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Memória impressa: os livros da Petrobras sobre sua história

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Academic year: 2017

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0 FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS

CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL – CPDOC

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS

MESTRADO PROFISSIONAL EM BENS CULTURAIS E PROJETOS SOCIAIS

MEMÓRIA IMPRESSA:

OS LIVROS DA PETROBRAS SOBRE SUA HISTÓRIA

APRESENTADA POR

SERGIO RICARDO RETROZ

PROFESSOR ORIENTADOR ACADÊMICO: VERENA ALBERTI

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1 FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS

CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL – CPDOC

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS

MESTRADO PROFISSIONAL EM BENS CULTURAIS E PROJETOS SOCIAIS

MEMÓRIA IMPRESSA:

OS LIVROS DA PETROBRAS SOBRE SUA HISTÓRIA

APRESENTADA POR

SERGIO RICARDO RETROZ

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2 FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS

CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL – CPDOC

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS

MESTRADO PROFISSIONAL EM BENS CULTURAIS E PROJETOS SOCIAIS

PROFESSOR ORIENTADOR ACADÊMICO VERENA ALBERTI SERGIO RICARDO RETROZ

MEMÓRIA IMPRESSA:

OS LIVROS DA PETROBRAS SOBRE SUA HISTÓRIA

Dissertação de Mestrado Profissional apresentada ao Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil – CPDOC como requisito parcial

para a obtenção do grau de Mestre em Bens Culturais e Projetos Sociais.

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Ficha catalogháfica elabohada pela Biblioteca Mahio Henhiqre Simonsen/FGV

Rethoz, Sehgio Ricahdo

Memóhia imphessa: os livhos da Pethobhas sobhe sra históhia / Sehgio Ricahdo Rethoz. – 2015.

234 f.

Dissehtação (mesthado) - Centho de Pesqrisa e Docrmentação de Históhia Contempohânea do Bhasil, Phoghama de Pós-Ghadração em Históhia, Política e Bens Crltrhais.

Ohientadoha: Vehena Albehti. Inclri biblioghafia.

1. Históhia ohal. 2. PETROBRÁS – Históhia. I. Albehti, Vehena. II. Centho de Pesqrisa e Docrmentação de Históhia Contempohânea do Bhasil. Phoghama de Pós- Ghadração Históhia, Política e Bens Crltrhais. III. Títrlo.

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Agradecimentos

Esse trabalho só foi possível pela ajuda e contribuição de diversas pessoas e instituições e deixo aqui registrado alguns agradecimentos.

Agradeço a Verena Alberti pelo seu respeitável trabalho de orientação, com leituras minuciosas de meus textos e com comentários, sem os quais, esse trabalho não teria chegado ao atual formato.

Agradeço aos professores da banca de qualificação, Ana Paula Goulart Ribeiro e Luciana Quillet Heymann, que com suas contribuições enriqueceram enormemente esse trabalho.

Agradeço ao CPDOC/FGV. Tanto aos professores, que me trouxeram novas questões e perspectivas, quanto ao grupo discente do programa de pós-graduação, rico pela sua diversidade. Agradeço ainda os funcionários dessa instituição, sempre prontos para a solução de questões burocráticas.

Agradeço à equipe do Programa Memória Petrobras, em especial a Miriam Collares Figueiredo, por ter me ajudado com informações e ter sido sempre um

contraponto em debates. Preciso citar ainda minha gerente Andrea Vianna, pelas suas concessões, sem as quais não conseguiria concluir esse estudo.

Agradeço minha família, pais e amigos por compreenderem minhas ausências, necessárias para a dedicação a este trabalho.

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Resumo

A presente pesquisa dedica-se ao estudo da emergência da memória nas empresas, tendo como estudo de caso a produção dos livros de memória da Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobras), editados entre 1979 e 2013. São 36 títulos produzidos seja corporativamente, seja por áreas e unidades específicas da companhia, normalmente encomendados a empresas de memória ou de comunicação, ou ainda a instituições de pesquisa. Esses livros são adotados, neste trabalho, como fontes primárias e são explorados tomando como foco desde os mecanismos que os viabilizaram na empresa até suas construções narrativas.

Abstract

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10 SUMÁRIO

Introdução... p.8 CAP 1 – MERCADO DA MEMÓRIA E PROFISSIONAIS DE HISTÓRIA... p.20

1. Emergência da Memória e História Pública... p.20 2. Peças de comunicação e disputa por saber... p.30 3. Narrativas do passado e desafios do mercado da memória... p.39 4. Petrobras e sua história... p.46 CAP 2 – PRODUTOS DE MEMÓRIA E ESTRUTURA CORPORATIVA... p.55 1. Unidades industriais e operacionais... p.57 2. Áreas corporativas e empresas subsidiárias... p.79 3. Comunicação institucional... p.91 4. Livros não publicados... p.102 CAP 3 – NARRATIVAS DO PASSADO E ESTRATÉGIAS POLÍTICAS... p.111

1. Aproximação... p.111 2. Metodologia e recursos narrativos... p.116 3. O meu lugar na história... p.125 4. História de brasileiros... p.137 5. Temporalidades... p.147 CAP 4 – OS LIVROS DE MEMÓRIA E A IDENTIDADE PETROLEIRA... p.156

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Lista de anexos

Quadro sinóptico dos 35 livros de memória da Petrobras;

Questionários respondidos por algumas áreas da Petrobras sobre seus livros de Memória;

Páginas 74 e 75 do livro: PETROBRAS. Energia da Memória: as lições da Petrobras. Rio de Janeiro: Petrobras; São Paulo: Museu da Pessoa, 2010;

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8 INTRODUÇÃO

No século XX, a questão da memória aos poucos adquiriu importância nas ciências sociais, em uma onda desencadeada por Maurice Halbwachs. No final dos anos 1970, os historiadores da chamada Nova História começaram a abordar a memória de forma mais aprofundada e conectada com a problemática da identidade social e, portanto, como “objeto de poder” disputado pelos diversos grupos sociais (Le Goff, 1996, p. 476). Na década de 1990, a questão da memória já estava em destaque, e autores como Andreas Huyssen passaram a olhar para a memória enquanto fenômeno conectado com o desconforto do homem no mundo pós-moderno (Huyssen, 2000), em seu anseio por definição de identidades. Anthony Giddens chamou a atenção para o divórcio, ocorrido na modernidade em curso, entre o tempo e o espaço (Giddens, 1991). A história daria ao homem um lugar, em um momento em que tudo lhe parece instável e fluido, quando a fixação no espaço se torna difícil e sua compreensão do mundo e do tempo, de frágil entendimento.

Nas manifestações culturais, econômicas e políticas das sociedades ocidentais das últimas três décadas, assistimos ao que Andreas Huyssen chamou de “boom da memória”. Inúmeras instituições, estatais e privadas, do Brasil e de outros países, passaram a dedicar tempo e recursos a trabalhos de valorização de suas histórias. O passado das instituições passou a ocupar a cena em celebrações de aniversários e em campanhas internas e publicitárias, por meio de publicações, filmes, sites e exposições institucionais. O que, até então, parecia um recurso empregado especialmente pelo Estado, para a consolidação das identidades nacionais, passou a ser utilizado por instituições as mais diversas e, até mesmo, por empresas privadas. O empresariado brasileiro seguiu a tendência e recorreu aos meios de comunicação para tornar as histórias de suas marcas e produtos visíveis a seus públicos.

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9 pesquisadores acadêmicos.1 O que, em um primeiro momento, parecia uma alusão curiosa à trajetória das empresas, assumiu um caráter de relativa estabilidade, com um discurso marcado pelos conceitos de responsabilidade histórica e transparência

institucional, amplamente propagado em relatórios administrativos e balanços sociais.

Muitos dos produtos de disseminação da história das empresas foram elaborados por empresas de comunicação, mas a consolidação de programas efetivos de memória foi, em grande parte, fomentada, acompanhada e elaborada por profissionais com formação em história e ciências sociais, que encontraram no meio empresarial espaço para o exercício de suas profissões. Alguns desses profissionais de história – como prefiro classificá-los – organizaram-se em empresas de serviço e de consultoria para a elaboração de livros, exposições e filmes, como também para a consolidação de espaços de memória e de centros de documentação empresariais.

Aos poucos, a guarda de documentos de valor histórico tornou-se também relevante no mundo empresarial. Todo papel mais amarelado, principalmente as fotos, cujas imagens adquirem novas nuanças com o passar tempo, tende a abrandar a rigidez dos corações mais insensíveis, fazendo do clamor pela preservação uma forte bandeira, elevada em tempos de instabilidade e de fluidez. Essa preservação é defendida também por vozes mais próximas da academia e das iniciativas de caráter cultural, que entendem a manutenção dos registros históricos de uma sociedade como fundamental ao desenvolvimento do saber e do conhecimento.

Muitos desses programas tiveram suas gêneses em comemorações de aniversários das empresas, celebradas com a elaboração de peças de comunicação, como livros, vídeos, sites e exposições comemorativas, centradas na trajetória institucional. Prefiro classificar essas peças de comunicação por produtos de memória, em alusão ao que Huyssen chama de “produtos de rememoração”, ou seja, produtos que têm por objetivo recolocar o passado no presente, dando significado a uma trajetória ou a um fato considerado importante à identidade de uma dada coletividade. Como bem evidenciou Beatriz Sarlo, esses produtos são gerados no modo de produção capitalista, e

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10 para viabilizá-los constitui-se o chamado mercado da memória2, composto por empresas dedicadas exclusivamente a isso ou por empresas de comunicação que passaram a incluir em seus produtos aqueles dedicados à memória das instituições.

Esse mercado da memória, provocado pela demanda das próprias empresas e instituições, é o gerador dos produtos de memória. Se o trabalho rotineiro e sistemático dos centros de documentação e memória tem pouca visibilidade, esses produtos, muitas vezes inseridos em contextos celebrativos, brilham aos olhos das lideranças e dos empregados das empresas. Caíram no gosto das comunidades empresariais, que adoram demandar livros de capa dura e exposições de fotos e objetos considerados antigos, muitas vezes sustentados pelo argumento de disseminar e valorizar a trajetória das empresas, ou resgatá-la, como se costuma dizer. Mas, se a difusão de informações sobre o passado vem ao encontro de uma necessidade crítica da contemporaneidade, é relevante questionar como isso se dá no contexto social, quais mecanismos são ativados e quais particularidades estão presentes nas motivações de tal difusão.

Os produtos de memória são também peças de comunicação e, por isso, para se compreender seu papel e poder social é preciso encará-los como tais. A área de comunicação tem um grande potencial na difusão de conhecimento, contudo, é também capaz de inventar heróis ou demônios, fabricar democracias ou tiranias (IANNI, 2003). Kellner, apoiando-se no conceito de Guy Debord, de “sociedade do espetáculo”, revela como a mídia, tornada importante na vida cotidiana contemporânea, tem intensificado uma cultura do espetáculo, fascinando e iludindo o público com um mundo novo de entretenimento, informação e consumo, de forma a influenciar seu comportamento e atitudes. E o leque de influências dos meios de comunicação contemporâneos, na chave do espetáculo, tem alcançado a economia, a política, a cultura e a vida cotidiana. Kellner demostra como a “cultura do espetáculo” perpassa a criação das celebridades, influencia o esporte, predomina no cinema, reina na televisão, entra no teatro, se expressa no designer, invade os museus, desponta uma arquitetura nova, seleciona as músicas, explora a gastronomia e o erotismo, determina a criação dos jogos de computadores e torna espetáculo as guerras, atentados terroristas e ações políticas.

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11 A cultura da mídia promove espetáculos tecnologicamente ainda mais sofisticados para atender às expectativas do público e aumentar seu poder e lucro. As formas de entretenimento invadem a notícia e a informação, e uma cultura tabloide, do tipo infoentretenimento, se torna cada vez mais popular. Novas multimídias – que sintetizam as formas de rádio, filme, noticiário de TV e entretenimento – e o crescimento repentino do domínio do ciberespaço se tornam espetáculos de tecnocultura, gerando múltiplos sites de informação e entretenimento, ao mesmo tempo em que intensificam a forma-espetáculo da cultura da mídia. (KELLNER, 2004, p. 5)

O autor entende os escândalos sexuais do presidente Clinton, explorados pela mídia em tom de espetáculo em 1998, como uma tentativa de viabilizar o

impeachment do presidente. Contudo, a mídia não alcançou o resultado esperado, o impeachment não aconteceu, por motivos vários, o que, de qualquer forma, segundo o

autor, prova a imprevisibilidade dos resultados obtidos por manipulações baseadas na cultura do espetáculo, prova que a mídia não tem o pleno controle do público, podendo também se surpreender, embora seja sempre capaz de transformar um fato em um espetáculo, com repercussões, no caso americano, globais.

Difundir as informações acerca do passado não constitui, portanto, uma ação lúdica e de apelo puramente emotivo. Trata-se de uma ação capaz tanto de contribuir para o esclarecimento do homem de hoje em relação a ideias e referências do passado, quanto de gerar o obscurantismo e reforçar mitos que aprisionam as ações do presente. As iniciativas de empresas na valorização de suas histórias e memórias constituem, portanto, uma atitude política, que pode ser exercida para intensificar a reflexão e o debate sobre o passado e a maneira como nos posicionamos no presente, ou simplesmente reforçar a ordem das coisas como estão postas, inibindo a participação da coletividade na elaboração de leituras do vivido.

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12 importante, é entender a maneira como a história, enquanto disciplina, é ativada e como a narrativa do passado é construída.

Como esse trabalho trata de história e memória, sinto-me na obrigação de ao menos citar um pouco as discussões acerca da diferenciação desses campos, embora esteja ciente da amplitude das questões e de minha impossibilidade em ir muito longe sobre elas. A relação desses campos é retomada em alguns momentos desse trabalho, sempre para levantar algumas questões relacionadas à tarefa de construção de narrativas do passado, isso porque considero importante, em qualquer séria tarefa de reconstrução dos tempos remotos, levar em conta a relação entre esses campos. Se, num primeiro momento, a simples dicotomia entre história e memória – sendo a primeira o conhecimento científico do passado, sustentado por documentos, e a segunda uma mera interpretação construída pela coletividade – parecia suficiente, hoje, cada vez mais, se percebe que a relação entre ambas pode ser mais complexa. As questões políticas, econômicas e culturais inerentes à construção da memória estão também presentes nas reconstruções da história. Henry Rousso, que será citado neste trabalho por outras questões, aponta que é preciso ir além de uma “oposição sumária entre história e memória”. Para ele, “a memória, no sentido básico do termo, é a presença do passado” (ROUSSO, 2006 (1996), p. 94) e, por isso, em certo momento, chega a sugerir que talvez a história, praticada pelos historiadores, seja uma “forma de expressão da memória coletiva” (ROUSSO, 2006 (1996), p. 95).

Contudo, como Rousso mesmo indica, a diferença entre história e memória não é mais uma questão de grande polêmica nas ciências humanas e misturá-las não faz muito sentido, afinal a história possui propósitos e métodos distintos da memória, que parecem claros nas definições de Ulpiano Bezerra de Meneses:

[A memória] Não se confunde com a História, que é a forma intelectual de conhecimento, operação cognitiva. A memória, ao invés, é operação ideológica, processo psicossocial de representação de si próprio, que reorganiza simbolicamente o universo das pessoas, das coisas, imagens e relações, pelas legitimações que produz. (MENESES, 1992, p.24)

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13 história busca ir além dessas subjetividades, seguindo um método forjado para a sua atividade, enquanto a memória não se envergonha desses emaranhados. Nos livros produzidos pelas empresas sobre os seus passados, segundo meu ponto de vista, a história e a memória se confundem e a maneira como essa “confusão” se dá é objeto deste trabalho.

A problemática da memória vem sendo explorada pelas ciências humanas, em trabalhos que vão do esquecimento às celebrações da memória, da sua apropriação política à sua relação com a identidade, entre outras questões. Este trabalho se insere nessas discussões, colocando-se em uma linha evidenciada também por Ulpiano Bezerra de Meneses, em outro de seus artigos:

(...) já seria tempo – e tem havido apelos neste sentido – de começar a fazer uma História da memória, que seria não apenas a história das teorias sobre a memória, mas se imbricasse nas práticas e representações mnemônicas e rememorativas das sociedades e grupos, incluindo seus suportes e estratégias de apropriação, tendências, móveis, conflitos, efeitos, reciclagens etc. etc. Nesta perspectiva, pesquisar o universo da gestão da memória e, em particular, daquilo que se poderia chamar de economia política da memória seria de extrema oportunidade. (MENESES, 1999, p. 11-12)

Um estudo como o sugerido por Meneses deve recorrer às discussões teóricas acerca da memória, porém, a lacuna que o autor evidencia não é tanto em torno da teoria, mas do estudo das “práticas e representações” das instituições. Nesse sentido, é importante o estudo de um caso concreto de ações ligadas à memória e à história institucional. Por isso, este estudo se concentrará no caso de uma empresa, a Petrobras.

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14 como sua executora foi uma questão polêmica e quanto mais nos distanciávamos dos acontecimentos que geraram a elaboração da lei, mais se consolidava uma narrativa sobre a trajetória da empresa. Tanto em jornais de grande circulação, quanto na imprensa sindical e de associações, quando as questões acerca do petróleo e da política governamental no setor vêm à tona, corre-se o risco de ler argumentos apoiados na força motor das ideias nacionalistas que motivaram a criação da Petrobras. Mesmo com a chamada quebra do monopólio, que retirou das mãos da empresa a exclusividade na execução das atividades referentes à exploração, produção e comercialização do petróleo, a Petrobras ainda é admitida como um instrumento privilegiado na defesa da riqueza nacional. Diante desse quadro, pode-se presumir o papel especial assumido pela memória nos discursos acerca da Petrobras, sendo o momento de criação da empresa acionado por aqueles que buscam defendê-la ou criticá-la, o que torna o estudo rico e interessante.

Essa pesquisa foi iniciada antes de virem a público alguns dos resultados de investigações da chamada “Operação Lava-Jato”, realizada pela Polícia Federal brasileira, deflagrada em março de 2014 e ainda em andamento, que denunciou crimes de lavagem de dinheiro e organização criminosa operados por executivos de empresas brasileiras, entre eles ex-diretores e gerentes da Petrobras, quando exerciam funções na estatal. O caso ecoou nacionalmente, tem ocupado a imprensa e repercutiu na companhia, que precisou tomar várias ações para demostrar vontade em melhorar sua governança e impedir futuros crimes de corrupção em assinatura de contratos, como aqueles questionados pela “Operação Lava-Jato”.

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15 pela Petrobras sobre seu passado talvez sofram mutações com a incidência da “Operação Lava-Jato”, que coloca a empresa diante de uma nova conjuntura, demandante de novos posicionamentos, inclusive em relação ao passado. Alguns livros aqui analisados talvez tenham perdido valor para a Petrobras, enquanto produtos de memória, justamente porque remetem a sujeitos com os quais a companhia não deseja mais se identificar.

Esse estudo visa contribuir ainda para uma melhor compreensão do trabalho do profissional com formação em história exercido em ambiente empresarial. Visa verificar se as preocupações inerentes ao profissional conseguem se transformar em ações eficazes que garantam a reflexão acerca da história e da memória das corporações. A pesquisa busca contribuir com a formação teórica dos profissionais de

história, dando-lhes maior consciência das minúcias presentes no exercício de suas

funções dentro das empresas, a fim de que suas escolhas sejam mais bem subsidiadas e seu papel exercido com mais critério e responsabilidade. Essa face da pesquisa tem por inspiração as observações de Jacques Le Goff, que reconheceu a memória como uma das grandes questões das sociedades, por ser objeto de luta de poder. Para o autor, os profissionais envolvidos com a memória deveriam trabalhar pela democratização desta, ou seja, garantir que os diversos grupos possam encontrar seu justo lugar em uma releitura do passado. Por isso, afirma:

Cabe, com efeito, aos profissionais científicos da memória, antropólogos, historiadores, jornalistas, sociólogos, fazer da luta pela democratização da memória social um dos imperativos prioritários da sua objetividade científica. (...)

A memória, onde cresce a história, que, por sua vez a alimenta, procura salvar o passado para servir o presente e o futuro. Devemos trabalhar de forma a que a memória coletiva sirva para a libertação e não para a servidão dos homens. (LE GOFF, 1996, p. 477)

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16 Com o estudo dos produtos de memória da Petrobras, pretende-se uma aproximação daquilo que está em torno dessa produção, o que a tem provocado e quais discursos aparecem para dar respaldo à sua emergência. Deseja-se entender melhor até que ponto esses livros são fruto de pesquisa histórica e quais procedimentos foram aplicados em sua confecção; verificar onde existe e onde falta certa pluralidade de ideias e versões do passado e como estas se dão na construção das narrativas.

O universo de produtos elaborados pela Petrobras para divulgar sua história tem proporções consideráveis. São sites, exposições, vídeos, livros e revistas das mais variadas tendências e linguagens, que fazem uso da imagem, inerte ou em movimento, do texto, breve ou extensivo, do engajamento do usuário etc. Este estudo, contudo, se restringe aos livros elaborados pelas áreas de comunicação da sede da empresa e de suas unidades espalhadas pelo país. A restrição a um tipo exclusivo de linguagem, constituída, geralmente, por texto e imagem, se dá, em parte, por ordem prática, por garantir a redução do universo de fontes e dos objetos de análise. Ademais, restringir-se a um tipo documental permitirá explorar com mais profundidade e domínio seus recursos estéticos; no caso do livro, a diagramação, tipo de encadernação, papel, impressão e disposição dos conteúdos. Esses livros, em muitos casos, são mais vistos do que lidos; daí a necessidade de uma abordagem da diagramação, para entender melhor a narrativa construída pela disposição dos conteúdos no livro. Serão considerados ainda, obviamente, os procedimentos de pesquisa utilizados na construção desses livros: como se obtêm as fontes, quais são priorizadas, até que ponto os conhecimentos da disciplina da história são explorados.

Foram identificados 36 livros da empresa que têm por objeto a sua história, sendo alguns sobre a história da Petrobras como um todo e outros sobre uma determinada área ou unidade industrial, oriundos de vários cantos desse país. Muitos foram encomendados a empresas de comunicação que não têm a confecção de produtos de memória como atividade proeminente. Algumas questões parecem essenciais no estudo desses produtos: quem demanda o livro e por que o faz; como se encaminha o pedido – ou seja, com quais critérios se escolhe o executor – e até que ponto existe sintonia entre as intenções do demandante e as do executor?

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17 exploração e produção de petróleo. Outra se refere àqueles demandados pelas áreas da Petrobras, seja de serviços, como informática e recursos humanos, seja de negócios, como a internacional e a de distribuição de derivados, entre outras. A terceira categoria refere-se aos livros encomendados pela comunicação institucional da companhia e, por isso, referentes à história da Petrobras como um todo, diferente das duas anteriores, que têm seu conteúdo centrado na história de uma unidade operacional ou industrial ou de uma área especificamente. A elaboração de mais da metade dos livros foi estimulada por datas comemorativas e, salvo um título dos anos 1970, todos foram publicados a partir dos anos 1990, mais intensamente após a virada do milênio.

A fim de facilitar a abordagem dos assuntos relevantes à pesquisa e permitir a análise dos livros de memória da Petrobras, assumidos como fontes primárias dessa investigação, estruturo este trabalho em quatro capítulos. No primeiro, tratarei do contexto de emergência da memória, das discussões acerca da publicidade da história e do papel dos profissionais dedicados a este mercado, diante do desafio de satisfazer a sede institucional e coletiva por memória, sem ferir as questões éticas intrínsecas a uma justa abordagem do passado.

No segundo capítulo, entraremos nos 36 livros de memória publicados pela Petrobras e percorreremos suas páginas de apresentação, em uma tentativa de entendimento dos discursos de legitimação dessa produção. Procuro aproximar-me da maneira como o trabalho de confecção dos livros é encaminhado, quais profissionais e empresas são ativados e como se inserem nesses projetos. Em alguns casos, principalmente no dos livros produzidos pela sede da companhia, procuro entender melhor o contexto institucional, social e político de sua elaboração, importante para compreendermos as motivações para essa efervescente produção.

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18 publicado pela sede da companhia (2010), por ter uma narrativa centrada em explicar as então recentes descobertas da companhia na camada pré-sal, portanto, interessante para termos uma narrativa da sede da companhia, realizada pelo Programa Memória Petrobras, sobre a área de exploração e produção de petróleo. As unidades de operação que editaram livros sobre suas histórias, todas com um livro analisado neste capítulo, são as mais importantes para a companhia, tanto economicamente, pelo volume de produção, quanto do ponto de vista histórico, por estarem ligadas a fatos comumente destacados em uma narrativa histórica da companhia. Com esses cinco livros, temos a narrativa da trajetória da exploração e produção de petróleo da Petrobras na perspectiva de vários ângulos da companhia, o que nos permite verificar consonâncias e dissonâncias. Importante também notar que os livros priorizados nessa análise datam do período de 2009 a 2012, o que nos oferece um retrato da linguagem editorial empregada em tempos recentes, os mais férteis na elaboração de produtos da memória.

No quarto e último capítulo, entro na questão da identidade, sem a qual não poderíamos falar de memória. O que realizo não é uma análise das identidades propriamente ditas, mas apenas uma investida sobre a maneira como elas são utilizadas e destacadas na construção das narrativas do passado. Comento a respeito da identidade do trabalhador da Petrobras, muitas vezes sintetizada pelo nome de “petroleiro”. A análise continua privilegiando os cinco livros trabalhados no capítulo anterior, mas amplio o meu olhar para outros livros, de outras áreas e unidades da companhia, a fim de entender como a identidade do trabalhador da companhia é vista também por outras áreas da companhia e não restritamente pelas unidades de exploração e produção de petróleo e gás.

Por fim, encerro essa introdução pelo ponto de início de qualquer trajetória

de pesquisa, ponto ocupado pelo pesquisador e pelo contexto social que o cerca. Há

alguns anos me dedico a iniciativas institucionais na área da memória, sempre guiado

pela minha formação acadêmica no campo da história. No exercício de minha profissão,

muitas vezes me foi confiada a confecção de produtos como livros, exposições e vídeos

documentários e, imerso em tais tarefas, me questionei sobre a relevância da formação

em história para a elaboração desses produtos.

Como disse, há cinco anos sou um dos dois historiadores contratados pela

Petrobras para o seu programa de memória institucional, centrado na gestão e ampliação

(21)

19

da companhia, na disseminação das informações por meios comunicacionais, bem como

na formação dos profissionais de comunicação da empresa para o desenvolvimento de

projetos de memória. Por estar dentro da companhia, tive acesso a alguns documentos

internos que enriquecem minha análise, embora o levantamento documental seja difícil

mesmo dentro da Petrobras, por não haver uma política de acervo clara e

institucionalmente definida. Reunir os 36 livros de memória da companhia foi, por si

só, uma proeza. As áreas de comunicação nem sempre endereçam um exemplar da nova

publicação à sede, nem mesmo ao Programa Memória Petrobras. Precisei entrar em

contato com todas as gerências de comunicação da companhia e, mesmo assim, alguns

livros chegaram à minha mão acidentalmente, ou por conversas em reuniões motivadas

por escopos outros.

O objeto dessa pesquisa surge, portanto, de um interesse pessoal e

profissional de um pesquisador comprometido com a questão da memória nas empresas

e, igualmente, sedento de encontrar espaço para distanciar-se de suas tarefas e refletir

sobre elas. A questão da memória e a maneira como ela emerge no contexto social é

aqui mais do que um objeto, uma inquietação que tem interferido em minha atividade

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20 CAPÍTULO 1

MERCADO DA MEMÓRIA E PROFISSIONAIS DE HISTÓRIA

O primeiro passo para entendermos a produção de narrativas do passado nas empresas, especialmente o caso da Petrobras, é nos aproximarmos do mercado responsável por essa produção, mercado configurado com o objetivo de responder a uma demanda gerada pelas empresas por projetos de memória, mas que também influencia a configuração desses projetos e a construção das narrativas empresariais do passado. E para entendermos o contexto de emergência, funcionamento e acionamento desse mercado, considero fundamental, concomitantemente, investigar as razões que levam as empresas a despenderem recursos financeiros e energia administrativa em projetos para a guarda e a disseminação de documentos e informações sobre seus passados.

1. Emergência da Memória e História Pública

O fenômeno de emergência da memória não é algo exclusivo do mundo corporativo; tem raízes mais profundas, ligadas a um contexto sociocultural complexo, e precisamos atentar para este para compreender mais profundamente o que tem ocorrido nas empresas.

Alguns autores, como Andreas Huyssen e François Hartog, partem da tese

de que o processo de modernização que encontrou triunfo na primeira metade do século

XX, no Ocidente, apoiou suas bases em uma expectativa no futuro, na ideia de

progresso e desenvolvimento; o presente das sociedades se fazia com o olhar no futuro,

sendo o passado algo a ser superado e seus vestígios facilmente apagados. Mas esses

autores perceberam que, no avançar do século, principalmente em suas duas últimas

décadas, as sociedades ocidentais passaram a ser marcadas por uma “cultura da

memória”, como diria Huyssen, ou seja, por um contexto sociocultural que atribuiu

forte importância ao passado. Em diferentes países do Ocidente constituiu-se uma

infinidade de museus, monumentos e memoriais, e o passado apareceu como tema de

livros, revistas, filmes, programas de televisão e design. O passado tornou-se assunto de

vanguarda, nas artes, nos lugares públicos e privados, em um movimento transnacional,

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21

Huyssen de boom da memória. O movimento das empresas, marcado pela criação de

centros de memória e de documentação e pela divulgação da história institucional por

meio de produtos de comunicação, está nessa onda de emergência da memória.

Huyssen considera o holocausto como o grande precursor desse movimento,

por se tratar de um acontecimento acionador de uma série de estratégias memorialísticas,

impactando sociedades para além de suas fronteiras nacionais; o autor concebe o fim

dos regimes ditatoriais como o contexto social proporcionador das bases para esse

processo, desencadeado não só na Europa, mas também na África e na América Latina.

Interessante, para Huyssen, é que, em um mundo de economia globalizada, na qual os

países passam a conviver com companhias transnacionais, a “cultura da memória”,

embora seja um movimento global, parece acontecer ainda sob as fronteiras das nações;

por isso, o autor se pergunta se a cultura da memória não seria uma reação à própria

globalização. A mesma globalização que impulsiona o homem para o futuro tem, em

seu âmago, a geração de inúmeros passados, pois, em um contexto de alta produtividade,

de constante produção do novo, os produtos já nascem obsoletos, ou seja, os objetos e

sistemas são consumidos quando existem versões mais inovadoras. Para Huyssen, o

boom da memória na contemporaneidade é um “paradoxo da globalização”, pois o

mesmo contexto que gera uma constante produção do novo precisa recorrer à memória

para dar a estabilidade necessária à vida do homem, ainda pouco acostumado com o

ambiente globalizante. Huyssen recorre a Pierre Nora e Hermann Lübbe, para lembrar

que, para o primeiro, os lugares da memória são uma tentativa de compensação de uma

perda dos meios de memória e que, para o segundo, a musealização é uma tentativa de

compensação da perda das tradições vividas. A globalização, na visão de Huyssen, traz

consigo um encurtamento do tempo e do espaço, o que gerou uma experiência de

instabilidade e de insegurança no homem, que, por sua vez, provocou uma reação de

busca pelo passado e pela memória. Para o autor, a sociedade contemporânea, herdeira

do mal-estar provocado pelas duas grandes guerras, vive atualmente um novo mal-estar

provocado pela grande carga informacional, que gera no homem o “medo de

esquecimento”. Huyssen, portanto, caracteriza a cultura da memória como uma reação

ao contexto contemporâneo:

A minha hipótese aqui é que nós tentamos combater este medo e o perigo do

esquecimento com estratégias de sobrevivência de rememoração pública e

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22

desejo de nos ancorar em um mundo caracterizado por uma crescente

instabilidade do tempo e pelo fraturamento do espaço vivido. Ao mesmo

tempo, sabemos que tais estratégias de rememoração podem afinal ser, elas

mesmas, transitórias e incompletas. (HUYSSEN, 2004, p. 20)

Já na visão de Hartog, o que o homem contemporâneo vivencia não é o

encurtamento do tempo, mas a sua extensão. Para Hartog, ao longo do século XX, se

configurou na sociedade a vigência de um novo “regime de historicidade”, ou seja, o

homem passou a tratar o seu passado e a se entender no tempo de outra maneira,

segundo uma nova “modalidade de consciência”. Na antiguidade, o passado fora

entendido como magistra vitae, capaz de servir ao presente, com o ensinamento de

experiências vividas. No século XVIII, a ideia de magistra vitae entrou em crise, diante

das revoluções europeias, e um novo “regime de historicidade” sobreveio nas

sociedades ocidentais, marcado pela ideia de progresso e de visão positiva do futuro.

No avançar do século XX, principalmente a partir dos anos 1980, é que uma nova

modalidade passou a se configurar, na qual o tempo presente é estendido, fenômeno

denominado pelo autor por “presentismo”. O presente passou a ser percebido como se

não tivesse fim, fosse extenso e massivo, submetendo o passado e o futuro a constantes

recriações. A ideia de progresso e de futuro promissor, em voga no início do século XX,

foi sendo substituída por uma preocupação em guardar e preservar, visto que o futuro já

não nos promete muito e nos aproximamos dele com temor. Essa perspectiva pessimista

em relação ao futuro nos faz estender ainda mais o presente, a fim de adiarmos o triste

destino, ao mesmo tempo em que nos remete ao passado, em uma busca pela

preservação. Portanto, para Hartog, o movimento de busca pela memória na

contemporaneidade está mais vinculado ao futuro do que ao passado.

É nessa nova “modalidade de consciência”, marcada pelo “presentismo”,

que a memória passa a ser requisitada, ainda na visão de Hartog, a fim de dar raízes a

um tempo de instabilidade e atenuar o medo do esquecimento, como também diria

Huyssen. A memória passa a ser demandada, segundo Hartog, pela via do “dever”,

reflexo do remorso por passados traumáticos, ou pela via do “direito”, a fim de garantir

a inclusão de grupos, associações, empresas, coletividades etc. antes excluídos das

narrativas históricas nacionais. Contudo, é importante ressaltar que a constituição de um

novo “regime de historicidade” não suprime necessariamente os regimes anteriores, ou

(25)

23

não impede a coexistência de outras concepções de passado, presente e futuro. O que

presenciamos é uma concepção de tempo marcada predominantemente pelo

“presentismo”, mas que convive também com características dos outros “regimes de

historicidade”, como verificaremos quando nos aprofundarmos melhor nos produtos de

memória.

Beatriz Sarlo também faz menção a essa onda de memória, denominando-a

de neo-historicismo, termo mais próximo de sua linha de preocupação, do campo da

filosofia. Assim ela descreve a emergência da memória na contemporaneidade:

As últimas décadas deram a impressão de que o império do passado se

enfraqueceria diante do “instante” (os lugares-comuns sobre a

pós-modernidade, com suas operações de “apagamento”, repicam o luto ou

celebram a dissolução do passado); no entanto, também foram as décadas de

museificação, da heritage, do passado-espetáculo, das aldeias Potemkin e de

theme-parks históricos; daquilo que Ralph Samuel chamou de “mania

preservacionista”; do surpreendente renascer do romance histórico, dos

best-sellers e filmes que visitam desde Tróia até o século XX, das histórias da

vida privada, por vezes indiferenciáveis do costumbrismo, da reciclagem de

estilos, tudo isso que Nietzsche chamou, irritado, de história dos antiquários.

“As sociedades ocidentais estão vivendo uma era de auto-arqueologização”,

escreveu Charles Maier. (SARLO, 2007, p. 11)

Na leitura de Sarlo, a narrativa do passado tem sempre como fundo certa

organização do acontecido e as modalidades do discurso têm sempre por base uma

concepção do social e/ou da natureza. É a reprodução dessa concepção no tempo, como

um continuum, que pode escravizar o presente e o futuro, impedindo o homem de gerar

novas concepções. Para Sarlo, além dessa questão cultural, “as operações com a história

entraram no mercado simbólico do capitalismo tardio” (SARLO, 2007, p.10) e, por isso,

a história está na produção de best-sellers, na cinematografia de grande bilheteria e na

programação televisiva de forte apelo. Sarlo, portanto, percebe no fenômeno de

emergência de discursos narrativos sobre o passado um vínculo entre a questão cultural

e a inserção da história no mercado.

(26)

24 conjecturas de futuro vendidas no final do século XIX e início do XX, por ideias positivistas e de crença no progresso. Constitui um mercado, no qual o design é marcado por um gosto pelo retrô e os filmes, programas de televisão e best-sellers, entre outros, são ambientados em épocas passadas. As iniciativas de memória têm sua origem nos diversos setores da sociedade, seja instituições públicas ou privadas, seja a militância de grupos ou de particulares, inseridas ou não na lógica de mercado. A

cultura da memória de Huyssen, o presentismo de Hartog e o neo-historicismo de Sarlo

oferecem chaves interessantes de interpretação desse fenômeno que tem repercutido globalmente também no ambiente empresarial, administrativo e produtivo.

O fenômeno de emergência da memória nas empresas insere-se neste boom da memória, como também observaram Marialva Barbosa e Ana Paula Goulart Ribeiro em um artigo assinado conjuntamente (RIBEIRO et BARBOSA, 2007). As autoras, interessadas em entender o atual investimento das empresas em projetos de pesquisa sobre sua história, com iniciativas memorialísticas e de divulgação de suas trajetórias, abordam a questão de maneira global, tendo por foco de análise o caso das empresas da área de comunicação, em particular o da imprensa.

(27)

25 campo de preocupação das autoras, assim é entendido o contexto de confecção dos produtos de memória:

É preciso considerar ainda que as relações de comunicação são sempre

relações de poder material ou simbólico acumuladas pelos agentes que estão

nelas envolvidos. Nessas relações de força simbólica entre um produtor e

um consumidor (ou mercado), detém o poder efetivo quem é capaz de

produzir um discurso reconhecido como legítimo (Bourdieu, 1989). E ser

portador de um dado passado é construir um discurso acreditado como

verídico, capaz de estabelecer vínculos essenciais entre o passado, o

presente e o futuro. (RIBEIRO et BARBOSA, 2007, p. 110)

Verena Alberti, ao tratar, em um artigo, da experiência do CPDOC/FGV em

pesquisas encomendadas por empresas, percebe, na concepção e no desenvolvimento

desses projetos, um movimento de busca, não só por um sentido ao passado, mas

também pela sua plasticidade, ou seja, os testemunhos do passado, como fotografias,

objetos, mobiliários, imagens e sons etc. são explorados para dar materialidade ao

ocorrido e se tornam até mais importantes do que a interpretação histórica. Assim a

autora desenvolve seu pensamento:

Essa nova modalidade de relação com o passado, em que se privilegia sua

“materialidade”, em detrimento de sua interpretação, pode ser relacionada

como uma certa falência do paradigma hermenêutico de apreender o mundo.

Não são tanto os significados subjacentes aos documentos ou a necessidade

de preencher as lacunas de sentido deixadas pelos restos do passado que

interessam, e sim os próprios restos, sua plasticidade pura e simples. Por

outro lado, contudo, é inegável que esse boom da história constitua também

a busca de um sentido para o passado e, consequentemente, de um sentido

para o presente. (ALBERTI, 1996, p. 2)

Contudo, Alberti considera positiva essa disseminação do passado enquanto

plasticidade, por ser capaz de ampliar o conhecimento das pessoas e, talvez, aguçar o

interesse por interpretações do passado. Considera também positiva a ampliação do

mercado de memória, desde que, no lugar de se contornarem fatos do passado para

corresponder às expectativas das empresas demandantes das pesquisas, se prefira

(28)

26

O uso indiscriminado do passado, quase uma “febre da memória”, como

diria Huyssen, despertou o interesse de alguns historiadores que, ao identificarem nisso

um potencial estratégico e/ou profissional, organizaram-se em rede, primeiramente na

Inglaterra, nos Estados Unidos e na Austrália e, mais recentemente, também no Brasil,

em um movimento denominado por eles de história pública. A história pública surgiu

entre acadêmicos e profissionais da história, em um contexto social no qual o passado se

tornou objeto de inúmeros produtos de comunicação. Entre suas bandeiras está uma

maior reflexão sobre os usos públicos da história, assim como a inserção da figura do

historiador no mercado de elaboração dos produtos que abordam temas da história, por

considerarem importante a participação do especialista da disciplina na elaboração

desses produtos.

No Brasil, um dos primeiros impulsos à história pública se deu pela costura de um curso denominado “Introdução à História Pública”, promovido em 2011 pelo Núcleo de História da Cultura Intelectual da Universidade de São Paulo (USP). O curso resultou em um livro, o primeiro sobre o tema no país, organizado pelas professoras e pesquisadoras Juniele Almeida e Marta Gouveia Rovai, e composto de artigos de acadêmicos e profissionais, do Brasil e do exterior. Na apresentação do livro, de autoria das organizadoras, a história pública é entendida como um caminho interdisciplinar capaz de possibilitar a reflexão de uma dada comunidade acerca de sua própria história. Assim sendo, para essas autoras, caberia à história pública viabilizar espaços e instrumentos que possibilitem “democratizar a história sem perder a seriedade ou o poder de análise” (ALMEIDA; ROVAI, 2011, p. 7).

Um segundo impulso da história pública no Brasil se deu em 2012, com o I Seminário Internacional de História Pública3, realizado no Departamento de História da USP. No mesmo ano se consolidou a Rede Brasileira de História Pública, que tem por meta, como deixa claro em sua carta de fundação, “dar fôlego renovado aos movimentos de reconhecimento, debate e aperfeiçoamento das iniciativas de aproximação entre a história e seus públicos” e, por isso, dedica-se a “refletir sobre a

3 Participei do I Seminário de História Pública, com a apresentação de um trabalho elaborado junto com

Sheila Regina Sant’Anna, então responsável pelo Programa Memória Petrobras, sob o título “Acervo ao alcance das mãos: difundir para reconstruir”, no qual debatemos algumas questões referentes ao lançamento de um novo site do Programa Memória Petrobras. O artigo está disponível nos anais do

evento, na página

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27 história pública, suas potencialidades e desafios, bem como de estimular a prática de produção do conhecimento histórico dirigido a diferentes públicos, com um enfoque interdisciplinar.”4

No ano de 2014, foi realizado o II Seminário Internacional de História Pública, na Universidade Federal Fluminense (UFF). A conferência de abertura do evento foi proferida pela historiadora Linda Shopes, professora da Columbia University com vasta experiência em história oral e no mercado editorial, trabalhando como editora freelancer5. A professora apontou, no início de sua fala no seminário6, conhecer pouco as discussões sobre história pública; provavelmente fora convidada para a conferência por seu conhecimento sobre história oral, cara aos envolvidos com a história pública, bem como por sua experiência com a editoração de livros para grandes públicos. É interessante, contudo, perceber que a professora convidada, de uma universidade do exterior, para abrir um seminário sobre história pública no Brasil afirme saber pouco sobre história pública. Shopes, apesar do seu pouco conhecimento anunciado, ofereceu uma leitura interessante sobre a convergência da história pública e da história oral numa prática do historiador mais envolvida com a esfera pública. Nas mesas redondas do evento, ouvia-se com frequência os pesquisadores e professores se desculparem pelo pouco conhecimento do que fosse história pública, o que talvez aponte para o fato de se tratar de um campo em constituição. No grupo de trabalho intitulado “História pública: questões teóricas e metodológicas, autoria e ética”, o tema era uma novidade para quase todos os pesquisadores e profissionais que apresentaram trabalhos.

A combinação “história” e “pública”, entre outros sentidos, expressa o desejo de uma abordagem do passado mais respeitosa dos métodos da disciplina da história e de uma narrativa que tenha por finalidade o desenvolvimento do que se entende por “coisa pública”, ou seja, de uma sociedade democrática, e é nessa perspectiva que alguns autores dedicados à história pública chamam a atenção para os usos públicos da história. Gerald Zahavi, professor de história e diretor do Programa de Estudos de Documentários da Universidade de Albany, nos Estados Unidos, ao tratar dos conteúdos dos programas de formação em história pública, defende que é preciso

4 Site: http://historiapublica.com.br/?page_id=520, acesso em 13/7/2014

5 Informações contidas no caderno do encontro, distribuído no evento para os inscritos.

6 Participei desse seminário como ouvinte e as informações aqui apresentadas foram extraídas de

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28 não ter medo das controvérsias políticas, culturais e sociais e, no lugar de camuflar os acontecimentos polêmicos e controversos, é preciso ajudar o público a conviver confortavelmente com “histórias divergentes” e “narrativas complexas” (ZAHAVI, 2011, p. 57). Tanto Sara Albieri quanto Jill Liddington – a primeira, professora do Departamento de História da USP e a segunda, pesquisadora da Universidade de Leeds, no Reino Unido, ambas dedicadas à história pública – demonstram preocupação com a maneira como os conteúdos da história são abordados publicamente, muitas vezes sem rigor e crítica, e almejam o desenvolvimento de formas eficazes de comunicação dos conteúdos da história. (ALBIERI, 2011; LIDDINGTON, 2011)

As discussões sobre a história pública têm ganhado espaço no Brasil. Tanto que a revista Estudos Históricos, do CPDOC/FGV, dedicou um número ao assunto, em 2014, dando sua contribuição ao fortalecimento da questão no país. Como era de se esperar de uma publicação sobre história pública, a revista aborda temas variados, passando pelo cinema, a fotografia, a imprensa, a música, o patrimônio industrial e cultural, e a formação do historiador. No editorial da revista, o CPDOC/FGV é entendido como uma das instituições pioneiras no fomento de discussões hoje em voga nas conversas sobre a chamada história pública, uma vez que, antes de surgir esse movimento, iniciativas e debates já estavam em curso. O editorial assim apresenta os temas atualmente recorrentes nos debates sobre história pública:

Neste sentido ganham enorme relevância, nas amplas dimensões do debate sobre a história pública, temas como o do próprio papel do historiador, da importância social do conhecimento acadêmico e suas possíveis apropriações por diferentes públicos, do caráter multidisciplinar da produção histórica e suas várias linguagens, além da relação da história com as políticas públicas, entre muitas outras questões. O diálogo entre a universidade e outros espaços de elaboração de conhecimento histórico que a história pública propõe implica necessariamente uma reflexão sobre o lugar da história e dos diversos profissionais que atuam com esses saberes. (Estudos Históricos, jul-dez 2014, p. 229-230)

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29 Universidade Federal do Paraná”. Como o título sugere, o artigo trata da formação acadêmica do historiador em um curso universitário específico, entretanto aborda questões de ordem geral sobre o assunto. Ele mostra como a trajetória da formação em história no Brasil seguiu um percurso que foi de uma forte ligação com a formação secundária, quando professores universitários, inclusive, mantinham concomitantemente atividades de docência no ensino médio, até um patamar de alta cientificidade, de “especialistas autorreferentes”, como chama o autor, no qual o professor erudito não tem mais espaço para o exercício de outra atividade de ordem política e social. Vivemos um contexto, segundo o autor, no qual ocupar-se da docência em ensino primário e secundário não traz tanto prestígio quanto ocupar-se de pesquisa. Contudo, para Fagundes, diante do contexto contemporâneo, em que a elaboração da história não está mais nas mãos dos historiadores, é demandada uma nova postura desse profissional e, por isso, é preciso repensar a identidade do historiador, bem como sua formação acadêmica. Fagundes enxerga o projeto de regulamentação da profissão do historiador,7 que tratarei melhor a seguir, e a emergência de mestrados profissionais no Brasil como novos dilemas à identidade do profissional historiador, cuja solução talvez esteja, a seu ver, em uma maior abertura às novas demandas da sociedade.

Keila Grinberg (GRINBERG, 2012) também defende uma revisão da formação do historiador, tendo em vista que muitos não se dedicarão à vida acadêmica e à docência universitária. A autora defende a abertura de cursos de pós-graduação voltados às atividades docentes no ensino básico e àquelas exercidas em museus, arquivos etc., bem como uma revisão dos critérios de pontuação da Capes, por estes não considerarem, por exemplo, livros didáticos realizados coletivamente como produção intelectual qualificada, o que inibe a dedicação de acadêmicos a trabalhos destinados ao público fora do muro das universidades. Enquanto a universidade se restringe a formar pesquisadores e professores universitários, segundo Grinberg, ela deixa de contribuir no desenvolvimento das competências necessárias aos graduados e pós-graduados para o exercício de suas factíveis funções no mundo do trabalho.

Essas questões da história pública sobre a formação do historiador e seus novos papéis na sociedade nos levam a um novo tópico.

7 Projeto de Lei nº 4699, de 2012, que aguarda aprovação no Senado, para a regulamentação da profissão

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30 2. Peças de comunicação e disputa por saber

A exigência de um novo posicionamento do historiador na contemporaneidade, diante de um contexto de pulverização do direito de se falar do passado, me parece ser central nas discussões acerca da história pública e muito cara para mim neste trabalho. Muitos profissionais estão envolvidos na elaboração dos produtos de memória, reunidos conforme o tipo de produto pretendido: um vídeo, um livro, uma exposição etc. São designers, ilustradores, produtores, museólogos, arquitetos, técnicos de luz, som e vídeo, roteiristas, jornalistas, historiadores, entre outros, todos envolvidos, com conhecimentos específicos, na elaboração de produtos de memória. Quando se trata de um trabalho de maior fôlego, que exige um levantamento significativo de informações, são comumente contratados pesquisadores. Mas quem são os pesquisadores? Em geral, a pesquisa é confiada a dois profissionais: os jornalistas ou os historiadores, ora simplesmente graduados em suas respectivas áreas, ora com cursos de especializações, ora com titulação de mestrado e doutorado. A redação dos textos, para o caso de um livro ou mesmo de uma exposição, é também confiada a esses dois profissionais. Esses pesquisadores e/ou redatores, jornalistas e historiadores, podem trabalhar em parceria, juntos num mesmo projeto, mas também isoladamente.

O boom da memória e a decorrente elaboração de produtos sobre o passado, destinados a coletividades específicas ou a grandes públicos, como pudemos perceber, são fenômenos recentes na história. Portanto, tanto os jornalistas quanto os historiadores inserem-se em uma atividade da qual não têm pleno domínio, ou, ao menos, em relação à qual não contam com uma tradição de suas áreas de conhecimento. Se, por um lado, o jornalista não está acostumado com a construção de narrativas do passado, o historiador também não tem o hábito de escrever para grandes públicos, muito menos de trabalhar com a elaboração de vídeos documentários, exposições etc. Os dois profissionais, de certa maneira, enveredam em um território de parcial desconhecimento.

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31 profissão paralelamente a outras atividades (LOPES, 2011, p. 119). Apenas nas primeiras décadas do século XX, alguns fatores passaram a surgir a favor de maior profissionalização dessa atividade. No caso brasileiro, pode-se mencionar a criação, em 1918, da Associação Brasileira de Imprensa, que trouxe à pauta questões salariais, de condições de trabalho e de formação específica. No ano de 1935, chegou a funcionar um curso superior de jornalismo na Faculdade de Filosofia da então Universidade do Distrito Federal, no Rio de Janeiro. Um decreto do presidente Getúlio Vargas, o n. 910, de 1938, instituiu o curso superior de jornalismo no Brasil, mas, na prática, foi apenas em 1947 que surgiu a primeira faculdade de jornalismo, a Casper Líbero, em São Paulo. O número de faculdades cresceu no país, sendo que, nos anos 1960, existiam 20; nos 1970, 53; nos anos 1990, o número saltou para 137, e, nos anos 2000, eram 361 faculdades a formar jornalistas no território nacional. (LOPES, 2011, p. 126). Em 1969, quando existiam 20 faculdades no país, por meio do Decreto-lei n. 972, o exercício da profissão de jornalista passou a ser restrito aos diplomados na área, à exceção daqueles que já vinham exercendo a profissão, com prazo definido para a devida comprovação. E foi assim até chegarmos em 2001, quando foi dado início a uma ação judicial pelo fim da obrigatoriedade do diploma para o exercício da profissão de jornalismo. Em 2009, o Supremo Tribunal Federal decidiu pelo fim da obrigatoriedade8. Mas o assunto não se deu por encerrado; desde 2012 corre no Senado um Projeto de Emenda Constitucional, o PEC 33/09, do senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE), a favor da obrigatoriedade do diploma, briga encabeçada pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj)9.

O jornalista, representado pela Fenaj e pelos sindicatos, parece ter perdido, ao menos por enquanto, a batalha pela obrigatoriedade do diploma e, concomitantemente a isso, os debates acerca da regulamentação da profissão do historiador sobrevieram no cenário nacional. A discussão foi motivada pelo Projeto de Lei n. 4699/12, que regulamenta a profissão de historiador, passando a exigir o diploma para o exercício da profissão. Em 2014, o projeto foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) da Câmara dos Deputados e, em 3 de março de 2015, foi aprovado no plenário da Câmara, voltando para análise do Senado, por ter

8 Site: http://www.prr3.mpf.mp.br/content/view/219/#crono, acesso em 01/03/2015.

9 Site:

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32 sofrido algumas alterações no texto original10. A discussão acerca da regulamentação tem sido encabeçada pela Anpuh - Associação Nacional de História, que, atualmente, congrega professores universitários de história, bem como professores dos ensinos médio e fundamental, e profissionais de instituições de arquivo, patrimônio e memória. A associação foi fundada em 1961, com o nome Associação Nacional dos Professores Universitários de História – por isso, o nome Anpuh –, destinada a congregar, como sugere o próprio nome, estritamente os professores universitários. Segundo o site da instituição, sua fundação está ligada a uma oposição dos acadêmicos a “uma historiografia não-acadêmica e autodidata ainda amplamente majoritária à época”11. Ainda segundo o site, com o tempo, a associação ampliou seu leque de associados até a recente inclusão dos profissionais em instituições de arquivos, patrimônio e memória, o que, naturalmente, exigiu o uso de um nome mais amplo, por isso Associação Nacional de História.

Enfim, como vinha dizendo, o jornalista e o profissional de história são os dois sujeitos mais presentes na construção das narrativas empregadas nos produtos de memória, ou seja, são eles que selecionam documentos e redigem os textos. Esses dois profissionais apresentam-se ora em disputa, ora em cooperação, na confecção desses produtos. As empresas, desejosas de narrativas de suas trajetórias, tradicionalmente procuram profissionais de ambos os campos, que, na medida do crescimento das demandas, passaram a se organizar em empresas para o atendimento do mercado nascente. Alguns historiadores, atentos ao que acontecia, criaram empresas de prestação de serviços de memória organizacional e organização de arquivos históricos, constituídas, obviamente, para responder a uma demanda de mercado existente, mas, ao mesmo tempo, essas empresas contribuíram para o fomento de projetos de memória nas grandes empresas do país, principalmente para a disseminação de uma gestão da memória pensada no longo prazo, com a criação dos chamados centros de memória e de documentação, responsáveis por desenvolver as iniciativas memorialísticas no interior

10 Site:

http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/TRABALHO-E-PREVIDENCIA/470458-CCJ-APROVA-PROJETO-QUE-REGULAMENTA-PROFISSAO-DE-HISTORIADOR.html, acessado

em 18/02/2015, e

http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/EDUCACAO-E- CULTURA/482619-CAMARA-APROVA-PROJETO-QUE-REGULAMENTA-PROFISSAO-DE-HISTORIADOR.html, acessado em 05/03/2015.

11

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33 das empresas, bem como, em alguns casos, por reunir, organizar e preservar arquivos considerados de valor histórico, e/ou ainda por gerir projetos de história oral.

A empresa Grifo, criada em São Paulo em 1981 por alguns historiadores, iniciou sua trajetória com a organização do acervo histórico da empresa Mappin. Em 1988, outro grupo de historiadores passou a se dedicar à área, iniciativa posteriormente desmembrada em duas empresas, a Memória e Identidade e a Tempo e Memória. O Museu da Pessoa, mais voltado para o uso da história oral, foi criado em 1991, desde o início mantendo uma área de memória institucional, com projetos em empresas. A ideia dessas iniciativas, em maior medida em São Paulo, despontou em outros estados que também criaram suas empresas dedicadas ao nicho da memória.

O crescente número de iniciativas de centros de memória e de documentação nas grandes empresas do país resultou, em 2010, na parceria de algumas dessas empresas na constituição da Rede de Memória Empresarial. Essa não foi a primeira iniciativa de constituir uma rede de memória; em 2003, o Museu da Pessoa, articulado com a regional de São Paulo do Serviço Social do Comércio (Sesc-SP), com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), com o Ministério da Cultura e a Petrobras, constituiu uma rede nacional de mobilização e fortalecimento das iniciativas de registro da memória, que, contudo, se desmobilizou.

A Rede de Memória Empresarial12, criada em 2010, é a primeira restrita ao universo empresarial e, após longo período de discussão sobre o papel desses centros nas empresas, tem por meta, para o ano de 2015, a criação de uma associação, constituída, inicialmente, por grandes e tradicionais empresas do país, como Votorantim, Gol, Petrobras, Unilever, Bunge e Rede Globo, para citar apenas algumas, todas com programas de memória instituídos. Na carta de intenções de criação da associação, assim é definido seu papel: “Fortalecer as políticas e as práticas de memória empresarial no país e contribuir para o reconhecimento de seu valor estratégico na gestão e como patrimônio da sociedade e da cultura brasileira.”13.

12 A Rede de Memória Empresarial não possui um site, mas algumas informações podem ser obtidas em

matéria publicada pela Fundação Bunge:

http://www.fundacaobunge.org.br/novidades/novidade.php?id=10760&/rede_de_centros_de_memoria_e mpresarial_chega_ao_10%BA_encontro, acesso em 07/03/2015.

13 Carta de intenções de criação da Associação Brasileira de Memória Empresarial – ABME, março 2013.

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34 Os jornalistas e profissionais de comunicação também buscam se organizar para se posicionar enquanto categoria profissional diante da efervescência de centros de memória e dos projetos de divulgação da memória empresarial. A Associação Brasileira de Comunicação Empresarial (Aberje), organização profissional e científica criada em 1967, referência no meio de comunicação, promoveu, em 1999, o 1º Encontro de Museus Empresariais, em outras edições denominado Encontro Aberje de Memória Empresarial. Na primeira edição, centrada na preocupação com a preservação do patrimônio histórico das empresas privatizadas no governo FHC, participaram as empresas Telefônica, Vale, Brasmotor, Odebrecht, Chocolates Garoto, Banco do Brasil, Barcelona Futebol Clube, Clube de Regatas Flamengo, Santos Futebol Clube e São Paulo Futebol Clube, além de duas empresas atuantes na área de memória empresarial, a Memória e Identidade e o Museu da Pessoa (OLIVEIRA et SALVATORI, 2014). A Aberj, em 2000, inclui no seu Prêmio Aberj, voltado ao reconhecimento de inovações nas atividades de comunicação das grandes corporações, a categoria Memória Empresarial, que, posteriormente, passou a se chamar Responsabilidade Histórica e Memória Empresarial. Ao longo desses anos, o Prêmio Aberj premiou iniciativas de memória empresarial, sempre mais preocupados, por se tratar de uma associação de comunicação, com a difusão da história e memória por meio de peças de comunicação. Conquistaram a premiação a General Motors do Brasil, a Companhia de Telecomunicações do Brasil Central (CTBC), o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a Novelis do Brasil, o Grupo Votorantim, a Bosch, o Grupo Águia Branca, a Vale, a Fundação Telefônica, a Companhia de Gás de São Paulo (Comgás), a Ticket Serviços, a CPFL Energia e também a Petrobras (SALVATORI et OLIVEIRA, 2014). Em 2004, a associação publicou um livro com alguns artigos sobre memória empresarial e relatos de projetos desenvolvidos pelas empresas BNDES, Fundação Belgo, Eletrobrás, Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração (CBMM), Souza Cruz e Petrobras. Essas iniciativas da Aberj, enquanto associação da área de comunicação, mostram como os profissionais de comunicação estão envolvidos com a questão da memória empresarial e buscam, inclusive, legitimar seu saber para o desenvolvimento de projetos nas empresas.

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