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O aluno com deficiência: a caixa preta da escola pública

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO

GRANDE DO SUL – UNIJUÍ

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM

EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS - MESTRADO

SONIZE LEPKE

ALUNO COM DEFICIÊNCIA:

A CAIXA PRETA DA ESCOLA PÚBLICA

IJUÍ (RS)

2013

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SONIZE LEPKE

O ALUNO COM DEFICIÊNCIA:

A CAIXA PRETA DA ESCOLA PÚBLICA

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação Strictu Sensu – Mestrado em Educação nas Ciências, Departamento de Humanidades e Educação (DHE), da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ), como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação.

ORIENTADORA: PROFª. Drª. ANNA ROSA FONTELLA SANTIAGO

IJUÍ (RS)

2013

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Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

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Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação nas Ciências – Mestrado

A comissão examinadora, abaixo assinada, aprova a dissertação

O aluno com deficiência:

A caixa preta da escola pública

elaborada pela mestranda

Sonize Lepke

como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Educação nas Ciências

Comissão Examinadora:

Profª. Drª. Anna Rosa Fontella Santiago (Orientadora – DEPE/UNIJUÍ)

Profª. Drª. Noeli Valentina Weschenfelder (DEPE/UNIJUÍ)

Profª. Drª. Liliane Ferrari Giodani

(DEE/FACED UFRGS)

IJUÍ (RS) 2013

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AGRADECIMENTOS

Foram muitas as pessoas que me ajudaram a concluir este trabalho. Meus sinceros agradecimentos...

Ao meu marido e companheiro pelo apoio incondicional, pelo abraço solidário nos momentos de angústia.

Ao meu filho que deu verdadeiro sentido à vida, quando a dimensão do eu é deixada no passado e passa a ser o nós.

Ao meu sobrinho querido que com seus olhinhos puxados e o sorriso encantador chamou-me a lutar por um mundo mais digno, inclusivo e de aprendizado.

Aos meus pais (in memorian) pelos ensinamentos que orientam a minha vida. À professora orientadora, doutora Anna Rosa Fontanella Santiago por aceitar a orientação deste estudo e conduzir seu desenvolvimento com muita sabedoria e paciência.

À professora Marta Estela Borgmann pelo auxílio e pela carinhosa leitura do texto inicial, pelas sugestões e pela disposição, que lhe é peculiar, em ajudar.

À Banca Examinadora por aceitar o convite de analisar este trabalho.

Às professoras, aos professores e aos colegas do Mestrado em Educação nas Ciências, pelo convívio e aprendizado construído.

À 17ª Coordenadoria Regional de Educação do Estado do Rio Grande do Sul e às Escolas pesquisadas pela possibilidade deste trabalho.

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“Constato para mudar e não para me acomodar. Seria uma desolação para mim, se, enquanto ser humano tivesse de reconhecer a minha absoluta incapacidade de intervir eficazmente na realidade. Se tivesse de reconhecer que a minha aptidão de verificar não se alonga de mudar o contexto em que verifiquei,

provocando futuras verificações

diferentes”.

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RESUMO

A presente Dissertação de Mestrado tem o propósito de aprofundar a compreensão sobre a Identidade, Diferença e Representação dos alunos com deficiência no currículo real e oculto de duas escolas da Rede Pública Estadual do Rio Grande do Sul. Para tanto, a análise centrou-se na observação da dinâmica curricular de uma classe especial e uma sala de recursos multifuncional. A metodologia utilizada foi a de observação do cotidiano das duas escolas e entrevistas com os professores que nela atuam, numa abordagem qualitativa dos dados coletados. No campo empírico, as escolas foram identificadas como Escola A e Escola B. Na primeira escola foram entrevistadas as professoras da Classe Especial, uma professora das séries finais do Ensino Fundamental, a orientadora pedagógica, a vice-diretora e a diretora. Enquanto da Escola B, foram entrevistadas as três professoras da sala de recursos, a vice-diretora, a diretora e uma professora das séries iniciais. A análise da legislação brasileira, que aponta a educação inclusiva como necessidade e a interlocução com autores como Maria L. de A. Arruda, Gilberta S. de M Jannuzzi, Stuart Hall, Tomaz. T. da Silva, Michel Foucault e Alfredo Veiga Neto, possibilitaram a análise do campo empirico. A partir da análise dos espaços citados, da análise da legislação, das entrevistas, da interlocução com os autores supracitados, conclui-se que a Sala de Recursos Multifuncional representa a possibilidade de rever conceitos como identidade, currículo e representação da diferença no contexto escolar e social. Embora não baste só mudar a designação de Classe Especial para Sala de Recursos Multifuncional, faz-se necessário uma mudança de concepção primeiramente do(a) professor(a) que nela atuam e dos demais atores do espaço escolar, para que o sujeito com deficiência possa participar e decidir sobre a representação e o espaço que deseja ocupar. Estaríamos assim, vivendo uma mudança paradigmática quanto à representação da deficiência.

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ABSTRACT

This Master's Thesis has the purpose of deepening into the understanding about the Identity, Difference and Representation of students with deficiencies in actual and hidden curriculum from two Public Network Estadual Schools of Rio Grande do Sul. Therefore, the analysis focused on the observation of the curricular dynamic of a special class and a multifunctional resources room. The methodology used was to observe the quotidian of two schools and interviews with the teachers who act in the schools, in a qualitative approach of the collected data. In the empiric side, the schools were identified as School A and School B. In the first school were interviwed the Special Class teachers, one teacher from the final series of High School, the pedagogical leader, the deputy-director and the director. From the School B were interviwed three teachers from the resources room, the deputy-director, the diretor and one teacher from the initial series. The analysis of the Brazilian legislation that points the inclusive education as a necessity and the interlocution with the author as Maria L. de A. Arruda, Gilberta S. de M. Jannuzzi, Stuart Hall, Tomaz. T. da Silva, Michel Foucault and Alfredo Veiga Neto, allowed the analysis of the empirical field. From the analysis of the spaces cited, the analysis of the legislation, the interviews, the interlocution with the authors mentioned above, it is concluded that the Multifunctional Resources Room represents the possibility to review concepts such as identity, curriculum and representation of the difference in the school and social context. Although it is not enough just to change the designation of Special Class to Multifunctional Resources Room, it is necessary a change of conception primarily of the teachers that act in the school and other actors of the school space, so that the person with deficiency can participate and decide about the representation and the space that he wants to occupy. Of this way, we would be experiencing a paradigmatic change regarding to the representation of deficiency.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AEE: Atendimento Educacional Especializado

APAE: Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais CEED: Conselho Estadual de Educação do Rio Grande do Sul

CNE/CEB: Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica. CRE: Coordenadoria Regional de Educação do Estado do Rio Grande do Sul ECA: Estatuto da Criança e Adolescente

Fundeb: Fundação de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação.

DA: Deficiente Auditivo

LDB: Lei de Diretrizes e Bases da Educação MEC: Ministério de Educação e Cultura PNEE: Plano Nacional de Educação Especial SEDUC: Secretaria de Estado da Educação

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SUMÁRIO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS ... 12

1 CAMINHOS DA PESQUISA ... 16

1.1 UMA TRAJETÓRIA PESSOAL NADA SIGILOSA ... 16

1.2 A QUEBRA DO SIGILO DAS ESCOLAS ... 22

1.3 DUAS ESCOLAS: DUAS CAIXAS PRETAS ... 24

1.3.1 Escola A e Escola B: Alguns Dados ... 25

1.4 OS PRIMEIROS CONTATOS: ESTRATÉGIAS DE ACESSO AOS DADOS ... ... 28

1.5 A REAÇÃO DIANTE DA COLETA DE INFORMAÇÕES ... 30

1.6 PLANOS DE ESTUDOS ESPECIAL, CLASSE ESPECIAL OU SALA DE RECURSOS MULTIFUNCIONAL: INVESTIGANDO REGISTROS ... 31

2 REVENDO INFORMAÇÕES: ESCOLA, CURRÍCULO E REPRESENTAÇÃO ... 38

2.1 A ESCOLA E A VISIBILIDADE DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA NA SOCIEDADE BRASILEIRA ... 40

2.2 IDENTIDADES DESCONEXAS E DIVERGENTES NA ESCOLA: UM PROBLEMA A SER CORRIGIDO? ... 45

2.3 A REPRESENTAÇÃO E PERFORMATIVIDADE NA DIFERENÇA ... 49

2.4. CURRÍCULO FORMAL E CURRÍCULO OCULTO: PRODUZINDO PERFORMANCES ACERCA DA DEFICIÊNCIA ... 53

3 A REPRESENTAÇÃO DA DEFICIÊNCIA ... 59

3.1 ALGUNS REGISTROS OFICIAIS ... 59

3.2 POSSIBILIDADES E IMPOSSIBILIDADES VERIFICADAS NA ESCOLA . 63 3.2.1 lClasse Especial: Analisando as Informações ... 66

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3.2.3 Outras informações, registros e possibilidades: sala de recursos

multifuncional e seu atendimento ... 77 3.2.4 ..Sala de Recursos: identidade, representação da diferença e currículo . 84

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 92 REFERÊNCIAS ... 97

ANEXOS ... 102 ANEXO A - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO . 103

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CONSIDERAÇÕESINICIAIS

A representação da identidade e da diferença tem sido constantemente discutida. Aqueles, cujos aspectos físicos, sociais, emocionais e intelectuais não se enquadram no modelo de aluno que a escola deseja ensinar são narrados a partir do olhar do outro, que está posto como modelo aceitável. A partir das narrativas construídas pelos professores e gestores em relação ao aluno, busco entender o cotidiano da escola. Qual a representação da identidade diante da diferença? O que o currículo formal expressa quanto às ações que deseja realizar? O que o currículo oculto produz ou permite que ocorra no cotidiano da escola e na sala de aula? Estas e outras questões, que se referem à inclusão de pessoas com deficiência na escola pública, são centrais na condução deste trabalho.

Tomo como ponto de partida a cultura e as relações de poder, entendidas como mecanismos de pertencimento ou de exclusão, na medida em que as representações, aí constituídas, tendem a hierarquizar e classificar as diferenças de acordo com escalas de valores. De acordo com Silva (2000), a identidade e a diferença são resultados de construções sociais estabelecidas pelas relações de poder. Ao estabelecer hierarquias, fomenta–se a identidade normalizadora que deve ser perseguida e conquistada. Ou seja, ao afirmar determinada identidade nega-se a possibilidade de pertencimento a outra, fixando-se, desse modo, a hierarquização e a marginalidade do diferente. Desse modo, o currículo acaba por estabelecer culturas hegemônicas. As demais, que fogem desta hegemonia, são silenciadas ou negligenciadas. Para Silva (2011), saber, poder e identidade estão, inevitavelmente, presentes no currículo.

No espaço institucional, regido por um currículo formal, que observa a legislação pertinente e as orientações da mantenedora, têm–se

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concomitantemente expresso na prática da instituição, as ações de um currículo oculto, o qual se manifesta nas práticas escolares, revelando concepções e conceitos acerca das identidades (fixas ou passiveis de mudança) e da diferença concebida como “normal” ou “anormal”. É, pois, este currículo, que circula nos interstícios da formalidade escolar, que produz as representações capazes de incluir ou excluir os sujeitos deficientes no âmbito da escola e da sociedade.

Ao analisar as duas instituições que participaram deste trabalho, tornou-se possível observar abordagens distintas, mesmo tendo, ambas, a mesma orientação para a formulação do currículo, em especial no que se refere ao acesso ao conhecimento das crianças com deficiência e às ações que envolvem esses sujeitos.

A questão de pesquisa centra-se, assim, nessa distinção primeira entre as duas escolas investigadas. Isto significa que a existência da Classe Especial na Escola A, a qual, mesmo mantendo os alunos com deficiência segregados no cotidiano da escola, acredita que os mesmos superam suas dificuldades após algum tempo e, a partir dessa superação, são incluídos na classe regular; e, por outro lado, a decisão da Escola B em fechar a Classe Especial e organizar a Sala de Recursos Multifuncional Tipo I, seguindo orientações da Política Nacional da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008) é imposição da mantenedora.

Instigada pelas convicções, que via presentes nos discursos docentes e nos registros dos planos pedagógicos, procurei adentrar o campo empírico no cotidiano das duas escolas, sem julgamentos prévios, mas com o intuito de analisar estas duas situações para entender como a identidade dos alunos com deficiência é representada no currículo e nas práticas pedagógicas que o sustentam.

Para tanto foram realizadas entrevistas com professores e as direções das duas instituições, bem como observações das atividades desenvolvidas no cotidiano escolar.

Neste sentido, para o desenvolvimento do trabalho, alguns questionamentos foram orientadores, tais como: É possível uma representação da

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deficiência que supere o binômio superioridade/inferioridade? Como identidade, diferença e deficiência são representadas no currículo?

A hipótese inicial, estruturada a partir da legislação e das políticas vigentes, consiste na afirmação de que a organização e o funcionamento da Sala de Recursos Multifuncional e o Atendimento Educacional Especializado permitem outra representação das pessoas com deficiência no ambiente institucional e contribui para que professores(as) e alunos(as) construam relações igualitárias em que as diferenças não sejam sublimadas e nem inferiorizadas. Todavia, a insistência da Escola A na manutenção da Classe Especial fornece indícios de que essa forma de organização ainda é vista como eficiente e “inclusiva” por boa parte de professores(as) e, também, da comunidade. Daí a relevância de uma investigação que, a partir dos referenciais teóricos que vêm sustentando as políticas curriculares para a inclusão, lance um olhar sensível ao cotidiano das escolas.

Sendo assim, o primeiro capitulo deste texto dissertativo, com o objetivo principal de situar o(a) leitor(a) no âmbito do trabalho realizado, aborda os passos metodológicos da pesquisa, a escolha do tema, a minha identificação pessoal com o mesmo, o critério utilizado para a escolha das escolas e a contextualização das instituições.

Saliento que a metodologia qualitativa, de inspiração etnográfica, foi escolhida por aproximar-se das condições e das possibilidades da pesquisa, tendo em vista o tempo de permanência nas escolas e a análise das representações sobre a identidade e a diferença, e como elas estão presentes no currículo formal e oculto. A identificação pessoal com a temática foi fator decisivo para a escolha do tema. Cito em especial, minha atuação na 17ª CRE e o envolvimento com as escolas estaduais de diversos municípios da região, que buscam reformular a sua concepção e sua prática diante do aluno com deficiência.

No segundo capítulo, trato de questões relacionadas às práticas excludentes nas instituições de ensino e discuto a necessidade de rever a concepção de normalidade e as implicações desta na constituição da identidade. Apoio-me em Foucault (1999a), para quem as relações de poder são estratégias

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de dominação do outro. Muitas vezes, os saberes considerados únicos e absolutos, são utilizados como forma de dominação e diferenciação de identidades, as quais são classificadas a partir de uma hierarquia de prestígio para aqueles que mais se aproximam da identidade norma, sendo a diferença representada como falta ou inferioridade.

No terceiro capítulo trago a orientação legal que permitiu a implantação e organização, tanto da Classe Especial, quanto da Sala de Recursos Multifuncional. Em seguida, são destacadas narrativas e observações do espaço escolar que possibilitam a análise da representação permitida aos alunos com deficiência; busco aproximar o olhar à performace descrita como próxima à normalidade, e como o currículo age diante da diferença. A condução da discussão apoia-se em Silva (2001, 2002, 2011) e Sacristán (1998a; 1998b). Esses autores trazem apores teóricos que permitem explorar elementos para comprender como as narrativas constroem a identidade e como o currículo interfere nesse processo. Observo essas questões, em dois espaços, com objetivos semelhantes, porém, com ações diversas.

Ainda, ao findar o capítulo, faço um estudo detalhado das entrevistas coletadas nas Escolas A e Escola B com o objetivo de verificar qual representação proposta permite a superação do binômio superioridade/inferioridade e atende aos pressupostos descritos na legislação brasileira, e como essas questões são desmembradas no cotidiano da escola. Concluindo, retomo as questões propostas inicialmente para o estudo, o que permite traçar alguns paralelos entre a teoria e a prática das escolas analisadas, bem como, acessar, ao poucos, alguns dados sigilosos destas em relação ao aluno com deficiência.

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1CAMINHOS DAPESQUISA

1.1UMA TRAJETÓRIA PESSOAL NADA SIGILOSA

Ao construir este texto dissertativo, pensei em inúmeras formas de fazê-lo. Confesso que busquei, em um primeiro momento, manter a formalidade que me caracteriza. Mas, como esta pesquisa é resultado de uma trajetória pessoal, acadêmica e profissional, penso que devo libertar-me desse resquício germânico. Logo, trago alguns elementos, que penso que estão interlaçados e explicam um pouco as escolhas que fiz e continuo fazendo.

No ano de 1998, ingressei no Curso de Licenciatura em História na Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ. A escolha do curso está relacionada com as marcas deixadas em mim pela escola em que estudei, em especial, o professor de história. O fascínio com que apresentava e discutia temas do componente curricular impressionava e fazia crescer em mim a vontade de saber mais. Talvez, por isso, tornei-me a melhor da classe neste componente, porém, na matemática nem a média alcançava. Realmente sentia-me incapaz, enquanto muitos colegas buscavam encontrar um curso superior, não tive estimulo, afinal não dava conta da matemática. Nos últimos meses de aula, o professor de história, afirmou que deveria seguir os seus passos e buscar o curso de história. Foi na educação básica e no curso superior, que eduquei o meu olhar de como estamos envolvidos pelas relações de poder, pela hierarquia de prestígio que, muitas vezes, definem vidas, pelo poder que o professor tem, junto às camadas populares.

É verdade, também, que não posso dar todos os créditos das minhas escolhas ao professor de história, que admiro até os dias atuais. Meus pais foram

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e continuam sendo, através de ensinamentos deixados, um exemplo de amor, respeito e superação. Meu pai teve o direito de aprender a ler e escrever interrompido, porém tinha uma capacidade de percepção aprimorada e, também, era um excelente negociante, apesar de saber escrever apenas seu nome. Embora sem ter acesso ao conhecimento formal, esforçou-se ao máximo para que os filhos chegassem ao Ensino Superior, mesmo com a defasagem de idade/série que sofri ao longo Ensino Fundamental e Médio.

Todas essas questões reafirmaram, talvez não com a mesma clareza que tenho hoje, que estamos sempre à margem, à margem das condições de acesso ao saber, disputando lugares para estar dentro, para ser aceito ou ser excluído do saber formal por condições financeiras ou cognitivas. Além disso, percebo, hoje, que a educação básica, através do seu currículo, dos seus atores e dos discursos dos mesmos, classifica os que devem ser um modelo de aluno e de sujeito e os demais que acabam sendo diluídos entre a multidão.

Foi, então, no curso superior, que busquei compreender temas como política partidária, relações de poder, cultura e minorias. Até então, questões didático-pedagógicas ou relativas à diversidade de alunos que compõem a sala de aula não faziam parte das minhas preocupações, enquanto futura professora. Fato que talvez esteja relacionado às poucas disciplinas /componentes curriculares com este enfoque e à minha falta de experiência na área, pois, ao contrário de muitos profissionais da área, não fiz o curso de formação de professores no Ensino Médio.

Porém, no ano de 2000, a convite de uma Escola de Surdos da região, deixei de ser somente uma acadêmica e passei a ser professora do componente curricular de História. Passei da universidade para a realidade da sala de aula, ou melhor, para uma escola de surdos, em que o saber acadêmico desassociado do saber pedagógico, pouca funcionalidade tinha.

Aos poucos, fui construindo o meu saber pedagógico e a minha identidade enquanto professora. Aprendi na prática a ver a diferença, não como algo exótico ou inferior, mas, apenas como uma diferença. Isso permitiu que elaborasse outras conexões entre o que conhecia sobre a história da humanidade e a realidade na

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qual estava inserida. Sempre questionei: Por que determinadas coisas eram desta forma? Queria, e continuo querendo, que os alunos com os quais tive contato, ao longos dos anos, reflitam sobre as causas das diferenças econômicas e sociais, as quais são aceitas com naturalidade e sem contestação.

Na busca de um caminho para uma prática pedagógica mais humana e inclusiva, lia Paulo Freire, que, com a sabedoria que lhe é própria, ensinou que a diferença, quando associada à inferioridade, transforma-se em exclusão.

Aceitar e respeitar a diferença são uma dessas virtudes sem o que a escuta não se pode dar. Se eu discrimino o menino e a menina pobre, a menina e o menino negro, menino índio, a menina rica; se discrimino a mulher, a camponesa, a operária, não posso evidentemente escuta-lá; se não escuto, não posso falar com elas, mas a elas, de cima para baixo. Sobretudo, me proíbo entendê-los (FREIRE, 1996, p.121).

Ao longo desses anos, como professora, busquei, e busco seguir alguns dos ensinamentos do professor de história da minha infância e adolescência que, a partir de suas aulas, provocava a reflexão e o questionamento. E assim posso afirmar, com Paulo Freire, que, na escola a “gente vai amadurecendo todo dia ou não” (FREIRE, 1996, p.107), uma vez que uma instituição de ensino é um lugar privilegiado, pois é nele que professor e aluno constroem e reconstroem seus saberes e seus seres. Da mesma forma, que possibilitei que o João, a Maria, o Paulo, a Fernanda e tantos outros que passaram por mim elaborassem o seu conhecimento, percebi a mutabilidade dos seres, defendida por Heráclito de Éfeso (540 A.C) o qual afirmava: “é impossível entrar no rio duas vezes”, pois as águas já são outras e nós já não somos os mesmos.

Assim, o mesmo espaço, Escola de Surdos, que constitui a minha identidade de professora, fez com que eu questionasse as relações nele estabelecidas.

No ano de 2007, com o acalanto da maternidade, a minha preocupação com a educação formal no Ensino Básico aumentou. Passei a avaliar criticamente o papel que vinha exercendo em um espaço segregado e ao mesmo tempo questionar as relações estabelecidas, que pareciam estar naturalizadas.

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A minha presença de professor, que não pode passar despercebida dos alunos da classe e da escola, é uma presença em si política. Enquanto presença, não posso ser omisso, mas um sujeito de opções. Devo revelar aos meus alunos a capacidade de analisar, de comparar, de avaliar, de decidir, de optar e de romper. Minha capacidade de fazer justiça, de não falhar à verdade. Ético, por si mesmo, deve ser o meu testemunho (FREIRE, 1996, p.58).

Instigada por essas premissas, no ano seguinte, busquei a especialização relacionada à Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS). Novas reflexões, enfrentamentos, descobertas e a reafirmação na admiração que nutria pelo Povo Surdo.

Porém, toda a experiência e trajetória, pautada no respeito à diferença, não impediram que sentisse o chamado luto diante do nascimento do meu amado sobrinho, que trouxe consigo a alteração no cromossomo XXI.

Posso afirmar que foi somente naquele momento que passei a entender a relutância de alguns pais, com quem me deparei, em aceitar a surdez de um filho, a negação de Libras como uma língua e a não aceitação de uma cultura surda.

Provavelmente, ele, assim como eu tive de provar, terá de provar continuamente que a diferença não inferioriza. A diferença genética marca as identidades, porém, se os discursos possibilitam outras formas de representação, tenho a esperança de que muitas mudanças podem acontecer na forma de narrar a pessoa com sindrome de down, o surdo, o cadeirante, o autista...

Vivenciei o que Gadamer (1999, apud LAWN, 2010, p.91) alertava “que vivemos incrustados num ambiente cultural especifico”, ou seja, somos condicionados a pensar conforme a tradição que a sociedade nos ensina. Quando surpreendida pela alteração do cromosso XXI, não consegui, no primeiro momento, “obter uma perspectiva completamente desobstruída do nosso próprio preconceito, pois, como já observamos, os preconceitos fazem parte da nossa maneira de entender; eles são pré-julgamentos que precedem o julgamento” (LAWN, 2010, p.90) e decidi reagir.

Diante do impacto, nos primeiros meses de vida, juntamente com os pais do meu sobrinho, buscamos auxílio em uma instituição especializada. Para nossa surpresa, foi justamente esta instituição que informou e apresentou perspectivas

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nada animadoras. Os atendimentos disponibilizados (pouquíssimos) eram de péssima qualidade e não correspondiam às necessidades, conforme a idade e o desenvolvimento da criança.

Enquanto família, estabelecemos um pacto em favor do respeito à diferença e à condição desse novo e amado membro e uma luta constante a favor da inclusão irrestrita. O amor seria incondicional, no sentido de superar o preconceito e as barreiras que a alteração genética poderia impor.

Assim, aos poucos, constituí e reconstituí a identidade de mãe, tia, esposa e profissional, senti também a necessidade de aprofundar o embasamento teórico quanto aos temas como inclusão, normalidade e currículo, busquei, na pós-graduação Stricto Sensu, respaldo teórico e, mais do que antes, passei a manifestar, através de palavras e ações, o desejo por uma sociedade mais humana e igual.

No início de 2011, fui convidada a trabalhar na 17ª Coordenadoria Regional de Educação do Estado do RS, como assessora pedagógica da Educação Inclusiva, o que representou um enorme desafio, uma vez que sempre atuei em sala de aula. Por outro lado, teria a oportunidade de conhecer setenta escolas estaduais, com seus gestores, professores, funcionários, seus currículos e sua forma de pensar a educação e auxiliar as mesmas na implantação da Política Nacional da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva proposta em 2007 (BRASIL, 2008).

Ao longo desses dois anos, muitos foram os desafios e obstáculos, pois o governo do Estado do Rio Grande do Sul, gestão 2011-2014, através das Coordenadorias Regionais de Educação, busca implantar a proposta da PNEE, uma vez que a mesma foi negligenciada na gestão anterior. O número de Salas de Recursos, em funcionamento nas escolas da 17ª CRE, expressa a delicada situação, pois, até 2010, duas Salas de Recursos foram implementadas e continuavam funcionando três Classes Especiais. Entre 2011-2013 foram fechadas duas Classes Especiais e organizadas 11 Salas de Recursos.

Porém, a oferta de matrículas nas Salas de Recursos não garante que os gestores, professores e alunos consigam reconstruir a representação sobre a

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diferença e sobre a política de Escola para Todos. Trazer essas questões à tona exige reflexão e ação em busca de uma escola menos homogeneizadora e mais humana.

Concomitante a atuação desenvolvida na 17ª CRE, assumi a nomeação de professora da rede municipal de Santa Rosa (RS),passei a atuar em uma escola localizada em uma das vilas mais pobres da cidade. Nesta escola reencontrei um pouco de minha história. Muitos dos meus alunos e alunas são filhos e filhas de agricultores que abandonaram o campo, às vezes, de municípios vizinhos, para buscar trabalho e uma vida melhor na cidade. Muitos são filhos e filhas de pais analfabetos que lutam diariamente para manter os mesmos na escola e garantir o seu sustento.

Foi nesta escola que me deparei com três alunos oriundos da Classe Especial da Escola A e muitos outros que frequentam a Sala de Recursos.

Assim, esta pesquisa está em sintonia com o meu ser e fazer de professora da rede pública, que acredita que a Escola Pública de Qualidade deve ser ofertada para todos. Diante dessas questões, visitei as Escolas A e B, coletei material, observei, analisei entrevistas, ações e documentos com o objetivo de entender como o aluno com deficiência é representado. O que o currículo destas duas escolas tem a dizer? Apesar de ambas apontarem a necessidade de “preparar os/a alunos/as para serem cidadãos(as) ativos/as e críticos/as, membros solidários e democráticos de uma sociedade solidária e democrática” (SANTOMÉ, 2011, p.155), muitas informações continuavam sendo sigilosas, apesar de estarem expressas no currículo formal, e outras ocorrerem através do currículo oculto que, embora estejam registradas nas ações que ocorrem na escola, não são divulgadas.

Ao reconhecer, segundo Silva (1999, p.29), que o “currículo está atravessado por relações de poder”, entendo que ele não é fixo e que, embora represente a norma escolar, pode ser remodelado diante das necessidades. Porém, diversas vezes, no espaço escolar, observamos expressa a força da tradição no currículo formal e oculto. São espaços, ações e narrativas que constituem identidades, como em um grande jogo; identidades que são

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representadas, soberanamente, por aqueles que têm o poder de fazê-lo, prevalecendo o olhar de diagnosticar a diferença e normalizar lá, com mais cuidado e sutileza. Para Foucault (1999a, p.176) são as relações de força sendo reescritas, silenciosamente, “nas instituições e nas desigualdades econômicas, na linguagem e até no corpo dos indivíduos”.

1.2 A QUEBRA DO SIGILO DAS ESCOLAS

Objetiva-se aprofundar a compreensão sobre questões como a representação, a identidade, a diferença e o currículo. Por isso foi necessário selecionar para serem campos de pesquisas, duas escolas da cidade de Santa Rosa/RS, as quais, por motivos éticos, terão suas identidades resguardadas. Assim elas serão denominadas, apenas, como “Escola A” e “Escola B”. Da mesma forma, os nomes mencionados são fictícios, protegendo assim os professores e os alunos das escolas analisadas. Os critérios para a seleção das instituições foram especificidades quanto à política inclusiva, em especial, quanto ao atendimento e às narrativas que nomeiam e representam o aluno com deficiência.

A Escola A tem uma trajetória voltada para o atendimento diferenciado aos alunos com deficiência que frequentam a Classe Especial. Os alunos matriculados seguem um currículo próprio que busca preparar os mesmos para o acesso ao primeiro ano do Ensino Fundamental, independente da idade e do período necessário para estar “liberado” da Classe Especial. Cabe ressaltar que a instituição, aqui denominada de Escola A, possui pré-escola e todas as séries do Ensino Fundamental o que explica o número expressivo de alunos.

A Escola B oferece pré-escola, todas as séries da Educação Básica, Curso Normal e Curso Técnico. O número de alunos é um pouco maior que o da Escola A, e esta escola adota formalmente um posicionamento diferenciado quanto a Educação Especial, ofertando o Atendimento Educacional Especializado através da Sala de Recursos Multifuncional Tipo I.

No percurso da pesquisa, foram coletados dados através de entrevistas com professores e gestores, bem como em observações feitas nos diversos

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espaços escolares e registradas em diário de campo. No processo investigativo, os dados foram se articulando ao referencial teórico para compreensão da temática, de acordo com o pensamento de Gil (2008, p.42), para quem a pesquisa é um “processo formal e sistemático de desenvolvimento do método científico. O objetivo fundamental da pesquisa é descobrir respostas para os problemas mediante o emprego de procedimentos científicos”.

Tratando-se de uma pesquisa qualitativa, quanto à forma de abordagem do problema, as observações inspiraram-se no método etnográfico. Entre as características deste método está a possibilidade de registro descritivo de todos os dados disponíveis no contato direto com o campo de investigação.

Para tanto, realizei visitas às Escolas A e B; analisei, observei a organização do espaço, as relações entre alunos/professores, alunos/alunos, as conversas informais entre os professores e os posicionamentos em entrevistas semiestruturadas e com questões abertas.

A escolha pela pesquisa qualitativa deve-se ao fato de esta metodologia atender à necessidade do tema que investiga a dinâmica do currículo em ação, no cotidiano da escola, pois, segundo Minayo (1993), a pesquisa responde a questões muito particulares. Ela se preocupa, nas ciências sociais, com o nível de realidade, que não pode ser quantificado.

Após definida a forma de abordagem e o método de investigação, foram feitos os contatos com as escolas e as pessoas que participam da pesquisa, obtendo, assim, o seu consentimento, informado de acordo com as recomendações da ética em pesquisa. Desta forma, foram realizadas entrevistas com a diretora, a coordenadora, a orientadora educacional, a professora da Classe Especial e uma professora que atua na sala de aula da Escola A.

Os mesmos procedimentos foram realizados na Escola B, com algum diferencial, dado à especificidade de cada instituição. Assim, foram entrevistadas, nesta escola, três professoras da Sala de Recursos, uma professora que tem aluno incluído na sua turma, a coordenadora pedagógica e a diretora.

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Desse modo, as entrevistas se restringiram às onze professoras das instituições analisadas. O número significativo de entrevistas busca informações coerentes para interpretação da questão investigada.

As entrevistas foram semiestruturadas, buscando contemplar as diferenças de cada uma das escolas, mas o foco central não estava somente na coleta de dados, mas também na interação entre entrevistadora e entrevistadas, apesar da necessidade, como afirma Gil (2008, p.128), de um “diálogo assimétrico, em que uma das partes busca coletar dados e a outra se apresenta como fonte de informações”.

As escolhas do campo empírico e do método adequado permitiram agregar informações importantes na construção desse texto dissertativo.

1.3DUAS ESCOLAS: DUAS CAIXAS PRETAS

Quanto à seleção das escolas pesquisadas, além dos critérios já mencionados, foram observados também: serem ambas as escolas públicas, atenderem a um número superior a quinhentos estudantes e terem concordado em participar da pesquisa. Fator decisivo na seleção das duas escolas entre as setenta com as quais tenho contato foi o de terem posicionamentos, e diria “crenças” quanto à educação do aluno com deficiência. A Escola A permanece com a Classe Especial, apesar da manifestação da mantenedora em cessar essas atividades.

Quanto à política inclusiva, a Escola A, permanece com sua Classe Especial e não admite o fechamento da mesma, enquanto a Escola B foi primeira escola pública da cidade a disponibilizar o atendimento na Sala de Recursos, fechando assim a Classe Especial que possuía anteriormente.

Ambas situam–se em bairros distintos e não atendem a mesma população, apesar de haver algumas semelhanças culturais entre os alunos matriculados nas duas instituições, bem como na organização familiar.

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Outro fator decisivo na escolha do campo empírico foi ter mantido contato com essas escolas ao longo dos últimos dois anos e, ao mesmo tempo, ser esta a área em que atuo na rede estadual, enquanto assessora pedagógica.

Todas as escolas, com as quais venho interagindo nos últimos anos, têm trajetórias diferenciadas em relação à inclusão, algumas negam as diferenças, outras as classificam e incluem do seu modo e outras buscam, incansavelmente, mudar e adequar o seu currículo e reconstruir a representação do aluno com deficiência. Nesse sentido, a escolha das escolas A e B, como campo empírico para a pesquisa, não foi aleatória, mas em virtude das características e convicções próprias em relação à política de inclusão.

1.3.1 Escola A e Escola B: Alguns Dados

A Escola A, que pertence à rede pública estadual, recebe 548 alunos/as oriundos/as de diversas vilas do município de Santa Rosa. Em geral, a população é de baixa renda, muitos são filhos de pais desempregados ou que enfrentam problemas com álcool ou drogas. A escola possui 30 professores(as), conta ainda com 13 funcionárias, uma diretora e duas vice-diretoras e demais membros da coordenação pedagógica. Oferece Educação Infantil e Ensino Fundamental. Sua estrutura comporta 12 salas de aula, uma sala para a Classe Especial, sala da direção e coordenação, sala dos professores e secretaria. Possui uma variada biblioteca, laboratório de informática, refeitório, cozinha e uma quadra de esportes localizada no centro da estrutura. Foi fundada há 73 anos. Nos registros oficiais, consta a liberação da Classe Especial, através da Portaria 18.722/1983, para o “atendimento de deficientes mentais educáveis”.

O que chama a atenção, nesta instituição, é o acesso à mesma, que somente é possível por dois portões que conduzem ao centro, onde ficam o pátio e as salas de aula. A estrutura arquitetônica permite o controle das entradas, saídas e movimentações. Lembra um pouco o Panoptismo citado por Michel Foucault (1999b, p.163), quando afirma “[...] esse espaço fechado, recortado,

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vigiado em todos os seus pontos, onde os indivíduos estão inseridos em um lugar fixo, onde os menores movimentos são controlados”.

O controle está com quem tem o direito de julgar e ao mesmo tempo zelar pela segurança dos que estão no espaço confinado entre os muros da escola. Nada passa despercebido do prédio que dá acesso ao interior da instituição. Qualquer movimento que extrapole os limites da sala de aula pode e deve ser corrigido. Atos e ações podem ser punidos com privações e sanções.

A Escola B recebe alunos/as oriundos de vilas da cidade, do centro e do interior do município e ainda municípios vizinhos. A população é diversificada e inclui, desde alunos/as que recebem bolsa família, a alunos cujos pais são de classe média. Porém, a escola também enfrenta problemas como alcoolismo e drogadição dos pais ou responsáveis. A escola possuiu 86 professores (as), conta ainda com 16 funcionárias, um monitor, uma diretora e três vice-diretoras e demais membros da coordenação pedagógica. Oferece Educação Infantil, Ensino Fundamental, Ensino Médio, Curso Normal, Curso Técnico em Publicidade. A estrutura comporta 17 salas de aula, Sala de Recursos Multifuncional, sala da direção e coordenação, sala dos professores, variada biblioteca, auditório, sala audiovisual, refeitório, cozinha, área coberta e quadra de esportes localizada entre as inúmeras árvores que compõem o amplo espaço da escola. Apesar de a escola ter uma tela que a delimita, muitas são as possibilidades de acesso, uma vez que são vários prédios disponibilizados aleatoriamente no declive de terreno. Este educandário atua na cidade há 92 anos.

A estrutura física das escolas acima descritas, construídas em épocas diferentes, mostra indícios de concepções pedagógicas diferenciadas que, ainda hoje, marcam de forma indelével o seu fazer pedagógico. Podemos afirmar que a Escola A consegue exercer uma vigilância constante das ações dos seus alunos no espaço escolar, enquanto que, na Escola B, isso é praticamente impossível.

Cabe ressaltar que, nesta escola, a educação especial, nas duas últimas décadas, passou por significativas transformações. No ano de 2000 teve a autorização para o funcionamento da Classe de Educação Especial para deficientes auditivos, em 2002 teve autorização da mantenedora para o

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funcionamento da Segunda Classe Especial também para os deficientes auditivos. Na prática, a mesma atendia surdos e deficientes auditivos com deficiências associadas com autismo e deficiência intelectual que, por sua vez, tinham matricula negada na Escola de Surdos, bem como em outras escolas da cidade.

Em 2008, a escola solicita a cessação das atividades da Primeira Classe Especial – DA. A mesma era frequentada por três alunos da 1ª e 2ª séries que foram acomodados em uma só Classe Especial. No ano seguinte, a escola comunica a cessação de oferta da 2ª Classe Especial, encaminhando três alunos para inclusão, sendo que um aluno desistiu, três foram encaminhados para a Escola de Surdos da cidade e uma aluna foi transferida para APAE da cidade de origem.

Ao tentar entender as causas que levaram a cessação das atividades da Classe Especial, a professora Rosa, traz informações relevantes.

As classes especiais fecharam alegando que a legislação veio pessoalmente a chefe da Educação Especial da SEC, foi feita uma ata onde ela decretou o fechamento da Classe. Terminamos o ano e os pais organizaram-se e foram pedir vaga na Escola de Surdos (Rosa, Escola B, Informação verbal).

Em seguida, a escola faz os encaminhamentos necessários com vistas à abertura de funcionamento da Sala de Recursos para atender alunos com deficiência visual, de acordo com o parecer CEED nº 02/2010, obtendo autorização de funcionamento em setembro de 2010. Posteriormente o Parecer nº 29/2011 do departamento pedagógico/SEDUC, autoriza o “atendimento educacional especializado em Sala de Recursos Multifuncional Tipo I, posto que ela dispõe de alunos devidamente caracterizados e professores habilitados”. Permanece, até os dias atuais, a necessidade de alterar a nomenclatura, pois, como a escola atende a alunos cegos, o espaço precisa ser transformado, oficialmente, em Sala de Recursos Multifuncional Tipo II (CONSELHO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO, 2010).

As rápidas mudanças, e/ou até incongruências, que ocorreram quanto à Educação Especial/Inclusiva na instituição, entre o período de 2002 a 2012, conduzem a algumas reflexões: Quais as causas do desmantelamento da classe

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especial, a organização de um espaço pedagógico para os cegos e, logo em seguida, a uma Sala de Recursos para atender as mais diversas deficiências? Ocorreu uma virada conceitual no que se refere ao currículo, à identidade dos alunos e à representação da diferença? Ou será, acima de tudo, um jogo de forças para adaptar-se à legislação e às novidades das políticas vigentes?

1.4OSPRIMEIROSCONTATOS:ESTRATÉGIASDEACESSOAOSDADOS

O primeiro contato foi realizado com a direção das escolas em outubro de 2012. Na ocasião conversamos acerca da pesquisa, momento em que expliqueio objetivo, os procedimentos de pesquisa e os cuidados com a ética e a preservação da identidade dos sujeitos envolvidos. Felizmente a direção e a coordenação, das duas escolas, foram receptivas e atenciosas em relação ao desenvolvimento da pesquisa, concordando em assinar o termo de consentimento informado.

Nos dias que se seguiram, visitei a Escola A, apesar do receio quanto à recepção, uma vez que as professoras conhecem o meu trabalho como assessora pedagógica, em que busco viabilizar a inclusão, o que poderia, de algum modo, provocar constrangimentos. Porém, para minha surpresa, fui muito bem acolhida, apesar de atuar em uma proposta diferenciada da que vem sendo praticada na escola.A direção e a coordenação expuseram como é realizado o trabalho na sua escola e, de certa forma, reafirmaram a crença na proposta da escola, pois a diretora Ana afirmou: “Nós temos uma prática na escola. E depois do trabalho da professora Cleusa, os alunos se sentem bem, se sentem incluídos” (informação verbal).

É interessante ressaltar que,acreditando na sua proposta, a equipe diretiva queria que, enquanto pesquisadora, eu conhecesse a mesma, logo, contribuíram imensamente com a pesquisa.

Após esse momento, agendei outra visita, que tinha como objetivo conversar com a professora da Classe Especial, momento este em que aproveitei

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para conhecer a estrutura física, a turma, a organização da sala e conhecer os alunos matriculados na Classe. Também agendei, com a coordenadora, uma nova visita para entrevistar uma professora e observar a organização da instituição.

O mesmo procedimento foi realizado na Escola B, porém, nesta, a primeira entrevista foi realizada com as três professoras da Sala de Recursos Multifuncional. Chamou a atenção, na fala do trio, a confiança na eficácia do trabalho desenvolvido no processo inclusivo realizado na escola, apesar dos entraves e da resistência de alguns professores.

Em todos os contatos, inclusive nestes descritos, bem como nos posteriores, os sujeitos pesquisados foram esclarecidos/as sobre os objetivos, justificativa, metas, possibilidades de não participar a qualquer tempo da pesquisa, sem que houvesse algum tipo de prejuízo, assim como solicitar que suas informações sejam desconsideradas, sem ônus nem constrangimento (ver anexo A).

Cabe ressaltar, que foram vários os momentos de observação, de permanência no espaço da escola na tentativa de entender a dinâmica das mesmas e compor informações no diário de campo. Foram diversas conversas, sempre incompletas, que necessitavam de complementação e que ocorriam através de novos questionamentos para permtir algumas elaborações, na tentativa de responder aos questionamentos que permitiram a elaboração desta dissertação.

A escola, bem como os professores, foi informada do anonimato, não incorrendo em riscos advindos da participação, bem como do acesso aos resultados da pesquisa.

Destaco que não houve nenhuma objeção por parte dos entrevistados, apenas uma professora da Escola A sentiu-se insegura em falar sobre a sua realidade, uma vez que tinha conhecimento de que as demais escolas públicas da cidade adotavam outros procedimentos quanto aos alunos com deficiência. De modo geral, não houve maiores constrangimentos, ao contrário, as entrevistas foram agradáveis, possibilitando conhecer a concepção de cada um dos entrevistados.

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1.5 A REAÇÃO DIANTE DA COLETA DE INFORMAÇÕES

Durante a realização da pesquisa, junto às escolas, foi possível observar, avaliar e analisar o ambiente e o espaço escolar, bem como a reação dos(as) professores(as) diante da presença de uma mestranda. Às vezes, o fato de estar na escola causava estranhamento, uma vez que trabalho na rede e conheço parte do grupo analisado. Cabe ressaltar que o fato não causou problemas no desenvolvimento da pesquisa, pelo contrário, possibilitou maior interação.

Outro aspecto positivo foi o fato de eu estar cursando mestrado em uma instituição conhecida, como a UNIJUÍ. Isto possibilitou maior abertura, uma vez que muitos dos entrevistados fizeram a sua graduação na mesma instituição e alguns almejam também fazer o curso de pós-graduação Stricto Sensu. Muitas foram às situações, em que antes de iniciar as atividades relacionadas à pesquisa, respondia uma série de questionamentos no sentido de conhecer a dinamicidade do curso de mestrado.

Em diversas oportunidades, junto às professoras (que estavam ou não envolvidas na pesquisa), conversamos sobre a inclusão dos alunos com deficiência, tentando salientar os avanços, os objetivos e as perspectivas quanto ao tema. Nessas conversas e observações, tornava-se evidente um resquício de preconceito e discriminação de alguns/algumas perante a questão, mesmo que o discurso oficial seja politicamente correto. Para outros, a máscara da aceitação esfacela-se, quando se questiona o custo desse processo para o Estado e a preocupação manifestada de que todos, indistintamente, dominem os conteúdos previstos no currículo. Avançar nessas discussões será essencial para concretizar o respeito à diversidade.

As concepções sobre a inclusão manifestam-se em falas sutis, carregadas de impressões que insistem em permanecer, que permite entrecruzar o olhar da escola em relação à pessoa com deficiência. Essas falas evidenciam que o preconceito permanece. Ou seja, embora aceitando as mudanças curriculares,

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percebe-se que as concepções sobre a deficiência não observam a legislação vigente.

Nesse grande jogo, identidades são representadas soberanamente por aqueles que têm o poder de fazê-lo, prevalecendo o olhar de diagnosticar a diferença e normalizar lá, com mais cuidado e sutileza. Para Foucault (1999b, p.176) são as relações de força sendo reescritas, silenciosamente, “nas instituições e nas desigualdades econômicas, na linguagem e até no corpo dos indivíduos”.

Sendo as instituições de educação um local privilegiado de observação, busquei, nas escolas, conhecer, reconhecer e discutir os espaços de atendimento dos alunos com deficiência, seguindo as imposições da legislação sobre a questão, e, também, como as representações da comunidade escolar, em relação a este/está aluno/a, constrói e reconstrói o conceito da deficiência.

1.6 PLANOS DE ESTUDOS ESPECIAIS, CLASSE ESPECIAL OU SALA DE RECURSOS MULTIFUNCIONAL: INVESTIGANDO REGISTROS

Ao perseguir o ideal das instituições de ensino, o conhecimento, foram criados aparatos, na tentativa de oportunizar aos alunos em defasagem, cognitiva ou cultural, a imersão nos saberes formais. Nessa perspectiva, Planos de Estudos Especiais, a Classe Especial e a Sala de Recursos Multifuncional representam possibilidades e impossibilidades de normalizar.

Independente das narrativas produzidas pela instituição, quanto ao aluno com deficiência, o objetivo que pauta essas ações, é aproximar o conhecimento dos alunos alvo, ao currículo formal acessado pelos demais. Para Hillesheim e Thoma (2011) há evidentemente uma tentativa de ordenar a sociedade:

“... mais do que um direito conquistado por movimentos políticos, do que uma questão moral e ética, a inclusão pode ser ententida como uma forma de governamento da diferença, que opera sobre a conduta de todos e de cada um de nós, gerenciando riscos produzidos pela exclusão social e garantindo a seguridade social (HILLESHEIM & THOMA, 2011, p.17).

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Neste sentido, as possibilidades oferecidas pela escola ainda estão pautadas na convivência dos diferentes mediante a necessidade e a urgência de torná-los iguais.

Todavia, parece-me que a representação da escola, em relação aos sujeitos que não estão na norma, possibilita interpretações divergentes dos documentos oficiais; é quase sempre a representação de um sujeito incompleto, faltante, incapaz de dar conta de determinados saberes devido a sua condição. E novamente a escola acaba por investir em práticas excludentes, na qual, aos alunos com deficiência, são possibilitados saberes/conhecimentos rasos, sem avanços significativos, que não condizem com a concepção de escola inclusiva (CONSELHO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO, 2006).

Outra possibilidade prevista no Parecer do CEED 56/2006 é o parecer descritivo como forma de expressar os avanços e dificuldades dos alunos com deficiência, possibilidade essa que não atende às expectativas dos mesmos. As escolas de Educação Básica da rede estadual, na sua grande maioria, preveem, através do seu regimento, que, a partir das séries finais do Ensino Fundamental, conceitos numéricos expressam a situação de aprendizagem dos alunos, enquanto os avanços e dificuldades dos alunos com deficiência são expressos por parecer descritivo, sem menção numérica (CONSELHO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO, 2006).

Essa situação vem causando, nos últimos anos, desconforto para alunos, professores, pais e gestores. Desta forma, a Secretaria Estadual de Educação, através das Coordenadorias Regionais de Educação (CRE), incentiva as escolas a abolir o Plano de Estudos Especial e uniformizar a expressão dos resultados. Por outro lado, a escola deve se comprometer com o sucesso escolar de todos os alunos e, quando necessário, adequar a metodologia e flexibilizar as avaliações. E assim:

A condição primeira para que a inclusão deixe de ser uma ameaça ao que hoje a escola defende e adota habitualmente como prática pedagógica é abandonar tudo o que leva a tolerar as pessoas com deficiência, nas turmas comuns, por meio de arranjos criados para manter as aparências de bem intencionada [...] (MONTOAN, 2011, p.39).

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Essa atitude da Secretária de Educação Inclusiva, frente à realidade da escola, pode ser definida como audaciosa, uma vez que retira do cenário escolar um documento que dava amparo legal ao aluno com deficiência. Em contrapartida, professores e gestores formalizavam a preocupação da escola com os alunos com deficiência. Isso não garante atitudes e ações inclusivas, previstas no currículo formal.

Quanto às escolas analisadas nesta pesquisa, as mesmas têm posicionamentos divergentes. Segundo as professoras que atendem a sala de recursos na Escola B, a extinção do Plano de Estudos Especiais fará a escola refletir sobre a sua ação e afirmam: “Concordamos com o fim dos Planos de Estudos Especiais porque muitos só existem no papel e não funcionam na prática” (informação verbal). A Escola A, não utiliza os mesmos, pois na visão desta, os alunos, após sair da Classe Especial, devem adequar-se ao currículo proposto.

Ao refletir sobre a necessidade de alterar a prática amparada em Planos de Estudos Especiais, relembro Popkewitz (1994, p.34) que afirma que “a história da educação institucionalizada mostra que o objetivo de produzir (novos) cidadãos acabou sempre implicando em novas e talvez mais sutis formas de regulação e padrões de controle e governo”.

Na busca pela uniformização do conhecimento, por parte dos alunos, as escolas percorrem diversos caminhos em busca de uma “solução” para a não aprendizagem. O diagnóstico da deficiência e o encaminhamento para a espaços segregadores representavam e ainda representam a possibilidade de a escola livrar-se da responsabilidade de ensinar àqueles que não conferem com a representação de aluno institucionalizado. Inúmeras pesquisas evidenciam o fracasso dessa forma de organização, na qual grande parte dos alunos evade, ou permanece parcela significativa de suas vidas nestes espaços sem avançar na elaboração do conhecimento.

As Classes Especiais inserem-se num contexto histórico em que tiveram a função de permitir uma aproximação física entre os alunos “normais” e os diferentes, pois ocupavam o mesmo espaço institucional, sem efetivamente haver trocas de experiências ou aprendizagem.

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As escolas analisadas buscaram, nas Classes Especiais, uma solução para as dificuldades de inserir alguns alunos no espaço escolar, porém apenas a Escola A insiste na manutenção da mesma, após inúmeras mudanças na legislação.

Nos documentos oficiais da Escola A, encontra-se arquivada a Portaria 18.722 da Secretaria do Estado do Rio Grande do Sul, com data de 18 de maio de 1983, que autoriza o funcionamento de Classe Especial, para atendimento de deficientes mentais educáveis. A mesma portaria estava amparada pela Resolução nº 130/77, que fixa as normas para o tratamento especial, criação, autorização e funcionamento de instituições e classes especiais e pelo Parecer nº 658/77 do CEED, que estabelece as diretrizes para a execução da resolução (CONSELHO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO, 1977a; CONSELHO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO, 1977b).

Os termos utilizados para descrever os alunos, na época, de acordo com a legislação eram “deficientes mentais educáveis”, aos quais era permitido frequentar uma classe especial e ter o mínimo de contato com outros alunos da instituição e os “deficientes mentais treináveis”, aos quais não restava alternativa senão frequentar uma escola exclusiva ou permanecer sem acesso à educação escolar. A luta pela manutenção de uma Classe Especial, que tinha como objetivo educar, dentro das possibilidades, o aluno com Deficiência Intelectual, em pleno século XXI, nos dá algumas pistas sobre o posicionamento da instituição quanto à diferença, estereótipos e preconceitos que impossibilitam aproximar o olhar sobre a diferença e entender que é possível aprender na diversidade.

A orientadora educacional da Escola A, em uma das entrevistas, trouxe à tona, sua experiência familiar, marcada por frustrações quanto à inclusão educacional e social de um irmão com deficiência intelectual na década de 70. A fala desta e de suas colegas deixa transparecer a necessidade de manter estes nos espaços segregadores, como forma de protegê-los e, quem sabe, proteger a si mesmo.

“A desconfiança, a descrença e o receio frente as garantias expressas na Constituição Federal de 1988, na Lei 9394/LDB de 1996 e na Política da Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, impedem os gestores de avançar no debate e dar a inúmeras crianças a

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possibilidade de representar a sua identidade e, muitas vezes, mantém a representação de que a deficiência deve ser corrigida em grande parte das situações” (BRASIL, 1988; BRASIL, 1996; BRASIL, 2008).

As inserções, entrevistas e os documentos evidenciam uma prática na Escola A, que difere das demais escolas da rede estadual de abrangência da 17ª Coordenadoria Regional de Educação. Pois o procedimento diante da diferença, sempre utilizando como parâmetro o aluno norma, necessita ser diagnósticada. Este é aspecto preocupante, pois quando determinado aluno não atinge a chamada normalidade esperada para a faixa etária pode ser encaminhado para avaliação médica e psicológica. O diagnóstico inicial, feito na escola, pelos professores, parece decidir o destino de algumas crianças que frequentam a Escola A. Segundo as narrativas, quando “não avança na construção do conhecimento” ou quando “o aluno perceber que todos entenderam menos ele” (informação verbal), faz-se necessário um diagnóstico pedagógico, psicológico e clínico, que irá orientar o procedimento da escola em relação ao aluno.

Essa “prática”, conforme denomina a diretora Ana, conduz a correção e a eliminação da deficiência. Segundo ela, “nós temos uma prática na escola. E depois do trabalho da professora da classe especial, o aluno se sente bem, se sente incluído” (informação verbal). É um procedimento que permite perceber a preocupação com a diferença, e a crença de que ela, a diferença, pode ser controlada ou eliminada.

A Escola A, através dos seus gestores e parcela dos professores, ao refletir sobre a sua ação, enquanto Classe Especial e educação especial, acredita no trabalho que realiza. Seus professores e gestores não percebem, ou não desejam perceber os mecanismos sutis, presentes no espaço educacional, que nega a estas crianças a possibilidade de outra representação, pois elas estão presas a representações orquestradas por quem tem o poder de fazê-lo: a escola e os professores.

Outra possibilidade de acesso e permanência dos alunos com deficiência é a Sala de Recursos Multifuncional, ofertada na rede estadual, em que o aluno com

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deficiência é integrado a toda escola. É um sujeito ativo no espaço institucional, no qual luta pela sua representação.

A Escola B possuí uma Sala de Recursos Multifuncional Tipo I. Nela o aluno matriculado tem Atendimento Educacional Especializado (AEE); as atividades desenvolvidos visam à superação das dificuldades, dão suporte metodológico ao(a) professor(a) da sala de aula. Por outro lado, estes profissionais conduzem as discussões na escola quanto à exclusão, superação do preconceito e alterações metodológicas para o sucesso do aluno alvo do seu trabalho. Avanços, neste sentido, estão expressos na fala da gestora da Escola B:

“Embora a gente tenha uma característica muito interessante aqui, a aceitação das nossas crianças e dos nossos adolescentes, em enxergar eles com necessidades especiais não com preconceito e nem como coitadinho, mas em ter aquela alegria de estar junto” (Carla, Escola B, Informação verbal).

A narrativa da gestora demonstra uma mudança na forma de conviver e representar o aluno com deficiência no espaço escolar, porém entre as narrativas e uma mudança de representação há evidentemente inúmeros ajustes a serem feitos. A princípio, ao reconhecer a diferença, valorizando suas potencialidades e capacidades, outras representações são possíveis, especialmente quando estamos falando de uma instituição de ensino que abrigou duas Classes Especiais, em que aos alunos incluídos estava reservado determinado espaço físico e horário de início, intervalo e fim das aulas diferenciado dos demais alunos. Da mesma forma, como a Escola A, a Escola B, por muito tempo permitiu que os sujeitos ocupassem os mesmos espaços, porém era um fazer de conta, em que o estar incluído era estar de fora.

Ao cessar as atividades da Classe Especial da Escola B, conforme afirma a professora Rosa “as classes especiais fecharam alegando a legislação. Veio pessoalmente a chefe da Educação Especial da Secretária Estadual de Educação, foi feita uma ata pela qual ela decretou o fechamento da Classe” (informação verbal). A escola fez as adequações necessárias e, aos poucos, teve a possibilidade de reconstruir a sua representação ou ainda aperfeicoar os

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mecanismos em que a pessoa com deficiência continua tendo a sua diferença marcada e representada como faltante.

Após uma rápida visualização das propostas, dos percursos percorridos pelas escolas diante da imposição legal, que almeja uma escola para todos, é necessário ressaltar que a construção de uma sociedade humanizadora e inclusiva, necessariamente, precisa de discussão no currículo das escolas e pela sociedade, para que a escola observe o seu papel histórico, de ser um espaço de construção de conhecimento, pois, do contrário, corremos o risco de criar “uma cultura de tolerância da pessoa com deficiência, no interior da escola sem, contudo, que esta assuma a responsabilidade pelo desenvolvimento escolar dos alunos” (FERREIRA; ROMERO, 2004, p.35) e desta forma incorrer na exclusão tão devastadora como não estar na dita escola regular.

Aproximando o olhar sobre a questão, consegui acessar registros, muitas vezes velados, que traduzem representação das escolas analisadas em relação aos alunos com deficiência diante das orientações legais que apontam para a efetivação de uma Escola para Todos.

Porém, antes de acessar as narrativas que traduzem, em parte, os anseios e dúvidas quanto à Educação para Todos, penso ser interessante rever como a escola reproduziu, durante séculos, a exclusão social, a identificação e as narrativas em relação àqueles que não apresentam a performance desejada.

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2 REVENDOINFORMAÇÕES:ESCOLA,CURRÍCULOEREPRESENTAÇÃO

Entender como a sociedade e as políticas públicas vêm retratando a questão da inclusão, paradoxalmente, nos traz um pouco de consolo, frustração ou ainda esperança, pois como diz a música “Como uma Onda” de Nelson Motta e Lulu Santos (1983): “[...] A vida vem em ondas como o mar. Num indo e vindo infinito. Tudo o que se vê. Não é igual ao que a gente viu. Há um segundo. Tudo muda o tempo todo no mundo [...]”.

Quem discute a questão da educação inclusiva, diariamente, com as escolas, professores e gestores percebe que este “indo e vindo” mostra que houve avanços, apesar de lentos, para uma sociedade que caminha a passos largos em direção ao desenvolvimento, ao progresso, à participação e, em consequência, ao respeito aos direitos humanos.

Em uma sociedade, em que ir à escola e ter sucesso traduz o fazer parte ou não de um grupo social, significa também que elas, as crianças, no primeiro momento, devam ter semelhanças para estar e fazer parte do espaço institucional. Quando as diferenças físicas, cognitivas e econômicas ficam evidentes, a sociedade, através dos seus discursos, cria escalas em que essas crianças devem ser agrupadas.

Retomo aqui a minha infância, em que, por condições financeiras, tive negada a permanência na escola; a história de vida do meu pai e de tantos outros que não foram alfabetizados em um tempo determinado (pelo(a) professor(a)) e sem alternativa foram encaminhados para o trabalho braçal.

São formas de exclusão escolar que ocorrem no Brasil, há séculos, e se repetiram nos exemplos que citei, há cinquenta anos, há trinta anos, e continuam ocorrendo sob outras formas e outras características. Chegamos num tempo em

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