou câmaras pétreas (López-Cachero, 2011, p. 121).

No entanto, o Noroeste pauta-se por aquilo que diversos autores referem como «(…) práticas invisíveis arqueologicamente (…)» (Sastre, 2002, p. 215): este aparente vazio

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implica que muitos estudos acerca das sociedades que habitaram os castros se mostrem, inevitável e invariavelmente, incompletos (Parcero Oubiña, 2003, p. 290). Existem alguns esforços para tentar encontrar sítios funerários no Noroeste, até publicados, mas que, na verdade carecem de fundamentação adequada – é o caso de um artigo publicado por García y Bellido (García y Bellido, 1966).

De facto, os exemplos apontados pelo autor baseavam-se em aglomerados de cinzas que nunca foram analisados, mas que defendia tratar-se de restos da prática de incineração, ou em construções que considerava serem túmulos sem vestígios osteológicos. Um dos casos em que se conseguiu atestar a presença de restos osteológicos que resistiram ao fogo, estavam já associados a fragmentos de terra sigillata e moedas romanas , indicando pelo menos um contacto constante com essas populações, pelo que teríamos uma grande reserva em associá-lo imediatamente ao mundo sidérico precedente (García y Bellido, 1966, pp. 9-15).

Ao mesmo tempo, a importância daquilo que é invisível tem também vindo a ser tomada em consideração, pelo que, neste momento, esse trabalho seria redundante e repetiria os dados já conhecidos.

Foi, então, necessário redirecionar a pesquisa para o território que se mostrava mais rico no tema em questão e que, por sinal, se situava mais a Sul no território português, englobando as regiões do Alentejo e do Algarve.

O passo seguinte fez com que o território fosse «reduzido» ao Algarve, tendo em conta as publicações mais sistemáticas e até de síntese, caso da dissertação de Mestrado de Pedro Silva, de 2014 (Silva P. M., 2014) que haviam já sido dadas à estampa acerca do Alentejo – especialmente da região do Baixo Alentejo, que terá o maior número de sítios conhecidos.

Ora, o Algarve, para o tema e período em questão, não dispõe ainda de obras de síntese. Na verdade, a grande maioria das publicações caracterizam-se pelo seu carácter pontual e disperso, e muitas não se referem somente ao Algarve. A Tese de Doutoramento de Francisco B. Gomes, a título de exemplo, acaba por se focar em várias necrópoles, mas trata apenas das bem conhecidas e numa área muito maior do que aquela de que aqui nos ocupamos (Gomes F. B., 2016).

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Considerando os dados expostos, a região algarvia pareceu-nos uma opção mais coerente, até pelo número razoável de sítios existentes.

1.1.2. Limites cronológicos

A transição entre a Idade do Bronze Final e a Idade do Ferro, com especial incidência neste último período, com a documentação das variadas formas de enterramento, rituais e formas de construção dos espaços funerários, é o foco que pretendemos discutir no presente trabalho.

Podemos balizar a Idade do Bronze Final algures entre o término do século XIII a.C. e o momento em que os fenícios se fixam ou, pelo menos, têm um incremento na sua atividade mercantil na Península Ibérica – que podemos situar algures entre os séculos XI e VIII a.C. (Vilaça apud Alarcão & Barroca, 2012, pp. 178-180).

Para outros autores, as últimas fases do Bronze Final situar-se-iam entre 950 e 650 a.C. (Gracia Alonso, 2008, p. 40), ainda que esta última data se aproxime já daquilo que consideramos o primeiro momento da Idade do Ferro.

Se tomarmos a atividade mercantil fenícia como o ponto de partida para a Idade do Ferro, então podemos dizer que, a partir do século XI a.C. se encontram na Ibéria, mas apenas a partir do século VIII a.C. a sua presença é consideravelmente mais vincada no território (Kristiansen, 1999, pp. 124-125).2

Importa ainda referir que a Idade do Ferro se caracteriza pela introdução do novo metal, mas que no caso da Península Ibérica a sua generalização poderá ter sido mais tardia. Ana Bettencourt defende que as produções de ferro seriam inicialmente alógenas, com a produção local restringida ao bronze em algumas áreas (Bettencourt, 2005, p. 29). Podemos dividir a Idade do Ferro em dois grandes períodos, ainda que os seus limites gerais se encontrem demarcados, regra geral, entre os séculos XI-IX a.C.3 e o século II a.C.

2 «(…) The Phoenicians had been active in the western Mediterranean, both east and west of Gibraltar, since the later 2ND millennium, but from the 9TH century onwards their presence began to make a more profound impact in the West (…)» (Kristiansen, 1999, p. 125).

3 Reiteramos que, para alguns investigadores, a Idade do Ferro não tem início antes do século VIII/VII a.C. (Bettencourt, 2005, p. 25; 31).

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A I Idade do Ferro definir-se-ia a partir do estabelecimento mercantil fenício durante os séculos XI-IX a.C. até meados do milénio (Vilaça apud Alarcão & Barroca, 2012, p. 182) – esta divisão é considerada, por alguns arqueólogos como «(…) mero referencial generalista (…)» (idem) devido, em parte, à falta de dados arqueológicos que o comprovem em parte do território.

Por seu turno, a II Idade do Ferro corresponderia ao período entre o século V/IV a.C. e a tomada da Península Ibérica aos grupos fenício-púnicos por parte de tropas romanas (Alarcão & Barroca, 2012, p. 182; Kristiansen, 1999, p. 33).

Posto isto, e tendo em conta as cronologias relativas da grande parte das necrópoles, podemos perspetivar um enfoque na I Idade do Ferro e no período de transição para o momento seguinte. Deste modo, as interpretações acerca do Mundo Funerário do Bronze Final serão utilizadas para elucidar a transformação das preferências ou escolhas ao longo dos diferentes períodos.

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2.

Estado da Arte. A Investigação Precedente

Um dos maiores entraves à investigação dos rituais funerários do território algarvio é a ausência de investigação sistemática, problema que se alarga à escassez de trabalhos publicados.

A região algarvia carece de pelo menos uma obra de síntese para o período e tema em questão. Deste modo, as publicações aqui referidas não se cingirão apenas a sítios do Algarve; serão também incluídos trabalhos que englobem todo o Sul português, incluindo a costa Atlântica e o Baixo Alentejo. Ao mesmo tempo, investigações acerca do Sudoeste espanhol serão também tomadas em conta, uma vez que aparentam corresponder a realidades semelhantes.

Partindo de uma alocação e interpretação de fontes greco-latinas, continuamos com as edições por ordem cronológica, para que seja possível uma observação efetiva da evolução dos estudos até aos nossos dias.

2.1.

As Fontes Clássicas

As fontes clássicas têm vindo a ser utilizadas por investigadores em Arqueologia ao longo de décadas com o propósito de, por um lado, chegar a dados que o registo arqueológico poderia não fornecer, e por outro, tentar compreender as conceções e as formas de pensar das sociedades do passado.

Obviamente, as interpretações formuladas a partir desta base foram, por vezes, extrapoladas do seu contexto original, de modo a encaixar nas teses defendidas por alguns investigadores, não raro com um papel ligado a motivações políticas e aos seus movimentos nacionalistas4 (Gomes S. , 2011, pp. 471-472).

Não obstante, os escritos greco-latinos que se referem à Península Ibérica da Idade do Ferro podem ser importantes no momento de se recorrer às suas informações para as correlacionar com as encontradas no registo arqueológico.

Não deixamos de reiterar que estas interpretações estão sujeitas a variados fatores que constrangeram a sua precisão e rigor, como é o caso de muitos textos que aproveitam

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escritos anteriores ou viagens de outros indivíduos para utilizar como base para os seus registos. De facto, muitos dos autores que escreveram sobre a Península Ibérica nunca a visitaram, como a seguir teremos oportunidade de discutir. Ao mesmo tempo, criaram-se questões em torno de imprecisões, confusões ou simples equívocos que os diversos autores foram semeando, ainda que acidentalmente.

Note-se ainda que a atenção que dedicamos ao mundo Tartéssico não implica uma correlação direta com o território sobre o qual nos debruçamos, mas tendo em contas as afinidades que se notam entre a região algarvia e o Sudoeste espanhol, a abordagem em causa acaba por se revelar como uma ferramenta útil.

Em 1922 e 1925, Adolf Schulten e Bosch Gimpera editaram e publicaram, respetivamente, o primeiro e segundo fascículos das Fontes Hispaniae Antiquae, em que recolheram, traduziram e comentaram uma exaustiva lista de fontes clássicas que referiam a Península Ibérica.

No primeiro fascículo (Schulten & Bosch Gimpera, 1922) dedicaram-se exclusivamente à Ora Maritima de Rufus Festus Avienus (ou Avieno), a descrição de uma viagem que terá passado pela Península Ibérica. De facto, o texto que hoje conhecemos é do século IV d.C., inspirando-se noutros mais antigos, chegando mesmo a recorrer de escritos com, eventualmente, 900 anos de antecedência (Schulten & Bosch Gimpera, 1922, p. 5). Note-se que não existirá apenas um périplo ou um autor na base da tradução de Avieno, mas antes um grande número de textos, aos quais não conseguiremos chegar na totalidade (Suárez Piñeiro, 2002, p. 13).

Ainda que não localize o território Tartéssico, é referido o seu contacto com colonos de Cartago: «También los tartesios acostumbraban a comerciar hasta los // límites de las Estrímnidas. También colonos de Cartago y // el pueblo establecido alrededor de la columnas de // Hércules llegaban hasta estos mares.» (Avieno, vv. 114-117 apud Suárez Piñeiro, 2002, p. 24). Relembramos que as Colunas de Hércules (ou Héracles) corresponderão ao Estreito de Gibraltar (Deserto & Pereira, 2016, p. 102).

Avieno menciona igualmente dois grupos do Sul da Península, Cempsos e Cónios/Cinetes, cuja localização tem vindo a ser debatida; Avieno localizava os primeiros nas proximidades dos segundos. Os Cónios deverão igualmente ser identificados com os

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kynesios ou kynetes referidos por Heródoto. Ambos estariam circunscritos ao Sudoeste peninsular (Lorrio, 2011, p. 46).

Schulten começou por localizar os Cempsos no Sul de Portugal, no território algarvio, infletindo depois a sua posição, e passando a relacionar o Cabo Cempsico com o Cabo Espichel, já na região de Lisboa e Vale do Tejo (Bosch Gimpera, 1922, pp. 227-228; Schulten & Bosch Gimpera, 1922, p. 12).

Por seu turno, no segundo fascículo, Schulten e Bosch Gimpera tentam recolher todas as referências à Península Ibérica entre 500 a.C. e o período em que o Imperador Júlio César exerceu funções – ou seja, entre 49 e 44 a.C (Schulten & Bosch Gimpera, 1925).

São então alocadas várias referências, desde Himilcão – cujo périplo do primeiro quartel do século V a.C. teria sido uma das bases para o texto de Avieno (Schulten & Bosch Gimpera, 1925, pp. 13-14), passando por Hanão, que menciona as Colunas de Hércules na sua descrição da viagem ao continente Africano (Schulten & Bosch Gimpera, 1925, p. 15).

Alude igualmente à chegada de Foceenses a Tartessos, apoiados por Argantónio (Gracia Alonso, 2008, p. 105). Também refere Heródoto, que no mesmo período, teria mencionado um exército de cartagineses que se apoderaram de Tartessos (Schulten & Bosch Gimpera, 1925, p. 22). Relembramos que Heródoto é considerado o «pai da História», e terá vivido durante o século V a.C.

De facto, Heródoto criou alguma confusão ao mencionar a implementação de entrepostos comerciais entre o Mediterrâneo Oriental e a Península Ibérica: por um lado fala-nos da hospitalidade do rei Tartéssico que encoraja os foceenses a estabelecerem-se nos seus domínios; por outro, na viagem de Colaios de Samos5, relata a existência em Tartessos de um «(…) emporio comercial [que] estaba sin explorar (…)» (Heródoto apud Gracia Alonso, 2008, p. 105-107).

Já no último quartel do século V a.C., Herodoro de Heracleia distinguia já os Cinetes, a Oeste, dos Mastienos6, a Este (Schulten & Bosch Gimpera, 1925, pp. 37-38). Note-se que a Este dos primeiros, e separados pelo Anas (Guadiana), se encontraria o «reino» de Tartessos.

5 Esta viagem poderá ter ocorrido no século VII a.C. (Gracia Alonso, 2008, p. 105). 6 Por vezes associados, por sua vez, aos Bastetanos.

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Aristófanes e Platão, que viveram entre os finais do século V e os inícios do século IV a.C., contribuem ainda para a confusão da localização do dito «reino» de Tartessos: o primeiro confunde Gades (Cádiz) com o hipotético «reino», enquanto que o segundo localiza a Atlântida junto a Gades, que, por consequência, poderá ser confundida com Tartessos (Schulten & Bosch Gimpera, 1925, p. 43; 48).

De facto, são várias as alusões que os autores vão apresentando e comentando, não sendo aqui o espaço para nos debruçarmos mais profundamente acerca de todas elas.

Outra das grandes referências à Península Ibérica figura no terceiro tomo da Geografia de Estrabão (século I a.C. a século I d.C.), no qual este descreve o território peninsular. É talvez das descrições mais pormenorizadas da Península, ainda que o autor não tenha visitado o território, sustendo-se apenas nas observações de outros.

Estrabão descreve a forma da Península Ibérica, indicando que a costa mediterrânea se estenderia «(…) desde os Pirenéus até às Colunas (…)», a partir das quais se encontrava o «(…) Mar Exterior (…)», correspondente ao Oceano Atlântico, que seguiria até ao Promontório Sagrado, o atual cabo de S. Vicente no Algarve (Deserto & Pereira, 2016, p. 36). Quando escreve, refere que nas Colunas de Hércules já não é visível nenhum templo dedicado à divindade púnica (Melqart), como havia sido mencionado por Éforo. Não obstante, relata a impossibilidade de pernoitar no local e, em paralelo, alude às libações que lá aconteceriam (Deserto & Pereira, 2016, pp. 37-38).

É então que inicia a descrição da costa e território algarvios, nos quais nos focaremos agora.

Estrabão refere a separação feita pelos rios Guadiana e Tejo, distinguindo várias populações do interior da Península daquelas que habitam o sul do território: os Turdetanos e Túrdulos. Políbio terá discernido os dois, indicando os primeiros a Norte dos segundos (Deserto & Pereira, 2016, pp. 38-39).

Ainda que as associações entre Turdetanos e Túrdulos com Tartessos não deixem de ser repetidas, há já vários investigadores que frisam que estes termos apenas são utilizados durante o período da «romanização», e a Turdetânia não será mais que um conceito geográfico, ao passo que Tartessos é uma noção mais antiga (Garcia Fernández, 2012, p. 701; 703).

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Neste tomo da Geografia, Estrabão não só não aponta diferenças entre ambos como alude a alguns elementos que nos podem dar algumas luzes na identificação destes grupos: utilizariam a escrita, ainda que esta não fosse homogénea por todo o território7.

De igual modo, indica ainda um dado relevante para este território a Sul: «(…) sua fertilidade e aos bens da terra e do mar.». De facto, uma referência de Apolodoro, na sua Biblioteca, descreve o décimo trabalho de Hércules como a recolha e condução do rebanho de vacas de Gerião, rei mítico de Tartessos, até à Grécia (Gracia Alonso, 2008, p. 53; Apolodoro, 1985, pp. 113-115). As menções às comunidades pecuárias peninsulares não se esgotam aqui: são igualmente mencionadas por Justino (século II, aludindo a escritos do século I a.C.) e por Avieno, na Ora Maritima (Gracia Alonso, 2008, p. 53; 99).

As referências às riquezas do Sul da Península Ibérica não se esgotam em Estrabão, que para além das exportações de cereal, vinho, azeite, cera, mel, resina, entre outros, alude também à «(…) abundância de gado de todas as espécies e de caça, mas escassez de animais nocivos, salvo os coelhos (…)», animais que por vezes destruíam plantações (Deserto & Pereira, 2016, p. 47). Também do mar são recolhidos bens: ostras, polvos, lulas, cetáceos, entre outros peixes (idem, p. 48-49).

De qualquer das formas, terão sido as riquezas da terra a despertar a atenção de mercadores fenício-púnicos pela Península Ibérica, que não só se terão dedicado a uma «(…) colonização agrícola (…)», como também à extração de metais – desde o ouro e prata, até aos componentes para a copelação do bronze , cobre e estanho (Gracia Alonso, 2008, p. 53).

De facto, as matérias-primas mais importantes seriam aquelas que tinham em vista a «(…) generosidade natural em minério (…)»: o ouro pode ser extraído de minas ou dragado, e eram comuns as «(…) lavandarias de ouro (…)»; a prata seria fundida em fornos elevados e da sua filtração recuperar-se-ia chumbo; e o cobre seria talvez o mais rentável de todos os metais. Só o estanho seria produzido mais a Norte, «(…) para lá dos Lusitanos e nas Ilhas Cassitérides (…)» (idem, pp. 49-52).

7 Não querendo estabelecer uma correlação direta entre esta referência e a Escrita do Sudoeste, parece-nos, em todo o caso, importante reiterar que alguns investigadores notam uma divergência entre a epigrafia do Alentejo e a algarvia (Alarcão, 1996, pp. 90-91).

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Ainda que Estrabão se refira em mais do que uma ocasião a Tartessos, tanto relaciona o termo com um rio, território vasto ou uma cidade, eventualmente «(…) a última a ocidente (…)», pelo que muitas vezes se associou ao Tártaro, que na mitologia grega seria o sombrio inferno (Gracia Alonso, 2008, pp. 103-104).

Outro apontamento acerca daquilo que Estrabão nos deixou prende-se com a sugestão de que Homero teria nomeado o Tártaro, inferno da mitologia grega, a partir do conhecimento de Tartessos (Deserto & Pereira, 2016, pp. 54-55). Contudo, e tal como está indicado em rodapé na tradução anotada da qual nos socorremos, a ligação etimológica entre as palavras Tártaro e Tartessos não parece poder ser considerada como válida.

Ao mesmo tempo, e se considerarmos que os Textos Homéricos foram apenas escritos8

no século VIII a.C. (Pereira M. H., 2012, p. 18), é mais provável que o silêncio em relação ao reino de Tartessos se devesse a uma genuína ignorância. Hesíodo, seu contemporâneo, ignora igualmente esta realidade, pelo que podemos assumir que o entendimento grego acerca da Península Ibérica não será anterior à viagem de Colaios de Samos no século VII a.C. (Gracia Alonso, 2008, pp. 104-105).

Também a Tarsis ou Tarshish mencionada em vários livros do Antigo Testamento é, por vezes, associada ao reino de Tartessos. Não obstante, esta designação teve vários significados, desde topónimo, antropónimo, passando por nome de embarcação ou de pedra preciosa. Consideramos, de igual forma, o facto de os vários livros reunidos apresentarem cronologias diferentes, por vezes, difíceis de aferir, pelo que é provável que só a partir dos séculos VI-V a.C. o termo em causa tenha sido aplicado a um local situado no Mediterrâneo (Gracia Alonso, 2008, pp. 113-115; Arruda, 1996a, p. 32).

A última grande questão prende-se com a influência fenícia. Desde já alertamos para um enorme vazio, tendo em conta que são desconhecidas alusões de origem púnica acerca de Tartessos (Gracia Alonso, 2008, p. 102). Também a presença Fenícia é ignorada pela grande maioria dos autores que até aqui citamos, excetuando Estrabão, que refere a sua presença na Península (Deserto & Pereira, 2016, pp. 55-57).

8 O processo da escrita começou a generalizar-se no século VIII a.C. na Grécia, mas estes poemas fariam parte de uma memória coletiva passada entre gerações oralmente (Pereira M. H., 2012, p. 52)

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Não obstante, o silêncio das fontes não se concilia com o registo arqueológico, que nos mostra uma vincada presença Fenícia, pelo menos, após o século VIII a.C. (Arruda, 1996b, p. 37).

Esta omissão, somada à associação de Tartessos ora com Cádiz, ora com Huelva, ou até mesmo com a Tarshish bíblica, foi adensando a questão da distinção entre aquilo que é considerado fenício ou tartéssico (Gracia Alonso, 2008, p. 107).

Estas foram as circunstâncias que contribuíram para a criação de um termo que acolhe este desconhecimento: Orientalizante. O conceito não é ainda suficientemente operativo para explicar todas as consequências da colonização de populações indígenas e, como período cronológico, tem ainda limites por definir – mesmo com o abandono dos grupos mediterrânicos orientais, a sua influência continuava a sentir-se (Gracia Alonso, 2008, pp. 128-129).

Em suma, o território algarvio não seria desconhecido dos autores greco-latinos, que nos deixaram algumas referências em relação aos modos de vida das suas comunidades, àquilo que produziam e comerciavam. Para o tema que aqui nos interessa focar, apenas notamos a lacuna em relação à forma como tratavam os seus mortos.

De facto, conhecem-se pelo menos duas referências acerca do tratamento dos defuntos na Península Ibérica, e ambas aludem à morte em combate, vista como nobre, e posterior abandono do corpo aos animais (Claudio Eliano; Silio Itálico9 apud Vilaça, 2017, p. 117). Ambas são já posteriores ao início do processo de romanização da Península Ibérica.

2.2.

Antes do Século XX

Seria impossível falar da Arqueologia no Algarve sem mencionar Sebastião Estácio da Veiga. Este é, sem dúvida alguma, o responsável pela afirmação da Arqueologia algarvia dos finais do século XIX, com a localização de diversos sítios pré e proto-históricos um pouco por todo o território.

9 Claúdio Eliano acerca dos Vaceus: «(…) aos que perderam a vida na guerra consideram-nos nobres, valentes e dotados de valor e, em consequência, entregam-nos aos abutres, porque acreditam que estes animais são sagrados (…)» (Vilaça, 2017, p. 117).

Sílio Itálico acerca dos Celtiberos: «(…) para estes é uma honra cair em combate e sacrilégio incinerar

um corpo morto de este modo. Pois crêem que são retornados ao céu, junto dos deuses do alto se o abutre (…)» (Vilaça, 2017, p. 117).

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O sítio mais observado é o de Fonte Velha (ou Selões da Mina), situado na freguesia de Bensafrim, Lagos. Logo de início fala das «(…) pedras com inscripções desconhecidas (…)» (Veiga, 1886, p. 209), que acaba por classificar como celtibéricas (Veiga, 1887, p. 316). Este é a única ocupação que atribui, sem sombra de dúvida, à I Idade do Ferro (Veiga, 1889, pp. 120-121). Acrescenta ainda que soube da sua existência através da descrição de instrumentos líticos por parte do prior António José Nunes da Glória (Veiga, 1891, p. 71).

Um dos apontamentos muito interessantes que podemos fazer a propósito deste arqueólogo do século XIX é a sua preocupação não só com os materiais, mas também com as estruturas – «(…) procurando-se outras sepulturas não ainda destruidas, cujos conteúdos, planta, perfis e orientações muito conviria conhecer (…)» (Veiga, 1891, p. 49). Além disso, sublinhamos o facto de acreditar na multidisciplinariedade da ciência, facto que o afastou dos arqueólogos seus contemporâneos (Cardoso, 2007, p. 21). A verdade é que Estácio da Veiga parece distanciar-se do pensamento colecionista que pautava o seu tempo, e pretende construir aquilo que considera uma verdadeira ciência: «(…) quando trato de epochas prehistoricas, não me deixo guiar por textos clássicos, mas tão somente por factos propriamente archaeologicos, que tenham sido scientificamente examinados.» (Veiga, 1891, p. 299).

Isto não implica, no entanto, que algumas das suas estratégias não sejam questionáveis – desde tentar encontrar paralelos para a escrita «celtibérica» na Suécia e Alemanha (Veiga, 1891, pp. 303-310), a defender a sua origem peninsular durante o Neolítico (Veiga, 1891, p. 293). No entanto, é de louvar a sua preocupação com os sítios, com o seu estudo integral (e não somente dos materiais que lhe interessariam), e com a localização no território. Importa relembrar que a publicação das Antiguidades Monumentais do Algarve resultou de um contrato assinado com o Governo, e que os pormenores desse acordo são desconhecidos (Cardoso, 2007, p. 21), pelo que não sabemos até que ponto podem ter influenciado as suas publicações.

Não obstante, é igualmente pertinente recordar que, especialmente na sua segunda metade, o século XIX português viu várias infraestruturas científicas serem criadas e/ou desenvolvidas e, no que se refere à Arqueologia, assistiu ao incremento da sua utilização para fins políticos (Diniz & Gonçalves, 1993-1994, p. 179).

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Estácio da Veiga foi ainda mentor de José Leite de Vasconcelos (Fabião, 2008, p. 105), o fundador do Museu Ethnografico Português (atual Museu Nacional de Arqueologia). Os materiais recolhidos por Estácio da Veiga foram, posteriormente, reunidos por Vasconcelos, para que constassem das coleções do seu futuro museu (Fabião, 2008, p. 115). O próprio Vasconcelos percorreu o Algarve mas, durante o século XIX, não parece ter tido particular interesse pelo Sul do país. Publicou, no entanto, acerca da necrópole do Olival do Senhor dos Mártires (Alcácer do Sal), a partir das listas de objetos deixadas por Estácio da Veiga (Vasconcelos, 1895, pp. 78-80).

Resta-nos ainda referir António dos Santos Rocha. Tal como Estácio da Veiga, Santos Rocha escavou a necrópole de Fonte Velha (Bensafrim), que seria o seu principal interesse (Arruda & Pereira, 2012, p. 136). No entanto, parecem ter existido animosidades entre os dois investigadores (Martins, 2012, pp. 25-26).

Logo em 1895, Santos Rocha publica os primeiros apontamentos sobre esta «estação» (Rocha, 1895), especialmente importante para o seu estudo acerca da necrópole Figueirense do Ferrestelo, para a qual procurava paralelos (Arruda & Pereira, 2012, p. 139).

Um último apontamento, e desta feita, em relação à região Alentejana, remete para os contributos do Frei D. Manuel do Cenáculo Vilas-Boas, bispo de Beja, que recolheu materiais – nos quais se incluíam estelas epigrafadas com Escrita do Sudoeste – durante os séculos XVIII e XIX (Beirão, 1986, p. 33). Este clérigo terá sido, na verdade, o primeiro a identificar a referida escrita (Correia, 2014, p. 77).

2.3.

O século XX

Ainda que a sua atividade tenha começado antes do século XX, a verdade é que, para o tema que aqui nos importa, José Leite de Vasconcelos só escreveu já durante este século. Um dos sítios que localizou foi a necrópole de Panoias, em Ourique, publicada em 1908 pela primeira vez (Vasconcelos, 1908).

O seu principal interesse seriam as inscrições com Escrita do Sudoeste (Beirão & Gomes, 1980), que desde cedo começou a integrar nas coleções do então Museu Etnográfico (Vasconcelos, 1927/1929), incluindo as descobertas em Panoias, Ourique, e Monte dos Vermelhos (Ameixial, Loulé).

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Logo no início do século é também publicado o primeiro Catálogo do atual Museu Municipal Dr. Santos Rocha, na Figueira da Foz (Rocha, 1905), que contempla materiais de inúmeros sítios sidéricos, incluindo restos osteológicos – como é o caso da necrópole do Ferrestelo (associada ao povoado de Santa Olaia, na Figueira da Foz) ou da Fonte Velha de Bensafrim (Lagos).

As cerâmicas contempladas nesse Catálogo foram recolhidas de norte a sul do país, mas referimos apenas as de Fonte Velha, que nos parecem ser as únicas indubitavelmente oriundas de um sítio funerário da Idade do Ferro. Importa ainda reiterar que neste museu está depositado o célebre disco de ouro de Fonte Velha, assim como contas de vidro do mesmo sítio.

Para além das mencionadas publicações, e excetuando-se alguns trabalhos muito pontuais durante os anos 60, as investigações parecem estagnar. A verdade é que, no período em que o Estado Novo esteve instalado em Portugal, não só as edições acerca do tema diminuíram drasticamente, como a sua divulgação acabava por ser uma arma política (Arruda, 2008, p. 13).

De facto, entre os anos 30 e 70 não surgem obras de qualquer tipo que tratem de necrópoles sidéricas, excetuando dois casos. O primeiro refere-se ao arrolamento dos dados já conhecidos de Fonte Velha de Bensafrim por Abel Viana e António Dias de Deus (Viana & Deus, 1958); o segundo trata-se de um apontamento acerca de fechos de cinturão ditos «Hallstáticos», provenientes de Ourique, Figueira da Foz e Alcácer do Sal (Almeida & Ferreira, 1967).

O interesse pelo período aparenta renascer com a figura de Caetano de Melo Beirão, advogado de profissão (Silva A. C., 2016), para quem a Arqueologia seria um passatempo (Beirão, 1986, p. 45). Note-se que, dentro da Arqueologia, o seu maior interesse eram as estelas epigrafadas com escrita pré-latina.

O autor é responsável pela descoberta de 36 necrópoles da Idade do Ferro, no Baixo Alentejo e Algarve. A partir da sua listagem conhecemos 12 sítios algarvios, mas os de «Alcoutim» e «Ameixial» não estão assinalados como necrópoles (Beirão, 1986, p. 53). A sua primeira publicação refere-se às necrópoles de A-Mealha-Nova e da Herdade do Pêgo, ambas em Ourique, assinada com dois dos seus alunos (Beirão, 1986, p. 46; Dias, Beirão, & Coelho, 1970).

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A tese de doutoramento de 1986 descreve os métodos de «prospeção» altamente intrusiva que praticou entre 1970 e 1980, e o tratamento dado aos materiais, que poderia envolver o descarte (Beirão, 1986, p. 38).

A metodologia de Beirão consistia na localização de sítios através do contacto com locais que haviam encontrado algum tipo de indício de ocupação proto-histórica – desde fragmentos de estelas, a objetos metálicos. Uma vez na zona apontada, escavava sem planeamento prévio e, pelo que se consegue perceber através dos seus relatos, sem preocupções de maior com a estratigrafia ou o registo do sítio (Beirão, 1986, pp. 46-47). No quadro do atual paradigma e contexto da Arqueologia portuguesa, aceitar uma «civilização» proto-histórica e os elementos que essa realidade acarreteria, acaba por ser um pouco desmedido e até problemático. Não obstante, a sua tese foi importantíssima para os estudos do mundo funerário, permitindo a conceção das primeiras tipologias e cronologias. Ainda que hoje pareçam cada vez mais ultrapassadas, o mérito não lhe pode ser retirado.

Antes mesmo da publicação da sua tese, e em conjunto com Mário Varela Gomes, Beirão uniu esforços para uma Exposição no Museu Nacional de Arqueologia acerca das estelas epigrafadas com Escrita do Sudoeste, cujo pequeno Catálogo foi divulgado (Beirão & Gomes, 1980).

Nesta Exposição, mostraram-se as estelas de Bensafrim (Lagos), Cômoros da Portela (Silves), de uma sepultura em Lagoa (cujo espólio estaria depositado no Museu Municipal de Faro, informação desmentida pela instituição), Alagoas, Vale dos Vermelhos, Ameixial, Azinhal dos Mouros (as quatro em Loulé), Alcoutim (sítio desconhecido), Monte das Mestras (Alcoutim), Corte de Pere Jacques (Aljezur), Dobra (Monchique) e Cerro do Castelo da Fuseta (Tavira).

Há ainda um sem número de estelas provenientes do Baixo Alentejo, a sua esmagadora maioria da região de Ourique. Os restantes materiais, como os metálicos (no seu grosso, espetos de assador de bronze), são também, em grande medida, oriundos do Baixo Alentejo (Beirão & Gomes, 1980).

Novamente, a necrópole de Fonte Velha de Bensafrim ganha destaque, com a exposição não só das estelas, como dos diversos materiais de adorno recolhidos – entre os quais,

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contas de colar, braceletes, fragmentos de fíbulas, anéis e argolas –, mas também de objetos metálicos como lâminas de facas (Beirão & Gomes, 1980).

Resta referir que, neste Catálogo, se associam as espoliações de túmulos à transformação que teria tido lugar entre os séculos V e IV a.C., aquando do «(…) desaparecimento do reino de Tartessos (…)», ao mesmo tempo que o «(…) poderio Cartaginês (…)» se elevava (Beirão & Gomes, 1980).

Mário Varela Gomes dedicou-se ainda à iconografia sidérica (Gomes, 1990-1991), apurando paralelos para inúmeros materiais recolhidos no Sudoeste português, inseríveis na I Idade do Ferro, com ambientes orientais. Ao mesmo tempo, estabelece paralelos com o período anterior, a Idade do Bronze. De facto, a sua investigação não se cinge propriamente a um período em particular, pelo que publica não só acerca da proto-história, mas também momentos a ela anteriores, e bastante posteriores – passando mesmo pela Idade Média e Moderna.

Ao lado de Beirão, também Virgílio Hipólito Correia investigou o mundo funerário da Idade do Ferro, com especial enfoque dado aos espaços de enterramento alentejanos. Em conjunto, publicaram as primeiras cronologias para a necrópole de Fernão Vaz (Beirão & Correia, 1991) que, por sua vez, permitiram definir as primeiras tipologias para os sítios funerários alentejanos – publicadas já após a morte de Beirão (Correia, 1993).

O interesse de Hipólito Correia pela necrópole e habitat de Fernão Vaz é notório, tendo em conta as numerosas publicações sobre o sítio que produziu (Beirão & Correia, 1990; Beirão & Correia, 1991; Correia, 1996; Correia, 1999a; Correia, 1999b), que continuam no século XXI.

De facto, não só mostra um continuado pelas estelas epigrafadas com Escrita do Sudoeste (Correia, 2014), mas também pelo sítio de Fernão Vaz, sobre o qual volta a escrever em 2007 (Correia, 2007).

Importa ainda referir, para o panorama espanhol, Fernando Quesada-Sanz e os seus atentos estudos sobre armas proto-históricas ibéricas – especialmente naquilo que se refere às facas afalcatadas, tantas vezes associadas ao mundo funerário (Quesada Sanz, 1992). Dedicou-se, de igual modo, à identificação de uma hierarquização dentro das necrópoles a partir dos materiais depositados em cada sepultura (Quesada Sanz, 1994).

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Também desse lado da fronteira surgiram algumas publicações que nos foram muito úteis, desde aquelas que se referiam à ourivesaria e às suas origens (Berrocal Rangel, 1989; Blanco Fernández & Celestino Pérez, 1998), até aos estudos de sítios e dos seus materiais, caso do sítio de Pajares (Villanueva de La Vera), cujo volume acerca da necrópole e do seu espólio aurífero nos serviu para algumas comparações tipológicas (Celestino Pérez, 1999).

Ainda nos finais do século XX, começam a emergir as primeiras Cartas Arqueológicas para a região Algarvia: em 1992 é publicada a carta de uma parte dos concelhos algarvios (Araújo, 1992) e, 3 anos depois, a segunda (Araújo, 1995). Estas não trazem grandes novidades, quando comparadas com as informações recolhidas na bibliografia – ainda assim, deixa-se em anexo as informações reunidas nas duas publicações, assim como as referidas no levantamento arqueológico de Cachopo (anexo 6.1., pp. 107-109).

Este levantamento de Cachopo (Tavira) foi publicado, já na viragem da centúria, por Maria Pereira Maia (Maia, 2000), que falava de necrópoles também anteriormente conhecidas.

Também Mário Varela Gomes publicou um levantamento arqueológico para o concelho de Lagoa, em conjunto com João Luís Cardoso e Francisco Alves (Gomes, Cardoso, & Alves, 1994). No entanto, não são mencionadas quaisquer necrópoles sidéricas cuja localização seja conhecida no concelho, apenas indicados alguns materiais encontrados numa sepultura, na cidade de Lagoa (Gomes, Cardoso, & Alves, 1994, p. 53), assim como o espeto de bronze – proveniente daquilo que designa como os «(…) achados do Arade (…)» (Gomes, Cardoso, & Alves, 1994, pp. 64-65).

Para o município de Alcoutim, foram inventariados sítios de interesse arqueológico nos últimos anos da década de 90 por Alexandra Gradim, cuja publicação nunca viu a luz do dia.

Antes do final da centúria, encontramos uma última Exposição debruçada sobre a Idade do Ferro: De Ulisses a Viriato que, tal como a de 1980, teve lugar no Museu Nacional de Arqueologia, e contou com a publicação de um volume (Alarcão, 1996) com intervenções de muitos dos investigadores supramencionados. A Exposição esteve aberta ao público entre maio de 1996 e junho de 1997 (Museu Nacional de Arqueologia, s.d.).

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Um apontamento final prende-se com a tese de Doutoramento da Doutora Helena Catarino, divulgada igualmente nos finais da centúria, cujo inventário de sítios refere algumas necrópoles sidéricas que aqui vão sendo discutidas (Catarino, 1997).

2.4.

O Século XXI

Ana Margarida Arruda começou a publicar ainda durante o século XX, mas foi já na entrada do século XXI que se dedicou em maior escala à I Idade do Ferro – especialmente ao que pode ser definido como «período Orientalizante».

Na viragem de milénio, traz à estampa um grande volume, correspondente ao texto da sua tese de Doutoramento, acerca da colonização fenícia do território português (Arruda, 1999-2000), posicionando-se assim na vanguarda dos estudos orientalizantes no território português.

As obras multiplicam-se, mas aqui importa referir apenas aquelas que se referem ao mundo funerário da Idade do Ferro: o texto Práticas e Rituais Funerários no Sul de Portugal durante a Proto-História (Arruda, 2000), que distinguia as formas de construção no litoral e no interior do território, e de que forma essas construções tinham ou não relevância no ritual de enterramento realizado; ou o estudo que se refere ao Baixo Alentejo, e que inclui necrópoles e sítios de habitat (Arruda, 2001a).

No mesmo ano, a autora escreve sobre as importações «púnicas» na região Algarvia (Arruda, 2001b) num texto em que, apesar do interesse não estar voltado para o mundo funerário, podemos encontrar elementos materiais que nos permitirão estabelecer paralelos ao nível das materialidades.

Em 2003 publica acerca das opções de ocupação do território em Tavira durante a I Idade do Ferro (Arruda, 2003), evidenciando as localizações dos sítios conhecidos no concelho, enquanto estabelece paralelos com Castro Molião, e com o período cronológico antecedente.

O artigo do ano seguinte, resultante da comunicação proferida durante o III Seminário Internacional sobre Temas Fenícios (Arruda, 2004), cujo conteúdo se refere às necrópoles proto-históricas em geral, denota o desconhecimento geral acerca do tema para a região

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algarvia, em que as provas estão, na maior parte dos casos, dependentes das estelas com Escrita do Sudoeste.

Na edição da Xelb dedicada a Estácio da Veiga, Ana Arruda sistematiza os dados conhecidos sobre a ocupação sidérica do território algarvio (Arruda, 2007), novamente utilizando Castro Marim, Balsa (Tavira) e Ossonoba (Faro) romanas, ou Monte Molião, entre outros exemplos, que estão sempre presentes na sua investigação e que, infelizmente, não contemplam sítios funerários.

Existem igualmente publicações acerca de Castro Marim, com um foco nos metais que aí surgiram (Pereira T. M., 2008), assim como sobre Monte Molião (Dias V. , 2010; Pereira, Arruda, & Sousa, 2019).

Finalmente, em 2008, escreve pela primeira vez sobre a necrópole sidérica do Convento de Nossa Senhora da Graça (Arruda, Covaneiro, & Cavaco, 2008) – uma necrópole de incineração que identifica como sendo fenícia (ou de inspiração Oriental). Logo no ano seguinte, refere-se às arquiteturas religiosas do mundo Tartéssico (Arruda & Celestino Pérez, 2009), nas quais inclui práticas funerárias do Sudoeste peninsular.

Em 2016 volta a investigar uma necrópole da Idade do Ferro (Arruda & Cardoso, 2016), mas esta fica já fora dos limites geográficos do presente estudo, assim como aquela que divulga no ano seguinte (Arruda, Barbosa, Gomes, & Sousa, 2007).

No geral, as suas publicações dedicam-se aos contextos fenício-púnicos, ao mundo Tartéssico em geral, e não propriamente às necrópoles sidéricas. Não obstante, e tendo em consideração o território que estas duas realidades ocupam, o seu trabalho acaba por ser de referência para nós.Outro dos nomes importantes para o tema que aqui nos interessa é o de Francisco B. Gomes que, de resto, foi também orientado por Ana Margarida Arruda durante o seu percurso académico. De facto, a sua dissertação de Mestrado (Gomes F. B., 2011) e tese de Doutoramento (Gomes F. B., 2016) referem vários sítios que aqui tratamos, pelo que foram de extrema importância para a nossa compreensão deste vasto tema.

Tendo em conta que o seu Doutoramento se focou no Mundo Funerário sidérico português, acabou por ser uma mais valia no momento de nos dedicarmos à redação do nosso texto. Ainda assim, assinalamos que o autor não se restringiu à região algarvia nem nas materialidades, focando-se nos sítios aos quais mais investigação havia sido dedicada.

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Escreveu ainda acerca de alguns materiais, sobretudo contas de colar ou outros elementos de importação mediterrânica, que acabámos também por utilizar nos capítulos seguintes desta dissertação (Gomes F. B., 2014; Gomes F. B., 2018).

Os artigos acerca de Quinta da Queimada (Lagos) foram, por razões óbvias, de importância acrescida, especialmente aquele publicado por David Calado e Mário Varela Gomes (Calado & Gomes, 2006), uma vez que não tivemos acesso à publicação anterior de Pedro Barros (Barros, 2003). Do mesmo modo, também o artigo acerca da Cista dos Gregórios (Barros, Branco, Duarte, & Correia, 2003) foi um elemento precioso para a interpretação do sítio e para o exame dos materiais daí provenientes.

Infelizmente, e naquilo que se refere às necrópoles tratadas no decorrer do trabalho, a de Vale de Romeira foi uma daquelas em que o acesso à informação foi muito reduzido, cingindo-se a um poster de 2011 (Correia, Paulo, & Cabrita, 2011).

Para o contexto espanhol, um dos grandes nomes a reter é o de Javier Jiménez Ávila que publicou sobre as necrópoles sidéricas no território – como a de Medellín (Almagro-Gorbea, Jímenez Ávila, J. Lorrio, Mederos, & Torres, 2006), Talavera La Vieja (Jiménez Ávila & González Cordero, 2012) ou de El Jardal (Jiménez Ávila, 2004).

Este último artigo referido é de extrema importância para o contexto português, tendo em conta que repensa as cronologias apontadas para as necrópoles do Baixo Alentejo. O mesmo pretende fazer em texto de 2002 (Jiménez Ávila, 2002-2003) através da divulgação de estudo relativo aos diferentes tipos de túmulos que caracterizam as necrópoles da Idade do Ferro no Sudoeste peninsular, nas suas diversas tipologias. Não poderíamos deixar de sublinhar que a construção da Barragem do Alqueva na zona de Beja e a afetação daí decorrente permitiu a descoberta de um grande número de sítios funerários da Idade do Ferro, que foram sendo publicados de forma desfasada e em diversos periódicos.

Um dos mais importantes será o de Rui Monge, com Lídia Baptista e Zélia Rodrigues, que trazem à luz os dados dos sítios de Montinho 6, Alto de Brinches 3 e Monte da Lage (Soares, Baptista, & Rodrigues, 2016). Estes sítios encontram-se na margem esquerda do Guadiana.

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Na margem direita do território que acabou coberto pelas águas não haviam sido encontradas, até 2007, necrópoles sidéricas, de acordo com os investigadores que percorriam o território desde 1998 (Calado, Mataloto, & Rocha, 2007).

Também podemos falar da necrópole da Carlota (Beja; Mateus & Pereira, 2012), do Monte do Pombal, em Ferreira do Alentejo (Silva P. M., 2014) ou do Monte Bolor, já em Beja (Soares, et al., 2017). De igual modo, o artigo acerca da Quinta do Estácio teve também um valor importante para este trabalho (Pereiro, Mataloto, & Borges, 2017). Estas necrópoles alentejanas são, de facto, uma mais valia para o estudo que temos em mãos.

Para o Algarve propriamente dito, contamos com os trabalhos sistemáticos de João Luís Cardoso e Alexandra Gradim, que se dedicaram extensivamente à divulgação da necrópole do Cabeço da Vaca, em Alcoutim (Cardoso & Gradim, 2006; Cardoso & Gradim, 2008; Cardoso & Gradim, 2011). Esta será a necrópole mais bem conhecida do concelho, tendo em conta que a do Monte das Mestras não foi investigada para além da estela aí recolhida.

Em 2012, com o apoio da Câmara Municipal da Figueira da Foz, foi redigida uma monografia acerca da vida e obra de António dos Santos Rocha, coordenada por Raquel Vilaça e Sónia Pinto (Vilaça & Pinto, 2012), na qual surgem artigos como aquele que segue a visita ao Algarve do arqueólogo (Arruda & Pereira, 2012) ou um estudo aprofundado do disco de ouro recuperado na necrópole de Fonte Velha de Bensafrim (Vilaça & Armbruster, 2012).

O volume editado na sequência da Exposição «Loulé: Territórios, Memórias, Identidades» (2017) volta a reiterar os problemas supramencionados em relação à Arqueologia no Algarve: «(…) o registo muitas vezes não é suficientemente rigoroso (…)» e «(…) faltam escavações arqueológicas nas necrópoles conhecidas (…)» (Barros, Melro, & Estrela, 2017, p. 242).

Um último apontamento tem a ver com uma obra inúmeras vezes citada ao longo deste trabalho: referimo-nos a De Iberia a Hispania, coordenada por Francisco Gracia Alonso, uma obra de síntese importante para a recolha dos primeiros dados acerca deste período na Península Ibérica (Gracia Alonso, 2008).

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2.5.

Um ponto de partida

Após esta extensa pesquisa bibliográfica, foi tempo de perceber quais as necrópoles efetivamente identificadas no território algarvio – ou, pelo menos aquelas cuja existência parece atestada, ainda que, quase invariavelmente, a expressão apenas signifique que foram prospetadas e localizadas e, em parte dos casos, relocalizadas. A necessidade destas relocalizações deve-se, em grande parte, às descrições pouco pormenorizadas da maior parte dos investigadores, assim como aos deficientes métodos de registo.

A base de dados Endovélico, sediada no Portal do Arqueólogo foi o ponto de partida para a listagem dos sítios e, apesar de ter, por vezes, várias entradas para uma mesma estação, bibliografia não correspondente, ou necrópoles que não estão assinaladas como tal, acabou por revelar-se uma mais valia.

Inicialmente, a pesquisa foi feita utilizando os termos «tipo de sítio: necrópole» e «cronologia: idade do ferro», e fazendo também ensaios com a I e II Idade do Ferro, e Idade do Bronze. A seguir a uma primeira listagem geral, fez-se uma segunda, que apenas compreenderia as necrópoles do Baixo Alentejo – para este fim, servimo-nos da função que restringe os resultados a cada concelho e repetimos o processo para cada um dos 13 concelhos. Quando compreendemos que o Algarve seria uma opção mais viável, repetiu-se o método para cada um dos concelhos algarvios, que permitiu recolher 32 estações. A lista final conta com 30 sítios conhecidos, depois de alguns necessários ajustes. Os de Fonte Velha de Bensafrim e Hortinha tinham várias entradas no Portal do Arqueólogo, mas deverão ser topónimos diferentes para uma única realidade (Pereira, 2014, p. 370). Das 12 estações algarvias registados por Caetano de Melo Beirão, mantiveram-se as 10 que o autor refere como necrópoles, e um que não lista como tal, tendo-se eliminado «Alcoutim» – cuja única indicação era de existir uma estela com Escrita do Sudoeste, de contexto desconhecido.

O sítio do Ameixial manteve-se porque outras referências o classificam como provável necrópole, sendo as suas coordenadas indicadas no Portal do Arqueólogo – de facto, neste local terá sido recuperada uma estela epigrafada com Escrita do Sudoeste.

Assinalou-se ainda o sítio da Dobra, Monchique, que Caetano de Melo Beirão menciona (Beirão, 1986), e que a equipa que procedeu ao levantamento da Carta Arqueológica de Portugal coloca em Silves (Araújo, 1992). Aparentemente, há alguma confusão acerca do

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local de recolha da estela, pelo que não se elimina por completo a possibilidade ter sido descoberta já em Silves (Capela, 2018). Em todo o caso, é esta a indicação fornecida pelo Portal10.

Incluímos também o Cerro da Chã, localizado aquando do levantamento arqueológico de Cachopo, em 2000, referido como necrópole (Maia, 2000), tendo sido mencionados «fragmentos de ânfora púnica» nesse contexto.

Ainda que se trate de uma necrópole já da II Idade do Ferro, não excluímos Quinta da Queimada, em Lagos, até porque será a primeira desta cronologia encontrada em território algarvio (Calado & Gomes, 2006).

Por fim, o Convento de Nossa Senhora da Graça (em Tavira) foi inventariado a partir da publicação de 2008, da autoria de Ana Margarida Arruda, que não só refere o contexto por ela intervencionado, mas também a eventual necrópole do Palácio da Galeria (Arruda, Covaneiro, & Cavaco, 2008).

Note-se, no entanto, que a estação tem duas entradas no Portal do Arqueólogo: uma como «Vestígios Diversos», com cronologia da Idade do Ferro, onde são referidas estruturas do «período fenício»11; e outra como «Palácio», com cronologia de Bronze Final, II Idade

do Ferro e Medieval Islâmico, onde é assinalada a sepultura de «tradição fenícia»12. Uma lista final das necrópoles encontra-se nos anexos (anexo 6.2., pp. 110-111), em que os dados da primeira listagem resultante da pesquisa no Portal do Arqueólogo haviam já sido alvo de interpretação.

Para uma melhor compreensão do território, procedemos à realização de vários mapas e seis Modelos Digitais de Terreno (MDT) com recurso ao programa QGis 3.12, com base nas coordenadas geográficas WGS84 em graus decimais (ou seja, equivalentes às utilizadas no Portal do Arqueólogo). Apoiamo-nos igualmente na Carta de Ocupação do

10 Direção Geral do Património Cultural. (s.d.). Dobra. Obtido em 19 de janeiro de 2019, de Portal do Arqueólogo: http://arqueologia.patrimoniocultural.pt/?sid=sitios.resultados&subsid=49711

11 Direção Geral do Património Cultural. (s.d.). Tavira – Calçada da Galeria/ Parque de Festas. Obtido em 19 de janeiro de 2019, de Portal do Arqueólogo:

http://arqueologia.patrimoniocultural.pt/?sid=sitios.resultados&subsid=2477475

12 Direção Geral do Património Cultural. (s.d.). Tavira - Palácio da Galeria. Obtido em 19 de janeiro de 2019, de Portal do Arqueólogo:

Referências

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