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3. VERÍSSIMO DE MELO – UM HOMEM DA CULTURA E DA LITERATURA –

4.1 CONSIDERAÇÕES SOBRE O GÊNERO CARTA

O hábito de escrever cartas remonta à Antiguidade Clássica; quando Pero Vaz de Caminha (autor da primeira manifestação epistolar brasileira) chegou ao Brasil e escreveu sua famosa carta ao rei de Portugal, essa já era uma prática comum na Europa e em vários países, mundo afora.

Enquanto o Classicismo predominava na Península Ibérica (especialmente em Portugal), os textos que se escreviam no Brasil tratavam essencialmente das questões de colonização. “São cartas de viagem, diários de navegação e tratados descritivos que, pelo seu caráter informativo, não se situam propriamente no campo da literatura, mas da crônica histórica e informativa”. (CEREJA, DIAS VIANNA e DAMEN, 2016, p. 146).

Nesses textos inaugurais da escrita brasileira, há importante valor histórico, além das sequências descritivas que retratavam a terra “descoberta”. Essas descrições ecoaram, de igual modo, nas artes plásticas, no teatro e na música.

Importante frisar que, ainda nos tempos de Cristo, segundo a cultura judaico-cristã, era por meio das epístolas que os apóstolos prescreviam os dogmas e ensinamentos divinos. As cartas do apóstolo Paulo formam a base teológica do cristianismo, no advento do Novo

Testamento e comportam relevantes relatos, compilando uma espécie de “código de conduta”

do cristianismo ocidental.

Segundo Tiago Miranda (2000), o acadêmico italiano Isidoro Nandi teria sido um dos mais renomados autores de manuais de epistolografia. Nandi dizia ser necessário que as cartas fossem compostas por 4 (quatro parágrafos), [...] um sobre o tema, outro para agradecimento, o terceiro para o favor e o último, de despedida” (p.45).

A palavra teria caráter genérico e encontraria a sua origem no nome da cidade onde nascera a rainha Dido, fundadora de Cartago. História semelhante acompanhava outras palavras que se referiam à atividade da escrita: “pergaminho”, “folha”, “livro”, “papiro” e “estilo” – todas relacionadas a nomes cujo significado se transformara no tempo, por associação de ideias. (MIRANDA, 2000, p. 47).

José Mindlin (2000) faz uma importante observação sobre a invenção do telefone. Este avanço tecnológico não permite mais certos registros de conversas importantes, que se teriam perdido na oralidade das ligações telefônicas. Segundo ele, do relacionamento amistoso que manteve com Carlos Drummond ficaram algumas cartas que guardam registros que, se feitos ao telefone, estariam perdidos na memória.

Segundo Foucault apud Kohlrausch (2015, p. 149-159), a carta

[...] é algo mais do que um adestramento de si próprio pela escrita, por intermédio dos conselhos e opiniões que se dão ao outro, porque “ela constitui também uma certa maneira de cada um se manifestar a si próprio e aos outros”. Afirma ainda que ela, a carta, “faz o escritor “presente” àquele a quem a dirige”, porque escrever é “mostrar-se, dar-se a ver, fazer aparecer o rosto próprio junto ao outro”, ela é, por isso, “simultaneamente um olhar que se volta para o destinatário e uma maneira de o remetente se oferecer ao seu olhar pelo que de si mesmo lhe diz”. Por meio dela, “abrimo-nos ao olhar dos outros e instalamos o nosso correspondente no lugar do deus interior”.

Nessa linha de pensamento, CABRAL e MORAES (2008) afirmam que “a carta, no campo semântico da representação teatral, coloca „personagens‟ em „cena‟, pois o „remetente‟ assume „papéis‟, ajusta “máscaras” em seu rosto, reinventando-se diante de seus destinatários”.

Esse espectro teatral atribuído às cartas pode ser compreendido pelo fato de, em alguns casos, as cartas adotarem a sequência narrativa como elemento estruturante, com vários elementos presentes, tais como tempo e espaço; personagens e interlocução. Numa carta, o autor/remetente/emissor assume uma determinada postura que pode ou não corresponder à sua postura “real” na vida em sociedade.

Assim, algumas cartas contêm verdadeiros enredos de uma vida, especialmente se lidas em conjunto, obedecendo a certo critério cronológico. É o caso, por exemplo, da correspondência publicada de Veríssimo de Melo e Ascenso Ferreira, em cujo conjunto de missivas, traça-se o retrato de uma amizade aproximada.

A carta, especialmente a pessoal, aquela com um destinatário específico, é envolvida por algumas questões jurídicas, especialmente no que tange ao sigilo.

Em relação ao aspecto jurídico, no Brasil, a carta, conforme Lei 6.538, de 1978, é definida como “objeto de correspondência, com ou sem envoltório, sob forma de comunicação escrita, de natureza administrativa, social, comercial, ou qualquer outra, que contenha informação de interesse específico do destinatário” (VASCONCELLOS, 2008 apud

KOHLRAUSCH, 2015).

As cartas de grande valor histórico e literário, tais como as de Veríssimo de Melo e Câmara Cascudo, bem como as de Mário de Andrade enfrentam essa questão jurídica e, até certo ponto, ética. São correspondências produzidas no âmbito da privacidade entre amigos. Mas, dada a importância dos interlocutores e dos conteúdos das missivas, tornaram-se objeto de interesse de pesquisadores. E, nesse aspecto, o valor literário das cartas é incontestável, visto que são partes componentes da obra dos seus autores.

No que se refere a Mário de Andrade, também adepto das cartas, estima-se que tenha escrito centenas e centenas delas, tendo deixado valiosa epistolografia, que serve de estudo a inúmeras pesquisas acadêmicas.24

Sobre isso, Telê Lopez (2000) afirma:

Mário de Andrade foi um correspondente fecundo, contumaz, como ele próprio se classificou. Escreveu muito e a muita gente; guardou cartas de mais de 1.400 remetentes, nomes de destaque e vidas comuns. Sua correspondência ativa comparável, em termos de valor, à dos grandes nomes da epistolografia universal, vem sendo gradativamente conhecida em edições procuradas pelos estudiosos da monumental obra do polígrafo, e por um público mais amplo. (LOPEZ, 2000, p. 277).

A correspondência de Mário de Andrade é a maior representação do gênero epistolar no Brasil do século XX. Não é possível falar sobre este gênero sem citá-lo.

[...] mas, em termos de produção epistolar, Mário de Andrade é o que mais se destaca. Em suas constantes análises, afirmou ao amigo Carlos Drummond de Andrade em 10 de novembro de 1924: “Desculpe esta longuidão de carta. Eu sofro de gigantismo epistolar”3 . Essa carta foi o

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Dentre as várias pesquisas sobre as cartas de Mario de Andrade, citamos Correspondências: leitura das cartas

prenúncio de uma produção epistolar que atingiu um gigantismo dado o número de destinatários, assuntos tratados e projetos estéticos desenvolvidos. (BETTIOL, 2016, p. 228).

Marcos Antonio Moraes, estudioso das cartas de Mário, comenta que

Poucas vezes Mário de Andrade teorizou sobre o fazer epistolográfico, visto por ele como uma “paixão sublime”. Entretanto, a práxis epistolar e algumas de suas ponderações fragmentárias sobre o tema, esparsas em sua correspondência ou na produção literária, poderiam desenhar a sombra de uma teoria, ou pelo menos circunscrever o epistológrafo enfrentando pontos espinhosos dessa escritura tão escorregadia em seus limites discursivos. (MORAES apud BETTIOL, 2016, p. 229).

Ao refletir sobre o gênero em questão, Ariane Witkowski (2000) tece alguns comentários sobre o que chama de “carta-canção”, citando algumas canções epistolográficas da música popular brasileira (MPB). Como exemplo, cita o chorinho “Meu caro amigo”, no qual “aproveitando um portador”, manda notícias por meio de uma fita k-7, já que “o correio andou arisco”. E ainda faz menção aos famosos versos de “Carta ao Tom”, de Vinícius e Toquinho (Rua Nascimento Silva, 107/ Você ensinando pra Elizete/ As canções de Canção de

amor demais), “remetendo a um passado feliz e idealizado (p. 359)”.

As cartas são como rastros25 de um tempo de outrora, que reverberam ainda no presente; vestígios materializados em papéis que, hoje digitalizados por pesquisadores, impedem a “ausência da presença”.

Na reflexão de Benjamin, o estatuto paradoxal do “rastro” remete à questão da manutenção ou do apagamento do passado, isto é, à vontade de deixar marcas, até monumentos de uma existência humana fugidia, de um lado, e às estratégias de conservação ou de aniquilamento do passado, do outro. (GAGNEBIN, 2012).

Com o objetivo de sugerir o exercício da leitura literária em sala de aula, partindo da relação entre carta e literatura, cada missiva escolhida para esta tese serve de motivação para o trabalho com um poema. Nas sugestões didáticas que apresentaremos, optamos por selecionar poemas afins às temáticas das missivas. Desse modo, para cada carta, há poemas correspondentes.

Dentre as considerações de estudiosos da literatura local, que tiveram a função de despertar o nosso estudo, destacamos o estudo do professor Tarcísio Gurgel, que assinala a relevância da epistolografia trocada entre Câmara Cascudo e Mário de Andrade, ressaltando,

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Segundo Jeanne Marie Gagnebin, o conceito de rastro é paradoxal, pois representa a “presença de uma ausência e ausência de uma presença”.

inclusive, que a amizade entre os dois começara via cartas. Segundo Gurgel, Cascudo e Mário “travam uma correspondência [...] onde sobressai a qualidade do texto literário” (GURGEL, 2001, p. 61).

E depõe sobre um Cascudo que era, antes tudo, um homem de correspondências:

Com sua produção epistolográfica acabou criando a possibilidade de enriquecer notavelmente a produção intelectual do Estado, de modo particular a nossa literatura. Em 1924, já conhecido, com livros publicados e o nome circulando pelos quatro cantos do país, inicia uma rica troca de cartas com o escritor paulista Mario de Andrade, interessado em aprofundar os seus conhecimentos sobre o Brasil e difundir o movimento de renovação literária conhecido como Modernismo. Dessa correspondência, em parte publicada, resultam claros ganhos para a cultura brasileira [...]. (GURGEL, 2001, p. 60).

As sugestões didáticas que ora apresentamos são baseadas nas sequências didáticas apresentadas por Rildo Cosson em sua obra Letramento literário (2006) e nas recomendações de William Cereja (2005) em Ensino de literatura: uma proposta dialógica para o trabalho

com literatura.

CEREJA (2005) apresenta diversos caminhos dentro do que considera uma proposta dialógica, em consonância com os documentos educacionais oficiais, nos quais prevalecem as concepções bakhtinianas. No capítulo 5 (cinco), após apresentar uma pesquisa qualitativa e quantitativa sobre o desempenho dos estudantes no Ensino Médio e falar sobre o que rezam os documentos oficiais, apresenta algumas propostas práticas de aulas de literatura. Dentre as referidas sugestões, estão o trabalho por meio de unidades temáticas e um curso organizado em gêneros literários (a partir de sequências didáticas). Para ele, o ensino de literatura vai além de um modelo de ensino: implica, antes, escolher qual será o “ponto de partida”:

Pensamos que quase todas as opções metodológicas de ensino de literatura apresentam vantagens e desvantagens e que o mais conveniente é avaliar qual dessas possibilidades é mais pertinente a cada escola e ao seu projeto pedagógico, levando-se em conta, evidentemente, o corpo de professores e de alunos, as propostas oficiais de ensino etc. (CEREJA, 2005).

Cereja afirma, ainda, que a abordagem historiográfica não seria, de todo, ruim, visto que pode ser “um caminho mais curto para dar início às mudanças de ensino” (p. 164) porque é mais fácil de ser aceita pelos professores:

[...] os textos – um deles pode ser tomado como ponto de partida para o estabelecimento de movimentos de leitura diacrônicos (para trás e para frente na linha do tempo) e sincrônicos (que aproximem autores de diferentes épocas mas com projetos estéticos semelhantes). (CEREJA, 2005, p. 166, grifo nosso).

Rildo Cosson na conhecida obra Letramento literário: teoria e prática apresenta caminhos e possibilidades para o trabalho com a literatura na sala de aula, ao qual ele se refere como “processo de didatização da literatura” (COSSON, 2006, p. 12). Cosson reafirma a necessidade imprescindível de um lugar especial reservado à literatura na escola, ressaltando a concorrência que o texto literário verbal escrito tem com uma sociedade cada vez mais interativa e de forte apelo imagético.

Para este estudioso, de forma incisiva, “estamos diante da falência do ensino da literatura”, visto que ela não está sendo ministrada de modo a garantir sua função primeira que seria “construir e reconstruir a palavra que nos humaniza” (p. 23):

[...] devemos compreender que o letramento literário é uma prática social e, como tal, responsabilidade da escola. A questão a ser enfrentada não é se a escola deve ou não escolarizar a literatura [...], mas sim como fazer essa escolarização sem descaracterizá-la, sem transformá-la em um simulacro de si mesma que mais nega do que confirma seu poder de humanização. (COSSON, 2006, p. 23).

Deixamos claro que apresentamos, por ora, somente duas sugestões didáticas, que têm como ponto de partida as cartas de Veríssimo. É importante salientar, de igual modo, que as duas primeiras etapas (motivação e introdução) são comuns às duas sugestões aqui apresentadas, visto que se trata do mesmo gênero (carta) e autor (Veríssimo). As demais etapas (leitura e interpretação) são apresentadas de forma distintas, como seguem.

MOTIVAÇÃO

Antes de tudo, é fundamental enfatizar a importância das cartas nas relações sociais, antes do advento da popularização da carta eletrônica (e-mail) e das redes sociais. Nesta etapa, pode-se pedir aos estudantes e a outros colegas professores que disponibilizem para leitura compartilhada cartas pessoais de acervos familiares (caso as respectivas famílias as

tenham). Caso se obtenham as cartas, fazer circular entre os alunos ou pode-se fazer a apresentação delas em “slides” projetados.

Em seguida, sugerimos exibir o filme Central do Brasil (1998), de Walter Salles, cujo roteiro se dá em torno da temática das cartas. Essa estratégia de exibição do filme serve como primeira etapa das duas sugestões aqui apresentadas, pois coloca a correspondência como atividade de protagonismo, sobretudo em uma grande metrópole habitada por pessoas simples, de poucos recursos e analfabetas, vindas de vários lugares do Brasil.

As cartas, no filme, extrapolam a função de veículo de comunicação. Representam o único canal de diálogo entre pessoas de pouca instrução com uma realidade social e familiar tantas vezes deixada para trás.

Após a exibição do filme, deve ser aberta uma discussão sobre essa centralidade que a escrita de cartas ocupa no enredo do longa. É válido ressaltar que as cartas eram portadoras dos mais diversos assuntos, desde dramas pessoais a pequenas alegrias; tratativas de negócios importantes e relatos de falência; boas e más notícias, tudo era matéria transmitida por cartas de papel, ora datilografadas, ora manuscritas.

Se o professor julgar oportuno, pode informar, ainda, que muitas pessoas no passado namoravam por correspondência, visto que havia seções em revistas especificamente para tal finalidade. São muitos os relatos de pessoas que se conheciam e se relacionavam por cartas. Talvez aí residisse mais um componente de “charme” para as cartas: a espera ansiosa pela resposta da carta enviada. Havia noivados e casamentos que se consumavam assim.

Caso veja como pertinente, o professor pode lembrar que há, no sistema prisional brasileiro, uma certa cultura de troca de correspondências. A carta pessoal é ainda um hábito cultivado entre detentos que se relacionam afetivamente entre si ou se comunicam com seus familiares.

INTRODUÇÃO

As cartas que serão utilizadas nessa sequência são um recorte da epistolografia de Veríssimo de Melo. Nessa segunda etapa, é muito importante dar relevo ao caráter de homem de correspondência que Veríssimo foi. Como sugestão de leitura, apontamos o artigo de nossa autoria O caso da onça que deu literatura, constante nos anexos dessa pesquisa.

Essa é, também, a etapa da apresentação do autor e sua obra. Sugerimos que sejam trabalhados os perfis de folclorista, etnógrafo, antropólogo e jornalista de Veríssimo de Melo e como tais atividades tiveram reverberações na sua significativa epistolografia.

Tal apresentação pode acontecer de duas formas: o professor pode, ele mesmo, preparar e exibir os “slides” com a biografia de Veríssimo, fazendo isso em linhas gerais, ressaltando os principais aspectos. Outro caminho válido é dividir a turma em grupos, cada um responsável por apresentar um dos aspectos das atividades de Veríssimo já mencionadas (folclorista, etnógrafo, antropólogo e jornalista).

Cosson alerta para o fato de que essa etapa não deve ser enfadonha, “com detalhes biográficos que interessam a pesquisadores” (p. 60). O mais importante é apresentar a obra, se possível fisicamente, trazendo-a para a classe e fazendo-a circular de mão em mão. Nesse sentido, sugerimos a impressão das cartas e a disponibilização de um exemplar de “Cartas de Ascenso Ferreira a Veríssimo de Melo”, pelo fato de a edição mostrar a reprodução das cartas ainda manuscritas e algumas fotografias.

Outro item importante nessa etapa introdutória é a leitura dos prefácios e introduções. No caso da obra em questão, a apresentação é do poeta e jornalista Sanderson Negreiros, que afirma que “o poeta recifense revela a Veríssimo suas dádivas e dívidas”. E diz ainda que ninguém, melhor que Ascenso, interpretou nossa vida “doida” e “passional”.

O fragmento acima não deve passar despercebidamente, pois entrega o espírito de Ascenso, interlocutor de Veríssimo nas cartas. Aqui, Sanderson atina para o tom existencial e reflexivo contido nas cartas trocadas entre os dois amigos. Portanto, é fundamental que esse texto de apresentação da obra seja lido na íntegra (texto nos anexos dessa pesquisa).

Contudo, convém lembrar que a etapa de introdução deve fazer jus ao nome: ser tão somente um momento introdutório, sem delongas, com a finalidade de degustação para a leitura que virá nos próximos passos da sequência didática.

PRIMEIRA SUGESTÃO DIDÁTICA (ETAPAS LEITURA E INTERPRETAÇÃO)

LEITURA

De acordo com o conhecimento acumulado na área de Literatura e Ensino, a leitura em voz audível é imprescindível nessa etapa. Para tanto, importa que seja realizada pelo professor mediador da atividade ou por um aluno voluntário que tenha uma boa dicção (podem ser disponibilizados os textos previamente, para que se “treine”). A fim de escapar do hermetismo do ambiente de sala de aula, o professor pode “customizar” o espaço para que se pareça, o máximo possível, com um ambiente descontraído de uma sala de estar, com o intuito de remeter à atividade de leitura da carta a uma época passada, na qual se liam e escreviam cartas com frequência. Outra possibilidade é levar a turma para um pátio arejado e arborizado. O importante é afastar-se do “clima” da aula convencional.

A sequência básica que aqui tomamos como norte não pode prescindir do acompanhamento por parte do professor, para que os objetivos traçados não sejam perdidos “de vista”: “não se pode confundir, contudo, acompanhamento com policiamento (Cosson, 2006, p. 62)”.

Carta 126

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Acervo pessoal do jornalista Woden Madruga

Natal, 23.12.1993.

Mestre Woden: meu abraço.

Mando-lhe o número de dezembro do NOTÍCIAS CULTURAIS, de Geraldo Fontenelle, de Fortaleza, que trouxe uma bela e justa homenagem a Gilberto Avelino. Veja inclusive o texto que escrevi, na última página. Gilberto merece a grande homenagem.

Nas notas do editor, Geraldo Fontenelle cometeu um engano, atribuindo a Diógenes músicas que são parcerias minhas com Hianto, como COISA BOA e CAJU NASCEU PRA CACHAÇA. Vou pedir para ele fazer uma retificação no próximo número de NC.

A carta acima faz referência ao poeta potiguar Gilberto Avelino. Ao fazer referência a ele, Veríssimo destaca que Gilberto “merece a grande homenagem” prestada por Geraldo Fontenelle. Veríssimo também se queixa de que as músicas de sua autoria com Hianto de Almeida teriam sido, equivocadamente, atribuídas a Diógenes. A canção referida “Caju nasceu pra cachaça” alcançou notoriedade nacional, por ter sido interpretada por Cauby Peixoto, cantor famoso.

A carta também traz muitos pontos de interseção: Gilberto e Hianto eram macauenses (embora Gilberto tenha nascido na cidade de Assu, viveu em Macau e este era o seu chão de sal, considerada sua terra Natal; sua poesia cantava essa identificação). Hianto, também da terra das salinas, foi um dos precursores da Bossa Nova. Diógenes era amigo aproximado de Gilberto e Veríssimo.

Temos um exemplo de correspondência pessoal que avança para questões de ordem artística e literária. Não que sejam essas a matéria principal da carta, mas o texto faz referência expressa a detalhes importantes, como as canções e a poesia de Gilberto.

A partir da citação do poeta das salinas, escolhemos um de seus poemas, reunidos em

O navegador e o sextante (1980: “Canto para o cajueiro do poeta Diógenes da Cunha Lima”),

texto que, pelo título supõe uma correlação temática com “Caju nasceu pra cachaça”, letra da música citada na carta.

Poema 1

CANTO PARA O CAJUEIRO DO POETA DIÓGENES DA CUNHA LIMA

A humildade enxada exercita, E a terra fere, escava.

Por feri-la, sente que fere,

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