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LUIZA AZEM CAMARGO A IMPORTÂNCIA DA AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA NO CONTEXTO HIV/AIDS

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LUIZA AZEM CAMARGO

A IMPORTÂNCIA DA AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA NO

CONTEXTO HIV/AIDS

SÃO PAULO 2008

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LUIZA AZEM CAMARGO

A IMPORTÂNCIA DA AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA NO

CONTEXTO HIV/AIDS

Monografia apresentada à Divisão Científica do Instituto de Infectologia Emílio Ribas como requisito para a conclusão do Programa de Aprimoramento Profissional em Psicologia Hospitalar.

Orientador: Prof. Dr. Cláudio Garcia Capitão

SÃO PAULO 2008

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Dedico esse trabalho a todos os pacientes portadores do Vírus da Imunodeficiência Humana, àqueles cujo aparente descuido pela vida intriga e promove questionamentos e aos que, pelo contrário, passam despercebidos pela mesma.

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Agradecimentos

Ao meu orientador, Prof. Dr. Cláudio Garcia Capitão, pela atenção, tempo e cuidado despendidos na orientação do trabalho. Por meio do contato com suas idéias pude lapidar as minhas. Meu sincero respeito e admiração.

A todos os psicólogos da equipe do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, pelo enorme aprendizado que me proporcionaram nesse ano.

As amigas Maria Rita Polo Gascón e Paula Chence Bertolli, pela constante companhia e troca de experiências durante o aprimoramento.

A minha mãe, Marina Azem, pelo amor e apoio incondicional que sempre recebi em todas as minhas escolhas. Estar longe dela e ter que conviver constantemente com a saudade talvez tenha sido a mais difícil.

A todos os meus familiares, pelo carinho e incentivo, sempre. Em especial à minha avó, Lucy Ann Brown Azem, pelo acolhimento e dedicação nesses últimos anos.

Ao meu namorado, Leandro Nascimento, pela paciência e compreensão, disposição e generosidade. Estar ao seu lado torna tudo mais fácil e prazeroso. Amor pra vida toda.

Aos amigos, mesmo os distantes, por me fazerem sentir que estão sempre comigo.

Aos funcionários do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, pela receptividade e alegria. Em especial aos amigos da Divisão Científica e Biblioteca, pela disponibilidade e atenção.

A todos os pacientes com os quais tive contato, pela oportunidade de escuta. Relatos de vida que me proporcionaram crescimento pessoal e profissional.

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Resumo

Atualmente, quando se pensa em HIV/Aids, uma das principais problemáticas desse contexto é a adesão dos pacientes ao tratamento anti-retroviral. Se por um lado o surgimento dessa terapêutica proporcionou um aumento na sobrevida e na qualidade de vida desses pacientes, por outro, a adesão irregular ao tratamento tem como conseqüência o surgimento e disseminação de vírus-resistência.

Diante dessa problemática vemos o aparecimento de políticas públicas de saúde e de ações por parte do governo federal e de equipes interdisciplinares de saúde. O psicólogo faz parte da equipe de saúde e tem em suas mãos uma importante ferramenta, a avaliação psicológica.

O presente trabalho tem como objetivo abordar duas temáticas principais a adesão ao tratamento e a avaliação psicológica. Pretende-se apontar os principais aspectos implicados na adesão ao tratamento anti-retroviral, destacando os psicológicos e/ou relacionados ao próprio paciente. A avaliação psicológica será inserida no referido contexto por meio de um estudo teórico, visando elencar potenciais benefícios que esta possa trazer aos pacientes HIV/Aids.

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Abstract

Nowadays, when the subject is HIV/Aids, a recurrent issue is the patient adherence to anti-retroviral treatment. If, in one way, the creation of this medical care has provided patient longevity rate increase, in another, an irregular treatment adhesion has the consequence of resistant virus sprouting and dissemination.

In face of this problem we follow the creation of public politics in health, and procedures by the federal government and interdisciplinary health teams. The psychologist is a member of this team and has into reach a important asset, the psychological evaluation.

The present work has as objective approach two main subjects, treatment adherence and psychological evaluation. It intents to indicate the main aspects of anti-retroviral treatment adherence, specially the psychological and patient related ones. Psychological evaluation will be inserted in this context via through a theoretical study, aiming to rank potential benefits for HIV/Aids patients.

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Lista de abreviaturas e siglas

ADT Assistência Domiciliar Terapêutica ARV Anti-retroviral

CCMHIV Complexo Cognitivo-Motor ligado ao HIV

CID-10 Classificação estatística Internacional de Doenças e problemas relacionados à saúde

CFP Conselho Federal de Psicologia

DSM IV-TR Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais DST Doença Sexualmente Transmissível

GAPA Grupo de Apoio e Prevenção à Aids HIV Vírus da Imunodeficiência Humana OMS Organização Mundial de Saúde ONG Organização não-governamental

Sida/Aids Síndrome da Imunodeficiência Adquirida SNC Sistema Nervoso Central

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Lista de quadros e tabelas

Tabela 01: Evolução da epidemia de aids no Brasil 25 Tabela 02: Escala de graduação do complexo cognitivo-motor

ligado ao HIV

32

Tabela 03: Possíveis efeitos colaterais ou adversos dos medicamentos ARV

46

Tabela 04: Fatores relacionados à falta de adesão ao tratamento 48 Tabela 05: Questões comuns para a história psiquiátrica do

paciente

84

Tabela 06: Principais aspectos do Exame do Estado Mental do Paciente

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Índice

1. Introdução... 10

2. A aids no Brasil... 13

3. O paciente com HIV/Aids... 27

3.1. Aspectos sociais... 27

3.2. Manifestações clínicas... 28

3.3. Manifestações psiquiátricas e neuropsiquiátricas... 30

3.4. Tratamento... 38

4. Adesão ao tratamento... 40

4.1. Avaliação da adesão ao tratamento... 50

5. Avaliação psicológica... 55

5.1. Instrumentos... 68

5.2. Avaliação psicológica no contexto HIV/Aids... 89

6. Considerações finais... 93

Referências Bibliográficas... 97

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1. Introdução

O presente estudo visa fazer uma aproximação entre dois campos de saber(es) a psicologia e a saúde pública. Não há dúvida de que se trata de saberes distintos, mas por meio de alguns recortes, ainda que arbitrários, podemos chegar a interesses e objetivos em comum, evidenciando tal aproximação.

O primeiro recorte diz respeito ao objeto de estudo. Podemos considerar que ambos os campos têm como objeto de estudo o ser humano. A saúde pública dedica-se às manifestações humanas no sentido público, coletivo, comum entre os indivíduos. A psicologia, por sua vez, embora em seus primórdios tenha se dedicado a formulação de generalizações do comportamento humano com os psicólogos experimentais do século XIX, atualmente é referida, dentre outras, em função de sua especialidade clínica, ou seja, das manifestações mais particulares e privadas do ser humano.

Tomado o ser humano como objeto de estudo, mais um recorte pode ser efetuado. Ambos os campos têm interesse por um fenômeno em comum, o adoecimento humano. Pode-se dizer aqui, que a saúde pública se interesse pelas manifestações e implicações desse fenômeno na coletividade, e a psicologia, pelo que estas proporcionam ao sujeito que adoece.

Caberiam aqui inúmeras considerações acerca do adoecimento humano e da relação saúde-doença. No entanto, ainda são necessários alguns recortes dentro do fenômeno do adoecimento humano para a formulação do problema desse estudo.

A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (Sida/Aids), hoje amplamente conhecida, aparece no início da década de 80 como causa não somente de adoecimento humano, mas também de ameaça à vida. Os modelos de assistência à saúde existentes se viram desafiados por uma doença devastadora e inexplicável. O paradigma biomédico, da doença enquanto entidade biológica materializada num corpo biológico, universal e atemporal precisou ser revisto e com isso, as Ciências Sociais e Humanas

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também passaram a buscar e prover explicações para a nova epidemia (Vermelho, Barbosa, 2004).

Com a epidemia da aids muito do privado passou a ser público, exposto. Questões como o prazer e a opção sexual, pertencentes às escolhas individuais de cada um, passaram a ser de interesse não só da equipe de profissionais de saúde, mas de toda uma sociedade, que se viu diante de uma intervenção normalizadora do seu comportamento e de sua vida sexual (Achkar, 2004).

Voltando aos campos de saberes da psicologia e da saúde pública, com a epidemia da aids podemos dizer então que o que antes era inerente à prática e conhecimento de um agora salta aos olhos do outro e vice-versa. Profissionais de diferentes áreas da saúde são chamados a intervir e tentar compreender os diversos aspectos e manifestações dos pacientes acometidos pelo vírus da aids.

Nessas duas décadas de aids algumas problemáticas foram superadas, mas muitas outras continuam surgindo. Predominam políticas de combate à aids e campanhas de prevenção e conscientização da população (Machado, 2006). No que diz respeito aos pacientes infectados pelo HIV, as preocupações atuais relacionam-se ao controle dos agravos á saúde dos mesmos, destacando-se a temática da adesão ao tratamento anti-retroviral.

O advento da terapia anti-retroviral (ARV) proporcionou aos pacientes com aids uma melhoria na sua qualidade de vida, diminuição da morbidade e mortalidade e aumento da expectativa de vida (Brasil, 2007). No entanto, a adesão ao tratamento tem girado em torno de 50%, trazendo conseqüências maléficas não somente ao paciente, mas também à sociedade (Jordan et al., 2000), gerando falhas terapêuticas e disseminação de vírus resistentes a múltiplas drogas (Rachid, Schechter, 2004).

Diversos são os fatores implicados nessa temática fatores relacionados ao paciente, à doença, ao tratamento, ao serviço de saúde, entre outros (Jordan et al., 2000). E muitas têm sido as tentativas de intervenção nesse sentido, como, por exemplo, a criação de diretrizes (Brasil, 2007), de grupos de adesão (Silveira, Ribeiro, 2005) e de Assistência

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Domiciliar Terapêutica (ADT) (Gupta et al., 2005). No entanto, os resultados não têm sido muito animadores (van Dulmen et al., 2007).

Feito mais esse recorte, da delimitação da temática da adesão ao tratamento, o problema ao qual esse estudo se dedica pode finalmente ser formulado. A psicologia tem se revelado no campo da saúde como uma das formas de se compreender a saúde e o adoecimento e tem a avaliação psicológica como uma ferramenta inerente à sua prática (Capitão et al., 2005).

Esse estudo pretende fazer uma contextualização da aids no Brasil e abordar o paciente com aids em seus diversos aspectos, priorizando os psicológicos e a problemática da adesão ao tratamento. Aproxima-se do campo de saber da saúde pública na medida em que o problema delimitado é também de interesse da referida área. Pode o psicólogo por meio de sua prática promover ações de saúde pública? Pode a avaliação psicológica, prática inerente ao fazer do psicólogo, ser considerada também ferramenta de promoção de saúde?

Por meio de um estudo teórico sobre a avaliação psicológica, esse trabalho pretende chamar atenção para os benefícios que tal prática pode trazer para o contexto HIV/Aids, focalizando a problemática da adesão dos pacientes à terapêutica ARV.

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2. A aids no Brasil

A aids é uma doença que se manifesta no organismo humano após a infecção pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV). Esse vírus ataca diretamente as células de defesa do organismo, mais precisamente os linfócitos T-CD4. Em decorrência da diminuição dessas células no organismo dos indivíduos soropositivos (portadores do HIV), eles se tornam imunodeprimidos, ou seja, o sistema de defesa do seu organismo mostra-se deficiente e incapaz de defender-se adequadamente do ataque de microorganismos invasores, ficando o soropositivo vulnerável às chamadas doenças oportunistas. As formas de transmissão e contágio mais conhecidas são transfusão de sangue e hemoderivados, contato com material perfuro cortante contaminado, relações sexuais e transmissão vertical (da mãe para o filho por meio do parto ou amamentação) (Brasil, 2007).

Embora atualmente seja amplamente conhecida tal definição não estava disponível de pronto ao aparecimento dos primeiros casos da doença. O conceito de aids e suas implicações para o indivíduo e para a sociedade foram sendo construídos aos poucos pela ciência concomitantemente à evolução da epidemia. Nota-se ainda a construção de respostas sociais à mesma.

É necessário atentar para as diferenças culturais e de perfis epidemiológicos entre os países e buscar uma abordagem transcultural mais refinada da epidemia (Parker, 1990). Daí a necessidade de contextualização da epidemia de aids no Brasil antes de explorarmos os objetivos principais do presente estudo.

No final da década de 70 e início da década de 80 começam a surgir nos Estados Unidos, Haiti e África Central os primeiros casos de uma doença que seria definida como aids em 1982, quando se classificou a nova síndrome (Brasil, 2007). Era ainda uma doença misteriosa, cujas causas eram desconhecidas pelas ciências médicas e o prognóstico era o pior possível – a morte.

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Os primeiros casos da nova síndrome foram reconhecidos devido à aglomeração de casos de Sarcoma de Kaposi e Pneumonia pelo Pneumocistis carinii em pacientes homossexuais masculinos, procedentes de grandes cidades norte-americanas (Nova Iorque, Los Angeles e São Francisco). Muitos dos pacientes inicialmente diagnosticados eram homossexuais, o que fez suspeitar que a doença estivesse de alguma forma ligada a este estilo de vida (GAPA, 2007). Tratava-se então de uma doença aparentemente ligada a uma conduta sexual, o homossexualismo; e às classes sociais mais abastadas.

Como resposta ao alarde dessa nova epidemia, cientistas europeus e norte-americanos iniciaram uma corrida em busca da descoberta e de possíveis modos de combate ao agente causador da nova síndrome. Paralelamente às respostas científicas, verificamos ainda a existência de respostas sociais à nova ameaça (Daniel, Parker, 1990; Galvão, 2000).

Galvão (2000) examina em seu livro a resposta brasileira para a epidemia de aids em um período de dezesseis anos – de 1981 a 1996. Esse período é dividido pela autora em três fases de reação à epidemia. A primeira fase vai de 1981 a 1984 e é conhecida como o período de identificação dos primeiros casos de aids e a tomada de consciência do problema. Nesse período a aids aparece como um “mal de folhetim”, sem qualquer respaldo médico ou iniciativa governamental direcionada a essa nova epidemia a mídia se destaca como setor (privado) responsável pela informação e formulação de respostas.

As primeiras notícias sobre a doença tiravam grande parte de suas informações de publicações européias e norte-americanas e anunciavam a eminência da chegada da “peste gay” no país. As respostas eram fornecidas antes mesmo de se ter notícia da confirmação do primeiro caso de aids no país, desse modo, a epidemia de aids no Brasil precedeu a própria doença, criando com isso um modelo ideológico de respostas (Daniel, 1990).

A década de 80 no Brasil é marcada pelo processo de redemocratização do país, que saía de duas décadas de governo militar autoritário. A leitura da aids feita por boa parte da mídia era que um dos

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principais legados da década de 70 tinha sido um vírus, transmitido por um determinado tipo de comportamento, sexual. A aids era como um “banho de água fria” nas teorias libertárias dos anos 70 (Galvão, 2000).

Embora só tenha sido classificado em 1982, hoje se sabe que o primeiro caso de aids no Brasil apareceu em 1980, em São Paulo (Brasil, 2007). No entanto, foi em 1983-1984 que a aids deixou de ser um “mal de folhetim”, uma “doença estrangeira” (Galvão, 2000). Novos casos passam a ser diagnosticados e divulgados pela mídia e acentuam-se as respostas sociais.

Daniel e Parker (1990) referem a existência de três epidemias relacionadas à aids. A primeira epidemia é a da infecção pelo HIV, que passa despercebida pela sociedade. A segunda epidemia é a própria aids, o aparecimento das doenças infecciosas que se instalam em função da imunodeficiência provocada pela infecção do HIV. A terceira epidemia é a epidemia de reações sociais, culturais, econômicas e políticas à aids.

Dentre as respostas sociais encontramos predominantemente o medo do contágio e o preconceito. Os doentes de aids e aqueles potencialmente em risco tornaram-se alvo de medo irracional, desta maneira, o preconceito e os estigmas serviram nitidamente como formas de controle e contenção moral dos chamados “grupos de risco”. A aids era associada a complexas noções de doença, sujeira, contaminação e perversão sexual; e o contágio, à transgressão perigosa, associada a práticas proibidas como o sexo e o uso de drogas (Daniel, Parker, 1990). Chegou-se a adotar temporariamente em 1982 o nome “Doença dos 5H” - Homossexuais, Hemofílicos, Haitianos, Heroinômanos (usuários de heroína injetável), Hookers (profissionais do sexo em inglês) (Brasil, 2007).

Tais respostas sociais vão sendo estabelecidas na medida em que se criam no imaginário social representações para os doentes de aids. Um conceito de representação social diz que:

“as representações sociais são ‘teorias’ sobre saberes populares e do senso comum, elaboradas e partilhadas coletivamente, com a

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finalidade de construir e interpretar o real. Por serem dinâmicas, levam os indivíduos a produzir comportamentos e interações com o meio, ações que, sem dúvida, modificam os dois” (Oliveira, Werba, 2000, p.105).

A realidade da doença foi sendo interpretada, e o que o doente e a doença representavam para a população em geral era uma grande ameaça. As ações dos indivíduos “ameaçados” foram modificando o meio, criando espaços para os “sãos” e espaços para a aids e os que dela padeciam, espaços de exclusão.

De acordo com Carneiro (2000), podemos perceber que tais espaços sempre existiram histórica e socialmente. O autor fala da escalada da desrazão envolvendo grandes enfermidades da história, partindo da loucura até chegar à aids – a nova desrazão da humanidade – passando pela lepra, sífilis, peste negra, tuberculose e câncer. Cada uma dessas enfermidades carrega consigo uma ameaça (uma desrazão) que repercute socialmente no espaço de cidadania, tendo como resposta o rechaço ao enfermo. O rechaço é construído frente à inobservância do indivíduo diante dos limites do prazer e da dor e da idéia de que o sujeito nasce potencialmente com saúde e pode desperdiçar esse “capital” de acordo com sua conduta.

A aids aparece como geradora de uma nova desrazão na medida em que exige saídas subjetivas frente à ameaça de morte. Uma imunodeficiência adquirida supõe uma forma de transgressão empregada, um rompimento com o ideal de saúde. Tamanha desrazão só pode ser concebida se pensada como vinda de um “estranho”, que insere a deficiência da saúde na sociedade. O “estranho” é o homossexual, protótipo de ameaça à saúde (Carneiro, 2000).

Em 1985 tem início à segunda fase de reações à epidemia de aids descrita por Galvão (2000), período esse que vai até 1991 e é caracterizado pela criação das primeiras organizações. É um período de grandes transformações tanto para o cenário político brasileiro quanto para o cenário da aids no Brasil. Os primeiros anos são chamados “heróicos”, por

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envolverem uma diversidade de iniciativas, muitas estruturadas mais em atuações pessoais que institucionais. São criadas entidades voltadas para as dimensões sociais da epidemia de aids, como o GAPA (Grupo de Apoio e Prevenção à Aids) em 1985 em São Paulo, motivado pela discriminação, pelo preconceito e pelo aumento do número de casos registrados (Galvão, 2000). No que diz respeito a atitudes governamentais, é criado em 1986 o Programa Nacional de DST (Doenças Sexualmente Transmissíveis) e Aids (Brasil, 2007).

Ao mencionarmos aspectos econômicos e políticos e a importância dos mesmos nas ditas respostas sociais à epidemia de aids, algumas considerações devem ser feitas. O Brasil é um país no qual coexistem endemias da vida rural, acentuadas pelo subdesenvolvimento econômico, e doenças típicas de uma sociedade contemporânea, industrializada, ou seja, é um país marcado pela desigualdade social. Soma-se a isto o fato de na época do início da endemia o país estar saindo de duas décadas de regime autoritário (1964 – 1984) e tentando dar seus primeiros passos em direção ao restabelecimento da democracia. Por isso, não causou espanto a culpabilização, recriminação e suspensão do direito à cidadania dos doentes de aids (Daniel, Parker, 1990).

Nos Estados Unidos, já em 1981 as autoridades de saúde pública manifestam preocupações com os rumos da epidemia (Brasil, 2007). Além disso, as políticas de prevenção foram fortemente impulsionadas pelas comunidades gays, responsáveis pelo desenvolvimento gradual de uma noção de risco(Parker, 1990).

No Brasil, apenas de 1985 para 1986 a aids é reconhecida como problema de saúde pública. Isso se deve ao fato de a epidemia de aids ser até então considerada pelas autoridades como um problema secundário se comparado às questões sanitárias estatisticamente mais significativas (Daniel, Parker, 1990). Cabe destacar ainda, que não se pôde contar inicialmente no Brasil com o auxílio de uma comunidade gay estruturada que pudesse impulsionar políticas de prevenção. No que diz respeito ao movimento homossexual no Brasil, é preciso lembrar que se trata de um

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cenário composto por uma diversidade ímpar de subculturas e personagens sexuais, no qual se falava na época mais em liberdade sexual do que em cuidado (Parker, 1990).

Pode-se dizer então que essa diversidade de subculturas e personagens sexuais somadas à desigualdade social do país tenham dificultado o estabelecimento de uma identidade homossexual e a estruturação de movimentos e/ou comunidades gays no Brasil. No entanto, Parker (1990) fala da constituição de uma subcultura de “entendidos” nas grandes cidades, que é aberta, móvel e flexível; organizada principalmente em torno dos desejos e das práticas sexuais entre parceiros do mesmo sexo. Com a criação da primeira organização não-governamental (ONG) brasileira (GAPA) o trabalho de informação e prevenção da sociedade civil brasileira começa a ser feito de forma mais sistematizada, ganha dimensão nacional (Galvão, 2000) e passa a ser impossível ignorar a “Aids brasileira” (Daniel, 1990).

Ainda na segunda fase de reações à epidemia merecem destaque em 1985 o aparecimento das casas de apoio e do atendimento domiciliar como novas formas de abordagem da epidemia, e a caracterização dos comportamentos de risco no lugar de grupo de risco; em 1986, as associações de hemofílicos no Rio de Janeiro e em São Paulo; em 1987, a entrada da aids na agenda de outras instituições (predominantemente religiosas); em 1988, a criação do Sistema Único de Saúde (SUS); em 1989, com a entrada em cena de grupos de portadores da doença, os discursos passam a enfocar não somente prevenção, mas as pessoas vivendo com aids (Brasil, 2007; Galvão, 2000).

Em 1990-1991 inicia-se um período marcado por modificações no cenário brasileiro nas respostas frente à epidemia. Em função de um cenário político conturbado por conta do governo Collor, ocorrem mudanças no Ministério da Saúde e no Programa Nacional de Aids, paralelamente a um acentuado aumento no número de casos oficialmente notificados como aids. No entanto, apesar da instabilidade política e econômica, é um período de novas iniciativas frente à epidemia no país, como a maior participação dos

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movimentos sociais de mulheres e profissionais do sexo. O período que vai de 1991 a 1996 é o caracterizado como terceira fase de reações frente à epidemia de aids, descrito como o período em que os poderes públicos intervêm para coordenar e controlar as diferentes iniciativas, no qual é feita a implementação de um novo modelo de gestão da epidemia de HIV/Aids (Galvão, 2000). A gestão pública da epidemia da aids e a formulação de políticas merecem ser examinadas mais detidamente.

No Brasil a construção das políticas de saúde foi fortemente impulsionada pela reforma sanitária, que tinha como objetivo principal a democratização da saúde. Com a constituição de 1988 a saúde pública passa a ser domínio estatal, reaparece em um momento de contradições e conflitos, de insatisfações, de questões não-respondidas e decisões não adotadas. No entanto, a saúde pública como parte do aparelho estatal não se reduz às suas formas de objetivação, por meio das instituições pelas quais se destaca no cotidiano. A estrutura que a determina permanece oculta e representa nada mais que um exercício de dominação (Massako, 1993).

Segundo Massako (1993), a saúde assume em determinado momento histórico um valor fundamental para a sobrevivência do homem, já que dela depende seu sustento e a manutenção dos meios de produção capitalistas. Nesse sentido, a saúde pública origina-se como prática social e resulta da contradição fundamental entre capital e trabalho.

“Assim, é na negação das contradições sociais (que determinam o aparecimento das doenças), na impossibilidade de solucionar os problemas geradores de doença e, portanto, de proporcionar saúde, que a Saúde Pública se afirma como possibilidade" (Massako, 1993, p.21).

As decisões e análises em políticas públicas implicam em questões como quem ganha o quê, por quê e que diferença faz, sendo enfatizado o papel da política pública na solução de problemas. É certo que existe um embate em torno de idéias e interesses, não só governamentais, mas que

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depois de desenhadas e formuladas as políticas públicas se desdobram em planos, projetos, bases de dados, sistemas de informação e grupos de pesquisa (Souza, 2007).

Capella (2007) apresenta alguns modelos teóricos que auxiliam na compreensão do processo de formulação das políticas públicas, dentre eles o modelo norte-americano dos três fluxos, desenvolvido por Kingdon (2003 apud Capella, 2007). Segundo o autor, para que questões sociais ou de saúde pública passem a ser alvo de políticas públicas elas devem transformar-se em problemas, e isso não acontece automaticamente. Os problemas são construções que envolvem interpretação sobre a dinâmica social, são representados por meio de indicadores, eventos, crises e símbolos que relacionam questões a problemas.

As soluções, por sua vez, não são necessariamente desenvolvidas para solucionar os problemas, são aquelas tecnicamente viáveis, que representam valores compartilhados e que contam com o consentimento público e a receptividade dos formuladores de políticas com maiores chances de chegar à agenda governamental. No entanto, para que uma política chegue a ser efetivamente desenvolvida é preciso que haja um “solo fértil” para problemas e soluções. O “clima nacional”, forças políticas organizadas e mudanças no governo são fatores que afetam a agenda, sem contar na importância das idéias e estratégias. Entre os atores envolvidos nesse processo merecem ser citados o presidente e outros representantes governamentais, os grupos de interesse e a mídia (Kingdon, 2003 apud Capella, 2007).

Na medida em que deixa de representar uma ameaça apenas para determinados grupos sociais e passa a ser efetivamente considerada uma epidemia social, a aids representa um problema, e as soluções viáveis passam a ser buscadas e apontadas por grupos de interesse e forças governamentais. A partir da década de 90, o Ministério da Saúde buscou implementar uma agenda de políticas de saúde, influenciado pela trajetória prévia da política da saúde, pelas diretrizes da reforma sanitária brasileira e por influência das preocupações e interesses dos dirigentes em interface

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com vários movimentos e atores sociais. Dentre as políticas priorizadas está a política de combate à aids (Machado, 2006).

A priorização da política de combate à aids foi favorecida pelos movimentos sociais e ONGs ligadas à aids na construção da política, na pressão e na crítica às estratégias governamentais ou à ausência delas, envolvendo relações de conflito e parceria com o Estado (Machado, 2006). O fato de a aids passar a ser encarada como uma doença que veio pra ficar fez com as ONGs deixassem de atuar como “bombeiros” e passassem a priorizar ações e projetos específicos. Para a execução de tais projetos foi de fundamental importância os dois convênios com o Banco Mundial, vigentes entre 1994 e 2002, cujos recursos eram a principal fonte de fundos para os programas de aids e foram direcionados para a remuneração das atividades das organizações (Galvão, 2000; Machado, 2006).

A entrada de agências financiadoras como o Banco Mundial se deu em função de mudanças no cenário internacional de cooperação, que também acarretou mudanças significativas no cenário nacional. Dentre elas os cortes dos orçamentos das agências, a noção de que a aids é uma epidemia que está se pauperizando e com isso necessitando de recursos maiores, a queda do muro de Berlim e a definição da Europa Oriental como uma nova região em desenvolvimento e as guerras na Europa e África que redirecionaram as prioridades das agências, o que fez com que a aids gradativamente deixasse o campo da “ajuda humanitária” e passasse a ser fruto de empréstimos (Galvão, 2000).

Começam a ganhar destaque os projetos de prevenção, que visavam motivar as pessoas a modificarem comportamentos de risco. Tais projetos tornaram-se fundamentais na medida em que o crescimento do conhecimento médico-científico acerca da aids não foi acompanhado de redução do número de novos casos (Galvão, 2000). Inúmeros esforços vêm sendo então empreendidos no sentido de que esses projetos atinjam todos os grupos e classes sociais, promovendo conscientização acerca dos comportamentos de risco e medidas de prevenção.

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Dentre as iniciativas brasileiras destacam-se o Programa Nacional de AIDS e o Projeto de Controle de AIDS e DSTs, também conhecido como AIDS I, ou Projeto do Banco Mundial. O AIDS I foi fruto de um acordo firmado entre o Brasil e o Banco Mundial em 1992 e executado pelo Ministério da Saúde por meio do Programa Nacional de AIDS. A execução do AIDS I promove mudanças no país no que diz respeito a ações governamentais e não-governamentais direcionadas à epidemia da aids, há um aumento do recurso financeiro disponível no país para desencadear ações frente à epidemia, um crescimento do número de ações e instituições que passaram a desenvolver projetos, e destaca-se ainda o papel de liderança desempenhado pelo Programa Nacional regionalmente, trazendo ainda, maior visibilidade nacional e internacional para o Programa Nacional de AIDS. No caso do Brasil o Programa Nacional de AIDS ficou formalmente integrado às DSTs (Galvão, 2000).

O conceito de vulnerabilidade também está bastante presente nas ações e políticas de saúde e foi sendo desenvolvido desde o início da epidemia até os nossos dias a partir dos limites sentidos na forma de tratar a aids e sua exposição. Nessa perspectiva, o trabalho não se resume apenas a passar informação, mas a contribuir para tornar as pessoas capazes de identificar suas próprias necessidades e ter possibilidades de dispor do conhecimento, na forma em que quiserem e puderem, para ajudarem a si e aos outros frente à epidemia (Ayres, 2000).

Políticas de saúde de combate à aids vêm articulando prevenção e tratamento nos diversos níveis, incluindo a distribuição pública de todos os medicamentos ARV necessários aos pacientes com indicação terapêutica (Machado, 2006). Por isso, além dos governos, da sociedade civil e de organismos do sistema das Nações Unidas, a indústria farmacêutica também teve grande importância no estabelecimento de respostas frente à epidemia. Primeiramente eram distribuídos os medicamentos para as infecções oportunistas e depois, com o advento da terapia ARV, passaram a ser distribuídos também os ARVs. Tal distribuição totalmente arcada pelo Tesouro Nacional, com auxílio dos empréstimos do Banco Mundial ao Brasil.

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Vem ganhando importância também a produção nacional de medicamentos, tida como uma estratégia fundamental para reduzir o custo dos medicamentos e viabilizar a manutenção do programa de distribuição. Atualmente são produzidos no Brasil oito dos dezessete medicamentos ARVs (Brasil, 2007; Galvão 2002).

Desde o início de 2001 a política brasileira de ARVs vem apresentando aspectos inovadores e ganhando visibilidade internacional, não somente pela distribuição gratuita e universal dos medicamentos, mas pelo incentivo à produção nacional e ainda, por proposições contundentes com relação à possibilidade da quebra de patentes, ou licenciamento compulsório, de alguns medicamentos. No entanto, apesar de esforços mundiais no sentido de prevenção e conscientização com relação a HIV/Aids, ainda não foi possível encontrar uma solução que consiga equacionar justiça social e direitos humanos com as leis de mercado e os interesses transnacionais e a epidemia está cada vez mais relacionada com pobreza e sendo apontada como fator de desestabilidade por alguns países, sobretudo os africanos (Galvão, 2002).

Ao que tudo indica o exercício de dominação oculto na estrutura das ações de saúde pública (Massako, 1993) continua presente e os objetivos de democratização da saúde almejados pela reforma sanitária dos anos 80 e 90 ainda estão por serem completamente atingidos, ou não. Constatações como essas podem ser observadas entre as tendências e problemáticas atuais da epidemia de aids.

É estimado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) que em todo o mundo cerca de 2,5 milhões de adultos e 1 milhão de crianças têm aids e que, cerca de 30 milhões estão infectados com o HIV (Sadock, Sadock, 2007). A aids é a principal causa de morte na África subsaariana, e a quarta causa no mundo todo (Lewi et al., 2003).

Na América Latina, o Brasil é o país mais afetado pela epidemia de aids, estima-se que cerca de 1,8 milhão de pessoas vivam com o HIV nessa Região, e um terço delas encontra-se no Brasil. Cerca de 60% dos casos

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notificados são associados a alguma forma de contato sexual (Dourado et al., 2006).

Desde a identificação do primeiro caso de aids no Brasil em 1980 até junho de 2006 foram registrados 433 mil casos de aids. Até metade da década de 90 a taxa de incidência foi crescente, chegando a cerca de 19 casos de aids para cada 100 mil habitantes. Segundo informações do Programa Nacional de DST e aids estima-se que 600 mil pessoas no Brasil vivam hoje com o HIV ou já tenham desenvolvido a aids. Atenta-se ainda para o fato de que o HIV entra no organismo humano e pode ficar incubado por muitos anos sem que o indivíduo apresente nenhum sintoma ou sinal de doença. Esse período gira em torno de oito anos (Brasil, 2007).

A partir de meados dos anos 90 percebem-se algumas mudanças nas tendências iniciais de contágio e transmissão da epidemia de aids no Brasil, que começa a se disseminar entre heterossexuais, atualmente a subcategoria de exposição sexual com maior número de casos notificados. Como conseqüência, a incidência de aids aumentou rapidamente entre as mulheres, e com isso, aumentou também a taxa de transmissão vertical (de mãe para filho). Observa-se ainda um aumento do número de casos entre os segmentos da sociedade com menor nível de escolaridade e baixa condição socioeconômica, bem como uma interiorização da epidemia no país (Dourado et al., 2006; Moraes et al., 2006).

Alguns dados da evolução da epidemia de aids no Brasil podem ser verificados na Tabela 01. Chama atenção o aumento na taxa de incidência entre mulheres e heterossexuais, o que nos leva a considerar que falar hoje na existência de “grupos de risco” tornou-se uma idéia bastante questionável diante dos novos rumos da epidemia. Um importante fator para uma mudança qualitativa na epidemia de aids foi o surgimento de drogas ARVs.

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Tabela 01: Evolução da epidemia de aids no Brasil

Categoria de transmissão Década de 1980 2004

Homossexual 36,6* 9,4*

Bissexual 16,8 6,5

Heterossexual 6,9 61,5

Transfusão 3,8 0,3

Hemofilia 2,8 0,07

Usuários de drogas injetáveis 15,8 9,9

Ignorada 15,5 12,1

Transmissão vertical 1,6 0,2

Relação homem/mulher 7,3 1,72

Coeficiente de incidência por 100 mil habitantes 0,4 a 4,0 18,4

Número de drogas anti-retrovirais disponíveis no país 0 16 Fonte: Moraes et al., 2006; p. 375

* (% do total de diagnósticos no período)

O alto índice de morbidade e mortalidade no início da epidemia colocou a aids desde seu aparecimento como um urgente problema de saúde pública. Diversos desafios se colocaram à humanidade desde então: científicos, sociais, físicos, emocionais e profissionais. Ao longo desses quase 27 anos vivenciaram-se fases distintas: período de desconhecimento da etiologia e modos de transmissão, período de identificação do vírus, da determinação de fatores e comportamentos de risco, do aprimoramento de testes laboratoriais e da necessidade de revisão de normas de biossegurança e de direitos humanos (Gir et al., 2005).

Em 1986 surge o primeiro ARV, medicamento capaz de interferir na multiplicação do vírus HIV no organismo. Mas foi a partir de 1996 que foi proposta a associação ou combinação de drogas ARV, o chamado “coquetel”. Foi essa terapia medicamentosa que proporcionou condições para que a aids passasse a ser considerada uma doença crônica, e não mais uma sentença de morte. A partir de então, com a distribuição universal dos medicamentos ARV, ou seja, a distribuição gratuita para todos os indivíduos que necessitam do tratamento de aids houve um aumento na

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sobrevida e uma melhora na qualidade de vida das pessoas vivendo com o HIV (Gir et al., 2005).

Segundo dados de junho de 2005, cerca de 161 mil pessoas têm recebido tratamento de aids fornecido pelo Ministério da Saúde e distribuído na rede pública. Com a introdução da terapia ARV, a qualidade do tratamento de pessoas vivendo com HIV/Aids aumentou. Como conseqüências, nos últimos anos têm sido observadas importantes diminuições no número de internações hospitalares, na ocorrência de complicações oportunistas e na mortalidade associada ao HIV. Entre os anos de 1995 a 1999, houve uma queda de aproximadamente 50% na taxa de óbitos entre homens no país. Já o número de internações por doenças oportunistas, como tuberculose, foi reduzido em 80%. Esses progressos também estão relacionados à melhoria no cuidado clínico e a alguns aspectos epidemiológicos, mas principalmente ao papel da terapia combinada (Brasil, 2007).

No entanto, como será mostrado no capítulo 4, apesar das evidentes melhorias à saúde dos pacientes soropositivos com a terapia ARV adesão a esse tratamento medicamentoso parece ser um tanto complexa para uma parcela significativa desses pacientes, o que faz surgir uma nova problemática no contexto HIV/Aids.

Diante dessa problemática vemos aparecer Políticas Públicas de Saúde e iniciativas como, por exemplo, o estabelecimento recente das "Diretrizes Nacionais para Fortalecer as Ações de Adesão ao Tratamento Anti-retroviral". Promover adesão ao tratamento transcende a simples ingestão de medicamentos, e deve ser compreendida de forma mais ampla, incluindo ações que promovam a mobilização social como forma de enfrentar preconceitos e discriminações, o estabelecimento de vínculo com a equipe de saúde, o acesso à informação, o acompanhamento clínico-laboratorial, a adequação aos hábitos e necessidades individuais e o compartilhamento das decisões relacionadas à própria saúde, inclusive para pessoas que não fazem uso de terapêutica ARV (Brasil, 2007).

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3. O paciente com HIV/Aids

Diversos são os aspectos a serem considerados quando se pensa no paciente com a infecção pelo HIV ou com aids. Além das esperadas e temidas implicações para a saúde física, o paciente se depara ainda com sérias implicações sociais e psicológicas.

Os aspectos sociais, as manifestações clínicas e o tratamento do paciente com HIV/Aids serão brevemente abordados, dando maior enfoque para as manifestações psiquiátricas e neuropsiquiátricas, pois são as com maiores implicações psicológicas e que vão de encontro com os objetivos deste estudo.

3.1. Aspectos sociais

Os aspectos sociais do paciente com HIV/Aids estão fortemente vinculados às respostas sociais ao HIV e à maneira como elas foram sendo construídas na sociedade, conforme descrito no capítulo anterior. A noção de aids como uma “doença do outro” acabou promovendo socialmente a eleição de culpados, que em função da ameaça que representavam para a maioria inocente foram sendo estigmatizados e colocados numa situação de isolamento social, em espaços de exclusão (Carneiro, 2000; Daniel, Parker, 1990).

Embora esses sujeitos, ditos sem direitos, tenham reagido e influenciado o desenvolvimento de iniciativas governamentais de saúde pública, participado diretamente de ações de prevenção e conscientização acerca do HIV e da aids, hoje, os pacientes com HIV/Aids ainda carregam a marca do preconceito. As representações sociais passaram por algumas transformações, a idéia de grupo de risco aos poucos deu lugar às idéias de comportamento de risco e de vulnerabilidade. No entanto, os pacientes com HIV/Aids ainda relatam temores com relação à revelação de seu diagnóstico, ainda se envergonham socialmente, pois contraíram o vírus em decorrência de um comportamento inadequado (Brasil, 2007; Daniel, Parker, 1990). É

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bastante comum no discurso desses pacientes o medo do preconceito, sentimentos de culpa e impotência diante do adoecimento e a falta de suporte afetivo e social.

Ainda com relação aos aspectos sociais envolvendo o paciente com HIV/Aids, é preciso lembrar que a doença é muitas vezes acompanhada por situações instáveis de vida, como pobreza, rejeição e problemas no trabalho. Sem contar as impossibilidades e restrições às quais muitos pacientes acabam se submetendo nos estágios avançados da doença, quando por vezes perdem até sua independência física (Rachid, Schechter, 2004). E que valor social cabe a um indivíduo que não produz sequer o próprio sustento?

3.2. Manifestações clínicas

A história natural da infecção pelo HIV caracteriza-se por uma progressiva imunodeficiência e várias infecções causadas por patógenos agressivos comuns em indivíduos imunocompetentes. Sendo assim, a infecção pelo HIV é caracterizada por um espectro de problemas que vão desde uma fase inicial até uma fase avançada, com manifestações clínicas que vão se tornando mais complexas e atípicas na medida em que a infecção progride. Para fins didáticos a infecção pelo HIV foi subdividida em fase aguda, também conhecida como síndrome de soroconversão; fase assintomática e fase sintomática. Na ausência de intervenção terapêutica a média de progressão da fase aguda até a sintomática é de cerca de 10 anos (Rachid, Schechter, 2004).

As manifestações clínicas incluem manifestações respiratórias, pneumopatias, afecções do trato digestivo, gástricas, hepatobiliares, pancreatite, afecções intestinais, colorretais e anorretais, manifestações ginecológicas, neurológicas, otorrinolaringológicas, oftalmológicas, dermatológicas, hematológicas, cardíacas, urinárias e distúrbios eletrolíticos, endócrinas, reumáticas, articulares e ósseas (Rachid, Schechter, 2004).

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A infecção aguda pelo HIV está presente em cerca de 40 a 90% dos casos como uma doença sintomática transitória associada a altos níveis de replicação do vírus (Eira, 2008). Na maioria dos casos o diagnóstico passa despercebido, mas o paciente pode apresentar sintomas que vão desde uma síndrome gripal, com febre e mialgia até uma síndrome que se assemelha à mononucleose. Também conhecida como infecção primária, a infecção aguda pode ser caracterizada tanto por viremia elevada, como por resposta imune intensa. Durante o pico de viremia, ocorre diminuição rápida dos linfócitos T-CD4, que posteriormente aumentam, mas, geralmente, não retornam aos níveis prévios à infecção. Após a resolução da fase aguda, ocorre a estabilização da viremia em níveis variáveis. Vários estudos indicam que há uma relação entre a intensidade da fase aguda e a velocidade de progressão da imunodeficiência, ou seja, quanto mais intensa for a fase aguda, mais rápida a progressão para aids (Brasil, 2007; Rachid, Schechter, 2004). Acredita-se que em cerca de 20 a 30% dos casos podem ocorrer sintomas de infecção aguda após a contaminação (Lewi et al., 2003).

Na fase assintomática o paciente não apresenta manifestações clínicas. O paciente pode ou não conhecer seu diagnóstico sorológico. É recomendável a coleta periódica de exames laboratoriais para acompanhamento da progressão da infecção e instituição de terapia ARV no momento adequado. Pode ser de fundamental importância nesta fase o acompanhamento psicológico do paciente e de familiares (Rachid, Schechter, 2004).

A presença de febre prolongada, perda de mais de 10% do peso corporal, diarréia persistente, com algumas alterações laboratoriais caracterizam o quadro complexo relacionado à aids, traduzindo a fase de estado de doença. Alguns indivíduos nesta fase já podem desenvolver sintomas neurológicos (Lewi et al., 2003).

A fase sintomática pode ser dividida em precoce e tardia. A fase precoce caracteriza-se por manifestações clínicas mais freqüentes em indivíduos com imunodeficiência em fase inicial, mas que também podem ocorrem em indivíduos imunocompetentes. A fase tardia é caracterizada

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pela ocorrência de infecções ou neoplasias que raramente afetam indivíduos imunocompetentes (Rachid, Schechter, 2004). As infecções oportunistas e as manifestações neoplásicas caracterizam o estágio final da doença e representam profundo comprometimento imune (Lewi et al., 2003).

Dentre as principais doenças oportunistas diagnosticadas em internações de pacientes na fase sintomática da doença temos a tuberculose, a pneumocistose (Pneumocystis carinii), infecções fúngicas recorrentes na pele, boca e garganta, diarréia crônica por Isóspora ou criptosporidium, diarréia crônica com perda de peso, neurotoxoplasmose, neurocriptococose, citomegalovirose, Sarcoma de Kaposi, entre outras (Brasil, 2007).

3.3. Manifestações psiquiátricas e neuropsiquiátricas

Algumas síndromes psiquiátricas clássicas, como os transtornos de ansiedade e depressão, são freqüentemente associadas a doenças relacionadas ao HIV. Tal associação evidencia-se no fato de a prevalência dos transtornos psiquiátricos mais graves na população infectada pelo HIV ser maior do que na população geral (Moraes et al., 2006). Sabe-se ainda que pelo menos 50% dos pacientes com HIV/Aids manifestam complicações neuropsiquiátricas, sendo que, em cerca de 10% deles tais complicações são o primeiro sinal da doença (Sadock, Sadock, 2007).

A associação entre transtornos psiquiátricos e a infecção pelo HIV pode relacionar-se ao maior risco de exposição ao HIV acarretado por alguns transtornos psiquiátricos, como o transtorno bipolar, por exemplo; às circunstâncias de vida frequentemente associadas ao diagnóstico do HIV, como perda de emprego, abandono ou desestruturação familiar; ou mesmo à reação ao diagnóstico, como culpa ou medo da dor e da morte. Por outro lado, os transtornos psiquiátricos podem ser resultantes da própria infecção pelo HIV, pela ação do mesmo no sistema nervoso central (SNC), pela ocorrência de doenças oportunistas ou mesmo pela ação de medicamentos utilizados no tratamento (Moraes et al., 2006).

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Sadock e Sadock (2007), analisando as características clínicas da aids, constatam a existência de fatores não-neurológicos e neurológicos no desenvolvimento de síndromes psiquiátricas associadas ao HIV. Os fatores não-neurológicos dizem respeito aos sintomas da infecção primária pelo HIV, e às complicações causadas pelas doenças oportunistas que aparecem em decorrência da evolução da doença. A importância de tais complicações reside no fato de implicarem em efeitos biológicos para as funções cerebrais do paciente, assim como em efeitos psicológicos nos estados de humor e ansiedade.

Entre os fatores neurológicos responsáveis pelo desenvolvimento de síndromes psiquiátricas associadas ao HIV encontram-se o transtorno neurocognitivo leve devido ao HIV e a demência associada ao HIV. Esta última é uma condição do tipo cortical ou subcortical e pode afetar cerca de 50% dos pacientes em algum grau. No entanto, ao se avaliar um paciente com sintomas neuropsiquiátricos é preciso atentar para o fato de que outras causas produzem sintomas semelhantes aos da demência e devem ser consideradas, como por exemplo, infecções e neoplasias do SNC, decorrente de doenças sistêmicas (oportunistas) e endocrinopatias, assim como respostas adversas do SNC a medicamentos (Sadock, Sadock, 2007).

Cabe destacar ainda a existência de uma multiplicidade de neuropatias periféricas relacionadas ao HIV (Sadock, Sadock, 2007), bem como o fato de que à terapia ARV podem associar-se diversas complicações neuropsiquiátricas, cujos sintomas são, por vezes, semelhantes àqueles da própria infecção pelo HIV (Rachid, Schechter, 2004). Pontuados os fatores envolvidos, segue breve descrição de algumas das principais síndromes psiquiátricas associadas ao HIV.

Também conhecida como “complexo cognitivo-motor ligado ao HIV” (CCMHIV), a demência caracteriza-se pelo comprometimento progressivo da cognição, do comportamento e da motricidade. O quadro clínico na fase inicial pode assemelhar-se a um transtorno depressivo. Estão entre os sintomas iniciais a lentificação dos processos mentais, esquecimento, perda da capacidade de concentração, diminuição da libido, apatia, inércia e perda

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de interesse no trabalho e no lazer, resultando em retração social; com a progressão o paciente torna-se cada vez mais comprometido e dependente até para as tarefas mais simples (Tabela 02). O exame neuropsicológico define qualitativa e quantitativamente as alterações cognitivas, sendo elemento fundamental para o diagnóstico (Moraes et al., 2006).

Tabela 02: Escala de graduação do complexo cognitivo-motor ligado ao HIV Gravidade da demência

Estágio 0 (Normal) – Funções mentais e motricidade normais

Estágio 0,5 (Subclínico) – Ausentes ou mínimos sintomas, sem incapacidade para o trabalho ou para atividades do cotidiano. Exame clínico pode ser normal ou com sinais discretamente anormais, que podem incluir aumento dos reflexos profundos ou discreta lentificação dos movimentos oculares, mas sem clara lentificação dos movimentos dos membros ou alteração de força e destreza.

Estágio 1 (Leve) – Capaz de desempenhar atividades mais simples no trabalho ou no cotidiano, mas com inequívoca evidência de alteração intelectual ou motora (incluindo sintomas ou sinais obtidos por meio de avaliação neuropsicológica).

Estágio 2 (Moderado) – Capaz de desempenhar apenas as atividades mais simples do cotidiano, como os cuidados pessoais. Incapaz para o trabalho.

Estagio 3 (Grave) – Maior incapacidade intelectual ou motora. Incapaz de acompanhar notícias ou manter uma conversação mais complexa. Desempenho lentificado.

Estagio 4 (Terminal) – Interlocução rudimentar, por alteração tanto da compreensão quanto da expressão. Quase mutismo ou mutismo absoluto.

Fonte: Moraes et al., 2006, p.382

Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - DSM IV-TR (apud Sadock, Sadock, 2007) o diagnóstico de demência devido ao HIV é feito quando há presença de demência que se julga ser conseqüência fisiopatológica direta da doença pelo HIV. Na Classificação estatística Internacional de Doenças e problemas relacionados à saúde -CID-10 (apud Sadock, Sadock, 2007), a demência associada ao HIV é descrita brevemente entre as doenças orgânicas (Sadock, Sadock, 2007). Ou seja, os quadros de demência são associados à ação direta do HIV no SNC.

Os quadros demenciais são mais comuns em pacientes em fases avançadas da infecção pelo HIV e que não estão em uso da terapia ARV (Rachid, Schechter, 2004). Estudos mostram que em pacientes em uso da terapia ARV houve diminuição da incidência de quadros demenciais, pois já existem disponíveis drogas ARV com boa penetração no SNC. Naqueles com comprometimento neuropsiquiátrico a terapia ARV é capaz de promover

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um incremento na qualidade de vida, com um aumento da velocidade de processamento do pensamento nesses pacientes (Parsons et al., 2006). No entanto, nos deparamos constantemente na prática clínica com pacientes que, mesmo em tratamento regular com ARVs e com bons parâmetros laboratoriais de resposta, apresentam sintomas que indicam síndrome demencial em progressão.

Os estados de delirium são caracterizados tanto por aumento quanto por redução da atividade e não são descritos unicamente em pacientes HIV. No caso dos pacientes HIV esse estado pode ser decorrente das mesmas causas que levam à demência e é frequentemente subdiagnosticado (Sadock, Sadock, 2007).

O delirium é caracterizado por alteração no nível de consciência, dificuldade de focalizar ou manter a atenção e desorientação espaço-temporal, representando uma disfunção aguda no SNC, com mais freqüência observada nos pacientes hospitalizados, sendo incomum sua manifestação na fase assintomática da infecção pelo HIV. A demência relacionada ao HIV e outras afecções do SNC tornam o paciente mais vulnerável ao delirium (Moraes et al., 2006).

Todos os indivíduos de maneira geral experimentam ansiedade em determinadas situações ou contextos. É uma sensação difusa, desagradável e vaga de apreensão, por vezes acompanhada de sintomas autonômicos como cefaléia, taquicardia, aperto no peito, sudorese, inquietação e mal-estar epigástrico. Na medida em que serve como sinal de alerta para um perigo eminente a ansiedade pode até ser considerada adaptativa. No entanto, passa a ser considerada patológica se interfere no desenvolvimento normal do indivíduo, caracterizando-se por uma resposta inadequada a um estímulo ou percepção em função de sua intensidade ou duração (Cabrera, Sponholz Jr., 2006; Sadock, Sadock, 2007).

O DSM IV-TR (apud Sadock, Sadock, 2007) lista doze transtornos de ansiedade. Os Transtornos de ansiedade generalizada, de estresse pós-traumático e o obsessivo-compulsivo são particularmente comuns em pacientes HIV. Condições pré-mórbidas, antecedentes psicossociais e

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situações de diagnóstico são fatores comummente associados à manifestação desses transtornos em pacientes com a infecção pelo HIV (Moraes et al., 2006). Seguem breves descrições dos principais transtornos de ansiedade que acometem os pacientes com a infecção pelo HIV, lembrando que existem variações interpessoais na manifestação dos sintomas em cada um desses diagnósticos.

O transtorno de ansiedade generalizada é caracterizado por uma ansiedade e preocupação excessivas sobre vários acontecimentos e atividades na maior parte dos dias. A preocupação é difícil de ser controlada e normalmente está associada a sintomas somáticos como tensão muscular, irritabilidade, insônia ou dificuldade para dormir e inquietação (Sadock, Sadock, 2007).

O transtorno de estresse pós-traumático é uma condição de forte ansiedade que se desenvolve após o indivíduo ver, ouvir ou ser envolvido por um estressor traumático extremo. O indivíduo reage com medo e impotência e revive de forma persistente o acontecimento, tentando evitar lembrar-se dele. Tais sintomas afetam de forma significativa a vida pessoal e profissional do indivíduo (Sadock, Sadock, 2007).

As principais características do transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) são obsessões ou compulsões recorrentes, suficientemente graves para causarem sofrimento notável no indivíduo. A obsessão é um pensamento, sentimento, idéia ou sensação recorrente e intrusiva. A compulsão é um comportamento consciente, padronizado e recorrente, como verificar, contar ou evitar. Tanto a obsessão quanto a compulsão consomem tempo e interferem de modo significativo na rotina de vida do indivíduo (Sadock, Sadock, 2007).

Outra manifestação comum no paciente com HIV/Aids é a insônia. A insônia nesse paciente é comummente causada por ansiedade, preocupações referentes à doença, ao tratamento, ao prognóstico e ao futuro e menos freqüentemente associada a distúrbios primários do sono. Distúrbios do sono por um período prolongado podem acarretar alterações

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do curso do pensamento, da concentração e da memória, irritabilidade e redução do tempo de resposta a estímulos (Rachid, Schechter, 2004).

A insônia é freqüentemente um sintoma secundário, devendo-se pensar primariamente na possibilidade da existência de quadros psiquiátricos ou neuropsiquiátricos decorrentes da infecção pelo HIV ou ainda em efeitos colaterais dos medicamentos ARV (Moraes et al., 2006).

Os transtornos da adaptação são reações mal-adaptativas transitórias decorrentes de um estressor psicossocial. A natureza e a gravidade dos estressores variam, sendo com maior freqüência eventos da vida cotidiana, como a perda de um ente querido ou situação financeira difícil, por exemplo, do que eventos raros e catastróficos. São descritas reações nas quais predominam humor depressivo, ansiedade, depressão e ansiedade, perturbação da conduta e ainda, perturbação mista da conduta e das emoções. As reações de ajustamento na CID-10 são subdivididas de acordo com sua duração e com os sintomas predominantes. O transtorno da adaptação com ansiedade ou humor depressivo tem sido relatado em 5 a 20% dos pacientes HIV (Sadock, Sadock, 2007). Se considerarmos o diagnóstico da infecção pelo HIV como um estressor psicossocial bastante significativo na vida de qualquer indivíduo, a alta incidência dos transtornos de adaptação/ajustamento nos pacientes HIV positivos estaria de antemão justificada.

A incidência de transtorno depressivo entre pacientes HIV, por sua vez, é a complicação psiquiátrica descrita com mais freqüência, podendo variar de 4 a 40%. É descrito como um transtorno do humor tanto na CID-10 quanto no DSM IV-TR. Os transtornos do humor englobam um grande grupo de transtornos em que o humor patológico e perturbações associadas dominam o quadro clínico. Dentre os principais transtornos temos o episódio depressivo maior e menor em graus leve, moderado e grave e o transtorno depressivo recorrente. Humor deprimido, diminuição do interesse ou prazer na maior parte das atividades, perda ou ganho significativo de peso, insônia ou hipersonia, sentimento de inutilidade ou culpa excessivos, diminuição da

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concentração e ideação suicida são sintomas freqüentemente associados aos transtornos depressivos (Sadock, Sadock, 2007).

A depressão pode estar associada ao acaso com a infecção pelo HIV ou ser precipitada por ela em indivíduos com predisposição. São fatores comummente associados ao transtorno depressivo nesses pacientes as questões psicossociais associadas à doença, as afecções primárias ou secundárias do SNC causadas pelo HIV, anemia ou distúrbios metabólicos e endócrinos, dor crônica, infecções sistêmicas e o uso de substâncias psicoativas. No diagnóstico diferencial devem ser consideradas as reações de ajustamento ou adaptação, os episódios depressivos de variável intensidade, distimia, transtornos mentais orgânicos e de personalidade (Moraes et al., 2006).

Transtornos de humor com manifestações maníacas, com ou sem alucinações, com delírios ou alterações de pensamento podem afetar qualquer estágio da infecção pelo HIV, mas são mais comuns nos estágios terminais, normalmente complicados por comprometimento neurocognitivo (Sadock, Sadock, 2007). Os sintomas mais comuns de mania são insônia, irritabilidade, idéias de grandeza, fala logorréica, fuga de idéias, agitação psicomotora e envolvimento excessivo em atividades como compras e negócios sem avaliação das conseqüências. No diagnóstico diferencial deve-se considerar que quadros maníacos podem resultar de afecções no SNC, particularmente nas fases mais avançadas da infecção pelo HIV (Moraes et al., 2006).

O abuso de drogas é freqüente entre os portadores do HIV e não apenas entre os usuários de drogas injetáveis que contraíram o vírus por meio dessa prática, mas também, por aquelas pessoas infectadas que consomem ou consumiram outros tipos de drogas no passado e que passam a consumi-las para lidar com a depressão e ansiedade (Sadock, Sadock, 2007). O uso de álcool e substâncias psicoativas pode interagir negativamente com o tratamento ARV, provocando efeitos adversos ou ainda, comprometendo a adesão ao tratamento, pois um indivíduo sob efeito

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dessas substâncias pode além de descuidar-se das doses e horários, expor-se a práticas expor-sexuais inexpor-seguras (Rachid, Schechter, 2004).

Ideação e tentativas de suicídio são frequentemente relatadas por pacientes em diversas fases da infecção pelo HIV. Por isso, deve-se atentar para mensagens indiretas de ideação suicida, história de acidentes envolvendo o paciente e abandono ou irregularidades no tratamento que podem ser indícios de impulsos autodestrutivos (Moraes et al., 2006).

Dentre os fatores de risco destacam-se tentativas prévias ou presença de planos de suicídio, quadros depressivos moderados a graves, história pessoal ou familiar de quadros depressivos ou outros transtornos mentais, ter amigos ou conhecidos que morreram de aids, diagnóstico recente, questões sociais difíceis e/ou relacionadas à homossexualidade, apoio social e financeiro inadequados ou insatisfatórios e a presença de demência ou delirium (Moraes et al., 2006; Sadock, Sadock, 2007).

Sintomas psicóticos em pacientes com HIV/Aids são a princípio considerados secundários e normalmente mais comuns decorrentes de complicações em estágios terminais da doença, necessitando de avaliações médica e neurológica imediatas, bem como por vezes de medicamentos antipsicóticos. O termo psicótico é frequentemente usado para se referir a um indivíduo com amplas limitações no teste de realidade, podendo ser utilizado tanto para descrever um comportamento num determinado momento, quanto para descrever um transtorno mental. Tais limitações são observadas por meio de sintomas como delírios, alucinações, confusão e perda de memória, ou ainda, retraimento social e incapacidade de cumprir papéis domésticos e ocupacionais (Sadock, Sadock, 2007).

Os transtornos psicóticos em pacientes com HIV podem ser resultantes de uma psicose primária, de sintomas de intoxicação ou abstinência de drogas ou abuso de medicamentos, da ação direta do HIV no SNC em indivíduo predisposto ou de complicações orgânicas, incluindo quadros demenciais ou infecções secundárias do SNC decorrentes do HIV. A abordagem clínica das alterações mentais pontuadas é fundamental não somente para a melhora na qualidade de vida dos pacientes infectados pelo

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HIV, mas também é estratégica para garantir boa adesão aos esquemas anti-retrovirais, condição essencial ao sucesso terapêutico da infecção pelo HIV (Moraes et al., 2006).

3.4. Tratamento

A principal intervenção terapêutica para os pacientes com HIV/Aids é a terapia ARV combinada, o “coquetel”, que é iniciada baseada em parâmetros laboratoriais específicos e na fase da infecção. Na maioria dos pacientes assintomáticos a terapia ARV é capaz de reduzir rapidamente a carga viral plasmática, desde que corretamente administrada (Rachid, Schechter, 2004). Esse tratamento visa o combate específico ao HIV e o controle das diversas infecções oportunistas que acometem o paciente com deficiência imunológica grave (Lewi et al., 2003).

Atualmente existem disponíveis dezessete medicamentos ARV, que são distribuídos gratuitamente pelo SUS. As drogas ARV atuam diretamente nas células infectadas e inibem a reprodução do HIV no sangue em diferentes fases. São classificadas em inibidores da transcriptase reversa análogos nucleosídeo - que atuam na enzima transcriptase reversa (responsável pela replicação do vírus) e incorporam-se assim à cadeia de DNA que o vírus cria, tornando essa cadeia defeituosa e impedindo que o vírus se reproduza; inibidores da transcriptase reversa não-análogos nucleosídeo – que por meio de uma alteração estrutural da enzima bloqueiam diretamente sua ação, multiplicação e o desenvolvimento da infestação no organismo; inibidores da protease – que impedem a produção de novas cópias de células infectadas com HIV e os inibidores de fusão, que impedem a entrada do vírus na célula (Brasil, 2007).

Para combater o HIV, é necessário utilizar pelo menos dois medicamentos de classes diferentes, que poderão vir combinados em um só comprimido. A maioria das pessoas toma de três a quatro medicamentos anti-retrovirais. Porém, muitos medicamentos não podem ser utilizados

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juntos, pois interagem entre si potencializando os efeitos tóxicos ou inibindo a sua ação (Brasil, 2007; Rachid, Schechter, 2004).

Como vimos anteriormente, a terapia ARV beneficiou os pacientes soropositivos com significativa redução da morbidade e mortalidade associadas ao HIV. No entanto, temores com relação à segurança em longo prazo das drogas ARV e o impacto negativo da lipodistrofia na qualidade de vida dos pacientes contribuem para arrefecer o entusiasmo pelo uso precoce da terapia ARV. Outra limitação, talvez a mais evidente, do tratamento é a incapacidade de erradicar a infecção e a freqüência com que falhas virológicas ocorrem na prática clínica. Tais falhas ocorrem principalmente em função da alta capacidade de replicação e mutação do HIV (Rachid, Schechter, 2004).

Uma importante questão referente ao tratamento é a da adesão ao mesmo. Sabe-se que se por um lado o tratamento se mostra complexo e intolerável para uma parcela significativa dos pacientes, por outro, a conduta de não-adesão traz sérias implicações pessoais e sociais, na medida em que o paciente prejudica não só o próprio tratamento, mas favorece a disseminação de vírus cada vez mais resistentes entre a população em geral.

No que diz respeito ao tratamento das manifestações neuropsiquiátricas decorrentes da infecção pelo HIV, deve-se eleger uma combinação de drogas antivirais com boa penetração no SNC. Com relação às manifestações psiquiátricas, também é recomendada a psicoterapia, bem como a orientação dos familiares. Os psicofármacos devem ser utilizados com cautela, atentando para interações medicamentosas com os ARV (Moraes et al., 2006).

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4. Adesão ao tratamento

Os benefícios do tratamento ARV aos pacientes com HIV/Aids parecem evidentes, no entanto, para que realmente o sejam é preciso uma correta adesão desses pacientes ao tratamento. Segundo diretrizes do Ministério da Saúde uma boa adesão ao tratamento significa tomar corretamente os medicamentos ARV, seguir as doses corretas pelo tempo pré-estabelecido, bem como aderir ao serviço de saúde responsável (equipe multiprofissional) (Brasil, 2007).

Mas os termos adesão/aderência podem ser entendidos de maneira mais ampla que o descrito acima, “como uma atividade conjunta na qual o paciente não apenas obedece às orientações médicas, mas segue, entende e concorda com a prescrição estabelecida pelo médico” (Lignani Júnior et al., 2001, p.496). Esta definição implica não somente em responsabilidades do médico e do paciente, mas também de todos os envolvidos no processo.

Quando definimos adesão ao tratamento desta maneira nos deparamos com um processo um tanto quanto complexo. Mas sua complexidade não reside apenas em tal definição, nos deparamos também na prática com igual ou superior complexidade. Encontramos revisões de pesquisas na literatura que indicam uma taxa média de adesão de 50% para todos os tipos de tratamento (Jordan et al., 2000). Outros mostram que a adesão à terapêutica ARV pode variar entre 40 e 80% (Lignani Júnior et al., 2001).

Índices de adesão como esses preocupam e fazem surgir mais uma urgente questão de saúde pública referente à epidemia da aids. Se individualmente a não-adesão ao tratamento implica em falência terapêutica e conseqüente prejuízo ao tratamento, coletivamente existe a ameaça de disseminação de HIV multiresistente. Isso porque a adesão irregular faz com que o vírus vá ficando familiarizado com múltiplas drogas e conseqüentemente, estas passam a não exercer efeito algum sobre sua multiplicação dentro do organismo.

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A não-adesão ao tratamento é a principal causa de desenvolvimento de resistência viral às drogas e de falha terapêutica não só do esquema vigente, mas também de esquemas futuros (Rachid, Schechter, 2004). A não-adesão a um regime terapêutico pode resultar em vírus resistência também a outros ARVs (Cheever, 2000).

Embora existam controvérsias sobre que tipo de condutas do paciente podem ser consideradas não-aderentes, é consenso entre os autores caracterizar a não-adesão como maléfica e prejudicial. Daí a preocupação e importância em se descobrir e estudar fatores que possam estar implicados na adesão e na não-adesão, bem como possíveis fatores preditivos das mesmas. Trata-se de uma questão de prevenção de danos ao indivíduo e à sociedade.

Ações como o estabelecimento de diretrizes são certamente fundamentais dentro das Políticas Públicas de Saúde, mas considerando-se a amplitude da questão da aderência, a mais importante problemática colocada é o estabelecimento de quadros teóricos que permitam um entendimento mais aprofundado acerca da articulação entre os fatores que vêm sendo tradicionalmente associados à aderência (Jordan et al., 2000). A psicologia no campo da saúde vem se constituindo como umas das formas de se compreender não somente o adoecimento, mas as maneiras pelas quais o ser humano pode manter-se saudável. É impossível desconsiderar o comportamento e o estilo de vida implicados nas manifestações de saúde e doença (Capitão et al., 2005).

Os pressupostos e diferenças mais evidentes assumidos pelos diferentes autores que se dedicam ao estudo da adesão ao tratamento encontram-se entre aqueles que focalizam o fenômeno no paciente e aqueles que procuram a compreensão em fatores externos ao paciente (Leite, Vasconcellos, 2003).

Os fatores relacionados á aderência ao tratamento em pacientes com HIV/Aids podem ser resumidos da seguinte maneira fatores relacionados à pessoa sob tratamento, como o perfil socioeconômico, sexo, idade, uso de drogas, e transtornos psiquiátricos associados; fatores

Referências

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