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Política e linguagem em Rousseau

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FACULDADE DE FI LOSOFI A, LETRAS E CI ÊNCI AS HUMANAS DEPARTAMENTO DE FI LOSOFI A

PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM FI LOSOFI A

Evaldo Becker

Política e Linguagem em Rousseau

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UNI VERSI DADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FI LOSOFI A, LETRAS E CI ÊNCI AS HUMANAS DEPARTAMENTO DE FI LOSOFI A

PROGRAMA DE PÓS- GRADUAÇÃO EM FI LOSOFI A

Política e Linguagem em Rousseau

Evaldo Becker

Tese de Dout oram ent o apresent ada ao program a de Pós- Graduação em Filosofia do Depart am ent o de Filosofia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Hum anas da Universidade de São Paulo.

Orient ador. Prof. Dr. Milt on Meira do Nascim ent o

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BECKER, E. Linguagem e polít ica em Rousseau. 2008. 267 f. Tese ( Dout orado) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Hum anas. Depart am ent o de Filosofia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.

O obj et ivo geral da present e t ese, é dem onst rar que o t em a linguagem , em seus m ais variados vieses, é fundam ent al para que se possa com preender a concepção polít ica de Rousseau. Para t ant o é fundam ent al que se aborde o tem a em questão sob diversas perspectivas. Em prim eiro lugar faz- se o necessário recuo à tradição retórico- m oral, para verificar a dívida de Rousseau para com aut ores com o: Plat ão, Plut arco e Quint iliano, que aj udaram a form ar seu arcabouço t eórico. Em segundo lugar, apresenta- se o debate acerca da origem e da função da linguagem e suas vinculações com os t em as da polít ica, inst aurado ent re o aut or e alguns de seus cont em porâneos, t ais com o, Condillac e Diderot. E, por fim , trata- se de cot ej ar os vários t ext os de Rousseau acerca das vinculações percebidas ent re a linguagem original, linguagem m usical, linguagem t eat ral, línguas part iculares e discurso e m ost rar com o est as interferem , para o bem ou para o m al, nos rum os das instituições polít icas estabelecidas pelos hom ens no decorrer de seu processo hist órico de desenvolvim ent o. Os principais t ext os de Rousseau aqui analisados são: o Discurso sobre a Desigualdade, o Ensaio sobre a origem das línguas e o Contrato Social.

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ABSTRACT

BECKER, E. Language and polit ics in Rousseau. 2008. 267 f. Thesis ( Doct oral) – Faculdade de Filosofia, Let ras e Ciências Hum anas. Depart am ent o de Filosofia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.

The general obj ect ive of t his t hesis is showing t hat t he language issue, in its various points of view, is fundam ental for the com prehension of Rousseau’s polit ical concept s. Thus, it is crucial t o approach t he subj ect in different perspectives. I n first place, it is necessary t o m ake a ret reat t o m oral rhetorical t radit ion, t o verify Rousseau’s debt wit h aut hors like: Plato, Plutarch and Quint ilian, who helped him t o form his t heoret ical fram ework. I n second place, we m ust int roduce t he debat e about t he language origin and funct ion, and also it s linkages wit h polit ical t hem es, est ablished between t he author and som e of his cont em poraries, such as Condillac and Diderot . Finally, we exam ine t horoughly t he various t ext s of Rousseau about t he linkages not iced am ong original language, m usical language, t heat rical language, particular languages and discourse, and show how t he referred languages int erfere in t he direct ions of polit ical inst it ut ions est ablished by m ankind in t he course of it s hist ory. The m ain t ext s of Rousseau to be analyzed are: Discourse on t he origin and basis of inequalit y am ong m en, Essay on the origin of language and Of the social cont ract .

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BECKER, E. Langage et polit ique en Rousseau, 2008. 267 f. Mem oire ( Doct orat ) – Faculdade de Filosofia, Let ras e Ciências Hum anas. Depart am ent o de Filosofia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.

L'obj ect if général de la présent e t hèse, est dém ontrer que le suj et langage, dans leurs plus variés biais, est fondam ent al pour que la concept ion polit ique de Rousseau puisse être com prise. Pour tant c'est fondam ent al que s'aborde le suj et concerné sous de diverses perspect ives. En prem ier lieu se fait nécessaire un recul à la t radit ion ret órico- m oral, pour vérifier la det t e de Rousseau envers des aut eurs com m e : Plat on, Plut arco et Quint iliano, qui ont aidé à form er sa st ruct ure t héorique. Dans seconde place, se présent e le débat concernant l'origine et de la fonct ion de la langue et leurs at t aches avec les suj et s de la polit ique, inst aurée ent re l'aut eur et cert ains de leurs cont em porains, t els com m e, Condillac et Diderot . Et , finalem ent , il s'agit de com parer les plusieurs t ext es de Rousseau concernant les at t aches perçues ent re la langue originale, la langue m usicale, la langue t eat ral, les langues part iculières et discours et m ont rer com m e celles- ci int erviennent , pour le bien ou pour le m al, dans les itinéraires des I nst it ut ions Polit iques ét ablies par les hom m es pendant leur processus hist orique de développem ent . Les principaux t ext es de Rousseau ici analysés sont : le Discours sur l'I négalit é, l'Essai sur l'origine des langues et le Cont rat Social.

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SUMÁRI O

I NTRODUÇÃO 9

1. ELEMENTOS DA HERANÇA CLÁSSI CA DE ROUSSEAU 13

1.1Rousseau e a Ant iguidade 14

1.2O uso público da linguagem em Rousseau e Platão 20

1.3A Ret órica Depois de Plat ão 35

1.4Rousseau Leitor de Plutarco 39

1.4.1 Verdade e Baj ulação 44

1.5A Ret órica Lat ina 51

1.6A I nst it ut io Orat ória de Quintiliano 54

2. ROUSSEAU E SEUS CONTEMPORÂEOS 65

2.1 O papel da linguagem em Rousseau e Condillac 66 2.2 Linguagem e Polít ica em Rousseau e Diderot 97

2.3 Filósofos, Selvagens e Viaj ant es 127

3. ONTOLOGI A, E POLÍ TI CA EM ROUSSEAU. 147

3.1 Est ado de Nat ureza e Hom em Nat ural 147

3.1.1 I gualdade, desigualdade e diferença 165

3.1.2 Liberdade 168

3.1.3 Am or- de- si X Am or- Próprio 171

3.1.4 Piedade Nat ural ( pit ié) 176

3.1.5 Sent im ent o I nat o de Just o e I nj ust o 181

3.1.6 Perfect ibilidade 184

3.1.7 Sociabilidade 187

4. ORI GEM E FUNÇÃO DA LI NGUAGEM EM ROUSSEAU 199

4.1 O lugar do Ensaio na t eoria rousseauniana 199

4.2 Linguagem , linguas e discurso 207

4.2.1 Linguagem original 208

4.2.2 Linguagem m usical 211

4.2.3 Da linguagem às línguas 216

4.3 Linguagem e represent ação : da fest a ao t eat ro 226

4.4 Linguagem , discurso e polít ica 234

CONSI DERAÇÕES FI NAI S 245

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Esta ocasião m e perm ite agradeçer:

Muit o especialm ente ao pofessor Milt on Meira do Nascim ent o, por t er aceit o a difícil t arefa de m e orient ar na elaboração da present e t ese. Sua orient ação foi fundam ent al para que est a pesquisa chegasse a bom t erm o.

A Michele e ao Rôm ulo pelo am or e com preensão neste longo e agitado processo de elaboração da t ese; sem eles a vida, com cert eza, perderia m uit o de seu encant o.

A m eus pais, Ernando Becker in m em orian e I vone Dapper Becker, por t erem m e proporcionado, dent re inúm eras out ras coisas, o acesso aos livros.

A Ana, Fernando, Em anuelle e Gust avo pelo apoio e carinho.

Aos m eus dois am igos de I j uí: João Rafael Bianchi e Claudio Garcia, pelo apoio int elect ual e afet ivo, que foram de fundam ent al im port ância para que eu pudesse sair de I j uí e ‘ganhar o m undo’.

A professora Maria das Graças de Souza, pelo carinho, pelas inúm eras dicas e por t odo apoio concedido durant e o m eu dout oram ent o.

Aos am igos que fiz na frança, Ronei Clécio Mocelin e Savas Killic, pelas longas e proveit osas conversas realizadas em Paris.

Ao Thom az Kawauche e aos dem ais m em bros do Grupo Rousseau da USP, pelas produtivas conversas realizadas quando de m eu retorno ao Brasil.

Ao professor Tanguy L’Am inot da Universidade de Paris I V- Sorbonne por t er m e recebido na França e por t er m e acolhido nos sem inários da Equipe Jean- Jacques Rousseau da Sorbonne. A Part icipação nest es sem inários e os debat es com os especialist as na obra de Rousseau foram fundam entais para que esta tese viesse a lum e.

As bibliotecárias e at endent es da Bibliot èque d’Et udes Rousseauist es e do Musée Jean- Jacques Rousseau em Mont m orency – Fr, pela prest eza e solicit ude quando de m inhas idas à Mont m orency. As pesquisas lá realizadas cont ribuiram im ensam ent e para a const rução dest a t ese.

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I N TRODUÇÃO

Nest a pesquisa pret endem os investigar com o Rousseau concebe a origem da linguagem , o papel dest a no que diz respeit o à const it uição ont ológica e polít ica do hom em , bem com o sua relevância na gênese e na corrupção das sociedades hist oricam ent e const it uídas. Para t ant o pret endem os invest igar qual o papel do Essai sur l’origine des langues, na obra de Rousseau, cot ej ando- o com os dem ais t ext os do aut or nos quais este se refere à origem e à função da linguagem . A hipótese aqui levant ada é que os escrit os de Rousseau referent es à linguagem e às línguas são de fundam ent al im port ância para um a com preensão m ais com plet a e precisa de sua t eoria polít ica, e que não há com o com preenderm os em sua com pletude a fonte das m azelas vivenciadas pelo hom em em sua traj etória civilizacional, nem t am pouco as fracas possibilidades de reversão dest e quadro, sem com preenderm os o papel da linguagem em suas m ais variadas inflexões, que perpassam a obra do filósofo genebrino.

Para realizar de form a am pla o obj et ivo propost o, pret endem os dividir a present e t ese em quat ro capít ulos, sendo que, no prim eiro, int it ulado: Elem ent os da herança clássica em Rousseau, im port a verificar o papel da ant iguidade clássica para a t eoria do aut or, explorando algum as das influências que foram det erm inant es para sua const rução, t ais com o Plat ão, Plut arco, Quint iliano, e outros filósofos da tradição ret órico- m oral que influíram na m aneira com o Rousseau concebe a função da linguagem no que t oca a obj etivos políticos.1

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Já no segundo capít ulo, int it ulado: Rousseau e seus cont em porâneos, irem os am pliar o est udo sobre a origem e a função da linguagem , apresent ando alguns elem ent os referent es ao debate acerca da linguagem e da polít ica, ocorrido principalm ent e a part ir da segunda m etade do século XVI I I ent re Rousseau e alguns de seus contem porâneos - sobret udo Condillac e Diderot - , com os quais est e t eve um a int ensa t roca de idéias e um convívio bast ante próxim o.

No que diz respeito às relações entre Rousseau e Condillac, o obj et ivo prim ordial é o de analisar as sim ilitudes e divergências que podem ser percebidas nos escrit os concernent es à origem e à função da linguagem . O principal t ext o de Condillac a ser analisado será o Essai sur l’origine des connaissances hum aines, obra que veio a lum e em 1746 e que Rousseau, na prim eira part e do segundo Discurso, adm it e t er sido a font e de suas prim eiras idéias acerca da quest ão da origem das línguas2. Já no que concerne aos escritos de Rousseau e Diderot, nossa prim eira int enção é a de apresent ar alguns dos pont os de coincidência, e alguns t raços da influência recíproca do debat e que se deu nos prim eiros anos dessa fecunda am izade que com eça em 1742. Num segundo m om ent o, apresent arem os os principais pont os de divergência teórica que acabaram por desencadear a rupt ura afet iva ent re os dois aut ores.

No t erceiro capít ulo, int it ulado: Ont ologia e Polít ica em Rousseau, irem os investigar as descrições realizadas por Rousseau a respeit o do Estado de Natureza, e que podem ser encont radas principalm ent e no Em ílio e no Discurso sobre a origem e os fundam ent os da desigualdade ent re os hom ens, e que devem ser entendidas, não com o descrições de fatos históricos ou que possuam um a existência real, m as sim com o raciocínios hipot ét icos ou m et afóricos, ut ilizados pelo aut or com vist as a “ esclarecer a nat ureza das coisas” . Servem nesse sent ido para m elhor precisar ou descrever algum as qualidades ont ológicas ou essenciais do

definição essencialm ente retórica da linguagem ” . PRADO JR, Bent o. A força da voz e a violência das coisas. I n: ROUSSEAU, Jean- Jacques. Ensaio sobre a origem das línguas. Cam pinas: editora UNI CAMP, 1998, p. 87.

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que Rousseau cham ou de ‘hom em natural’ ou ‘m et afísico’, e que são descrit as em cont raposição às qualidades do hom em civil ou ‘hom em do hom em ’, qualidades adquiridas no decorrer de seu desenvolvim ent o histórico em sociedade.

Além disso, tal art ifício serve t am bém para m arcar as diferenças exist ent es ent re o hom em policiado e o selvagem . Selvagem deve ser ent endido aqui com o o hom em em um est ado incipient e de sociabilidade. É im port ant e que se m arque a dist inção entre os conceitos de ‘hom em nat ural’, ‘hom em do hom em ’, ‘selvagem ’, ‘hom em original’ et c...pois Rousseau ut iliza- se dest as e de out ras designações, e, na m aioria das vezes não as precisa. Em m uit os casos ut iliza- se de um a m esm a designação para referir- se a obj et os diferent es; assim com o ut iliza- se, por vezes, de designações diferent es para se referir a um a m esm a idéia, o que exige por parte do leit or um cuidado redobrado na leit ura e apreciação do text o rousseauniano, para que não se perca nas diferent es inflexões e vieses da bela e com plexa escrit a do aut or. Os principais conceit os a serem exam inados no presente capítulo serão os de igualdade, liberdade, am or- de- si, am or- próprio, piedade nat ural, sent im ent o inat o de j ust o e inj ust o, perfect ibilidade e sociabilidade.

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negue ou dificult e, am pliando dest a form a o m al- est ar vivenciado pelo hom em no seio das sociedades tais com o se const it uíram no decorrer do processo hist órico da sociabilidade hum ana.

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Capít ulo I : Elem ent os da Herança Clássica em

Rousseau.

No present e capít ulo, exam inarem os algum as das influências advindas dos filósofos da Ant iguidade e principalm ent e da t radição ret órica, que podem ser percebidas na obra de Rousseau, principalm ent e no que t oca aos t em as da linguagem e da eloquência discursivas, e de com o estes estão vinculados à quest ão da m oral e da polít ica. Most rarem os em que sent ido é possível afirm ar a existência de um a influência no que diz respeit o às quest ões da linguagem e da polít ica, principalm ent e ent re as obras de Plat ão, Plut arco, Quint iliano e Rousseau. Nesse sent ido, visa- se perceber alguns dos principais t raços da recepção dos aut ores acim a citados, na obra do pensador genebrino.

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1 .1 Rousseau e a Ant iguidade.

É im possível invent ariar num a pesquisa com o est a t oda a dívida de Rousseau para com os autores da Antiguidade, nem é este nosso obj etivo. O que pretendem os aqui é som ente m ostrar a im portância destes escrit os para a const rução do arcabouço t eórico desenvolvido pelo aut or. Visa- se ressaltar que m uito de sua concepção polít ica e do papel at ribuído à linguagem ou ao discurso t em na Antiguidade sua fonte de inspiração. Font e est a que vai auxiliá- lo na condução das bat alhas t eórico- polít icas em preendidas por ele no século XVI I I francês. Cabe ressalt ar aqui dois t rabalhos que nos auxiliaram bast ant e na percepção de com o o t em a da Ant iguidade desem penha um papel fundam ent al no est abelecim ent o da crít ica de Rousseau a seus cont em porâneos, da negação de um determ inado tipo de situação ( a corrupção político- m oral historicam ente verificada) e no engaj am ent o do genebrino em - at ravés de um olhar volt ado ao t em a da Ant iguidade - ret om ar a idéia de um a t ransform ação possível de ser em preendida no present e. Os t rabalhos em quest ão são: J.- J. Rousseau et le m yt he de l’ant iquit é3 e Rousseau et l’ant iquit é4.

Denise Leduc- Fayet t e, no início de sua obra, ao estabelecer o estado da questão no que concerne à Ant iguidade em Rousseau, perpassa inúm eras referências, t anto dos poet as quant o dos hist oriadores e oradores clássicos, que, de um a form a ou de outra, positiva ou negat ivam ent e, são cit ados ou sim plesm ente m encionados por Rousseau. De Hom ero a Plat ão, de Cat ão a Cícero, além de Tácit o, Tit o- Livio, Tucídides, Salúst io, Sêneca et c... sem esquecer Plut arco por quem sua adm iração é inegável, a obra rousseauniana cont a cert am ent e com um a am pla gam a de referências aos aut ores da Ant iguidade.

Em um a visão ret rospect iva e um t ant o am argurada, m as que nos perm ite perceber com o e por que Rousseau recorre aos antigos, podem os

3 LEDUC- FAYETTE, Denise. Jean –Jacques Rousseau et le Myt he de l’Ant iquit é. Paris: VRI N; 1974.

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ler na Advertência à Tradução do prim eiro livro da Hist ória de Tácit o, em preendida por Rousseau por volta de 1754, j ustam ente no período em que ele ainda tinha em vist a a elaboração de suas I nst it uições Polít icas , a seguint e frase: “ quando eu t ive a infelicidade de querer falar ao público, sent i a necessidade de aprender a escrever, e ousei m e experim entar em Tácit o” .5

Durant e est e período e nos anos que se sucederam , podem os perceber a dedicação de Rousseau em , ao lado de sua produção escrit a propriam ent e dit a - desde o segundo Discurso até o Cont rat o e o Em ílio - , se dedicar à tradução de autores da antiguidade, com o Tácito, acim a referido, m as t am bém de Sêneca,6 por exem plo, no int uit o de m elhorar seu est ilo e de buscar argum ent os que pudessem lhe auxiliar em sua tarefa de escritor político. Sobre a proxim idade dos pont os de vist a de Rousseau e Sêneca, Leduc- Fayette m enciona que “ a inocência dos prim eiros hom ens, o papel corrupt or da vida social, as dádivas do ret iro solit ário, a negação do direit o de propriedade” ,7 entre tantos outros, podem ser m encionados.

É evidente que essa atração pela Antiguidade não é exclusiva de Rousseau, est es aut ores e as im agens por eles apresentadas povoaram o horizonte teórico e estilístico tanto dos cont em porâneos do cidadão de Genebra, quant o dos pensadores que o ant ecederam . O que é novo na recepção dest es aut ores da ant iguidade, segundo Leduc- Fayet t e, é “ a paixão com a qual Rousseau e seus discípulos” a eles se referem . “ Enquanto que a im it ação dos ant igos possuía na prim eira m et ade do século XVI I I qualquer coisa de est éril, de est át ico, de convencional, eis

5 OC, V, p. 1227.

6 Segundo St arobinski , podem os afirm ar que por volta de 1759, período em que Rousseau se instala em Montm orency, ele trabalha na tradução do texto Apocolokintosis de Sêneca. ( O.C., vol. V; p. CCC) No que concerne aos com entários acerca da tradução em questão ver tam bém : HERRMANN, Leon. Jean- Jacques Rousseau t raduct eur de Sénèque. I N: Annales de la Société Jean- Jacques Rousseau. Tom e XI I I , Genéve : 1920-21. pp : 214- 224.

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que Rousseau faz da Rom a Republicana, ou da Espart a ideal, o berço das m ais alt as virt udes”.8

Realm ente são est es os ideais de república eleitos por Rousseau para servirem com o contraponto aos exem plos hist óricos que povoam a m odernidade, que, em seu ent ender, configuravam - se com o sím bolos da decadência das inst it uições e da corrupção dos cost um es. Segundo Rousseau, “ Rom a e Espart a levaram a glória hum ana ao m ais alt o grau que ela poderia alcançar, t odas as duas brilharam ao m esm o tem po por suas virt udes e por seu valor” .9 Ainda nest a longa passagem do Paralelo ent re as Repúblicas de Espart a e de Rom a, que faz parte da coletânea agrupada sob o t ít ulo Fragm ent os Polít icos, Rousseau escreve:

Deixo aos adm iradores da hist ória m oderna procurar, decidir qual dest es dois quadros deve lhes convir m elhor. Quant o a m im que prefiro considerar apenas os exem plos at ravés dos quais a hum anidade se inst rui e se honra, eu que não sei ver ent re m eus contem porâneos senão m est res insensíveis e povos sofredores, guerras que não int eressam a ninguém e que desolam t odo o m undo,( ...) m inist ros sem pre ocupados em fazer nada, t rat ados m ist eriosos sem obj eto, alianças longam ente negociadas e rom pidas no dia seguint e, enfim pessoas cada vez m ais m iseráveis e o Est ado cada vez m ais rico, e t anto m ais desprezadas quant o m ais pot ent e é o príncipe, eu puxo a cort ina sobre est es obj et os de dor e de desolação, e não podendo aliviar nossos m ales, evit o ao m enos de os cont em plar. Mas m e alegro em volt ar m eus olhos sobre est as veneráveis im agens da Ant iguidade onde vej o os hom ens elevados por sublim es inst it uições ao m ais alt o degrau de grandeza e de virt ude que possam at ingir a sabedoria hum ana.10

É inegável a at ração de Rousseau por est es dois m odelos de Cidades ( Espart a e Rom a) , que lhe auxiliaram na const rução de um cont rapont o à alt ura , na difícil tarefa de est abelecer a crítica e a recusa do m odelo polít ico e m oral em vigor no seu século. Leduc- Fayet t e chega a afirm ar que de form a esquem ática poderíam os dizer “ que o século das luzes é a

8 Cf. Denise LEDUC- FAYETTE: „ Le Mythe rom ain existe chez Montesquieu. Mais ce qui est nouveau, c’est la passion avec laquelle Rousseau et ses disciples se réfèrent à l’antiquit é. Elle dépasse m êm e celle d’un Montaigne( ...) car à proprem ent parler elle ressuscite les héros“. LEDUC- FAYETTE: 1974, p. 27.

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favor de Atenas e contra Esparta” e que “ Rousseau é a favor de Espart a e cont ra At enas” .11

No ent ant o, a recepção idealizada destes ‘m odelos republicanos’ é encarada por Leduc- Fayette com o um a espécie de ‘m iragem ’12 que não corresponderia a um a investigação histórica rigorosa nos m oldes daquela que se dará no decorrer dos séculos XI X e XX. Segundo a aut ora:

A verdadeira im agem da Lacedem ônia é deform ada pela lenda, ao pont o de os hist oriadores quase não a poderem apreender ( ...) Plat ão vê nela ant es de t udo o sím bolo do est ado ideal. Rousseau, obviam ente, não est á preocupado com o problem a da verdade hist órica de sua represent ação da Lacedem ônia. Ele a vê at ravés de seu querido Plut arco; “ est e filósofo célebre cuj a obra sem pre profunda e por vezes sublim e, respira em t odo lugar o am or pela hum anidade’, e at ravés da República e das Leis” .13

Quant o a apreender a ‘verdadeira im agem ’ de Espart a, realm ent e não nos parece ter sido est a a intenção de Rousseau, nem t am pouco o seu int eresse pelos ant igos se rest ringia a um a invest igação de erudição. Pelo cont rário, o que Rousseau busca nessas im agens apresent adas pelos ant igos é j ust am ent e um exem plo possível de virt ude e de grandeza de alm a, que pudesse, talvez, inspirar seus contem porâneos a em preenderem ações sem elhant es, ações condizentes com a verdadeira noção de cidadania e de virt ude14. Parece- nos ser esta a intenção de

Rousseau nest a passagem do livro I I do Em ílio onde lem os:

11 LEDUC- FAYETTE: 1974, p. 79.

12 Sobre a questão do ‘m ito de Esparta’ podem os ler : “ É com Plutarco e sua Vida de Licurgo que o m ito conhece toda sua plenitude. Ele exercerá doravante a fascinação de um a ‘m iragem ’ segundo as palavras de François Ollier, até os tem pos m odernos.” LEDUC- FAYETTE : 1974, p. 72 Além disso, a autora ressalta que “ não som ente a Rom a das origens que aparece à posteridade com o sinônim o de inocência e de rust icidade, m as tam bém existe um m ito da Rom a republicana, lugar da liberdade, da frugalidade, da incorrupt ibilidade; isso em parte devido aos auspícios de Tit o- Livio( ...) . é Tit o- Livio quem inspirara essencialm ente a visão estereotipada que os séculos XVI I e XVI I I farão da grandeza rom ana.” LEDUC- FAYETTE : 1974, p. 104. NT.

13 LEDUC- FAYETTE : 1974, pp. 72- 73.

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Os antigos historiadores est ão repletos de idéias das quais poderíam os fazer uso m esm o que os fat os que as apresent am fossem falsos. Mas não sabem os t irar nenhum part ido verdadeiro da hist ória; a crítica de erudição absorve tudo, com o se im port asse m uit o que um fat o fosse verdadeiro, um a vez que pudéssem os t irar dele um ensinam ent o útil. Os hom ens sensat os devem encarar a hist ória com o um t ecido de fábulas cuj a m oral é apropriadíssim a ao coração hum ano.15

Nesse pont o est am os de acordo com Touchefeu, quando est e afirm a que “ é preciso deixar Rousseau em seu t em po e não confundir a visão de m undo de um grande pensador do século XVI I I com aquelas que se darão em um novo cont ext o hist órico no século XI X ou XX” .16 Mesm o

est a im agem do ‘m it o da antiguidade’ deve ser atenuada, haj a vista que, por m ais que as im agens de Espart a ou da Rom a Republicana não correspondam a um a leit ura hist oriográfica, t al com o ocorrerá na post eridade, não se pode esquecer a im port ant e função conferida por Rousseau a est e est udo. Um est udo que leva m uit o m ais em cont a a possibilidade de encontrar m odelos m orais de virt ude e cidadania para lhe auxiliarem em sua crít ica às sociedades m odernas do que em se preocupar com det alhes t écnicos ou de pura erudição. Nesse sent ido Touchefeu advert e para o fat o de que não “ devem os nos apressar em dizer que a ant iguidade, para Rousseau, diria respeit o ao m it o da idade do ouro ou da ut opia”,17 segundo o autor, “ é preciso sublinhar antes de

qualquer out ro com ent ário um a caract eríst ica m aior”, a de que “ a cidade ant iga se sit ua na hist ória”.18

A Ant iguidade t em por assim dizer o est at ut o prim eiro de t razer Rousseau para a hist ória. Um a vez ist o post o, podem os com cert eza const at ar que est a Ant iguidade é carregada de um a aura

15 OC, I V, p. 415.

16 TOUCHEFEU : 1986, pp. 7- 8.

17 Em um com ent ário acerca do uso da ant iguidade que nos parece t er sido endereçado j ustam ente à leitura que LEDUC- FAYETTE est abelece em seu livro Rousseau et le Myt he de l’Ant iquité , escreve TOUCHEFEU: « I l est d’abord um point essent iel qu’il faut ét ablir avec solidité: L’antiquité ram ène Rousseau au présent. Elle lui donne la référence dont il a besoin pour assum er la difficile confront at ion avec l’hist oire m oderne. Et sa fonct ion n’est pas de l’em m ener dans un ailleurs qui se confondrait avec le ‘pays des chim ères’, ou –de façon plus dynam ique – avec le m ythe. ( Et c’est pourtant une lecture que l’on fait souvent...) » TOUCHEFEU : 1986, p. 42.

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em ocional m uit o fort e, e que ela ganha um valor m ít ico. Mas isso só servirá para concluir que exist e no pensam ent o profundo de Rousseau um a t ensão fecunda ent re a ressonância m ít ica da ant iguidade e sua inscrição hist órica. A ut opia possui doravant e um lugar. E est e lugar é a hist ória.19

Touchefeu, cit ando algum as passagens nas quais Rousseau elogia os antigos e critica os m odernos, conclui que a referência à ant iguidade em Rousseau serve para “ abrir um a possibilidade de porvir que poderia parecer bloqueada” . Tal conclusão é ext raída a part ir de inúm eras passagens , t ant o dos Fragm ent os Polít icos quant o das Considerações sobre o governo da Polônia e da Hist ória da Lacedem ônia, à qual m e at enho a repet ir aqui: “ significa honrar e inst ruir a hum anidade realizar o invent ário dest es preciosos m onum ent os que nos ensinam o que os hom ens podem ser ao nos m ost rar o que eles foram . ( ...) Ensinem os se for possível a nossos cont em porâneos que houve um t em po em que exist iram hom ens e deplorem os a infelicidade e a vergonha de nosso século, por nos verm os forçados a procurá- los t ão longe de nós”.20

Touchefeu ressalt a a idéia de que a referência de Rousseau à Ant iguidade “ significa ao m esm o tem po um a recusa e um engaj am ento. A recusa daquilo em que a sociedade se transform ou. E o engaj am ento na hist ória present e”.21 É j ust am ent e a inquietação com a situação vivenciada que leva Rousseau a se arm ar de argum entos que pudessem lhe auxiliar no est abelecim ent o de m odelos de cont raposição ao cenário polít ico exist ent e em seu século, na t ent at iva de revert ê- lo. É um a noção de hist ória am pliada que m ot iva Rousseau. Ele busca inspiração no passado, nega e crit ica a sit uação present e, no int uit o de que, no fut uro, a noção de hom em e de suas pot encialidades sej a m enos lim it ada do que aquela de seus cont em porâneos. É j ust am ent e o est udo do hom em em si m esm o, de suas pot encialidades int rínsecas que interessa a Rousseau. E é para o gênero hum ano enquant o t al que ele endereça seu discurso. A

19 TOUCHEFEU : 1986, p. 7. NT. 20 OC, I I I , p. 544.

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afirm a:

escolha de seu ‘público alvo’ é explicitada de form a clara na int rodução do Discurso sobre a Desigualdade, onde ele

Com o m eu assunt o int eressa ao hom em em geral, t rat arei de em pregar um a linguagem que convenha a t odas as nações, ou m elhor, esquecendo os t em pos e os lugares, para unicam ent e pensar nos hom ens a quem falo, im aginar- m e- ei no Liceu de At enas, repet indo as lições de m eus m est res, t endo por j uízes os Plat ões e os Xenócrat es, e por ouvint e t odo o gênero hum ano.22

Fica evidente o seu engaj am ento, ao lado daqueles que considerou seus m est res da ant iguidade, m as o que se percebe ainda m ais claram ent e é que seu int eresse, longe de ser um exam e de det alhes ou um a preocupação em estabelecer querelas erudit as, configura- se com o um a t ent at iva de apropriação dest a t radição de m aneira a incorporá- la em seu agir de hom em do século XVI I I , e com bat alhas a serem t ravadas no present e. Em L’origine de la m elodie ele afirm a que “ não aprecia as pesquisas sobre a ant iguidade senão aquelas das quais os m odernos podem t irar algum frut o” .23 Seu desej o de independência e de form ulação de seu próprio arcabouço teórico não nega a dívida para com os aut ores do passado, m as não se cont ent a em repet i- los.24 Com o o próprio Jean-Jacques afirm a em sua advert ência à t radução do prim eiro Livro de Tácit o “ t odo Hom em em condições de seguir Tácit o é logo t ent ado a andar só” .25

1 .2 O uso público da linguagem em Rousseau e Plat ão.

O que dem onstrarem os aqui é a exist ência de algum as sim ilit udes e influências que podem ser percebidas ent re as obras de Jean- Jacques

22 OC, I I I , p. 133. 23 OC, V, p. 329.

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Rousseau e Platão. Evidenciarem os principalm ent e as proxim idades exist ent es acerca da eloqüência ou do poder do discurso t endo com o fim ações polít icas. Para t ant o, ut ilizarem os principalm ent e as obras Ensaio sobre a origem das Línguas e o Segundo Discurso de Rousseau, e Fedro e o Górgias de Plat ão.

Bento Prado Jr, em Lecture de Rousseau, salient a que “ a recusa da m odernidade e o elogio da ant iguidade poderia ser bem m ais que um t em a ent re out ros no pensam ent o de Rousseau”.26Nesse escrito no qual

Bent o Prado sugere que a ret órica pode ser considerada com o t em a cent ral e que confere unidade à obra de Rousseau, ele se pergunt a “ se no m ovim ent o regressivo, na descobert a progressiva de princípios cada vez m ais universais, nós não poderiam os reconhecer um eco dist ant e do m ét odo de Sócrat es ou de Plat ão, bem m ais do que um a repet ição dos processos corrent es da razão m oderna?.”27 Segundo ele “ m uit o j á se falou, e com j ust eza, do plat onism o de Rousseau: os ‘Diálogos’ nos falam do out ro m undo, os ‘Devaneios’ definem a filosofia e a sabedoria com o preparação para a m ort e, o ‘Cont rat o Social’ define as condições da Cité j ust a, et c...Mas, sobret udo, a idéia de ordem aparece com o m odelo no sent ido plat ônico: ela é ao m esm o t em po o Belo, o Verdadeiro e o Bem que é preciso t ent ar im it ar ou reconst it uir no seio dest e m undo de t revas e de desordem .”28 As congruências percebidas ent re as obras de Plat ão e Rousseau perpassam desde seus planos educacionais, e est ét icos ( crít ica aos at ores e ao t eat ro) , at é as quest ões referent es à ét ica, polít ica29 e

linguagem , principalm ent e no que concerne ao papel da ret órica ou do discurso no am bient e polít ico e ét ico de seu t em po. Rousseau é um dos poucos filósofos ilum inist as que reconhecem a im portância do

26 PRADO Jr. Bento. Lecture de Rousseau. Discurso, n° . 3, São Paulo, 1972, p. 48. 27 I dem , p. 48.

28 I dem , p. 49.

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pensam ent o de Plat ão e sua dívida para com est e. Robert o Rom ano, em seu art igo: A Transparência Dem ocrát ica: Esperança e I lusões, com ent ando acerca de Rousseau e Diderot , afirm a que: “ os dois pensadores const it uem um a anom alia no século XVI I I , pois, am bos definem - se com o leit ores ent usiast as dos t ext os plat ônicos”. Segundo ele: “ Plat ão era geralm ent e ridicularizado naquele século, m enos pelo enciclopedist a e pelo aut or do Em ílio”.30

No verbete Diderot do Dict ionnaire de Rousseau que é de aut oria do próprio organizador Raym ond Trousson, o aut or, ao m encionar o fat o de Diderot t er indicado algum as correções de est ilo na com posição do prim eiro Discurso de Rousseau, com plem ent a: “ Mas eles devem t er discut ido t am bém as idéias do ‘Discurso’, pois Rousseau inseriu aí um a longa passagem da ‘Apologia de Sócrates’ de Plat ão na t radução que seu am igo redigia precisam ent e durante a sua encarceração”.31 O certo é que traços do pensam ento platônico são evident es no pensam ent o do genebrino. I sso, independent em ente do fat o de que Rousseau se aproxim a m as t am bém se diferencia em m uit os aspect os do filósofo grego.

Gouhier, no capít ulo I V das Médit at ions Met aphysiques de Jean-Jacques Rousseau,32 cuj o t ít ulo é Les Tent at ions Plat onicienes de J.- J. Rousseau, aborda de início a quest ão do ant iplat onism o do genebrino, e m ost ra algum as diferenças fundam entais entre os dois autores, tais com o, por exem plo, a negação por part e de Rousseau das idéias inat as, t em a bast ant e caro a Plat ão. Segundo Gouhier: “ Rousseau recusa as idéias inat as sim plesm ent e porque é um hom em de seu t em po; dessa m aneira, encont ra- se fora da t radição à qual Plat ão deu seu nom e e que, no século precedente fora revivida nas filosofias de Descart es e Malebranche” . No ent ant o, na seqüência do argum ent o, Gouhier afirm a que “ est e

30 I dem , ibidem , p.53.

31 Dictionnaire de Jean- Jacques Rousseau. Publié sous la direction de Raym ond Trousson et Frédéric Eigeldinger. Paris. HONORÉ CHAMPI ON, 2006, p. 217- 218.

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ant iplat onism o circunst ancial ( ...) , não possui nada de agressivo, ele não é o efeit o nem da ignorância nem de um a ant ipat ia: Rousseau leu e am ou Plat ão.”33.

Para além da quest ão das idéias inat as, poderíam os cit ar ainda out ra dist inção fundam ent al, que é a defesa apaixonada da dem ocracia em Rousseau, a qual poderia ser contrapost a por um certo elitism o int elect ual em Plat ão. Bent o Prado, no t ext o acim a cit ado, após enfat izar as proxim idades de pensam ent o percebidas ent re os dois aut ores, não deixa t am bém de salient ar as diferenças, dent re elas a de que, para Rousseau, diferent em ent e do que se dava para Plat ão, a idéia de m odelo ou de arquét ipo não é apreendida de form a pura e não abandona j am ais o m undo do m isto.34Se ele se preocupa com o dever ser e tenta

estabelecer um m odelo ideal de contrat o que inst it ua de form a j ust a a união política, ele não deixa de atentar para as sit uações históricas individuais, que nunca podem ser confundidas com est e m odelo idealizado. No ent ant o, apesar das diferenças, que não são poucas, Rousseau possui, por out ro lado, várias sim ilit udes, ou dizendo de out ra form a, Rousseau é bast ant e influenciado pelas leit uras de Plat ão35.

Gouhier dem onst ra t ais influências e aproxim ações em várias obras de Rousseau e em relação aos m ais variados tem as; do segundo Discurso até o Cont rat o e da Nova Heloísa at é o Ensaio sobre a origem das línguas. Segundo Gouhier, Rousseau t eria inclusive em preendido t ent at ivas de ler Plat ão no original. Ele afirm a ainda, que m esm o que t ais t ent at ivas não

33Segundo Gouhier: “ Rousseau refuse les idées innée sim plem ent parce qu’il est un hom m e de son tem ps; de ce fait, il se t rouve en dehors de la t radit ion à laquelle Plat on donne son nom et qui, au siècle précédent, revivait dans les philosophies de Descartes et de Malebranche. Mais cet ant i- plat onism e circonstanciel, si l’on peut dire, n’a rien d’agressif; il n’est l’effet ni de l’ignorance ni d’une antipathie: Rousseau a lu et aim é Platon”. GOUHI ER: 1984, p.140. NT.

34 I dem , p. 49.

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t enham frut ificado, Rousseau se servira das t raduções de Dacier e t am bém de t raduções lat inas.36

Apesar das dem onst rações inequívocas acerca da influência que os t ext os de Plat ão produziram na obra de Rousseau, Gouhier especifica que t al influência não foi cent ral m as periférica; sem , cont udo, deixar de salientar a diferença entre periférica e superficial. Segundo ele, a influência pode ser profunda sem ser cent ral, principalm ent e no caso de Rousseau, que t eria se ut ilizado de Plat ão, m as no int ent o de produzir sua própria filosofia.37

Em vários de seus Diálogos, Plat ão dirige sua crít ica à prát ica discursiva ou ret órica de seu t em po, procurando expor sua t ot al falt a de consist ência e de coerência com aquilo a que ele próprio se propunha fazer. No Protágoras, Plat ão quest iona a proposição do sofista, segundo a qual o j ovem que se dedicasse a freqüent ar suas aulas “ desde o prim eiro dia de conversação ret ornaria para casa m elhor do que era, o m esm o acontecendo no dia seguinte e nos subseqüent es, acent uando- se cada dia m ais o seu progresso”.38 Ao pergunt ar em relação a que ficaria m elhor, a respost a dada pelo sofist a é de que seria na “ art e da polít ica e de form ar bons cidadãos” . Já no Górgias, Sócrat es, ao int erpelar o sofista de nom e hom ólogo ao diálogo sobre o cont eúdo acerca do qual se referiam os discursos sofíst icos, recebe a respost a de que est es se dest inariam a “ deixar livres os hom ens em suas próprias pessoas, com o t am bém t orná-los apt os para dom inar os out ros em suas respect ivas cidades” ; consistiria

36 Cf. Gouhier: “ Rousseau ne s’est pas cont ent é d’une inform at ion de seconde m ain: il a voulu lire et il a lu des Dialogues. Com m ent? Le 27 j anvier 1749, par conséquent huit m ois avant l’ilum inat ion de Vincennes, il écrit à Mm e de Warrens : ‘Je bouquine, j ’apprends le grec…’ I l n’est pas sûr, toute fois, qu’il ait pu lire Plat on dans le t ext e. Mais il se servit de t raduct ions françaises, celles de Dacier, par exem ple, et surtout de traductions latines: dans la ‚Lettre à d’Alem bert ’, il cit e un assez grand passage de ‚La République’ en lat in. Ses écrit s prouvent l’im portance de ces lectures.” GOUHI ER: 1984, p.141.

37 Cf. Gouhier: “ On ne dira donc pas que le plat onism e de Rousseau est superficiel m ais périphérique, parce qu’une influence peut être assez profonde sans être pourtant reconnaissable au principe et, par suite, au cent re d’une pensée en t rain d’invent er sa propre philosophie.”.GOUHI ER: 1984, p.149.

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isso”

trabalha baseada em crença e não em um conhe

ainda, segundo o sofista, em “ por m eio da palavra poderem convencer os j uízes no t ribunal, os senadores no conselho e os cidadãos nas assem bléias ou em t oda e qualquer reunião polít ica”.39 Ou sej a, a retórica

seria a “ m est ra da persuasão” .

No ent anto, ao int errogar sobre que t ipo de persuasão a ret órica se referia, se àquela que é font e de crença ou sobre a que é font e de conhecim ent o, Górgias responde que seria evident em ente a que dá origem à crença, ao que Plat ão, nas palavras de Sócrates, conclui que, diferent em ent e do que se propõem os sofistas ou os oradores t reinados por estes “ o orador não inst rui os t ribunais e as dem ais assem bléias a respeito do j usto e do inj usto, m as apenas lhes desperta a crença n .40

O que Plat ão crit ica é j ust am ent e a eficácia da ret órica com vist as a um a m elhoria das condições polít icas. Plat ão, nas palavras de Sócrat es, afirm a ser ela, não um a “ art e” , m as sim um a “ rotina” , destinada a “ produzir sat isfação” . Segundo ele, “ a ret órica é o sim ulacro de um a part e da polít ica” ,41 porque ela

cim ento verdadeiro.

Na seqüência do debat e com Górgias, Sócrates questiona o sofista sobre sua capacidade de form ar um orador, ao que o m esm o responde

39 PLATÃO. Górgias. I n: Platão: Diálogos; Tradução de Carlos Alberto Nunes.- 2º .ed. – Belém : EDUFPA, 2002 , p.135. Doravante citado com o PLATÃO, 2002a.

40 I dem , ibidem , p.139.

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nte tem m aior

para dizer o que é m elhor, quer agrade quer não agrad

retórica em si, m as ao m au uso da m esm a, ou at é à aceit ação de um t ipo

que quem se dispuser a seguir suas lições est ará apt o a, em m at éria de saúde, por exem plo, ser m ais convincent e do que o próprio m édico. Porém , isso som ente se dará “ diante das m ult idões” . Ao que Sócrates retruca: “ Diant e de ignorant es? Pois é de presum ir que diant e de ent endidos não sej as m ais persuasivo do que o m édico”.42 E em seguida conclui, pela aquiescência de Górgias, que, “ nesse caso, o ignora

poder de persuasão j unt o de ignorant es do que o sábio.”.43

É j ust am ent e em função dist o que Plat ão se nega a considerar est e t ipo de ret órica com o sendo art e.44 Pois, segundo ele, essa só visa a aprovação e, nesse caso, configura- se com o baj ulação e não com o busca pelo bem do povo, carecendo de razão; e “ não se pode dar o nom e de art e ao que carece de razão” .45 Plat ão crit ica ainda a form a com o os

oradores e políticos tratam os cidadãos quando falam ao povo sem a int enção de t orná- los m ais virt uosos. Segundo ele, “ há duas m aneiras de falar ao povo, um a delas é adulação e oratória da pior espécie, a outra é algo belo, porque se preocupa com deixar boa quant o possível a alm a dos cidadãos, esforçando- se

e ao audit ório”.46

Fica evident e, nesse sent ido, que a crít ica de Plat ão não se dirige à

42 PLATÃO: 2002a, p.144. 43 PLATÃO: 2002a, p.144.

44 Sócrates, no Górgias, afirm a acerca da retórica que esta é “ um a prática que nada tem de arte, e que só exige um espírito sagaz e coraj oso e com disposição natural de saber lidar com os hom ens. Em conj unto, dou- lhe o nom e de adulação. A m eu ver, essa prática com preende várias m odalidades, um a das quais é a culinária, que passa, realm ente, por ser arte, m as que eu não considero tal, pois nada m ais é do que em pirism o e rotina. Com o partes da m esm a, incluo t am bém a retórica, o gosto da indum entária e a sofistica”. PLATÃO: 2002a, p. 153.Cf. PLEBE:“ O que interessa a Platão é negar que a retórica sej a um a arte, porque esta era a form a pela qual ela se apresentava, sobretudo na doutrina de Górgias, a saber, com o téchné rhetorike“ ,e m ais, ainda segundo Plebe“ pode dizer- se( ...) que enquanto para os sofistas a retórica é um a arte porque é um a experiência teórico- prática, para Platão a retórica não pode ser arte, precisam ente porque é apenas um a experiência, um a em peiria.“ PLEBE, Arm ando. Breve história da ret órica ant iga. Tradução e not as de Gilda Naécia Maciel de Barros. São Paulo, SP: E.P.U/ EDUSP, 1978, p. 23- 24.

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equivocado, bast ant e diverso da “ verdadeira Ret órica” .47 Rousseau t am bém fará um a cont undent e crít ica à baj ulação e à subm issão ao j ugo da opinião em det rim ent o do sent im ent o e da consciência. É o que se verifica quando analisam os sua postura frente à questão da escrita e da possibilidade de escrever por dinheiro, para agradar um público det erm inado subm et endo sua pena a seus preconceit os. Nas Confissões Rousseau deixa clara sua opinião acerca dest e t ipo de condut a: “ Eu sabia que t odo o m eu t alent o só em anava de um cert o calor d’alm a sobre as m at érias de que queria t rat ar, e só o am or do grande, do belo, da verdade, poderia anim ar m eu gênio. E que m e im port ariam os t rechos dos livros que eu t eria que ext rair e os próprios livros? Minha indiferença pelo assunt o m e gelaria a pena e m e em bruteceria o espírito. I m aginavam que eu poderia escrever por ofício, com o todos os outros literatos, quando eu só poderia escrever por paixão” .48

Nest a recusa em subm et er- se ao j ugo da opinião, m ot ivada pelo am or ao belo e à verdade, fica evident e a filiação ao ideal socrático. Seus discursos provêm do sent im ent o de verdade e do am or ao belo, e não podem t er no desej o de recom pensa pecuniária um fim , caso em que ele não seria m ais do que um ‘sofist a pago’ ou um a ‘pena servil’, que é com o ele designa os t eóricos que escrevem por interesse e por subm issão aos poderosos.

Em verdade, Rousseau não crit ica som ente a subm issão ao j ugo da opinião, m esm o porque, em seu t em po, o povo dispunha de pouco peso na t om ada de qualquer t ipo de decisão polít ica. Ele crit ica sobret udo a subm issão ao j ugo dos poderosos, que fazia com que m uit os dos lit erat os se dobrassem aos seus int eresses. Tal post ura de repudio a est e t ipo de subm issão é evidenciada por ocasião da recusa em receber a pensão do Rei, que lhe seria ofert ada em função da apresent ação de sua ópera.

47 Cf. PLEBE. “ No Fedro, o Sócrates platônico procura polem izar contra um a retórica ( a retórica sofística) que não é na realidade a verdadeira, m as apenas um a retórica aparente, porque a verdadeira retórica é som ente a dialética.“, PLEBE: 1978, p.27.

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Nesse m om ento, ainda ‘em briagado de virtude’ e tentando adequar sua postura a seus discursos, ele escreve:

É verdade que eu perdia a pensão que de algum m odo m e haviam oferecido; m as t am bém m e isent ava do j ugo que ela m e im poria. Adeus, liberdade, verdade, coragem . Com o ousar depois falar em independência e desint eresse? Teria que m e lam ent ar ao falar, ou calar- m e, se recebesse essa pensão.49

É com relação ao caráter ético im buido nos discursos e nas práticas oratórias que se pode verificar, em nosso ent ender, um a proxim idade de posicionam ent os ent re Rousseau e Plat ão.

Vej am os agora com o Plat ão concebe a “ verdadeira ret órica” ou aquilo que ele considera com o sendo efet ivam ent e a “ art e da palavra” . Apesar de, no Górgias, a ênfase ser negat iva, visando priorit ariam ent e um det erm inado t ipo de discurso, qual sej a, aquele que pregava apenas a verossim ilhança com a verdade, j á se encont ram nele elem ent os que indicam a exist ência de um out ro t ipo de discurso, um discurso com prom et ido não sim plesm ent e com a baj ulação do povo, m as com um desej o sincero de torná- lo m elhor. Plat ão, nas palavras de Sócrat es, afirm a que o “ orador honest o deverá dirigir seus discursos à alm a dos hom ens, sem pre que lhes falar e em t odos os seus at os”.50 Ainda, segundo ele, “ para ser orador de verdade é preciso, ser j usto e ter o conhecim ent o da j ust iça” .51

Para Platão, se um orador não conhece o assunto sobre o qual fala, m as apenas a form a indicada de falar dele, sua atitude será sem pre um a at it ude baj uladora e prej udicial. Ele considera prej udicial a at it ude do retor que só se preocupa com a form a dos discursos, isso devido à sua incom pet ência. I déia que seria dem onst rada “ pelo fato de que ele se ocupa em pouco t em po de m uit os e sérios assunt os.”52 Para que se desenvolva a “ verdadeira art e da palavra” , além do conhecim ent o do

49 OC, I , p. 380.

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assunto sobre o qual se fala, é necessário saber tam bém com o falar para cada pessoa, bem com o o m elhor m om ent o para t al, ou at é m esm o quando se deve calar. Tal conhecim ent o é o que se denom inaria psycagogia53. E seria j ust am ent e o desenvolvim ent o dest e conhecim ent o que propiciaria à verdadeira retórica alcançar seus obj et ivos, ist o é, conduzir a alm a do povo para fins benéficos ao t odo. Est a sagacidade na percepção do discurso apropriado ao público específico ao qual se destina é buscada t am bém , e de form a conscient e por Rousseau. Nosso aut or t em plena consciência dessa teoria dos auditórios54, e de que a verdade tem m uit o m ais a ver com a noção de utilidade e de Just iça, devendo ser apresent ada e adaptada às sit uações hist óricas percebidas em sua cont ingência, do que a um m odelo racional, form al e im ut ável, válido em t odos os tem pos e lugares. Nas palavras de Bento Prado: “ é num a cert a concepção da verdade que se funda a consist ência própria do discurso ret órico, naquilo que poderíam os cham ar de um a ética da verdade ou um a polít ica do ent endim ent o. Est a ét ica da verdade se art icula no âm bito de t rês noções diferent es: verdade universal, verdade part icular e j ust iça.”55

53 Cf. KERFERD: “ A superioridade de um logos sobre outro não é acidental, depende da presença de características específicas. O estudo delas é o estudo da arte da retórica, e seu bom desenvolvim ent o é a fonte do poder sobre as alm as, que se intitula Psycagogia, ou a conquista das alm as dos hom ens, no Fedro de Platão“. KERFERD, G.B. O m ovim ent o sofist a. Tradução de Margarida Oliva. São Paulo: Edições Loyola, 2003, p. 141. Sobre a im portância deste conhecim ento escreve Platão: “ Enquanto não se conhecer a verdade da constituição de cada coisa de que se fala ou escreve e não se puder definir cada um a por si m esm a, e, depois de definida, dividi- la em espécies at é at ingir o indivisível; enquanto não se conhecer a natureza da alm a e puder determ inar que espécie de discurso convém a cada natureza, adornando-os de acordo com esse critério, para oferecer a um a alm a com plexa discursos tam bém com plexos e de variadas harm onias, e para alm as sim ples discursos igualm ent e sim ples, não se ficará em condições de m anej ar a arte da oratória com a perfeição exigida pela nat ureza desse gênero de com posição, não só para ensinar com o para convencer.“ PLATÃO, 1975, p. 96.

54 Cf. Bent o Prado : « Rousseau nous avertit donc explicit em ent que son discours s’adresse à des auditoires particuliers, que son sens et sa vérité ne peuvent pas être saisis sans la conscience de la ‘situation rhétorique’ dans laquelle il a été produit. Mais plus qu’une référence à l’idée d’auditoire particulier, on peut trouver dans ses textes une véritable théorie des auditoires, de leur histoire, une typologie générale des auditoires. Cette théorie est indissociable de sa théorie des langues et de sa théorie de l’Histoire. Nous pouvons t rouver une indicat ion de cet t e im bricat ion dans le dernier chapit re de ‘l’Essai sur l’origine des langues’ qui exam ine le rapport des langues aux gouvernem ent s. » PRADO Jr : 1972 , p. 55.

(30)

Com o exem plo dest a idéia Bent o cit a um a passagem cont ida em cart a endereçada a d’Alem bert onde Rousseau escreve:

Quant o àqueles que encont ram ou fingem encont rar oposição ent re m inha Cart a sobre os Espet áculos e a Nova Heloísa, eu est ou bem seguro de que eles não se im põem a vós. Vós sabeis que a verdade, m esm o sendo una, m uda de form a segundo o t em po e os lugares, e que podem os dizer em Paris aquilo que em dias m ais felizes não deveríam os t er dit o em Genebra.56

Bento Prado salienta que “ não é, propriam ent e dizendo, a verdade que m uda , m as a oport unidade de sua m anifest ação” .57 A verdade em si m esm a de nada vale, ela deve est ar sem pre condicionada à noção de j ustiça, e esta por sua vez, deve levar em cont a as hum anidades locais, as sit uações part iculares e os audit órios específicos onde será enunciada.58

Rousseau, ao tratar da form ação m oral dos j ovens, afirm a t am bém a necessidade de um t ipo adequado de discurso a t odo aquele que desej ar int ervir de form a com pet ent e e benéfica para a sociedade. Em consonância com a quest ão da psycagogia plat ônica escreve Rousseau no Em ílio: “Se eu quisesse ensinar ret órica a um j ovem cuj as paixões j á est ivessem desenvolvidas, m ost rar- lhe- ia continuam ente obj etos próprios a encoraj ar suas paixões e exam inaria j unt o com ele que linguagem deveria ter para com os outros para que favorecessem seus desej os” .59

Plat ão crit ica a superficialidade da art e ret órica em voga no seu t em po, as im plicações ét icas decorrent es de t al superficialidade; e ainda a falta de zelo dos sofistas em perceber para quem m inist ram seus cursos, propiciando, para pessoas sem a m enor preocupação em tornar o povo virt uoso, elem entos que perm itirão às m esm as ludibriá- lo. Segundo Kerferd: “ o que está errado é que os sofist as vendem sabedoria a t odos os

56 Rousseau, apud: PRADO Jr: 1972, p. 53. 57 I dem , p. 54.

58 Cf. Bento Prado : « dès que nous passons de cette lum ière universelle aux contenus, aux vérités particulières elles seront, par rapport aux hum anités locales, des biens, des m aux ou sim plem ent des choses indifférent es. Et le critère qui nous perm et de distinguer entre les diffèrentes sortes de vérités est la j ustice : la lim itat ion du cham p de la vérité, le choix des ‘bonnes’ vérit és est fondé dans l’am our de la j ustice qui précéde et fonde l’am our de la vérité, il est fondé dans un rapport à l’aut re dans l’horizon d’une hum anit é particulière. » PRADO Jr : 1972, p. 54.

(31)

que se apresent am , sem discrim inação – ao cobrar honorários eles se dest it uíam do direit o de escolher seus alunos. I sso, é dit o, envolve prelecionar diant e de t odo t ipo de gent e”.60I ncluindo principalm ente

aqueles que não estão dispostos a em preender o longo cam inho que supõe a aquisição da verdadeira arte de falar. Werner Jaeger afirm a que “ para a m assa das pessoas ‘cultas’ era a retórica o cam inho m ais largo e m ais côm odo” .61

Ent ret ant o, para t odo aquele que quiser se t ornar um orador de verdade, são necessárias algum as condições essenciais. Dentre elas, um a apt idão nat ural para bem falar, que deverá ser com plet ada por um longo processo de exercícios e dedicação à tarefa do filosofar. Sócrates, falando a Fedro sobre as exigências necessárias para adquirir a “ art e de bem falar” diz: “ Se nascest e com o dom da palavra, chegarás a ser um orador ilust re à cust a de est udo e exercício; porém , se t e falt ar qualquer dessas condições, no m esm o passo t ua form ação se ressent irá”.62 Além disso, os discursos devem ser dirigidos com o obj et ivo de conduzir as alm as no cam inho da virt ude, pois o “ hom em de senso” , segundo Sócrat es, não deverá “ esforçar- se para agradar seus com panheiros de escravidão.”

É precisam ent e est a a acusação que Rousseau faz aos lit erat os. Segundo ele, estes, em sua m aioria escrevem para « est enderem guirlandas de flores sobre os grilhões de ferro » com os quais os povos foram subj ugados, afogando- lhes « o sent im ent o dessa liberdade original para a qual pareciam t er nascido, fazem com que am em a escravidão e form am assim o que se cham a povos policiados” .63No capít ulo XX do

60 KERFERD: 2003, p. 47.

61 JAEGER, Werner. Paidéia: a form ação do hom em grego. Tradução de Artur M. Parreira. São Paulo: Martins Fontes, 1995, p.1273. No entanto “ quem se interessar pela verdadeira cultura do espírito não se cont ent ará com os escassos frut os t em porãos cultivados com o desfastio no horto retórico, m as terá a necessária paciência para deixar am adurecer os frutos da autêntica cultura filosófica do espírit o.” JAEGER: 1995, p. 1273 No Fedro, Platão por m eio das palavras de Sócrates afirm a que, “ enquant o não se conhecer a verdade da constituição de cada coisa de que se fala ou escreve[ ...] ; enquanto não se conhecer a natureza da alm a e puder determ inar que espécie de discurso convém a cada natureza,[ ...] não se ficará em condições de m anej ar a arte da oratória”PLATÃO: 1975, p. 96.

(32)

Ensaio, Rousseau apresent a o estado no qual chegaram os povos m odernos, onde o discurso e a persuasão j á não são m ais necessários:

Nos t em pos ant igos, quando a persuasão const it uía um a força pública, im punha- se a eloqüência. De que serviria hoj e, quando a força pública subst it uiu a persuasão! Não se t em necessidade nem de art e nem de figura para dizer – assim o quero- . Qual é o discurso, pois, que ainda rest a a fazer ao povo reunido?[ ...] . As sociedades t om aram sua últ im a form a: nela nada se t em a dizer ao povo, a não ser – dai dinheiro- , diz- se por m eio de cart azes nas esquinas ou de soldados nas casas. Para t ant o não se precisa reunir ninguém ; pelo cont rário, convém m ant er os súdit os esparsos – t al a prim eira m áxim a da polít ica m oderna.64

Com o podem os perceber, é grande aqui a dist ância em relação à polít ica grega. Rousseau descreve um a sociedade na qual os discursos j á não são m ais dirigidos ao povo, onde este não tem o poder de decisão. Plat ão afirm a no Górgias que, por m ais que o povo fosse t rat ado com o criança e “ só pensarem em lhes ser agradável, sem se preocuparem , no m ínim o, se desse j eit o eles viriam a ficar m elhores ou piores” ,65os oradores e políticos ainda precisavam de seu apoio. Coisa desnecessária na Modernidade, segundo Rousseau.

Em Plat ão, a crít ica à ret órica sofista deve ser entendida com o um a crítica ao conservadorism o do m odelo polít ico vigent e, no sentido de que os tratados de ret órica em voga na época, segundo ele, visavam apenas à obt enção do sucesso através da persuasão do povo, no sent ido de m ant er o st at us quo, haj a vist a que o orador nunca deveria falar algo que desagradasse o povo. Nesse sentido, a retórica servia com o instrum ento de adulação e com o prát ica polít ica eficaz no cenário exist ent e. Diferent e disso, Plat ão, nas palavras de Sócrates, pret endia que o orador honest o falasse à guisa de transform ação, em função da verdade, sem sim plesm ent e baj ular o povo, pois t al at it ude não possibilit aria um a m elhora efet iva das condições polít icas vigent es.

64 OC, V, p. 428.

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Para ser “ orador honesto” e polít ico de verdade é preciso conhecer a j ustiça e é preciso falar ao povo sem adulação, m as com o obj et ivo de t orná- lo m elhor. Em função de t ais características é que Sócrates, ao final do Górgias, afirm a ser “ um dos poucos at enienses, para não dizer o único, que se dedica à verdadeira art e política”, e que ninguém m ais senão ele presentem ente a pratica. “ Vist o nunca ent abular conversação com qualquer pessoa com o int uito de adquirir- lhe as boas graças e só t er em m ira o que é m ais út il, e não o m ais agradável” .66 Sócrates no Górgias

ainda afirm a não ter m edo das conseqüências de dizer a verdade ao povo, m esm o cont rariando- o e alert a que: “ Quanto a m orrer por falt a de ret órica baj uladora, est ou cert o de que m e verias suport ar facilm ente a m ort e” .67 E de fato é o que acaba ocorrendo ao m estre de Platão, e por

ext ensão t am bém de Rousseau. Segundo Gouhier: “ No Sócrat es plat ônico Rousseau reconhece um de seus heróis de Plut arco que foram os com panheiros de sua infância” .68

Out ros t em pos, out ros lugares, out ros cost um es. Rousseau não chega ao ponto de ser m orto, m as em função de sua atitude pouco afável com relação aos costum es de sua época, que ele considerava pouco at ent os à verdade, acaba por se isolar do convívio dos ‘salões’, provocando querelas com seus com panheiros da Enciclopédia. Rousseau acredita que o escritor, assim com o o orador para Platão, deveria escrever para dizer verdades út eis, m esm o que sofra o opróbrio de seus cont em porâneos, com a esperança de ser út il, se não no present e, ao m enos no futuro. Em suas Confissões, relem brando t ais quest ões e j ust ificando seu isolam ent o pelo fat o de não t er conseguido conviver com a baj ulação est abelecida em sua época, ele escreve:

66 PLATÃO: 2002a, p.237. 67 PLATÃO: 2002a, p.239.

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E eu, por um acúm ulo de m ales de t oda espécie, deveria algum dia servir de exem plo a alguém que, inspirado unicam ent e pelo am or ao bem público e à j ust iça, ouse, fort alecido só pela sua inocência, dizer abert am ente a verdade aos hom ens, sem se am parar em grupelhos, sem const it uir part idos para se prot eger.69

Para Rousseau assim com o para Plat ão, um discurso verdadeiro t am bém deve ser feit o sem se at er ao j ugo da opinião ou à m era aparência; deve ser m ot ivado por um sentim ento verdadeiro em conform idade com a consciência. Já no segundo Discurso, Rousseau incent ivava os cidadãos a anim arem “ o zelo dos chefes dignos m ost rando-lhes sem t em or e sem adulação a grandeza de sua m issão e o rigor de seu dever” .70

Am bos os autores escrevem em função de um dever ser, pois negam que a realidade present e de seu tem po estivesse de acordo com seu ideal ét ico- polít ico. Rousseau, ao considerar o hom em e a sociedade de seu t em po corrom pidos, afirm a que “ é preciso saber o que deve ser para bem j ulgar o que é” .71É j ustam ente em relação ao caráter ético discursivo que as posições de Plat ão e Rousseau se assem elham . Para Plat ão, o discurso não deve ser baseado sim plesm ente na verossim ilhança, assim com o não pode ser um discurso baj ulador; deve sim ser fundam entado pelo conhecim ento acerca do que se fala e pronunciado na int enção de t ornar m elhores e m ais virt uosos aqueles para os quais é dirigido. Em Rousseau, o discurso não deve apenas ser coerent e logicam ent e, m as deve ser m ot ivado por um sent im ent o verdadeiro. Além disso, o m esm o deve coincidir com a ação; ou sej a, não pode ser cont radit o na prát ica. Segundo Barros: “ Tant o em Plat ão quant o em Rousseau, o polít ico é inseparável do ét ico”.72Esta frase, bem entendida, deve ser estendida ao discurso político, que deve ser eivado de um sent im ent o verdadeiro e pronunciado t endo com o pano de fundo o

69 OC, I , p. 223. 70 OC, I I I , p. 207. 71 OC, I I I , p. 836- 7.

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desej o ét ico de propiciar um a m elhoria nas condições polít ico m orais vigent es em sociedade.

1 .3 A Ret órica depois de Plat ão.

Plat ão é t radicionalm ent e considerado um crítico ou o principal crít ico da retórica. No entanto, com o pudem os perceber, o que ele critica é um det erm inado t ipo de ret órica, a ret órica puram ent e form al e desprovida de conteúdos. Plat ão const it ui- se com o um m arco na quest ão da cultura retórica ocidental e após sua m orte alguns de seus discípulos encarregaram - se de at ualizar e levar adiante o legado do m estre. Tais são os exem plos de I sócrates e do m ais fam oso dos discípulos de Plat ão, o est agirit a Arist ót eles. Com relação a I sócrates afirm a Plebe:

Discípulo t ant o de Górgias quant o de Sócrat es, I sócrat es procurou cum prir igualm ent e a exigência gorgiana de um a art e da persuasão e a exigência socrát ica da busca filosófica. Para I sócrat es, de fat o, a ret órica pode cham ar- se sim plesm ent e ‘filosofia’, porque ele ent ende por ret órica a síntese da art e da persuasão e da art e do viver social: na sua ret órica est á incluída a própria m oralidade.73

Essa aproxim ação entre retórica e filosofia, form a e cont eúdo, onde am bas at uam tendo em vista as m elhorias do bem com um , ou o int eresse pela prát ica polít ica e educacional da sociedade, ultrapassa os lim ites da Grécia ant iga e t ende a influenciar t oda a t radição polít ico- educacional da cult ura ocident al at é o Renascim ent o. Bent o Prado ao t rat ar dest a m odificação que se dá no que diz respeit o ao papel da ret órica t endo em vist a fins polít icos escreve que para I sócrat es “o discurso polít ico não t em necessidade de um fundam ent o absolut o na epist êm e para ser verdadeiro, j ust o e út il: é a ret órica, ent ão, que adquire sua aut onom ia( ...) Para Plat ão, a ret órica sem a ciência da dialét ica não era senão t agarelice ( bavardage) ; para I sócrat es, é a especulação que, afast ada dos problem as urgent es da Cit é, t orna- se puro j ogo de palavras” .

(36)

74 Bento Prado vê nesta acusação isocrática do excessivo rigor dos

filósofos para resolver quest ões especulat ivas o m esm o t ipo de preocupação que levará Rousseau a “ crit icar ‘essas crianças que cham am os filósofos’ que insist em em discussões de problem as insolúveis e deixam de lado a m oral e a polít ica” . Segundo ele “ a crít ica da filosofia t em a m esm a inspiração para Rousseau e para I sócrat es”. Ainda segundo Bent o Prado, “ à Plat ão, t ant o I sócrat es quant o Rousseau opõem a finit ude do Saber hum ano e a im possibilidade de decidir com cert eza ent re hipót eses rivais, de descobrir ent re os sist em as do m undo, qual é o verdadeiro.( ...) é , com efeit o um a espécie de fé ou de boa fé que ocupa o lugar deixado vago pela ciência doravant e im possível: e com est a boa fé é a ret órica que adquire a dignidade de discurso verdadeiro, m esm o se ela não aspira a um a verdade absolut a”.75

Entretanto, é preciso esclarecer que, apesar de poderm os perceber um a cert a sim ilitude de posições entre Rousseau e I sócrat es, não se t rat a, com o bem lem bra Bent o Prado, de um a ‘influência’, haj a vist a que as poucas referências a I sócrat es na obra de Rousseau são extrínsecas. De nossa parte, aventam os a hipótese de que, no que t ange à preocupação de Rousseau em crit icar as post uras eruditas e inférteis e pregar um a participação m ais ativa por parte do orador ou do cidadão, nas questões da m oral e da polít ica, sua dívida seria m ais diret am ent e ligada às post uras de Quint iliano, aut or cuj a presença nos escritos rousseaunianos nos parece m ais evident e e det erm inant e ( apesar de cont ar igualm ent e com poucas cit ações) .

74 PRADO Jr: 1972, p. 51.

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