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3 A REPRESENTAÇÃO DA DEFICIÊNCIA

3.1 ALGUNS REGISTROS OFICIAIS

Os registros oficiais, seja a legislação vigente ou os documentos das escolas, garantem a matrícula de todos, crianças e adolescentes, sem qualquer restrição. No caso das necessidades educativas especiais, cabe à escola e aos professores buscar formação para adequar a metodologia às especificidades do seu aluno e, assim, o currículo formal e oculto atender às necessidades de um aluno real. É nesse sentido que, para Silva (2001), o currículo é a expressão das nossas concepções do que constitui o conhecimento. É, também, por essa razão que, em algumas situações, a readequação metodológica parece ser uma tarefa difícil, pois a representação de aluno e de escola, para alguns professores ainda está arraigada a orientações legais da década de 1970.

Faço a referência às décadas, devido às mudanças ocorridas nestes últimos quarenta anos no que se refere à educação das pessoas com deficiência a

nível mundial, nacional e local. O Estado do Rio Grande do Sul, em especial, busca, hoje, implantar políticas inclusivas que foram negligenciadas nos governos estaduais anteriores por questões político-partidárias.

Ao analisar documentos como a Constituição Federal de 1988, o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) de 1990, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1996 e a Política Nacional da Educação Especial, na Perspectiva da Educação Inclusiva (2007) tem-se a evidência da dimensão das mudanças que as mesmas, de certa forma, impuseram à escola (BRASIL, 1988; BRASIL, 1990; BRASIL, 1996; BRASIL, 2008).

O documento de 2007 deixa claro que a “educação especial é uma modalidade de ensino que perpassa todos os níveis, etapas e modalidades” (BRASIL, 2008, p.16), ou seja, ela deixa de ser um nível ou modalidade à parte. Ela está presente desde a educação infantil até o Ensino Superior. Também reafirma o compromisso da escola ao apontar o Atendimento Educacional Especializado (AEE) como possibilidade de acesso e permanência das crianças com deficiência na escola regular. Demarca também quem são os alunos que devem ter acesso ao atendimento especial “[...] alunos com deficiência, transtornos globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdotação” (BRASIL, 2008, p.9).

Também orienta, ainda, quanto à função do Atendimento Educacional Especializado (AEE), que deve estar articulado com a proposta pedagógica da escola em que as crianças estão matriculadas, desenvolvendo as habilidades de raciocínio, compreensão e autonomia dos educandos. Se, anteriormente, a criança ou o jovem com deficiência, na opinião de muitos professores, era de responsabilidade apenas do professor da Classe Especial e dos pais, a partir de 2007, ele passa a ser de responsabilidade de toda a escola. O(a) professor(a) do AEE é a ponte pedagógica e o difusor das concepções inclusivas. A política em questão é clara quanto à função, ao público e a sua demanda, porém, ainda desperta dúvidas e desconfiança em alguns(as) professores(as) com a seguinte afirmação: “[...] E os recursos humanos que vai. Para um aluno tem uma

professora a mais, eu dei aula lá e era assim: mais recursos humanos” (Julia, informação verbal).

Diante da necessidade de implantar essas políticas, o Estado do Rio Grande do Sul, através do Conselho Estadual de Educação, orienta, através dos seus pareceres, que as escolas façam as adaptações curriculares e físicas para atender os alunos com necessidades especiais. O Parecer CEED nº. 56/2006, que orienta a implantação das normas regulamentares à Educação Especial no sistema Estadual de Ensino do Rio Grande do Sul, no item 14, afirma: a escola credenciada e autorizada a oferecer qualquer um dos níveis da educação básica, está, automaticamente, autorizada a oferecer esses níveis de ensino na modalidade de Educação Especial. Deve dispor das condições necessárias em termos de recursos físicos, pedagógicos e de pessoal e incorporar em seu projeto pedagógico, traduzido no Regimento Escolar (CONSELHO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO, 2006).

O documento reafirma a necessidade de instrumentalizar o professor da classe regular, sem, necessariamente, exigir que este tenha formação na área da educação inclusiva. A sala de recursos tem o papel de desenvolver as habilidades cognitivas dos alunos nela matriculados, devendo auxiliar na flexibilização do currículo, e, quando necessário, discutir a temporalidade do ano letivo e a organização de um currículo funcional, em parceria com o(a) professor(a) da classe e os gestores.

Em consonância com marcos legais do período, o Parecer do CNE/CEB nº 13/2009 institui as Diretrizes Operacionais para a Educação Especial e orienta que esta seja ofertada nas escolas regulares ou nos centros de atendimento especializado (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA, 2009a).

Na mesma linha de atuação, a Resolução nº 4 de outubro de 2009 (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA, 2009b), que institui Diretrizes Operacionais para o AEE na Educação Básica, modalidade Educação Especial, orienta:

Art. 1º Para a implementação do Decreto nº 6.571/2008, os sistemas de ensino devem matricular os alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação nas classes

comuns do ensino regular e no Atendimento Educacional Especializado (AEE), ofertado em salas de recursos multifuncionais ou em centros de Atendimento Educacional Especializado da rede pública ou de instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas (MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA, 2009b).

Nesses documentos, percebe-se a preocupação, por parte do governo, de implantar ações que garantam o acesso e a permanência de todos na escola. Para tanto, cursos de formação continuada foram e ainda são ofertados, espaços físicos estão constantemente reorganizados e debates calorosos aconteceram em todas as escolas. Porém, não basta discutir a deficiência pelo viés da falta, da necessidade de normalizar ou buscar “para todas as características definitórias da identidade de cada aluno ou aluna com necessidades especiais – e para cada um deles em separado -, o tratamento adequado para interrompê–las [...]” (FERRE, 2011; p.201). Superar essa concepção permite à escola, como afirmam Lopes e Dal´Igna (2012, p.861), “promover fissuras nos modos de vida vigentes e de fornecer as ferramentas para criarmos outras formas de fazer e de viver, mais justas e dignas de ser consigo, e de ser com o outro”.

Anterior a esse período, em que o acesso ao Ensino Regular foi democratizado, principalmente através da legislação, a integração (assim denominada por alguns autores) ocorria amparada pela Lei Federal 5.692/71, que remetia aos Conselhos Estaduais de Educação a incumbência, entre outras questões, de autorizar o funcionamento das Classes Especiais. Nesse período, o Conselho Estadual de Educação do Rio Grande do Sul aprovou a Resolução nº 130/77, que autorizava o funcionamento das Classes Especiais em escolas regulares. O público alvo deveria ter um parecer pedagógico que atestasse as possibilidades de permanecer nestes espaços (BRASIL, 1971; CONSELHO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO, 1977).

O documento permitia a autorização e o funcionamento, porém não representou uma garantia para as famílias ou as crianças com deficiência de frequentar a escola regular. A oferta estava atrelada à presença de um profissional habilitado na escola e à disposição dos gestores em estar atentos às necessidades da comunidade, onde estavam inseridos.

Ao encerrar esta seção, quero registrar que haveria muitos outros documentos, decretos, resoluções que possibilitassem discutir a Educação Inclusiva, mas, para os objetivos deste estudo, essa breve retomada permite entender o lugar de que estamos falando, ou seja, de um espaço de educação formal que possui aparato legal, constantemente modificado ao longo do tempo. Porém, a questão, devido a sua complexidade, não está somente atrelada à orientação legal, mas também ao olhar em relação à diferença e à representação desta como anormal e inferior.

Os mecanismos, vou denominar, desta forma, a Classe Especial e a Sala de Recursos, buscam, em seu tempo, dar outra performance a esta representação. Cada uma, com seus professores e gestores, a partir da construção cultural de que partilham, ou ainda, como denomina Gadamer (1999), da mesma tradição, podem superar pré-julgamentos, preconceitos e construir outra representação, outra identidade e outro currículo.