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Para chamar de nossa: literatura e ensino a partir da epistolografia de Veríssimo de Melo

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM

Michelle Patrícia Paulista Da Rocha

PARA CHAMAR DE NOSSA: LITERATURA E ENSINO A PARTIR DA EPISTOLOGRAFIA DE VERÍSSIMO DE MELO

NATAL/RN 2019.

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MICHELLE PATRÍCIA PAULISTA DA ROCHA

PARA CHAMAR DE NOSSA: LITERATURA E ENSINO A PARTIR DA EPISTOLOGRAFIA DE VERÍSSIMO DE MELO

Tese apresentada para a defesa de Doutorado em Literatura Comparada, linha de pesquisa: Leitura do texto literário e Ensino, do Programa de pós-graduação em Estudos da Linguagem – PPgEL, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Orientador: Prof. Dr. Humberto Hermenegildo de Araújo.

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NATAL/RN 2019.

PARA CHAMAR DE NOSSA: LITERATURA E ENSINO A PARTIR DA EPISTOLOGRAFIA DE VERÍSSIMO DE MELO

A tese de doutorado apresentada por Michelle Patrícia Paulista da Rocha em Literatura Comparada, linha de pesquisa: Leitura do texto literário e Ensino, foi aprovada pela banca examinadora constituída pelo Programa de pós-graduação em Estudos da Linguagem – PPgEL, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Data da aprovação: Natal, 26 de agosto de 2019.

BANCA EXAMINADORA:

Prof. Dr. Humberto Hermenegildo de Araújo (Orientador - UFRN)

Profa. Dra. Cássia de Fátima Matos dos Santos IFRN

Profa. Dra. Izabel Cristina da Costa Bezerra de Oliveira UERN

Prof. Dr. José Luiz Ferreira UFRN

Prof. Dr. Derivaldo dos Santos UFRN

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes – CCHLA

Rocha, Michelle Patrícia Paulista da.

Para chamar de nossa: literatura e ensino a partir da

epistolografia de Veríssimo de Melo / Michelle Patrícia Paulista da Rocha. - Natal, 2019.

116f.: il. color.

Tese (doutorado) - Centro de Ciências Humanas Letras e Artes, Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2019.

Orientador: Prof. Dr. Humberto Hermenegildo de Araújo. 1. Veríssimo de Melo - Tese. 2. Ensino - Tese. 3. Cartas - Tese. I. Araújo, Humberto Hermenegildo de. II. Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 821.134.3(81):37

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DEDICATÓRIA

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AGRADECIMENTOS

A Deus, autor e consumador de todas as coisas, socorro bem presente nas tribulações. Aos meus pais pelo dom da vida; a papai que, mesmo de longe, emana tanto amor ao ponto de senti-lo; a Mainha, pelo exemplo de força, pelas orações madrugada adentro e por todo o esforço que faz para que eu fique bem.

Aos primos Miriam, Marquinhos, Jarbinha e Jarinho, por torcerem por mim em todo o tempo. A tia Dodô, amiga, confidente e intercessora.

Aos professores Marcelo Amorim e Humberto Hermenegildo, pela generosidade ao aceitarem-me como orientanda, abrindo as portas da pós-graduação.

Aos governos progressistas do Brasil, que tanto investiram na educação, sobretudo nos programas de Pós-graduação.

Ao amigo Sandro Pimentel, pelos gestos concretos. A Cyro Roberto, pela alegria compartilhada.

A Kalina Paiva, pela empatia, pela ajuda constante, por não medir esforços para me ajudar.

A Roberta Duarte, por me dar a mão quando estive no escuro, por me acolher, cuidar de mim e me colocar nos braços, fazendo o que poucos fazem.

A Paulyana Araújo, pela amizade-irmandade, pelo companheirismo cotidiano.

Aos meus alunos e colegas de trabalho, por me proporcionarem momentos felizes, fundamentais ao exercício da escrita.

A Diógenes da Cunha Lima, Manoel Onofre Jr., Woden Madruga, Vicente Serejo, Thiago Gonzaga e Abimael Silva pelas valiosas contribuições a esta pesquisa.

À artista plástica e conterrânea Socorro Evangelista, pela cessão da imagem de uma de suas telas.

A todos os professores que tive na vida; aqui está um pouco de cada um. A todos que amam as Letras Potiguares e por elas lutam.

A Daniel Vinícius, filho amado, meu maior alumbramento, que me salva do abismo todos os dias.

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RESUMO

Esta pesquisa objetiva oferecer uma proposta de ensino de literatura no Ensino Médio, a partir da epistolografia do escritor, poeta, músico, pesquisador, antropólogo e etnógrafo Veríssimo de Melo. Veríssimo cultivou o hábito da correspondência, tendo enviado e recebido missivas de vários lugares do Brasil. Optamos por fazer um recorte de tais cartas; as que são aqui estudadas constam no livro Cartas de Ascenso Ferreira a Veríssimo de Melo, bem como outras pertencentes a acervos pessoais. A partir da análise das cartas, elaboramos sequências didáticas a partir das ideias de Letramento literário apresentadas por Cosson (2006) e ensino de literatura (Pinheiro, 2014) e Cereja (2005) com sugestões didáticas para serem utilizadas em aulas de literatura. Além das referidas sugestões, discutimos alguns aspectos legais do ensino de literatura, amparados por Candido (1995) e Araújo (2013), bem como fazemos uma breve reflexão acerca do termo “literatura potiguar”. Por fim, apresentamos um panorama da vida e obra de Veríssimo de Melo, com destaque para seus vieses de poeta, músico e missivista.

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ABSTRACT

This research aims to offer a proposal of literature teaching in High School, based on the epistolography of the writer, poet, musician, researcher, anthropologist and ethnographer Veríssimo de Melo. Veríssimo cultivated the habit of correspondence, having sent and received letters from various places in Brazil. We chose to make a cut of such letters; those that are studied here are included in the book Letters of Ascent Ferreira to Veríssimo de Melo, as well as others belonging to personal collections. From the analysis of the letters, we elaborated didactic sequences from the ideas of literary Literature presented by Cosson (2006) and literature teaching (Pinheiro, 2014) and Cherry (2009) with didactic suggestions to be used in literature classes. In addition to these suggestions, we discuss some legal aspects of literature teaching, supported by Candido (1995) and Araújo (2013), as well as a brief reflection on the term "potiguar literature". Finally, we present a panorama of the life and work of Veríssimo de Melo, with emphasis on his biases as a poet, musician and letter writer. Keywords: Veríssimo de Melo. Teaching. Literature. Letters.

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RESUMEN

Esta investigación tiene como objetivo ofrecer una propuesta de enseñanza de la literatura en la escuela secundaria, a partir de la epistolografía del escritor, poeta, músico, investigador, antropólogo y etnógrafo Veríssimo de Melo. Veríssimo cultivó el hábito de la correspondencia, después de haber enviado y recibido cartas de varios lugares en Brasil. Elegimos recortar esas letras; Los que aquí se estudian se encuentran en el libro Cartas de Ascenso Ferreira a Veríssimo de Melo, así como otros pertenecientes a colecciones personales. A partir del análisis de las cartas, elaboramos secuencias didácticas a partir de las ideas de alfabetización literaria presentadas por Cosson (2006) y la enseñanza de la literatura (Pinheiro, 2014) y Cereja (2005) con sugerencias didácticas para ser utilizadas en las clases de literatura. Además de estas sugerencias, discutimos algunos aspectos legales de la enseñanza de la literatura, con el apoyo de Candido (1995) y Araújo (2013), así como una breve reflexión sobre el término "literatura de Potiguar". Finalmente, presentamos una visión general de la vida y obra de Veríssimo de Melo, destacando sus prejuicios de poeta, músico y escritor de cartas.

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São incompressíveis certamente a alimentação, a moradia, o vestuário, a instrução, a saúde, a liberdade individual, o amparo da justiça pública, a resistência à opressão etc.; e também o direito à crença, à opinião, ao lazer e, por que não, à arte e à literatura.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...12

1 ENSINO DE LITERATURA ...17

2. LITERATURA NOS DOCUMENTOS OFICIAIS...22

2.1 LITERATURA POTIGUAR ...32

3. VERÍSSIMO DE MELO – UM HOMEM DA CULTURA E DA LITERATURA – VIDA E OBRA ...40

3.1 VERÍSSIMO, O POETA ...43

3.2 VERÍSSIMO DE MELO, UM MISSIVISTA ...48

3.3 VERÍSSIMO DE MELO – DEPOIMENTOS ...52

4 SUGESTÕES DIDÁTICAS PARA AULAS DE LITERATURA: LEITURA DE POESIA MOTIVADA POR CARTAS ...58

4.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE O GÊNERO CARTA ...58

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...82

ANEXOS ...84

Figura 1: Fotografia de Veríssimo de Melo ...90

Figura 2: Tela de Socorro Evangelista “Entre o sensível e o imaginário”...91

Figura 3: Capa do livro “Cartas de Ascenso Ferreira a Veríssimo de Melo” ...92

Figura 4: Capa do livro “O navegador e o sextante” ...93

Figura 5: Capa do “Livro de poemas” ...94

POEMAS DE VERÍSSIMO DE MELO ...80

ARTIGO (O caso da onça que deu literatura) ...95

CANÇÃO (Caju nasceu pra cachaça)...97

APRESENTAÇÃO DA OBRA Cartas de Ascenso Ferreira a Veríssimo de Melo, por Sanderson Negreiros. ...98

LISTAGEM DE OBRAS DE VERÍSSIMO DE MELO ...99

INSTITUIÇÕES DAS QUAIS VERÍSSIMO DE MELO FEZ PARTE ... 103

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INTRODUÇÃO

A produção literária do Rio Grande do Norte, embora composta de um significativo acervo, somente começou a despertar interesse dos pesquisadores há pouco tempo, tendo como precursor desse movimento o pesquisador Câmara Cascudo. Depois de Cascudo, ainda são poucas, embora significativas, as iniciativas de se debruçar sobre a produção artística e literária do estado.

A problemática do ensino de Literatura no contexto atual da escola pública de nível médio e a dificuldade assumida por muitos docentes quanto ao trabalho com o texto literário em sala de aula nos motivaram a pensar em um projeto que pudesse refletir mais apuradamente tais questões.

Vivemos em tempos de comunicação globalizada e instantânea. Crescem as ferramentas virtuais que tornam a comunicação mais rápida: e-mails, aplicativos de mensagens instantâneas, sms etc. Apostamos na ideia de que essa volta a uma prática antiga de comunicação (cartas manuscritas e datilografadas), certamente despertará a curiosidade dos estudantes e o estranhamento que tais textos apresentam a eles, que não fazem ou jamais fizeram uso do gênero carta pessoal para se comunicar.

Elegemos a obra de Veríssimo de Melo por suas qualidades intelectuais, bem como seu empenho em valorizar e registrar as manifestações folclóricas do Rio Grande do Norte. Três aspectos, particularmente, nos saltam aos olhos em se tratando de Veríssimo: sua atuação como folclorista e antropólogo (grande nome na criação do Instituto de Antropologia, hoje Museu Câmara Cascudo/UFRN), a valorização da obra de Jorge Fernandes, o empenho que dispensou à divulgação da obra do modernista potiguar e a publicação (com comentários relevantes) das cartas de Mário de Andrade a Cascudo. Sobre este último aspecto, sabe-se que

Vivi1 foi escolhido para a realização dessa investigação pela sua relevância no cenário

literário, jornalístico e cultural do Rio Grande do Norte. Foi um pesquisador das tradições e da cultura popular do estado, intelectual que colecionou cargos importantes, entre eles a

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Veríssimo é sempre descrito como alguém espirituoso – tanto que era chamado de Vivi na intimidade. Teria sido uma espécie de “animador cultural”, dinâmico e que mantinha correspondência com jornais locais e de outros estados. Em entrevista com o professor e pesquisador Tarcísio Gurgel, ele nos revelou que seu irmão, o também pesquisador e folclorista Deífilo Gurgel, teria afirmado muitas vezes que fora Veríssimo um dos seus principais motivadores, tendo-lhe ajudado muito. Tarcísio afirma ainda que, enquanto Deífilo era um pesquisador “de campo”, Veríssimo seria um pesquisador mais “antenado”, sempre a captar informações locais e de outros estados.

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Secretaria da Academia Norte-rio-grandense de Letras e a participação como conselheiro no Conselho Estadual de Cultura.

Adepto de uma linguagem clara, objetiva, revelava simplicidade na sua personalidade, característica sempre citada por seus contemporâneos, como Diógenes da Cunha Lima e Manoel Onofre Jr. Este último nos informou que Veríssimo cultivava uma maneira curiosa de divulgar seu trabalho e suas publicações em jornais: costumava tirar cópias de tudo que saísse em jornais sobre ele e distribuía entre amigos, como uma espécie de “boletim” com periodicidade regular.

A obra de Veríssimo tem como marca o engajamento nas questões de cultura popular e folclore. Inclusive, o autor buscou contemplar em sua obra uma temática que Câmara Cascudo não teria priorizado: as questões sobre folclore infantil, tendo publicado vários folhetos sobre este tema. Todavia, sua obra, de grande valor etnográfico e historiográfico, parece estar um pouco “esquecida”, um dos motivos pelos quais nos sentimos instigados, a partir da correspondência dele, a traçarmos uma rota de valorização e inserção da literatura local no ambiente da Escola pública de Ensino Médio.

O trabalho com a Literatura do Rio Grande do Norte ainda é incipiente nas salas de aulas potiguares, limitando-se a iniciativas isoladas de alguns docentes que optam por levar aos seus educandos o conhecimento da nossa produção literária; não constituindo, pois, uma iniciativa maior por parte do órgão oficial da educação estadual, a saber, a SEEC (Secretaria de Estado de Educação e Cultura).

Vale lembrar que vigora em nosso estado, desde 2009, a Lei da leitura literária, que não trata especificamente de ensino da literatura local, mas determina que exista uma ação mais efetiva na promoção da literatura, no seu Art. 1º, parágrafo único:

A política a que se refere este artigo tem por objetivo fazer com que o Poder Público assegure a formação do leitor em todas as escolas de educação básica, de modo que as crianças, os adolescentes, jovens e adultos desenvolvam o prazer em ler textos literários, favorecendo o acesso ao conhecimento e aos bens culturais da humanidade, conforme diretrizes a serem observadas. (RIO GRANDE DO NORTE. Lei 9.169, de 15/01/2009).

Apesar da lei, não há nenhum registro de projeto oficial nesse sentido que vise a um trabalho mais efetivo nas escolas, além das práticas comuns a qualquer currículo escolar. Na verdade, o desdobramento da lei (criação de um Plano Estadual do Livro e da Leitura –

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PELL) contempla, fundamentalmente, o aspecto linguístico e muito pouco o estudo/ensino de Literatura. Em se tratando de Literatura potiguar, quase não há menção.

A importância da pesquisa dentro do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem da UFRN, dentro da linha Leitura do Texto Literário e Ensino, propicia o desenvolvimento de um estudo que busque contemplar a lacuna existente no ensino de literatura, de forma geral, bem como do ensino de literatura potiguar, contribuindo com a promoção da leitura literária no ambiente escolar, visto que é uma linha nova, e que ainda carece de pesquisas mais voltadas para as questões de ensino, propriamente.

Para isso, ensejamos, além da pesquisa, propor uma intervenção no âmbito das escolas, mesmo que incipiente, num primeiro instante, para que possamos colaborar com a formação dos docentes, quanto ao conhecimento das questões que envolvem a produção poética referida e a problemática do ensino de literatura, sobretudo no atual contexto educacional.

Diante do exposto, esta tese sugere uma proposta que procure investigar o ensino de literatura, tendo como fator motivacional o suporte gênero epistolar, buscando a elaboração de um projeto de intervenção nas escolas. Outro ponto que se apresenta é a análise da correspondência como fonte de pesquisa historiográfica e etnográfica.

Gostaríamos de explorar mais as cartas de Veríssimo, mas infelizmente não tivemos acesso a todo o acervo. Não fosse a gentileza e a solicitude de Diógenes da Cunha Lima2, as dificuldades de acesso às missivas seriam maiores.

As cartas que compõem o corpus desta pesquisa foram cedidas pelo professor Diógenes da Cunha Lima, pelo jornalista Woden Madruga e algumas transcritas do livro

Cartas de Ascenso Ferreira a Veríssimo de Melo (1989) 3.

Esta pesquisa é dividida em duas partes. A Parte I é voltada ao Ensino de Literatura, fazendo um apanhado das contribuições teóricas já existentes nesse campo, mirando à necessidade de reinventar e ressignificar a prática docente de Literatura, desprendendo-a cada vez mais do viés historiográfico (importante, mas não exclusivo).

Nesse sentido, procuramos traçar uma síntese do que rezam os documentos oficiais da Educação, como a LDB – Lei de Diretrizes e Bases, PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais e OCEM – Orientações curriculares para o ensino médio, além de leis locais que tratam da presença da Literatura potiguar nos espaços sociais e educacionais.

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O poeta, advogado e professor Diógenes da Cunha Lima mantém, em sua biblioteca particular, um significativo acervo de cartas entre poetas, sendo as de Veríssimo de Melo em maior quantidade.

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Em seguida, fazemos uma breve discussão acerca do termo “Literatura Potiguar”, terminologia que adotamos como designação de toda produção literária e artística produzida no Rio Grande do Norte.

Na Parte II desta tese, dedicamo-nos à vida e à obra de Veríssimo de Melo. De igual modo, fizemos algumas observações sobre sua verve missivista, homem de epistolografia deveras importante para as gerações presente e futura. Em suas cartas, revela-se muito da cena literária, política, social e cultural do Rio Grande do Norte, especialmente Natal, seu chão.

Em seguida, achamos fundamental reunir depoimentos de pessoas que, privilegiadamente, tiveram a oportunidade de conviver com Veríssimo. Com alegria, fizemos entrevistas, ouvimos deliciosas histórias e causos de Vivi e, na impossibilidade temporal do convívio com ele, traçamos, na imaginação, o perfil de um homem ímpar, diferenciado, à frente do seu tempo.

Finalmente, pelo fato de esta pesquisa estar ligada à linha “Leitura do texto literário e ensino”, apresentamos algumas sugestões didáticas a partir da obra de Veríssimo de Melo, que esperamos ser de valia e proveito para os professores de Ensino Médio da rede estadual.

Por fim, encerrando a etapa, discutimos a aplicabilidade do gênero carta no contexto da sala de aula, em virtude da epistolografia robusta deixada por Veríssimo de Melo.

Ressaltamos ainda que a maior parte das informações aqui contidas são “garimpos” de conversas e entrevistas com contemporâneos de Veríssimo. Assim, grande parte do que escrevemos não está registrado em alguma publicação impressa.

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PARTE 1

1. ENSINO DE LITERATURA

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1 ENSINO DE LITERATURA

Comparada às grandes, a nossa literatura é pobre e fraca. Mas é ela, não outra, que nos exprime. Se não for amada, não revelará a sua mensagem; e se não a amarmos ninguém o fará por nós. Se não lermos as obras que a compõe, ninguém as tomará do esquecimento, descaso ou incompreensão. (Antonio Candido).

É comum ouvirmos de estudantes de Ensino Médio que literatura é chato, difícil, enfadonho. Como pode o professor de literatura, ciente do seu papel enquanto educador e militante das letras, adocicar esse contato de jovens entre 15 e 18 anos com a literatura? Com a competição cada vez mais incisiva das redes sociais, mundo digital e outras brevidades da contemporaneidade, o professor de Língua Portuguesa encontra-se cada vez mais angustiado entre o desejo quase missionário de proporcionar o direito do aluno de usufruir literatura (CANDIDO, 1995) e as dificuldades de toda ordem que a empreitada carrega.

Dividindo uma carga horária espremida entre demandas de análise linguística e produção de texto, o profissional vê-se atribulado em uma aula semanal para cumprir um programa do livro didático, em que o conteúdo programático geralmente elege como padrão as escolas literárias e os estilos de época. Parece que o ensino de literatura só alcança valor uma vez por ano, em eventos como os saraus literários, que parecem muito mais objetivar fotos nas redes sociais das escolas. Literatura na escola, quando não é um acessório é quase um sacerdócio de algum professor abnegado ou apaixonado pelo literário. Esse retrato é generalizador, mas o é igualmente real como metonímia das práticas escolares no estado do Rio Grande do Norte e quiçá nas demais redes de ensino Brasil afora. Sabemos que há casos em que a periodicidade das aulas de Literatura chega a ser quinzenal, pois para parte considerável de professores, o mais importante é vencer o conteúdo gramatical, útil para o ENEM e concursos em geral. Assustadoramente, há casos em que o conteúdo de Literatura é ministrado por meio de trabalhos escolares “para completar a nota” ou como punição por falta de assiduidade ou de alguma avaliação perdida.

Talvez uma das primeiras questões a se analisar, além da barreira da carga horária, é a problemática do livro didático. Sobre isso, sobram opiniões extremadas. É certo que os livros didáticos de Língua Portuguesa, divididos em “frentes”, há muito obedecem ao mesmo padrão. Se compararmos coleções para o Ensino Médio, encontraremos praticamente a mesma divisão de conteúdos, em que se organizam os assuntos de acordo com a cronologia das manifestações literárias no Brasil. Nelas, o critério norteador é a divisão cronológica, o que leva o aluno a pensar, por exemplo, que um determinado estilo de época acontece exatamente

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de tal a tal data. Parece mágico: Machado de Assis lança Memórias póstumas de Brás Cubas e a literatura brasileira amanheceu realista. Assim sendo, o Realismo-Naturalismo teria iniciado no Brasil em 1880, sem coexistir com o Parnasianismo.

Sobre o sobre o livro didático, é importante considerar que ele ainda é um importante instrumento pedagógico e ferramenta indispensável a muitos professores Brasil afora, que sequer têm a oportunidade de participar de cursos de capacitação e/ou formação continuada, restando-lhes apenas os “manuais do professor”, anexos aos livros disponibilizados pelas secretarias estaduais e municipais.

Talvez seja este o grande desencontro: o lugar que o livro didático ocupa na prática pedagógica do professor de literatura. Defendemos que ele é um excelente apoio metodológico (visto que traz textos, excertos, coletâneas e demais informações bastante úteis), principalmente pela legitimidade que o texto impresso conota. Entretanto, é perigoso fazer do livro didático a única ferramenta para se ensinar literatura a jovens cada vez mais inquietos, pós-modernos, criativos e com pouca disposição para o que é estático e hermético.

De acordo com Cereja (2005), o livro didático torna-se o facilitador da atividade pedagógica, num país de professores sobrecarregados e com deficiências na formação. Porém, por outro lado, “subtraem-lhe a identidade e a autonomia no processo de ensino-aprendizagem” (p. 59).

Nesse sentido, o professor Hélder Pinheiro pontuou:

No final do século XX e início do século XXI surgem os PCN que, embora inicialmente realizem quase um “sequestro” da literatura, sobretudo da poesia, estimulam debates, publicações de livros e elaboração de propostas diferenciadas de ensino de leitura. (PINHEIRO, 2014, p. 9)

O “sequestro” a que o professor Hélder se referia é o tratamento secundário que historicamente sempre foi dado à Literatura: sequer ter “status” de disciplina, mas uma espécie de suplemento das aulas de Língua portuguesa, sempre como algo supérfluo e sem qualquer “utilidade”.

Por isso, defendemos um ensino de literatura que “inclua” a produção literária do Rio Grande do Norte nos planejamentos e currículos escolares. Por exemplo: se o “assunto” é o Romantismo, a geração mal-do-século, por que não trabalhar aspectos biográficos e poemas de Auta de Souza, poeta potiguar que encharca de lirismo e angústia seus poemas? Não é o caso de preterir os nomes consagrados do cânone brasileiro, mas de colocar entre eles o nosso cânone, nossos poetas e escritores mais representativos. Afinal, tudo é texto literário.

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Embora abundantes, as inúmeras pesquisas acadêmicas e artigos voltados ao ensino de literatura parecem não chegar ao chão da escola (PINHEIRO, 2014). É como se fizéssemos o diagnóstico, tivéssemos as prescrições medicamentosas, mas não conseguíssemos aplicar no “paciente”.

Se as dificuldades são notórias no Ensino da literatura dita canônica, maiores o são em se tratando de ensinar literatura cujo centro seja a produção literária potiguar. Salvo algumas iniciativas pulverizadas, não existe, nas redes estadual e municipal, um lugar nos currículos para a abordagem da literatura produzida em terras potiguares. Primeiro porque não há uma formação robusta quanto à literatura potiguar no ambiente acadêmico. Na UFRN, as questões de literatura potiguar estão contempladas nas disciplinas de Literatura Brasileira (antes havia uma disciplina da grade complementar, intitulada Literatura do Rio Grande do Norte). Passada a graduação, o recém-formado professor de Português / Literatura dificilmente se interessará por desenvolver projetos na área, seja porque não foi formado satisfatoriamente para tanto, seja porque pouco conhece, ele próprio, autores “clássicos” potiguares. No máximo, Câmara Cascudo, e de nome.

Há, ainda, o fato de que o estudante do ensino médio não cultiva o hábito da leitura e menos ainda a leitura de textos literários. Existe ainda a problemática do professor não-leitor, ainda que egresso do curso de Letras. É discurso uníssono entre colegas professores e pesquisadores que é imprescindível que o profissional das Letras seja, efetivamente, leitor.

As atividades de mediação de leitura exigem que o professor cultive o apego à leitura, do contrário, dificilmente passará “verdade” ao sugerir que seus alunos adquiram gosto pela leitura.

Segundo Antonio Candido (1995), a fruição da estética literária tem estreita relação com a sociedade fragmentada em classes. Para ele, dificilmente as classes de menor poder econômico/aquisitivo terão acesso a obras de autores e artistas consagrados. Resta ao homem comum, à massa trabalhadora “a literatura de massa, o folclore, a sabedoria espontânea, a canção popular, o provérbio”.

Estas modalidades são importantes e nobres, mas é grave considerá-las como suficientes para a grande maioria que, devido à pobreza e à ignorância, é impedida de chegar às obras eruditas.

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E ainda:

Em princípio, só numa sociedade igualitária os produtos literários poderão circular sem barreiras, e neste domínio a situação é particularmente dramática em países como o Brasil, onde a maioria da população é analfabeta. (CANDIDO, 1988)

Fazendo uma interface com o que Candido expõe nesses excertos, pensamos que, em se tratando da nossa realidade estadual, cujas escolas figuram nas listas de avaliações nacionais com preocupantes deficiências nos quesitos leitura e na escrita, o acesso a uma cultura letrada por parte dos estudantes das redes públicas não é satisfatório. Temos poucos estudantes leitores e aqui não nos compete aprofundamento nas causas desse desencontro. Entretanto, é fácil concluir que, se temos poucos estudantes leitores, temos poucos leitores de leitura literária. E mais: dentre esses poucos, um número ainda mais ínfimo de jovens sequer tiveram ou terão acesso à produção literária local.

Importa trazer à lembrança que Mário de Andrade valorizou a pesquisa etnográfica, dando valor às culturas populares. Nessa linha de pensamento, longe de qualquer militância, o valor cultural das produções locais reforça a importância que o texto literário imprime na formação de jovens estudantes, enquanto representação do pensamento cultural local.

Enquanto professores da rede pública estadual de ensino, constatamos que habilidades como ler, compreender e interpretar textos ainda aparecem com desempenho sofrível. É necessário aprimorar as estratégias de leitura, o trabalho com gêneros discursivos diversos e, sobretudo, o adequado tratamento com textos literários na sala de aula (CAFIERO e DIAS, 2012). Como pontua Cafiero e Dias4, “é necessário compreender a leitura como ato social e como ação cognitiva”:

[...] é importante que se desenvolvam estratégias interessantes para mobilizar os conhecimentos desses sujeitos. Não adianta, então, apenas entregar um

texto e mandar o aluno ler. Muito menos adianta mandar abrir o livro

didático e copiar o texto que lá está. É importante que as aulas de leitura

sejam aulas de produção de sentido. (CAFIERO e DIAS, 2012, p. 47, grifo nosso).

Os autores ressaltam, também, que é fundamental que os aspectos conceituais e metalinguísticos sobre gêneros discursivos “não passem a ocupar o espaço da compreensão do

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No artigo “Ensinar a ler no Ensino Médio: estratégias de leitura, diversidade de gêneros e abordagem de textos literários”, Cafiero e Dias afirmam que é fundamental que se desenvolvam estratégias que despertem o interesse dos estudantes, a fim de mobilizar conceitos que eles já trazem consigo.

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texto”, para que os estudantes possam usufruir do prazer estético ante o texto literário e assim adquiram a sua quota de humanização, proporcionado pelo texto literário (CANDIDO, 1995).

É notório como o trabalho com o texto literário perdeu espaço nas aulas de Língua portuguesa. Há estudiosos que atribuem tal acontecimento à forma equivocada5 como os gêneros discursivos aparecem nos PCN, permanecendo o hábito de os professores selecionarem textos geralmente de autores considerados canônicos para atividades dentro ou fora do espaço da sala de aula. Nessa linha de atividade, o texto literário continua sendo pretexto para uma abordagem voltada à perspectiva historiográfica, apenas. É imprescindível que as questões estilísticas (figuras de linguagem mobilizadas no texto literário) não se resumam a uma atividade de análise linguística classificatória (que faz o aluno identificar metáforas, metonímias, ironias, hipérboles e outras figuras de estilo).

Em seu artigo “A abordagem do poema na prática de ensino: reflexões e propostas”, Hélder Pinheiro (2012), aponta para o fato de que existem muitas questões que precisam ser enfrentadas no trabalho com literatura na escola, dentre as quais ele destaca as mais prementes: a seleção dos conteúdos, os procedimentos metodológicos equivocados, o problema dos acervos e o lugar da teoria literária como suporte da prática de ensino. 6

Hélder Pinheiro afirma que:

A metodologia de ensino de ensino de literatura pautada pela leitura e realização de exercícios, pela indicação de obras para provas, mas sem tempo para discussão dos mais diversos elementos presentes nos textos, sem possibilitar ao leitor se colocar e apresentar seu ponto de vista, tem fracassado na formação de leitores. (PINHEIRO, 2012, p. 87).

Tzvetan Todorov (2009, apud Antunes, 2016) lembra que os estudantes do Ensino Médio não são graduados em Letras, tampouco são especialistas em literatura. Portanto, não faz sentido transformar as aulas de Línguas em espaços de estudos literários. Para Antunes (2016), uma das maiores dificuldades dos docentes é transpor os conhecimentos adquiridos na academia para propostas didáticas com chances reais de execução.

Consideramos que o lastro teórico que o professor deve ter é importante, mas também é imprescindível que o profissional adquira e desenvolva estratégias de transposição didática

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Cafiero e Dias (2012) chamam à atenção para o fato de que algumas mudanças no trabalho com gêneros discursivos trouxeram alguns equívocos, como afirmam: “Se”, por um lado, os diversos gêneros utilizados em meios sociais (como quadrinhos, notícias, artigos, crônicas, tirinhas, propaganda etc), antes ignorados pela escola, passaram a frequentar a sala de aula, por outro, os textos literários foram relegados e perderam espaço.

6

O professor Hélder lista, neste artigo, algumas sugestões práticas que podem ser utilizadas como estratégias nas séries do Ensino Médio, como a organização de uma antologia de poemas de períodos diferentes ou até mesmo a utilização de poemas constantes no livro didático da série trabalhada.

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de todo esse arcabouço teórico acumulado em atividades que instiguem nos estudantes o apreço às práticas de leitura:

As atividades devem se deslocar daquelas que apenas contemplam a forma do texto na apreensão de efeitos de sentido. Assim, a exploração da metáfora, da metonímia, da ironia, por exemplo, em sala de aula, não será mera atividade classificatória, mas um convite à percepção da multiplicidade de significações. (CAFIERO e DIAS, 2012, p. 57).

Para além da nomenclatura, é necessário que o estudante apreenda os aspectos semânticos mobilizados pelas figuras estilísticas e não mera identificação e classificação. Esse resultado pode ser alcançado com estratégias diversificadas como, por exemplo, debates, discussões, leituras compartilhadas de textos trazidos pelos alunos etc.

2. LITERATURA NOS DOCUMENTOS OFICIAIS

Segundo o professor Hélder Pinheiro (2014), os PCN de Língua Portuguesa realizaram uma espécie de “sequestro” da literatura, principalmente da poesia, deixando-a de certa forma preterida, embora tenham estimulado “debates, publicações de livros e elaboração de propostas diferenciadas de ensino de leitura”:

Outra observação a ser levantada está ligada ao fato de a instituição responsável pela formação de professores, a Universidade pública ou privada, através dos cursos de Letras, pouco se modificou, nos últimos anos, no que se refere às exigências metodológicas que as novas práticas que visam à formação do leitor exigem. Ou seja, se faz necessário que o ensino superior assuma um papel mais dinâmico numa formação que possa ter reflexo no ensino fundamental e médio. Assim, talvez, seja possível uma retroalimentação entre Universidade e ensino básico. (PINHEIRO, 2014, p.11)

Nada é mais animador que ler os documentos oficiais que tratam sobre Literatura. Na apresentação das Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCEM) – documento produzido pela Secretaria de Educação Básica – lemos, de início, que “a qualidade da escola é condição essencial de inclusão e democratização das oportunidades no Brasil”, entretanto, o discurso ainda parece estar bem distante da realidade das escolas do país. As OCEM parecem

(23)

ter vindo para uma espécie de “redenção” da lacuna deixada pela LDB, no quesito Ensino de literatura. O documento separa uma seção para discussão dos “Conhecimentos de Língua Portuguesa” e outra para “Conhecimentos de Literatura”.

A pergunta que abre a discussão sobre “Conhecimentos de literatura” é Por que a

literatura no Ensino médio?, trazendo uma importante e necessária reflexão para o papel que

a literatura merece no espaço escolar e o que, efetivamente, tem ocorrido nas salas de aula de Língua portuguesa.

O documento (OCEM) inicia trazendo uma ponderação do conceito de Arte e adota a Literatura, numa perspectiva simplificada e didática, como a “arte da palavra”. Em seguida, ainda nesse preâmbulo, lembra-nos da mudança de valor que a literatura adquiriu ao longo do tempo. Antes tida como símbolo de “status” social e cultural para o que temos hoje: uma “frente” da disciplina Língua Portuguesa, sobre a qual estamos sempre precisando comprovar a sua importância no processo educacional brasileiro:

Num piscar de olhos, porém, as mudanças impuseram-se: o rápido desenvolvimento das técnicas, a determinação do mercado, da mídia e o centramento no indivíduo (em detrimento do coletivo) provocaram a derrubada dos valores, um a um, enquanto outros foram erigidos para logo tombarem por terra. (BRASIL, 2006, p. 52).

E complementa:

Imersos nesses tempos atuais, mais do que nunca se faz necessária a pergunta: por que ainda a Literatura no currículo do ensino médio se seu estudo não incide diretamente sobre nenhum dos postulados desse mundo hipermoderno? (BRASIL, 2006, p. 52).

A redação das OCEM dedica um bom tempo a afirmar a necessidade de ofertar aos estudantes brasileiros o acesso ao texto literário. Além disso, ratifica o papel fundamental e necessário que a literatura exerce e o exercício do pensamento crítico por ela despertado. A literatura como humanizadora, perspectiva adotada por CANDIDO (1995), é agora significativamente valorizada:

Entendo aqui por humanização [...] o processo que confirma no homem aqueles traços que reputamos essenciais, como o exercício da reflexão, a aquisição do saber, a boa disposição para com o próximo, o afinamento das emoções, a capacidade de penetrar nos problemas da vida, o senso da beleza, a percepção da complexidade do mundo e dos seres, o cultivo do humor. A

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literatura desenvolve em nós a quota de humanidade na medida em que nos torna mais compreensivos e abertos para a natureza, a sociedade, o semelhante. (CANDIDO, 1995, p. 249).

Vemos, ainda, uma ressalva da distinção em que há nos conceitos de “letramento” e “letramento literário”, sendo este o objetivo e razão maior para a permanência da literatura nos currículos de Língua Portuguesa. O texto enfatiza, portanto, o lugar que merece a experiência literária, “a experiência construída a partir dessa troca de significados” (BRASIL, 2006, P. 55).

Ensino de Literatura na BNCC do Ensino Médio

Durante o ano de 2018, fizemos parte da equipe de redatores do Documento curricular do Ensino Fundamental7, documento inédito no estado. Pouco pudemos contribuir com a questão do ensino de literatura, visto que não há, no ensino fundamental, aulas destinadas à literatura, como ocorre no ensino médio.

Vejamos o que a BNCC do EF diz sobre o Eixo “Educação Literária”:

O eixo Educação literária tem estreita relação com o eixo Leitura, mas se diferencia deste por seus objetivos: se, no eixo Leitura, predominam o desenvolvimento e a aprendizagem de habilidades de compreensão e interpretação de textos, no eixo Educação literária predomina a formação

para conhecer e apreciar textos literários orais e escritos, de autores de língua portuguesa e de traduções de autores de clássicos da literatura internacional. Não se trata, pois, no eixo Educação literária, de ensinar literatura, mas de promover o contato com a literatura para a formação do

leitor literário, capaz de apreender e apreciar o que há de singular em um texto cuja intencionalidade não é imediatamente prática, mas artística. (BRASIL, 2017, p. 65, grifo nosso).

Fizemos essa introdução a partir da BNCC do EF porque a BNCC do Ensino Médio diz que há inúmeros problemas herdados do ensino fundamental, ao mesmo tempo em que aponta o que seria um excessivo número de componentes curriculares no EM, além de uma “abordagem distante das culturas juvenis e do mundo do trabalho” (p. 46). Esta seria uma interpretação do que dizem as Diretrizes Curriculares Nacionais, DCN, de que existem “múltiplas culturas juvenis ou muitas juventudes” (BRASIL, 2011, p. 155).

7

(25)

Percebe-se, nesses fragmentos e também no documento da Base do EM, uma verve um tanto pragmática em excesso e tecnicista, especialmente nas muitas ocorrências da expressão “preparação para o trabalho” durante o texto. Há um esforço claro em “[...] promover o desenvolvimento de competências que possibilitem aos estudantes inserirem-se de forma ativa, crítica e responsável em um mundo de trabalho cada vez mais complexo e imprevisível” (p. 465).

Vemos com relativa preocupação a intenção velada de flexibilização dos currículos, modelo no qual os estudantes poderiam escolher os componentes curriculares com os quais tenham mais afinidade, o que, a nosso ver, impede que os jovens egressos do EM tenham negado o direito de acesso ao texto literário de forma satisfatória e necessária, como afirma Antonio Candido.

Diante desses posicionamentos de documentos concebidos nas instâncias governamentais da União, é inevitável nos questionarmos: qual seria o lugar da literatura e do seu ensino nessa proposta de currículo “flexibilizado”?

A BNCC do EM é dividida em áreas, estando o componente curricular Língua Portuguesa inserida na Área de Linguagens, juntamente com Língua Inglesa, Arte e Educação Física.

Na área de Linguagens e suas Tecnologias, priorizam-se 5 (cinco) campos de atuação social:

 Campo da vida social

 Campos das práticas de estudo e pesquisa

 Campo jornalístico-midiático

 Campo de atuação na vida pública

 Campo artístico

Além dos campos de atuação, há também as competências específicas da área, das quais destacamos a de número 6 (seis)8:

[...] essa competência prevê que os estudantes possam entrar em contato e explorar manifestações artísticas e culturais locais e globais, tanto valorizadas e canônicas como populares e midiáticas, atuais e de outros tempos [...]. (p. 488).

8

São 7 (sete) as competências específicas da Área de linguagens relacionadas a cada uma delas e são indicadas, posteriormente, habilidades a ser alcançadas nessa etapa. (p. 481)

(26)

A referida competência foi a primeira alusão feita às questões artístico-literárias, na 488ª página do documento. Até então, a ênfase é dada à leitura, enquanto aprimoramento da decodificação, e às práticas de escrita (letramentos, multiletramentos). Somente na página 491 da BNCC EM surge a palavra “literatura”:

Em relação à literatura, a leitura do texto literário, que ocupa o centro do trabalho no Ensino Fundamental, deve permanecer nuclear também no Ensino Médio. Por força de certa simplificação didática, as biografias de autores, as características de épocas, os resumos e outros gêneros artísticos substitutivos, como o cinema e as HQ, têm relegado o texto literário a um plano secundário do ensino. Assim, é importante não só (re)colocá-lo como ponto de partida para o trabalho com a literatura, como intensificar seu convívio com os estudantes. (p.491).

São, no mínimo, contraditórias as declarações da BNCC. Primeiramente, sabe-se que o trabalho com o texto literário não ocupa, de fato, “o centro do trabalho no Ensino Fundamental”. Depois, afirma que o texto literário tem sido preterido, o que é atestado quase de forma unânime entre os professores. Entretanto, como já pontuamos, o documento “demora” a discorrer sobre a importância do texto literário como centro das atividades com literatura.

Não se observa qualquer referência aos textos literários quanto aos vieses regionais/locais. Antes, pelo contrário, privilegia-se o trabalho com textos da tradição literária, de literatura portuguesa, e com “as produções artísticas e dos textos literários, com destaque para os clássicos [...] (p. 495)”.

Em grande parte do documento, percebemos a preocupação com os letramentos, as habilidades de leitura e produção de textos, temáticas que parecem ocupar o centro das preocupações tratadas na Base.

No tocante aos campos de atuação pessoal, destacamos o Campo artístico-literário, no qual se alude à problemática dos “movimentos de manutenção da tradição e de ruptura, suas tensões entre códigos estéticos e seus modos de apreensão da realidade” (p. 513):

No Ensino Médio, devem ser introduzidas para fruição e conhecimento, ao lado da literatura africana, afro-brasileira, indígena e da literatura contemporânea, obras da tradição literária brasileira e de língua portuguesa, de um modo mais sistematizado, em que sejam aprofundadas as relações

(27)

com os períodos históricos, artísticos e culturais. Essa tradição, em geral, é

constituída por textos clássicos, que se perfilaram como canônicos – obras que, em sua trajetória até a recepção contemporânea, mantiveram-se reiteradamente legitimadas como elemento expressivo de suas épocas.

(p. 513, grifo nosso).

Mais uma vez, noções como “tradição literária”, “textos clássicos e canônicos”, ao mesmo tempo em que há referência às manifestações literárias africanas, afro-brasileiras, indígenas e contemporâneas. Não vislumbramos compromisso da Base com as manifestações literárias regionais, senão o reforço com a literatura dita canônica como único caminho para os estudantes do EM apreciarem o estético que habita nas artes e na literatura.

A BNCC trata a problemática do ensino de literatura numa perspectiva reducionista, servindo apenas como objeto de contemplação e prazer estético. É importante lembrar que as diferentes versões da Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio têm uma relação muito atrelada às mudanças no cenário político, desde o golpe de 2016 até o término do governo de Michel Temer, período em que a Base foi homologada.

No Rio Grande do Norte, diferentemente de como aconteceu no Ensino Fundamental, a confecção do Documento Curricular do Ensino Médio encontra-se em fase de revisão. Há uma versão preliminar escrita, que está sendo revista para, posteriormente, ser submetida à consulta pública e aprovação do Conselho Estadual de Educação para, finalmente, ser publicada no Diário Oficial do Estado.

Abílio Pacheco (2017), no artigo “O Ensino de Literatura e a BNCC do Ensino Fundamental”, afirma que:

Duas coisas podem ser pontuadas aqui nas quais divergimos da BNCC. A primeira é que o texto literário também serve para compreensão da própria realidade, ou seja, da própria época, do próprio espaço social, da própria cultura, dos próprios modos de vida... Um outro problema reside no fato de cultura e sociedade brasileiras serem resultados de processos culturais violentos que resultaram em um povo multi-étnico e miscigenado. Logo, a própria ideia de “outro” e de “próprio” não encontra um terreno sólido em que se sustentar. (PACHECO, 2017).

Nesse sentido, resta ao professor encontrar fissuras no hermetismo da BNCC, pois nela a fruição estética parece ser o motor da literatura. Mas mais que isso, a literatura é também uma forma de compreender o mundo.

(28)

No que se refere à legislação, o estado do Rio Grande do Norte também elaborou leis de incentivo à leitura. Vejamos:

Lei 9.105 – Lei do livro ou Lei Henrique Castriciano

Datada de 9 de junho de 2008, de autoria do então deputado Fernando Mineiro, a lei dispõe sobre a “Criação da Política Estadual do Livro no Estado do Rio Grande do Norte” e dá outras providências.

Mais voltada para o fomento à edição e circulação de livros, a lei tem como fito fomentar, em linhas gerais, a produção literária potiguar. Vejamos o Capítulo I, Parágrafo Único:

A Política a que se refere o Caput deste artigo tem por objetivo fomentar o desenvolvimento cultural, a criação artística e literária, reconhecendo o livro como instrumento para a formação educacional, a promoção social e a manifestação da identidade cultural do Estado [...]. (RIO GRANDE DO NORTE, 2008).

Os incisos que sucedem o referido parágrafo tratam de especificar os objetivos que devem resultar da lei. Entre os pontos elencados, destacamos dois: “Estimular a produção dos autores naturais do Estado do Rio Grande do Norte, sem prejuízo dos demais autores e promover a circulação do livro” (inciso III) e “Preservar o patrimônio literário, bibliográfico e documental do Estado” (inciso VI).

Em se tratando do III, fica clara a intenção de fomentar a produção literária potiguar, embora enxerguemos na lei uma nuance de generalismo, visto que ela não aponta caminhos objetivos para que tais mudanças ocorram. Entretanto, consideramos importante que tais metas estejam previstas legalmente em um documento oficial e que a discussão tenha ocorrido no âmbito do parlamento estadual, o que já se configura notável avanço.

No capítulo IV da mesma lei, há a previsão de que ao poder Executivo cabe assumir suas responsabilidades no que alude às campanhas em prol da formação de leitores, ao passo em que deve tomar a iniciativa de divulgar os objetivos da Lei nas “bibliotecas, livrarias, escolas, centros culturais, associações etc, através de cartazes e folders”. Mais à frente, o texto diz ainda, no Capítulo IV, Art. 17, Parágrafo único, que:

(29)

Sempre que for realizada uma Feira do Livro, um Programa de Leitura [...], deverá dar destaque às publicações de autores potiguares, de forma a viabilizar o conhecimento e a facilidade de acesso às referidas publicações. (RIO GRANDE DO NORTE, 2008. Grifo nosso).

E mais adiante, no Capítulo IV, Artigo 19:

As bibliotecas públicas do Estado do Rio Grande do Norte deverão manter um acervo de obras de escritores potiguares, inclusive com indicação expressa, para melhor conhecimento do público. (RIO GRANDE DO NORTE, 2008).

É notório que a intenção da lei é das melhores. Contudo, a aplicabilidade da referida lei esbarra nos desafios reais da escola pública, na falta de uma política que verdadeiramente dê protagonismo à questão da literatura produzida no estado. Em muitas escolas, as bibliotecas não têm estrutura física adequada, mais parecendo um depósito de livros. Temos dúvidas quanto ao fato de, em todas as unidades escolares do Rio Grande do Norte, haver bibliotecas abastecidas de obras de autores potiguares.

Lei nº 9. 169 – Lei da Leitura Literária

Posteriormente à Lei Henrique Castriciano, foi promulgada a Lei da Leitura Literária, em 15 de janeiro de 2009. Enquanto aquela dava ênfase à difusão do livro de maneira mais ampla, esta dispõe sobre a criação de uma política estadual de promoção da leitura literária nas escolas públicas do estado (Art. 1º, Parágrafo Único):

A política a que se refere este artigo tem por objetivo fazer com que o Poder Público assegure a formação do leitor em todas as escolas de educação básica, de modo que as crianças, os adolescentes, jovens e adultos desenvolvam o prazer em ler textos literários, favorecendo o acesso ao conhecimento e aos bens culturais da humanidade [...].

(RIO GRANDE DO NORTE, 2009).

O corpo da referida lei prevê inúmeras inciativas que favoreçam atividades de leitura literária no ambiente escolar. Desde a formação do leitor, passando pela garantia de que todas

(30)

as escolas tenham um espaço de leitura bem estruturado e recomendações quanto à formação inicial e continuada dos educadores.

Como desdobramento dessa política de promoção da leitura literária, o documento reza que cabe à SEEC – Secretaria de Estado de Educação e Cultura – a elaboração do Plano Estadual de Leitura Literária nas Escolas (PELL), a ser revisado anualmente.

Todavia, o que se observa na referida lei é a completa ausência de referências à produção literária potiguar. Em nenhum dos artigos há qualquer menção à pauta, sendo todas as sugestões e encaminhamentos voltados exclusivamente à promoção da leitura literária em sua concepção mais ampla. Ademais, os aspectos previstos nesse documento em nada acrescentam à lei anterior, Lei Henrique Castriciano; apenas os especifica.

Sobre o lugar do texto literário no espaço escolar, segundo William Cereja (2005), pesquisador, professor e autor de livros didáticos, ele ainda não ocupa a centralidade nas aulas de literatura:

Assim, o ensino de literatura no ensino médio não tem alcançado plenamente nem mesmo esses dois objetivos essenciais a que propõe – a formação de leitores competentes, de textos literários ou não literários, e a consolidação de hábitos de leitura – o que aponta para a necessidade de rever essa prática escolar, bem como redefinir o papel do ensino de literatura na disciplina

Língua Portuguesa. (p. 11, grifo nosso).

Embora a citação seja do ano de 2005, a problemática apontada por Cereja continua atual. Como professora de Língua Portuguesa, conhecemos de perto a dificuldade de trabalhar a literatura dentro de uma grade curricular, já pequena, destinada à Língua Portuguesa. Geralmente, apenas uma aula semanal é destinada a essa finalidade. No caso da literatura local, a questão é ainda mais complexa, porque é preciso conjugar o estudo de autores clássicos, canônicos com a inserção de produções literárias de autores potiguares. Uma lei que dê relevo à problemática é insuficiente para que tenhamos um projeto escolar consistente de inserção da nossa produção literária na vida cotidiana dos nossos estudantes.

Em outubro de 2003, a Lei 10.753 – Lei do livro – institui a Política Nacional do livro. Como desdobramento da referida lei, foi criado o PNLL – Plano Nacional do Livro e da Leitura – construído pelo MEC em parceria com o agora extinto MinC. Com o PNLL, a temática tratada no plano ganha caráter de política pública.

Assim, o PNLL preconiza que todos os estados e municípios criem seus respectivos planos de leitura locais. Em 2013, por meio do Decreto nº 24020, o Rio Grande do Norte

(31)

entregou à sociedade o PELL – Plano Estadual do Livro e da Leitura, iniciativa da SEEC (Secretaria de Estado de Educação e Cultura) em parceria com a Secretaria Extraordinária de Cultura.

Destaca-se o caráter democrático do PELL/RN. Ele foi forjado a partir da clara intenção de se criar uma política em parceria concreta com a sociedade potiguar, objetivando, assim, evitar o caráter assistemático e fragmentado com que se tem implementado essas iniciativas em nosso estado. (RIO GRANDE DO NORTE, 2013, p.19).

Conforme o que orienta o PNLL, o PELL/RN estrutura-se nos seguintes eixos temáticos:

1. Democratização do acesso

2. Fomento à leitura e à formação de mediadores 3. Valorização da leitura e da comunicação

4. Apoio à criação e ao consumo de bens da leitura

E como objetivo geral: “Assegurar e fortalecer a democratização do acesso ao livro e à leitura a toda a sociedade potiguar, elevando o Rio Grande de Norte à condição de um estado leitor” (p. 27).

Além do objetivo geral, o PELL/RN apresenta mais 23 (vinte e três) objetivos específicos, dos quais destacamos 3 (três):

1º Formar leitores, buscando aumentar o índice de leitura em todas as faixas e nas diferentes modalidades de ensino, bem como o nível qualitativo das leituras;

3º Ampliar, atualizar e modernizar o acervo das bibliotecas; 23º Aumentar a exportação de livros de autores potiguares.

Sentimos falta de um tópico (objetivo específico) que trate prioritariamente de promover/fomentar a leitura de obras de autores potiguares.

É importante lembrar que as ações na área cultural ampliaram-se após o período da ditadura militar, ainda nos anos 80, com a criação de várias leis de incentivo à cultura. É dessa época também a instituição do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD, 1985).

(32)

2.1 LITERATURA POTIGUAR

Jamais se escreverá corretamente a História da Literatura Brasileira enquanto não se fizer o exato balanço das nossas literaturas regionais. Muita coisa, da maior importância cultural, morre na província não conseguindo ultrapassar os limites que injustamente a separam dos grandes centros culturais. (Rômulo Wanderley)

Talvez haja poucas divergências sobre o conceito de universalidade, em se tratando de Literatura. Sabemos que a Literatura é universal e o texto literário não tem, exatamente, certidão de nascimento ou título de cidadania, posto que se trata de um aspecto imaterial em seu conteúdo (o texto literário), embora circule em suportes materiais (livros, periódicos, sítios na internet etc).

Muitas são as discussões sobre as manifestações literárias locais ou regionais (estaduais) e sua legitimidade dentro um sistema literário abrangente e pretensiosamente harmônico (Candido, 1995).

Em seu “Provincianismo e literatura mundial”, Luís Bueno (2013), p. 173, afirma que:

Num tempo em que muitos dizem que o conceito de nação já não se aplica mais, superado que estaria por uma ordem mundial nova, defender a ideia de que regionalismo é um conceito ainda operável, então, virou uma espécie de confissão de provincianismo.

No referido texto e na amostra do excerto, Bueno discorre sobre a legitimidade do termo “Literatura gaúcha”, a exemplo do que ora tratamos, no caso, a pertinência do termo “literatura potiguar”. As manifestações literárias locais estão para o que se entende por “literatura brasileira”, assim como a própria literatura brasileira canônica está para uma literatura que se presume “universal”. E defende, ainda, a adoção dos conceitos de periferia e centralidade; em que invisibilidade e inexistência não teriam qualquer relação de sinonímia.

Nesse sentido, podemos pensar que, mesmo dentro da “literatura potiguar” canônica, pode haver manifestações também consideradas periféricas, em especial na produção literária contemporânea do estado.

Araújo (2013) no ensaio “As literaturas locais como manifestações periféricas determinantes”, de igual modo, apresenta concepções sobre as produções literárias e culturais de estados e regiões como manifestações que têm “uma função histórica determinante na formação do sistema literário brasileiro” (p.107). Semelhantemente ao proposto por Bueno

(33)

(2013), Araújo trata da problemática centro/periferia, considerando que existem “outras histórias de processos locais relacionados à discussão do processo nacional”.

Como parte de um processo nacional, as chamadas literaturas estaduais

são determinantes também no que diz respeito à construção da cultura e da sociedade, em situações não menos essenciais do que aquelas dos principais centros do País. Com essa perspectiva, torna-se interessante

observar os momentos em que ocorrem rupturas em relação ao cosmopolitismo e ao regionalismo nas literaturas locais, uma vez que são essas duas as tendências mais evidentes na vida literária dos espaços periféricos. (ARAÚJO, 2013, grifo nosso).

Segundo Araújo, é por meio da análise de documentos históricos e registros literários que se tem acesso a como essa literatura (regional, periférica) reverbera temáticas como “nacionalidade, modernidade e novas práticas literárias”.

É certo que o conjunto de obras que aqui tratamos como Literatura Potiguar está inserido no sistema literário brasileiro, este que somente teria se estabelecido no Brasil em meados do século XVIII, período em que predominava a estética do Romantismo, reflexo do mesmo movimento europeu.

Nesta perspectiva, a expressão sistema literário, como o considera Antonio Candido, implica uma discussão a partir de um ponto de vista concreto: a formação de um sistema em um território historicamente constituído. (ARAÚJO, 2013, p. 111).

Nessa perspectiva adotada por Araújo, Veríssimo de Melo é, ao mesmo tempo um escritor potiguar e, paradoxalmente, um autor “não-regional”, visto que sua obra Folclore

infantil ultrapassou as barreiras estaduais e é obra referenciada em muitos outros lugares e

espaços literários.

Ainda no que se refere à questão local, Araújo (2016) volta a considerar a discussão do aspecto regional do ensino de literatura como reflexo de um processo de urbanização que tende à uniformização de vários aspectos da vida e, dentre estes, as questões culturais, onde estaria inserida a literatura. 9

9

Araújo refere-se ao ensino de literatura na pós-graduação, mas sabemos que na Educação básica, especialmente no Ensino médio, não é diferente. Ele afirma que “[...] discutir a questão regional significa, pois, discutir os desafios dos programas, as suas linhas de pesquisa e, sobretudo, o conhecimento acumulado sobre a questão no âmbito dos estudos contemporâneos e do ponto de vista social.” (ARAÚJO, 2016, p. 59).

(34)

O professor Tarcísio Gurgel, em Informação da Literatura potiguar (2001), traça uma espécie de “linha do tempo” em que organiza a evolução das primeiras manifestações literárias do Rio Grande do Norte, tendo como limite temporal da pesquisa o ano de 1898:

A primeira preocupação explícita com o registro historiográfico e crítico da literatura potiguar, embora manifestada em 1897, só veio a público no ano seguinte. Teve-a um audacioso crítico, um quase imberbe rapaz, de nome Antonio Marinho, que, pelas páginas de A Tribuna, espécie de revista cultural de uma associação denominada Congresso Literário, propôs-se, nas edições de janeiro e fevereiro de 1898, a fazer um balanço de nossa produção literária até então, pondo em relevo alguns nomes ainda hoje lembrados, outros que caíram no esquecimento. (GURGEL, 2001, p. 21, grifo do autor).

Conforme aponta o professor Tarcísio Gurgel em sua pesquisa, Antonio Marinho teria se tornado, “por conta da coragem e da franqueza”, aquele que seria “o maior escândalo da nossa vida literária”. 10

Anos depois, Câmara Cascudo teria o mesmo intento, por volta de 1921, quando da publicação de “Alma Patrícia”. Tal ideia teria sido retomada nos fins dos anos 1950, organizada por Veríssimo de Melo e Manoel Rodrigues de Melo, tendo os originais desaparecido. Anos depois, Veríssimo publicou o que seria a sua “parte”, com

Patronos e acadêmico, 1972.

Em se tratando de produção literária propriamente, foi na segunda metade do século XIX que aconteceu a nossa primeira manifestação literária, quando surge Lourival Açucena, pseudônimo de Joaquim Eduvirges de Mello Açucena:

Impressa em forma de poemas, artigos, contos, crônicas, a Literatura começa a existir no Rio Grande do Norte [...] num jornalzinho chamado O Recreio, que existia na capital e circulou no ano de 1861. Foi o primeiro impresso pioneiro a difundir, de modo sistemático, esse tipo de manifestação cultural. (GURGEL, 2001, p. 32, grifo do autor).

Embora reconheça que tenham surgido bons nomes em se tratando de pesquisa sobre a nossa literatura, o professor Tarcísio faz uma ressalva nesse sentido:

[...] a produção historiográfica voltada à nossa literatura tem pago o preço do registro, por vezes apressado, quando não meramente laudatório. Bem verdade que a visada impressionista foi compensadora em alguns casos,

10

São constantes na obra Informação da Literatura potiguar as referências a Antonio Marinho como primeiro crítico literário do Rio Grande do Norte. Além de escrever muito bem, Marinho teria sido o primeiro a pensar em sistematizar a literatura potiguar.

(35)

como no de Veríssimo de Melo com [...] Patronos e Acadêmicos. Mas a ausência de fontes históricas melhor ordenadas (sic) e uma crítica militante, provocando uma sadia emulação, sempre deixaram o estudioso interessado na Literatura Potiguar, exposto, ora à acomodação de recorrer, ora aos mestres (em nosso caso aos nomes de Cascudo e Castriciano, certamente), ora à busca desordenada de informações – nem sempre disponíveis, diga-se de passagem, em publicações como as revistas da ANRL, do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, Oásis, Rio Grande do Norte, e de modo muito especial A Tribuna, A República, A Imprensa. Sem falar na contribuição contemporânea de Diário de Natal/ O Poti e Tribuna do Norte. (GURGEL, 2001, p. 26, grifos do autor).

Constância Duarte e Diva Cunha sentiram a necessidade de esquematizar os períodos da literatura potiguar, após constatar evidente desconhecimento dos estudantes de Letras.

Dentre as várias antologias empreendidas no Rio Grande do Norte, as autoras citam a organizada por Ezequiel Wanderley, em 1922, constando 108 autores, denominada Poetas do

Rio Grande do Norte e uma outra, de Rômulo Wanderley, “Panorama da poesia norte-rio-grandense, de 1965, com 226 poetas”. Segundo as pesquisadoras, todas as outras antologias

que se seguiram são igualmente importantes, embora não tenham obedecido a critérios muito bem estabelecidos.

Nesse sentido, Diva Cunha e Constância Duarte citam Veríssimo de Melo e a importância que teve a publicação da bibliografia dos acadêmicos da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

A primeira dificuldade foi estabelecer os nomes que constituiriam o corpus da literatura norte-rio-grandense. Seriam “autores potiguares” apenas os que nasceram no Estado, como defendia Ezequiel Wanderley no passado? Ou deveriam ser incluídos também os que não nasceram, mas aqui residiram e publicaram, como propõe Manoel Onofre Júnior? Outra questão: Como ficariam os que nasceram no Rio Grande do Norte, mas publicaram em outras terras? Caso adotássemos o primeiro critério, não pertenceria à literatura potiguar um nome como Eulício Farias de Lacerda, por exemplo, paraibano que aqui chegou adulto. Ou, como prescindir de nomes como Nísia Floresta, Peregrino Júnior e Homero Homem, apenas porque viveram e produziram fora? Como seria possível decretar quem tinha (ou não) a “terra entranhada” em sua obra? (DUARTE e MACEDO, 2001, p. 28).

E acrescenta que

Henrique Castriciano, Câmara Cascudo, Manoel Rodrigues de Melo e Veríssimo de Melo são, portanto, a nosso ver, os guias seguros para quem se aventura a buscar os começos de uma historiografia literária potiguar (DUARTE e MACEDO, 2001, p. 28).

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