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POSSIBILIDADES E IMPOSSIBILIDADES VERIFICADAS NA ESCOLA

3 A REPRESENTAÇÃO DA DEFICIÊNCIA

3.2 POSSIBILIDADES E IMPOSSIBILIDADES VERIFICADAS NA ESCOLA

Na análise do material empírico coletado, em interface com as relações do cotidiano escolar, foi possível descrever como estes alunos são representados pelos grupos que têm hegemonia no contexto escolar e, por essa razão, detêm, também, o poder de nomear e marcar as identidades diferentes. Sabemos que, através da representação, identidades podem ser nomeadas e alteradas. Para as pessoas com deficiência, muitas são as narrativas de dependência, isolamento ou incapacidade, porém, outras narrativas são possíveis em que essa mesma identidade seja descrita como independente, capaz e partilhadora de um espaço que deveria ser de todos: a escola.

Com essa convicção, quero aproximar meu olhar sobre o fazer das escolas investigadas. Qual caminho é percorrido pelas mesmas e quais as narrativas feitas acerca dos alunos com deficiência? O porquê dessas escolhas? E mais, o que o currículo nos tem a dizer quando discutimos a diferença?

Ao analisar os Planos de Estudo e o Regimento das duas escolas, fica evidente que há preocupação de ambas com o conhecimento formal, bem como com a formação do sujeito que vive e atua na sociedade.

“Os integrantes da comunidade escolar possam constituir-se como cidadãos competentes e éticos, a fim de que, nas suas atividades desenvolvam ações transformadoras, críticas e responsáveis, valorizando a integridade do ser humano” (Regimento Escolar, aprovado pelo Parecer CEED n°162/2011 da Escola B, com vigência a partir de 2011).

“[...] tem por objetivo proporcionar a construção social do conhecimento aos educandos para tornanarem-se cidadãos honestos, solidários, críticos e responsáveis, capazes de aprender a conhecer, a fazer, a conviver e ser”. (Regimento Escolar da Escola A, aprovado pelo Parecer CEED nº 288/2006).

Percebe-se, de acordo com os documentos que normatizam o currículo, que a escola assume a responsabilidade e preocupa-se com o ensino e a aprendizagem, bem como, com a formação integral e a qualidade de vida da população que a frequenta, estando de acordo com o pensamento de Sacristán (1998b).

“Ao aceitar que a escolaridade vai além da transmissão de conhecimentos, a justificativa do currículo não pode ficar em critérios de representatividade do selecionado quanto à cultura acadêmica, mas apoiar–se, fundamentalmente, noutros de caráter social e moral, já que se busca, com sua implantação, um modelo de homem e de cidadão/dã” (SACRISTÁN, 1998b, p.152).

A escola, porém, confusa e, incompreensivelmente, na prática curricular, insiste em um modelo de sujeito único que deve ser delineado pelo currículo. Diante da condição humana composta por diferenças, muitas vezes, a tendência é apagá-las. Algumas são sublimadas e outras são representadas de acordo com o discurso dominante. A idealização de uma performance de aluno, exige que todos desempenhem adequadamente o seu papel.

Para Larrosa e Skliar (2011), vivemos o mito da possibilidade de viver na diversidade de forma harmônica, porém estas devem ser canalizadas, ordenadas, vigiadas, ressignificadas para a convivência. Ou ainda:

“Parece que o problema já não é a dominação,e tem–se a impressão de que os homens não devem aprender a viver livres, mas a viver juntos e a comunicar-se ordenadamente. Tem–se a impressão de que se deve conjurar os perigos de Babel e voltar a reunir os homens, não agora em torno de uma cidade, de uma torre, de um nome e de uma língua, mas a partir da diversidade bem ordenada e bem comunicada de diferentes cidades, diferentes torres, diferentes nomes e diferentes línguas. Tem–se a impressão de que a questão é administrar as diferenças, identificando– as, e tratar de integrar todos em um mundo inofensivamente plural e ao mesmo tempo burocrático e economicamente globalizado” (LARROSA; SKLIAR, 2011, p.13).

Mecanismos como o Plano de Estudos Especiais, Classe Especial ou Sala de Recursos são tentativas de buscar a convivência harmônica e ordenada das diferenças. Permanece, neles, a preocupação de diagnosticar a diferença para posterior intervenção com vistas a uniformizar ou, quando não for possível, administrar a mesma.

A organização e o funcionamento da Classe Especial deixa explicito essa preocupação, nas falas dos seus defensores. Segundo estes, os alunos precisam ser separados entre os que estão de acordo com a norma e os que diferem dela. Aos que diferem há a possibilidade da “correção/ajuste” em longo prazo.

Os Planos de Estudo Especiais e as Salas de Recursos Multifuncionais, aos poucos, avançam quanto à representação do aluno deficiente, descrevendo-o como capaz ou incapaz de sociabilidade e/ou aprendizagem no coletivo da escola. Se, para Silva (2001, p.35) a “representação é um sistema de significação”, esta atua na perspectiva de construir novas conexões entre significante e significado, uma vez, que elas são temporárias e fruto das construções sociais. Logo, outras representações são possíveis, por isso, grupos/minorias, até então excluídos, reivindicam outra representação e o direito de “controlar o processo de sua representação” (SILVA, 2001, p.49). O autor aponta a representação da diferença como propulsora de mudanças sociais.

Diante das diferentes narrativas acerca do aluno com deficiência, minorias silenciadas por séculos reivindicam outra representação na qual a deficiência é vista apenas como diferença. Cada escola, do seu jeito, busca a sua forma de fazer a educação idealizada, a “Escola para Todos”, cometendo, às vezes,

equívocos e falhas quando fazem tentativas vazias de conhecimento sobre a questão.

3.2.1 Classe Especial: Analisando as Informações

Conforme já foi explicitado anteriormente, no início do século XX, as elites brasileiras preocupavam–se com a falta de mão de obra com qualificação. Diante dessa necessidade, a educação formal é fortalecida para preparar as pessoas para trabalhar em atividades que exigem o domínio das letras e algum conhecimento técnico. A escola pública e gratuita passa a ser de todos, que tenham a possibilidade de estudar nela, exceto os anormais, loucos e degenerados. Para estes, aos poucos, foram criados espaços restritos, especiais, com práticas pedagógicas especificas, as quais buscavam a normalização de comportamentos, atitudes e a adaptação social.

No final da década de 60 e inicio da seguinte, alguns países da Europa debatiam a inclusão de todos no sistema educacional, o Brasil direcionava os mesmos para as escolas especiais. Foi justamente nesse período que surge o movimento de integração escolar, que tinha como objetivo “inserir as pessoas portadoras de deficiência nos sistemas sociais, como a educação, o trabalho, a família e o lazer” (SASSAKI, 1997, p.13).

No processo de integração, buscou-se ofertar situações de vida parecidas com as demais pessoas da sociedade, em especial no que se refere à educação. Neste sentido, foram realizadas tentativas de integração nas escolas, com o objetivo de levar este tipo de aluno para diferentes turmas em diferentes componentes curriculares. Nesta situação, ele estava no espaço escolar, porém não fazia parte de nenhuma turma e nem da escola. Na classe especial, os alunos com deficiência são matriculados todos na mesma turma e uma professora permanece com estes por longos anos.

“Nenhuma das formas de integração social satisfaz plenamente os direitos de todas as pessoas portadoras de deficiência, pois a integração pouco ou nada exige da sociedade em termos de modificação de atitude, de espaços físicos, de objetos e de práticas sociais” (SASSAKI, 1997, p.15).

A pressão de diferentes grupos sociais possibilitou avanços nas décadas posteriores em todo país. Porém, muitos professores, diante do desafio de ensinar na diversidade, fazem referências saudosistas às classes especiais, sem mesmo conhecer a sua forma de organização e seu currículo.

Neste sentido de tentar conhecer, sem necessariamente emitir julgamentos, é que vou aproximar o meu olhar sobre a Escola A. Esta foi criada em 1940 e, como já foi dito, está localizada em um dos bairros mais povoados da cidade. Nela estão matriculados alunos das vilas próximas que, na sua maioria, enfrentam delicada situação financeira. A escola, apesar de manter a estrutura inicial, foi ampliada. Sua estrutura física atual é formada por três prédios, dispostos em “U” e no meio há uma quadra esportiva e espaço de recreação.

A preocupação em manter a estrutura física em boas condições é visível. A pintura dos prédios e da quadra esportiva dá ao espaço um aspecto agradável. É interessante ressaltar que a classe especial está localizada no centro do bloco, à direita do prédio de entrada. A referida sala tem quase todos os materiais necessários para o desenvolvimento didático-pedagógico: televisão, rádio, pia com torneira, alguns livros que funcionam como biblioteca, brinquedos, sucatas, mesas, cadeiras, baú e armários. Dá a impressão de que não há necessidade de deslocamentos dos alunos para outros espaços da escola, exceto ao banheiro e ao refeitório.

Chama atenção a forma como as crianças da Classe Especial são preservadas do convívio com os demais alunos da escola. Têm o horário diferenciado dos outros alunos para ir ao refeitório, bem como de intervalo, que é realizado antes das demais turmas, restando claro o objetivo de evitar que se envolvam em confusões e para que tenham o espaço só para eles. Isso não evita certos problemas, pois, mesmo assim, acabam se envolvendo em conflitos.

Por ocasião das visitas realizadas à escola sempre encontrou-se as mesas dos alunos dispostas em “U”, próximas do olhar da professora. Da mesma forma, rádio ligado e sintonizado em alguma estação local, entretanto, os alunos parecem não se importar com a difusão sonora do mesmo. A professora também não

especificou o porquê do mesmo estar ligado. Para conversar sobre as questões que eu levei até ela, geralmente reduzia o volume ou desligava o aparelho.

Avançando no sentido de desvendar a organização da Classe Especial, tive acesso aos documentos oficiais na 17ª CRE, entre eles o Plano de Estudos da Escola. Neste está especificado o eixo dos componentes no nível fundamental, em cada série, e a operacionalização, citando a metodologia, classificação, aproveitamento dos estudos e avaliação. É somente no item da avaliação que há uma referência quanto a Educação Especial, a saber:

A avaliação como processo diagnóstico, dinâmico e permanente de construção social do conhecimento, na relação educador (a), educando (a), busca a superação de dificuldades, respeitando o tempo e o processo individual de cada educando, tornando-o apto(a) a ingressar no Ensino Fundamental. Durante a permanência na Educação Especial é elaborado um dossiê sobre o processo ensino-aprendizagem do educando, o qual fica registrada na pasta individual, na secretaria (Planos de Estudos, aprovado pelo Parecer 062/2004 da 17ª CRE).

Por mais progressista que este documento possa parecer, questiono: Como um processo dinâmico e permanente que busca a superação das dificuldades, define algumas identidades como anormais, que necessitam ser segregadas e corrigidas?

Se a aprendizagem é um processo contínuo, individual e também social, a escola tem o importante papel de estimular atividades que visam o desenvolvimento cognitivo, motor e social na interação com o outro. Situação adversa é vivenciada pelas crianças da Classe Especial, que têm o contato diário restrito a seis colegas (o aluno mais seis). Mesmo assim, foi possível observar que alguns alunos da turma se envolvem em conflitos com colegas de escola. Na maioria dos conflitos, são os alunos da Classe Especial, considerados responsáveis pelos desentendimentos. Parece-me ser esta uma questão de representação, por parte da Escola A e dos sujeitos que a compõem, ao mesmo tempo em que a contrariedade dos alunos da classe especial (principalmente os pré-adolescentes) encontram na violência uma forma de representar a sua insatisfação.

Entender a seleção dos alunos, que compõe a Classe Especial, causa certa angústia, pois dificuldades de qualquer ordem são investigadas e classificadas a partir do momento em que os alunos são matriculados na pré-escola ou na 1ª série/ano do Ensino Fundamental. A partir da constatação das dificuldades, sempre feita pela escola, a criança e sua família são encaminhadas para avaliação com psicológos e médicos. Estes profissionais emitem laudos que servem como documentos que avalizam a matrícula da criança na Classe Especial da qual o aluno fará parte ou não.

Inscrevem-se nessa ação a representação, por quem tem poder de fazê-lo. Para os que não possuem a mesma performance da maioria, recai a representação calcada na concepção de identidade inferior, aquela que não está de acordo como esperado, que, estabelecido pelas narrativas sociais, é investigado, diagnosticado e, se possível, deve aproximar-se do esperado, através do trabalho desenvolvido pela Classe Especial.

Esse procedimento está descrito na Proposta de Trabalho para a Classe Especial, encaminhada em 2008, e validado para os anos posteriores, inclusive para o decorrer de 2013. A mesma proposta aponta, como justificativa, a possibilidade de os “educandos construírem competências e habilidades que viabilizam seu ingresso no Ensino Fundamental para dar continuidade ao processo de construção do conhecimento” (2008, p.08).

Apesar das mudanças significativas na legislação, nas orientações quanto à organização das escolas e na forma de acesso das minorias ao ensino formal, a Escola “A” mantém, há seis anos, a mesma Proposta de Trabalho. É um descompasso que impede a discussão de questões relevantes, como a educação inclusiva, por toda a comunidade escolar. Isso permite compreender por que alguns professores não tinham conhecimento do que era uma Sala de Recursos Multifuncional.

Quanto à metodologia, os documentos afirmam ser de Pesquisa Participante e Tema Gerador, no qual citam: “considerando as diferenças individuais de cada educando, são propostas atividades específicas, tendo em vista a superação das dificuldades apresentadas” (2008, p.10) tornando o aluno

apto a ingressar no Ensino Fundamental. A autonomia das escolas da rede estadual permite que utilizem a metodologia que consideram necessária para sua realidade, não havendo nenhuma inferência por parte da mantenedora.

Faço apontamentos quanto à metodologia utilizada, pois, como uma escola que segrega os alunos com deficiência poderá ouvi–lo e a partir das suas falas extraír um tema gerador que irá nortear a ação da escola e da classe? Ou, talvez, a metodologia esteja sendo modificada na prática da escola? Porém, não foi possível observar evidências nas ações dos professores e alunos, nas narrativas coletadas e na observação com viés etnográfico. Transparece nos discursos a preocupação com o ordenamento dos espaços da escola e de os alunos responderem as proposições do currículo formal.

Nas descrições coletadas e nas observações, a escola e os professores, gestores e funcionários parecem estar empenhados em apagar as diferenças, como se fosse, algo negativo que o sujeito porta e que necessita ser corrigido/normalizado (LOPES, 2002).

A escola tenciona suas ações para que o aluno da Classe Especial seja igual aos alunos das turmas subsequentes. A identidade possível é ser igual na expressão e na aprendizagem aos demais. Ao concluir, com êxito, esta etapa da aprendizagem, a diferença não será tão visível. Nas narrativas da professora do Ensino Fundamental - séries finais - fica evidente a necessidade de estar na norma para fazer parte da escola ou ser excluído dela definitivamente em todas as suas dimensões. Por outro lado, o permanecer, ficar dentro, causa espanto, admiração e desconforto para os professores que desconheciam a trajetória escolar dos seus alunos. Essa situação é evidenciada por professores em uma das observações e conversas informais que ocorrerram na Escola A. Com um referencial de aluno transparece a dificuldade em conciliar, no mesmo espaço fisíco, outras identidades.

Cria-se a expectativa na dissipação do desconforto através da homogenização dos alunoos, que torna-se cada vez mais distante, pois o tempo da Classe Especial é diferenciado das demais turmas, o que faz com que os alunos com idades díspares frequentem as séries iniciais, pois “o educando utiliza

o tempo necessário para o desenvolvimento de suas habilidades e competências indispensáveis para o ingresso no Ensino Fundamental” (2008, p.11). Entretanto, a proposta não estabelece um tempo minino ou máximo. Esse tempo pode variar de “um a cinco anos, ou mais” (Ana, Escola A, informação verbal). Consequentemente, o aluno com 12 ou 13 anos conclui a Classe Especial e vai para o 1º ano do Ensino Fundamental. Isso induz a outra questão: a diferença de idade e os interesses desse aluno não conduzem à exclusão e evasão dos mesmos?

Além disso, analisando a organização da escola, essa situação traz inúmeros problemas organizacionais nas séries iniciais, pois está em vigência a chamada “progressão continuada” para os três primeiros anos das séries iniciais, ou seja, não há retenção, logo os alunos terão uma idade semelhante, exceto os remanescentes da classe especial. Há também, a chamada “correção de fluxo” (Ana, Escola A, informação verbal), em que são encaminhados os alunos que apresentam desafagem idade/série podendo avançar a mais de uma série durante o ano. Apesar de não ser esse o assunto central da pesquisa, parece-me ser mais uma evidência da necessidade de rever a representação da deficiência nesse contexto.

Segundo relato da entrevistada cada um dos sete alunos que compõe a turma “especial”, tem uma história de dificuldades e superação que vão desde o assassinato do pai, violência doméstica e abuso sexual. Todos carregam experiências de vida que talvez não conseguissem superar. Além disso, levam a marca da diferença/deficiência, devidamente atestada por médicos e psicólogos, avalizada por professores e alunos, conforme afirma a diretora: “[...] para ser da Classe Especial precisa de laudo médico e de psicólogo” (Ana, Escola A, informação verbal).

Verificando as matrículas no Censo Escolar 2012, foi possível perceber que apenas quatro alunos (dos sete) possuem laudo, o que sugere uma gama de hipóteses, mas que excluem a possibilidade de deficiência intelectual para quase metade dos alunos matriculados e explica o fato de que alguns conseguem

“superar as suas dificuldades” e “sentem-se incluídos” (Ana, Escola A, informação verbal).

Frente a essa situação em que, após anos na Classe Especial, os alunos continuam à margem por não conseguir provar a sua normalidade, questiona-se quais os benefícios para estas crianças e para a sua aprendizagem, estarem segregados, marcados pela deficiência/inferioridade. E mesmo para os que tem alguma deficiência, esta é a melhor forma de acesso ao conhecimento formal ou de permanência na escola?

Nos discursos da direção e dos professores transparece a preocupação em formar sujeitos normais e capazes. Para tanto as diferenças são sublimadas ou corrigidas na Classe Especial. Tem-se, assim, a possibilidade de promover a construção do conhecimento em turmas homogêneas. Assim a competência da escola, em disciplinar e ordenar, não se questiona. Por outro lado, a competência do (a) professor (a) em ensinar nem será contestada.

O êxito da Classe Especial também está assegurado mediante o avanço de alguns alunos nas séries posteriores, que, segundo a escola, devem superar suas dificuldades, sem necessitar de AEE ou flexibilização curricular.Tem-se, assim, um verdadeiro milagre pedagógico, para aqueles que conseguem estar entre os denominados normais, porém ainda com a marca da inferioridade nas séries posteriores. Os outros, que não tiveram a mesma sorte, são encaminhados para instituições especializadas (APAE) ou evadem, e, aos poucos, são apagados das lembranças da Classe Especial, pois não foram corrigidos e normalizados.

3.2.2 Representação, currículo e diferença

As Escolas, em geral, quando se deparam com um aluno com características físicas e/ou cognitivas diferenciadas, buscam afirmar ou negar uma identidade através de exame, laudo, diagnóstico psicopedagógico, ou mesmo pela representação construída no âmbito da cultura e da sociedade, que, na maioria das vezes, está apoiada em estereótipos que definem o certo, o errado, o normal e o anormal. A divisão entre anormalidade/normalidade impõe aos sujeitos

inseridos nas práticas sociais e escolares a necessidade de “provar” que estão na normalidade. Essa forma de ver quem não está na chamada normalidade faz com que a identidade seja representada conforme a visão dos que têm o poder de nomear o outro.

Ferre (2011) critica essa representação amparada em diagnósticos e poderes que conceituam a diferença como inferioridade.

“Formam-se assim, em nossas carreiras pedagógicas, profissionais que devem saber a todo o momento a “solução a ser aplicada”, a “resposta a ser dada”, que corte pela raiz toda pergunta. Munidos e munidas com todo tipo de técnicas de diagnóstico e tratamento, e com a certeza de que cada uma pode responder ao caso que ante a si se apresenta [...]”(FERRE, 2011, p.204).

A diferença, como inferioridade, corresponde à representação do sujeito que precisa ser corrigido, enquanto não chegar à performance desejada, permanece em um espaço diferenciado. Por outro lado, a negação e o apagamento da diferença em alguns discursos, contrastam com o que estabelece o currículo formal da escola.

Através de laudos ou trabalhos pedagógicos, características são atribuídas a estes sujeitos e estas são, sempre, comparadas às características dominantes. Desse modo, os “desvios”, ou as identidades que não se enquadram no modelo padrão, são identificados como “diferentes”. Silva (2001, p.25) afirma que a “identidade só se define, entretanto, por meio de um processo de produção da diferença, um processo que é fundamentalmente cultural e social”. A denotação que será dada à diferença pode ser de inferioridade ou superioridade, criando uma hierarquia de prestigio, entre o bom e o ruim. É, também, no currículo da escola, nas relações sociais estabelecidas, que a diferença produz sujeitos e identidades,