• Nenhum resultado encontrado

A REPRESENTAÇÃO E PERFORMATIVIDADE NA DIFERENÇA

2 REVENDO INFORMAÇÕES: ESCOLA, CURRÍCULO E

2.3 A REPRESENTAÇÃO E PERFORMATIVIDADE NA DIFERENÇA

Na mesma perspectiva teórica, antes exposta, é necessário compreender que a representação de objetos, ações, pessoas é simbolizada no discurso e está apresentada numa dimensão significante. “A representação – compreendida aqui como uma inscrição, marca, traço, significante e não como um processo mental – é a face visível, palpável, do conhecimento [...]” (SILVA, 2001, p.32).

Logo a identidade e a diferença são representações criadas e compreendidas no meio em que foram formuladas. Nesse sentido, significado e significante não existem um sem o outro; sendo instáveis, sujeitos a alterações.As representações podem ser interpretadas e reinterpretadas, a partir de práticas sociais que, segundo Silva, são também discursivas e visuais.

Nas formulações teóricas de Silva (2001), os discursos e as representações são estratégias de poder do dominador em relação ao dominado. Pode-se dizer que estas estratégias são utilizadas na escola ao pautar o discurso na normalidade/anormalidade, deficiência/eficácia.

Assim, a identidade deficiente é forjada no contexto de relações de poder que representam o sujeito diferente como o “anormal”, o incapaz, aquele a quem falta algo e, em consequência disso, é hierarquicamente inferior.

Silva (2000) cita ainda a teórica Judith Butler e o conceito de identidade performativa, segundo, a qual, a noção de identidade é efeito dos discursos repetitivos, que estão de acordo com a norma socialmente imposta.

Em seu sentido estrito, só podem ser consideradas performativas aquelas proposições cuja enunciação é absolutamente necessária para a consecução do resultado que anunciam. Entretanto, muitas sentenças descritivas acabam funcionando como performativas. Assim, por exemplo, uma sentença como "João é pouco inteligente", embora pareça ser simplesmente descritiva, pode funcionar - em um sentido mais amplo - como performativa, na medida em que sua repetida enunciação pode acabar produzindo o "fato" que supostamente apenas deveria descrevê- lo. (SILVA, 2000, p.29).

Richard Schechner, em entrevista concedida aos professores Gilberto Icle e Marcelo de Andrade Pereira, para a Revista Educação e Verdade, afirma que o papel social que desempenhamos é uma performance. “Cada trabalho e papel social prevê um vestuário, gesto e ações que lhes são peculiares, uma forma de representação, e também um lugar que são encenados” (ICLE; PEREIRA, 2010, p.29). Os espaços sociais e, dentre eles a escola, por meio dos discursos performativos, - com poder de enunciação e, por isso mesmo de produção da representação – definem os lugares que serão ocupados pelos sujeitos, de acordo com as normas e hierarquias determinadas. Dessa forma, a imagem do deficiente, seu comportamento e suas ações são pautadas pelo que se julga pertinente para alguém diferente.

Todavia, na mesma perspectiva, partindo do princípio de que os papéis sociais que desempenhamos geram expectativas da sociedade, os mesmos podem ser reescritos através dos discursos. Turner (1988 apud ICLE; PEREIRA,

2010, p.150), destaca que é necessário “compreender a performance como um modo de redefinição da reinterpretação de regras e relações sejam elas quais forem”.

Exemplo disso são as expressões “surdinho” ou “mudinho”, ambas referindo- se a crianças surdas, o que poderia ser apenas uma característica, a falta da audição, acaba por reforçar pejorativamente a identidade surda, que passa a ser encarada como faltante e coitada. Porém, se a denominação de surdo, ou sujeito surdo for associada à condição linguística e cultural, outra representação será possível.

Acerca da linguagem, Silva (2000) faz referência a Derrida, segundo o qual, quando utilizamos a linguagem para citar, recortar e reescrever sentenças possibilitamos outras e variadas interpretações, pois ela permite que novos entendimentos sejam possíveis.

Conforme os autores Silva (2000) e Butler (2003) a grande possibilidade está em questionar e interromper as citações e instaurar novas identidades para minorias, tais como as pessoas com deficiência.

Quanto à representação da identidade dos que são considerados “desvio da normalidade” e a marca que carregam, os referidos autores conduzem a reflexões sobre uma sociedade em que as relações de poder permanecem e são inevitáveis, pois ocorre em todos os espaços, mas estas poderão existir sem o viés da superioridade e inferioridade.

É sob essa ótica que quero discutir as ações e situações atribuídas às pessoas com deficiência, em especial no ambiente escolar, que deveria, a priori, ser espaço de discussão e reflexão sobre os direitos e a igualdade entre as pessoas.

Quando uma criança com síndrome de down não realiza determinada atividade ou executa alguma ação de forma diferente, esse fato é, imediatamente, relacionado com a sua condição genética, mas, quando se trata de outra criança, sem alterações orgânicas ou genéticas, a situação é entendida como um fato isolado, não é relacionado à identidade da mesma. A produção da performance da

criança com deficiência acaba sendo associada à diferença, incapacidade e inferioridade.

A luta das minorias excluídas, para buscar reconstruir a representação a elas atribuída pela maioria, chegou aos espaços da educação formal e à sociedade, refletindo-se nas políticas de inclusão. A “representação é política, os diferentes grupos sociais e culturais, definidos por meio de uma variedade de dimensões (classe, raça, sexualidade, gênero, etc.), reivindicam direitos à representação e à identidade” (SILVA, 2001, p. 48), isto é, desejam ser sujeitos protagonistas na sociedade que os representa.

Cabe reiterar que as relações de poder definem as identidades normais e hegemônicas, subordinando as demais, por meio de discursos que marcam o outro, diferente, como inferior. No cenário das representações produzidas pela linguagem performativa, as relações sociais destacam e caracterizam somente as que fazem oposição à norma. Felizmente, “as identidades reprimidas reivindicam, não apenas o seu acesso à representação, mas, sobretudo, seu direito a controlar o processo de sua representação” (SILVA, 2001, p. 49). Este processo rejeita discursos que os representam como seres inferiores, incapazes, ou aqueles a quem a sociedade deve dirigir políticas de assistência.

As discussões sobre representações e performatividade possibilitam perceber que a dita unidade e pureza quanto à identidade são produções culturais, sujeitas a alterações e mudanças, inclusive através do currículo das escolas. Refletir, discutir e avaliar representa a possibilidade de outra narrativa quanto à pessoa com deficiência; uma narrativa, desprovida piedade, benevolência, assistencialismo, mas que represente uma proposta de mudança, em que o diferente seja visto e narrado na sua diferença, porém sem adjetivos que conferem limitações. Se há essa possibilidade ela pode ser viabilizada pela escola, pelo seu currículo e formas de acessibilidade como Classes Especiais (em um primeiro momento) e, mais recentemente, através das Salas de Recursos Multifuncionais.

2.4 CURRÍCULO FORMAL E CURRÍCULO OCULTO: PRODUZINDO