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3. VERÍSSIMO DE MELO – UM HOMEM DA CULTURA E DA LITERATURA –

3.3 VERÍSSIMO DE MELO – DEPOIMENTOS

Veríssimo deu de presente ao Rio Grande do Norte seu esforço e talento. (Diógenes da Cunha Lima).

Embora o destaque desta pesquisa seja a ênfase nas cartas enquanto elemento motivador para o trabalho com o texto literário, consideramos importante expor alguns depoimentos sobre a figura de Veríssimo de Melo. São leituras de pessoas com quem Veríssimo teve estreita convivência; tais depoimentos ajudam a desenhar seu perfil.

Reunimos quatro breves depoimentos escritos por Vicente Serejo, Manoel Onofre Júnior e Oswaldo Lamartine extraídos de publicações em livros e jornais. O último depoimento foi obtido por nós, em entrevista com Woden Madruga, a pedido nosso, para o fim desta pesquisa.

1. Nos 80 anos de Veríssimo Por Vicente Serejo20

Para ter seu nome vivo, tal como ele manteve até os nomes dos artistas e poetas anônimos, há de se reconhecer em Veríssimo de Melo o seu olhar treinado para o novo. Antes dele, só os olhares de Henrique Castriciano, Jaime Adour da Câmara e Câmara Cascudo. Do scholar que foi Henrique, á revelação modernista que foi Adour, ao grande estudioso crítico de nossa produção literária que foi Cascudo com seu pioneiro Alma Patrícia.

[...]

Mas Veríssimo, que veio mais tarde e despontou no início dos anos cinquenta, Veríssimo tem singularidades que lhe asseguram a reserva de um lugar merecido na história cultural do Rio Grande do Norte e do Nordeste. E de todos os seus caminhos, e foram vários e múltiplos, numa pluralidade de ritmos e curiosidades, mas dois foram nacionalmente mais visíveis: sua preocupação com as manifestações da cultura popular e as experiências modernistas, antes e depois de 22, no âmbito da poesia nordestina.

Logo cedo, aliás, ainda em 1952, seus registros críticos em torno da poesia de Jorge Fernandes mereceram uma carta de Manuel Bandeira, aquela que terminaria, com autorização do poeta, sendo o prefácio do livro de estreia de Veríssimo no plano nacional – Dois poetas do Nordeste, Rio, Ministério da Educação, 1964 – com o foco modernista sobre a poesia de Jorge Fernandes e Ascenso Ferreira, de quem se tornaria amigo e de quem publicaria, anos depois, uma bem humorada correspondência.

Em 1971, sete anos depois, é convidado pela direção da Biblioteca Pública da Paraíba para fazer uma conferência sobre a Contribuição do Nordeste ao Movimento Modernista, quando é saudado pelo crítico Virgínius da Gama e

20Publicado originalmente na coluna “Cena Urbana”, Jornal de Hoje, de 13 de julho de 2001 e republicado na

Melo. Ele que, em 1970, um ano antes, organizara a edição definitiva do Livro de Poemas de Jorge Fernandes, com introdução e notas e a transcrição da carta de Bandeira, 18 anos depois de chegar às suas mãos e quando o poeta já havia partido para sua doce Pasárgada.

Na cultura popular, Veríssimo não é menos importante para a nossa história cultural. Discípulo de Cascudo e participante, ao seu lado, da Sociedade Brasileira de Folclore, nascida de uma ousadia cascudiana, sua estreia pra valer acontece em 1948 com seu pequeno estudo sobre Adivinhas, primeiro título da Sociedade, impresso em Natal, mas com uma capa que singela e despojada nos traços modernistas, é assinada por Lula Cardoso Aires, o modernista de Recife que era amigo de Cascudo.

Depois vieram as Parlendas e, por fim, a precoce consagração que lhe garantiu o prêmio do Departamento de Cultura de São Paulo, em 1949, quando venceu um concurso que tinha na sua comissão julgadora três dos maiores nomes da crítica, da Sociologia e da Antropologia então nascentes no Brasil, no chão da austera Universidade de São Paulo, a USP: Gilda de Melo Souza, Florestan Fernandes e Egon Schaden que assinam a nota editorial atestadora e anunciadora do mérito.

Autor de pequenas biografias de personagens de sua admiração pessoal, como Humboldt, Ortega y Gasset e Albert Einstein, entre outros, nem por isso se descuidou de desenhar o perfil das nossas figuras populares, como José Areia, Xico Santeiro, os cantadores de viola ou as mulheres artesãs das garrafas de areia coloridas de Tibau. Talvez, depois de Cascudo, tenha sido ele quem melhor compreendeu a importância da história do cotidiano como se conhecesse a nova história dos Annales.

No terceiro parágrafo do depoimento, Serejo dá ênfase à iniciativa de Veríssimo, ainda na década de 50, de iniciar estudos e observações acerca da produção literária de Jorge Fernandes. Informação importante, de igual modo, é o registro da amizade entre Veríssimo e Ascenso, registrada nas cartas que compõem a matéria desta pesquisa. A correspondência entre os dois amigos é tratada por Serejo como “bem-humorada”, em face do homem espirituoso que Ascenso revelou ser, nas missivas.

2. Veríssimo de Melo no outro lado

Por Manoel Onofre Jr. 21

Cinco dias antes de sua morte, conversei, animadamente, com ele, pelo telefone. Disse-me que estava doente, com hepatite, mas nada greve. Só achava chato ter de ficar preso em casa; ainda bem que os amigos lhe telefonavam constantemente. Agora mesmo, tinha falado com Alvamar Furtado. Pedi-lhe, então, notícias sobre o preenchimento de vagas na Academia Norte-rio-grandense de Letras. Veríssimo era entusiasta da candidatura de Vicente Serejo a cadeira nº 27, vaga com a morte de Américo de Oliveira Costa. Assegurou-me que Serejo já podia considerar-se eleito. Enveredamos por outros assuntos e, em certo momento, tornamos à Academia – sua “menina dos olhos”. Referimo-nos às sucessivas mortes de acadêmicos, verificados por último, em curto espaço de tempo, o que, aliás, motivou indagação bem-humorada: “Quem é a próxima vaga?”. Dia seguinte, liguei-lhe, novamente, não para inteirar-me do seu estado de saúde – que não inspirava cuidados – mas apenas para solicitar-lhe o endereço de um amigo comum. O telefone só chamava. Fiz-lhe outras ligações, em vão. Até que, neste domingo chuvoso, uma voz de mulher, ao telefone me diz, para minha perplexidade: “– O senhor não sabia? Morreu... Enterrou-se hoje”. Poucas vezes, na vida, senti tamanho impacto emocional. Há dois minutos esperava ouvir a voz do amigo, e agora me custa admitir que ele já não pertence a este mundo.

No meio cultural e no círculo de amizades, Veríssimo vai fazer muita falta. Era um líder. Presidente do Conselho Estadual de Cultura, primeiro- secretário da Academia. Ensaísta e crítico literário, exercia a salutar crítica de rodapé, quase sempre voltado para a Literatura do Rio Grande do Norte. Deixou inúmeros livros e plaquetes. Dois destes merecem menção especial: “Patronos e Acadêmicos” (2 vls.), antologia e biografia, obra de consulta obrigatória; e “Folclore Infantil”, com que se afirmou discípulo de Cascudo, respeitado além das fronteiras.

Simplicidade e clareza – estas as virtudes maiores da sua prosa. Ele próprio um homem simples, dotado de extraordinário senso de humor, comunicava- se com facilidade.

Partiu setentão, mas jovial e em plena florescência literária. Seu nome há de ficar, como expressão de primeira grandeza, na história da inteligência norte- rio-grandense.

Em tom saudosista, Manoel Onofre Júnior refere-se ao amigo Veríssimo como alguém bem-humorado com notável facilidade em estabelecer relações de amizade. Boa parte do depoimento trata, com tristeza, da notícia da morte de Veríssimo, com quem havia falado por telefone há poucos dias. Como se percebe, o autor do depoimento reitera a opinião de Vicente Serejo sobre a importância de Veríssimo de Melo para a cultura local e, particularmente, para a vitalidade da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

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Por Oswaldo Lamartine22 In memoriam

Naquele 9 de julho de 1921 – quando se completava 31 anos do primeiro casamento civil no Rio Grande do Norte, ali, na casa 628 da Vigário Bartolomeu (antiga Rua da Palha), o ar cheirava a alfazema. Cortaram o imbigo (sic) de um menino macho. Anos depois, trajando as primeiras calças compridas da farda escolar, nos encontramos no colégio Pedro II do prof. Severino Bezerra. Dali se foi para o Ateneu onde terminou preparatórios. Naqueles ontens os estudantes que tinham inclinação para as letras costumavam se enodoar nas tintas das tipografias dos jornais. Foi um deles. Já encabelado, fez-se acadêmico de direito, primeiro na PUC / Rio de Janeiro, depois no Recife onde, em 1948, botou anelão de rubi no dedo. Aqui em Natal do Rio Grande do Norte, por uma dezena de anos foi Juiz Municipal. Casou-se com D. Noemi Noronha, que lhe deu Fernando, Sílvio e Monique. Lecionou etnografia na Faculdade de Filosofia e na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Dirigiu o Museu Câmara Cascudo. Presidiu o Conselho Estadual de Cultura e foi 1º secretário desta Academia. Participou, atuante, de seminários, congressos e eventos folclóricos por todo esse Brasil de meu Deus. E, conferidas uma a uma, integrou meia centena de instituições culturais.

Contagiado cedo com o mestre Cascudo no espiar as coisas do povo, em 1948 publicou Adivinhas. Depois Acalantos, Superstições, Parlendas e Adagiário. Luz de mãe Luíza no folclore infantil, devolvendo para todos nós – como no verso de Bandeira – as mais puras alegrias da nossa infância. Daí foi um nunca mais parar, tendo como referência maior o Folclore infantil em 1981, reeditado em 1985 pela Itatiaia. Este livro é hoje volume indispensável nas estantes de didáticas escolares.

Buliçoso, aqui – acolá passarinhava os caminhos do folclore e entesourava para chãos da história, filosofia, poesia e prosa. Daí, contados nos dedos por ele mesmo, arrolou 116 títulos publicados.

Ele era discreto no trajar, no viver e no escrever. Dono de original talhe de letra, não deixava carta sem resposta. Algumas em papéis encimados com vinhetas das capas dos seus livros. E teve delas de artistas consagrados, como Lula Cardoso Ayres.

Boêmio de muito prosear em torno de louras cervejas. Violonista e compositor nos quandos da passagem do cometa.

Batia nos peitos pela glória maior de ter sido o único de todos nós a ser citado no rótulo de uma garrafa de cachaça.

1º Vigilante da loja Bartolomeu Fagundes, grau 18, Cavaleiro da Rosa Cruz. Tinha como traço dominante o argamassar amizades. Alegre e sensível, gostando de rir e fazer rir. Figura física lazarina e morena, como um Quixote do nosso conviver.

Em 18 de agosto de 1996 rendeu-se aos encantos da Moça Caetana.

Veríssimo Pinheiro de Melo – era seu nome de batistério. Mas para os amigos e o povo que o conhecia e estimava, tinha um nome de passarinho: Vivi.

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Texto transcrito do livro O sertão de nunca mais, publicado também como posfácio da obra Pequena

Oswaldo Lamartine apresenta uma leitura de Veríssimo que vai além do gosto pessoal em se vestir. Resume o nosso missivista com a característica da discrição, o que resultava num homem polido e extremamente cuidadoso com o exercício da correspondência: Dono de

original talhe de letra, não deixava carta sem resposta. Tal postura rendeu um valioso acervo

de cartas, que ora investigamos. De forte tom poético e amistoso, descreve o amigo comparando-o a um passarinho, certamente devido à leveza que sua presença imprimia na vida dos amigos.

Esse depoimento cria no leitor, e especialmente no pesquisador, uma curiosidade em torno das cartas que tiveram como suporte os “papéis encimados com vinhetas das capas dos seus livros”. Embora não seja o objetivo desta pesquisa a investigação sobre o gênero carta, no sentido estrito do termo, a relação “carta/livro” é o que serve ao propósito deste estudo: a carta como motivação para o estudo da literatura, com fins didáticos.

3. Por Wodem Madruga23

Nós fomos amigos bem próximos apesar de certa distância de idade, mas acontece que eu entrei no jornalismo quando tinha dezessete anos e Veríssimo já era um nome forte no jornalismo do Rio Grande do Norte. Porque é preciso ver que há muitos „Veríssimos de Melo‟.

Primeiro, Veríssimo de Melo é jornalista; a sua atividade intelectual passou a ser exercida muito mais no jornalismo, a partir daí ele passou a ser o pesquisador. Então ele foi um homem de redação de jornal: foi repórter, cronista, foi secretário de redação (que hoje se chama diretor de redação ou redator chefe). Trabalhou nos principais jornais de Natal, começou n‟A República, depois no Diário de Natal onde fui conhecê-lo; então a redação me fez me aproximar de Veríssimo.

Depois, tem Veríssimo o homem público, vemos Veríssimo ocupando cargos públicos, foi procurador, foi juiz municipal (uma categoria que não existe mais), aí chegou ao magistério como professor de etnografia, de antropologia nas primeiras faculdades de Natal, faculdade de Filosofia, mas foi o jornalismo que me fez me aproximar de Veríssimo, ou Vivi.

Vivi era uma figura agradabilíssima; agradável, simples e sem nenhuma afetação. Um homem de uma conversa sedutora assim, ele abordava todos os assuntos e essa minha aproximação foi crescendo e transformou-se numa amizade no dia a dia. Eu tenho nas minhas caixas de papéis dezenas, talvez mais de 100 cartas dele que ele me mandava. Ele era uma pessoa socialmente perfeita; gostava das pessoas, gostava de fazer amizades. Outra característica, outra marca dele é que ele era um escrevedor de cartas; ele escrevia para o mundo inteiro, tinha amigos por toda parte e, às vezes me pergunto: onde estão as cartas que Vivi escreveu? Pois se ele escrevia, obtinha resposta! Inclusive eu acho interessante que haja um estudo sobre a correspondência dele.

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Como disse, era socialmente perfeito, sem pose nenhuma, apesar do saber de professor, de pesquisador, de antropólogo, de etnógrafo e de sociólogo também. Foi um folclorista do mesmo time de Cascudo. Então, pra estudar Veríssimo de Melo é preciso observar essas mil facetas que Vivi exerceu. Então, essa minha amizade nasceu na redação do jornal; Natal naquela época era uma cidade onde todos se encontravam nas esquinas e em bares etc. e nossa amizade foi consolidada, pois ele era um “fazedor de amizades”. Ele tinha amigos de todas as gerações e tendências, não interessava ideologia política nem nada mais. Outro ponto era a boêmia dele: Veríssimo adorava um bar e ele era engraçado, bem humorado. Eu nunca vi Vivi com raiva, nem por causa do América, time dele, quando perdia. Era um gozador e eu tive esse privilégio de conviver com umas das melhores pessoas do Rio Grande do Norte. Todos os níveis sociais, culturais, boêmios, bebemos muitas cervejas juntos, até que ele chegou à Academia de Letras sem pose, sem nada.

Se eu fosse fazer um trabalho sobre ele, primeira coisa seria localizar a trajetória jornalística, porque há muita coisa que ele publicou como crônicas não estão ajuntadas. Ele escreveu n’A República, na Tribuna do Norte, no Diário de Natal, no jornal A ordem.

Não tenho certeza, mas ele escreveu uma série de crônicas que acho que são imaginárias dele, pelo Brasil; essas crônicas foram publicadas no Diário de Natal.

Mas também temos o folclorista e ele está entre os grandes; ele publicava livros grossos e finos, acho que ele tem uns 80 trabalhos sobre o tema. Publicou muita coisa em revistas no Brasil e fora. O jornal foi a primeira porteira que ele abriu.

O trecho que consideramos mais significativo neste depoimento é a revelação, por parte do jornalista Woden, que certamente acumula em seus guardados dezenas (talvez uma centena) de cartas de Veríssimo. Outro aspecto relevante é o questionamento muito pertinente que é feito: “ele escrevia para o mundo inteiro, tinha amigos por toda parte e, às vezes me pergunto: onde estão as cartas que Vivi escreveu? Pois se ele escrevia, obtinha resposta!”

De igual modo, Woden chancela a importância de um estudo mais aprofundado sobre a correspondência ativa e passiva de Veríssimo, com o que somos de pleno acordo. Reiterando o depoimento de Oswaldo Lamartine e dos dois outros confrades (todos eles pertencentes à Academia Norte-rio-grandense de Letras), o jornalista destaca o traço da personagem enfocada como um agitador da vida literária local. Considerando tais depoimentos, este estudo apresenta-se como uma forma de despertar, pelo estímulo, outras possibilidades de investigação da obra em questão. Se o nosso objetivo é atingir sujeitos em formação, no caso, alunos do sistema de ensino da Educação Básica, o esforço implica pesquisas futuras que, necessariamente, as demandas de leitura hão de requisitar.

4 SUGESTÕES DIDÁTICAS PARA AULAS DE LITERATURA: LEITURA DE POESIA MOTIVADA POR CARTAS

Há muito tempo, sim, que não te escrevo. Ficaram velhas todas as notícias. Eu mesmo envelheci: olha em relevo, estes sinais em mim não das carícias (Olavo Bilac).

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