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A ESCOLA E A VISIBILIDADE DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA NA

2 REVENDO INFORMAÇÕES: ESCOLA, CURRÍCULO E

2.1 A ESCOLA E A VISIBILIDADE DA PESSOA COM DEFICIÊNCIA NA

No período do Brasil Colonial (1500–1822), a população era composta basicamente de um lado, por uma elite agrária (latifundiários) e, do outro lado, por

escravos ou pessoas livres em condições sociais inferiores que viviam no campo e na cidade.

A elite, em algumas regiões, tinha acesso à educação formal, instituída pelos padres jesuítas, que vieram para o Brasil no Primeiro Governo Geral (1549). No primeiro momento, os jesuítas preocuparam–se em evangelizar e educar os índios, posteriormente, a intenção abarcou também os brancos, preferencialmente meninos, para que fossem alfabetizados e instruídos na fé cristã.

A atividade pedagógica estava pautada na autoridade dos padres e da igreja, na transmissão da cultura europeia baseada na memória e na retórica. Inovação e criatividade eram fustigadas, pois fugiam ao controle da instituição. A preocupação estava centrada em construir sujeitos obedientes, religiosos e submissos à vontade de Deus.

O advento do movimento iluminista e as diferentes posições dos pensadores, entre eles a do despotismo esclarecido, orientaram o Marquês de Pombal a expulsar os jesuítas do Brasil. E a educação passou, então, a ser responsabilidade do Estado. Este fato, porém, não representou avanços quanto ao acesso do povo à escola, uma vez que esta permanece restrita às elites, excluindo negros, mulheres, pobres e pessoas com deficiências, entre outros. Como afirma Jannuzzi (2006, p.16), a “educação popular, e muito menos a dos deficientes, não era motivo de preocupação”.

Cabe lembrar, que em uma sociedade agrária, em que poucos tinham acesso à educação formal, as escolas eram escassas e a ausência de educadores e médicos era regra e não excessão, logo, era impossível a classificação das deficiências. Eram considerados como tais os sujeitos que apresentavam características físicas que evidenciavam a sua condição como os cegos, os surdos e os sujeitos que tinham dificuldade motora ou alteração no corpo ou no rosto.

Dependendo das circunstâncias e da família, os identificados como “loucos” e alienados eram “recolhidos em algumas instituições” (JANNUZZI, 2006, p.16), como asilos, hospitais psiquiátricos, misturados com pessoas adultas que apresentavam doenças psicológicas. Fica evidente a relação entre educação do

deficiente e medicina corretiva, bem como a confusão de doença mental e deficiência.

Em outras situações, a pessoa com deficiência era escondida pela família, ou aprisionada, evitava-se que tivesse contato com vizinhos, amigos e sociedade, resguardando o núcleo familiar de qualquer anormalidade. Infelizmente, este problema ainda não foi totalmente superado. Apesar de não fazer parte dos relatos coletados, muitas profissionais da rede estadual, com as quais me deparei, afirmam que ainda ocorrem casos de isolamento e de negação do acesso ao ensino formal de crianças com deficiência. Isso evidencia que persiste essa prática absurda e desumana, em que os responsáveis legais escondem e negam a possibilidade de o sujeito com deficiência constituir-se como e enquanto pessoa.

Embora o tema da educação pública estivesse presente, desde a primeira Constituição Brasileira, em 1824, a história nos mostra que, até meados do século XX, mais de 50% da população brasileira estava excluída desse benefício, especialmente os trabalhadores rurais, os negros (escravos e seus descendentes), as mulheres e, naturalmente, os deficientes. A essas pessoas, que não tinham acesso à escrita, à leitura e aos números; era negada qualquer possibilidade de buscar curso superior, mesmo como oficial do exército, engenheiro militar, médico e advogado (para as classes intermediárias), uma vez que “o diploma exercia a função de enobrecimento humanístico, cada vez mais se distanciavam do trabalho físico maculado pelo sistema escravista” (ARANHA, 1996, p.153). Esse contexto é responsável pelos índices alarmantes de analfabetismo que, no ano de 1920 “chegava a 60,14%” (ARANHA, 1996, p.155).

As classes populares e as pessoas que apresentavam dificuldades de aprendizagem, por diversos motivos, certamente se encaixam nesse percentual, até porque os primeiros cursos para formar profissionais da educação duravam, em média, dois anos e não há registros de que nesses cursos houvessem discussões teóricas e ou metodológicas. Em algumas regiões, o professor era a pessoa da comunidade que tinha conhecimento de leitura, escrita e cálculo.

Friso novamente que a escola era uma possibilidade apenas para as elites, para moradores dos centros urbanos que, por algum motivo, tinham acesso ao

saber e, ainda, para pequenas comunidades de origem europeia que organizavam sua escola através da igreja.

Em razão dos importantes acontecimentos do século XX, como Primeira Guerra Mundial, Socialismo, Crise Mundial do Capitalismo, Nazismo, Fascismo, Segunda Guerra Mundial e, no Brasil, o advento da República Positivista, bem como a industrialização, tornou-se necessário mão de obra instrumentalizada, o que influenciou, definitivamente, as propostas educacionais que preconizam uma escola pública, laica, gratuita e obrigatória. Esta necessidade possibilita o acesso de todos à escola pública e, em consequência, o exercício da cidadania, direito que, após décadas, ainda não foi completamente adquirido.

Porém, essa mudança de paradigma quanto à educação formal - antes restrita às elites ou a alguns poucos que tinham acesso ao ensino privado - e agora reconhecida como compromisso do Estado com a escola pública e gratuita - passa a ser vista como a possibilidade de ascensão social, para aqueles, cujo ambiente familiar, cor da pele e características físicas e psicológicas não atendiam ao padrão esperado.

Todavia, os movimentos sociais do final da década de 1950 e início de1960, no seio dos quais nasceram os princípios da Pedagogia Libertadora de Paulo Freire, embora sufocados pela ditadura Militar, deixaram marcas que impulsionaram a demanda pela escola pública e o acesso de todos à educação formal. As mudanças sociais e econômicas provocadas pela sociedade industrial e pela expansão do capitalismo globalizado impuseram, também, o crescimento da rede escolar e a possibilidade de acesso de todos à escola pública.

Os documentos oficiais, bem como as ações efetivadas, evidenciam que, nas décadas de 70, 80 e início da década seguinte, o Brasil preocupava-se em possibilitar o acesso à educação de todas as pessoas que desejavam estudar, porém, às elites estava reservada uma escola propedêutica e o acesso ao ensino superior, enquanto às classes trabalhadores restava o conhecimento raso e a organização e disciplinamento para o trabalho.

Pode-se concluir, assim, que, desde os últimos anos do século XX, a escola pública brasileira foi alvo de políticas e reformas que, não somente ampliaram as

possibilidades de acolher a toda a população, mas também reconheceram os direitos das pessoas com deficiência a uma educação escolarizada e à inclusão social.

Ao longo desse período, as escolas são permeadas por diversas propostas pedagógicas, como: pedagogia tecnicista, escola nova e pedagogia histórica crítica. Porém, apesar dos esforços de alguns setores da sociedade e do governo, estas não conseguiram sanar os altos índices de analfabetismo, evasão, repetência e seletividade presentes até a atualidade no Rio Grande do sul, bem como nos demais Estados Brasileiros. Exemplo disso são os índices de abandono e reprovação no Rio Grande do Sul que, somados, no ano de 2011, chegam a 30,8% das matrículas iniciais, segundo dados da Secretaria Estadual de Educação. Nesse mesmo período, o país tinha 166,8 mil analfabetos entre 15 e 17 anos. Somente 89,0% da população de seis anos de idade frequentam a escola (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2012). O Programa Brasil Alfabetizado e a reestruturação do Ensino Médio Politécnico no Estado do Rio Grande do Sul têm como objetivo alterar os índices de evasão e repetência.

A partir desses esclarecimentos, questiona-se: As escolas públicas estaduais conseguem ser inclusivas? Por que a escola continua a enfrentar o “sair” ou o “não fazer parte” de inúmeros jovens e crianças? E ainda, por que não conseguimos atender a todos indistintamente?

Questões como essas permanecem sem respostas, porém, as escolas continuam a pautar o seu funcionamento em ensinar conteúdos disciplinares às crianças, torná-las obedientes, responsáveis, contidas e transformá-las no que não eram antes e, assim, convertê–las no que a sociedade deseja: sujeitos normais ou o mais próximo possível disso. São ações e posicionamentos perceptíveis na organização do espaço da escola que, também, traduz a intencionalidade do currículo, ou seja, manter um espaço escolar em que o controle dos corpos permaneça sobre os olhares vigilantes dos professores e educadores e, assim, tentar moldar pensamentos e ações na invenção de uma mesmidade.

Ao perseguir a mesmidade dos sujeitos que a compõe, busca corrigir as identidades reforçadas pela diferença. A impossibilidade dessa proposição, pois nem tudo é como se propõe, permite à escola debater quanto à sua função na sociedade em que está inserida e causar fissuras na representação dela mesma.

2.2 IDENTIDADES DESCONEXAS E DIVERGENTES NA ESCOLA: UM