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Márcio Bahia e a "Escola do Jabour"

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ARTES

FABIO BERGAMINI

MARCIO BAHIA E A “ESCOLA DO JABOUR”

CAMPINAS

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ARTES

FABIO BERGAMINI

Márcio Bahia e a “Escola do Jabour”

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Música do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Mestre em Música, na Área de Concentração: Práticas Interpretativas.

Orientador: Prof. Dr. Fernando Augusto de Almeida

Hashimoto

Este exemplar corresponde à versão final de Dissertação defendida pelo aluno Fabio Bergamini, e orientado pelo Prof. Dr. Fernando Augusto de Almeida Hashimoto.

_________________________________

CAMPINAS 2014

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Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas Biblioteca do Instituto de Artes

Eliane do Nascimento Chagas Mateus - CRB 8/1350

Bergamini, Fabio, 1975-

B452m Márcio Bahia e a "Escola do Jabour" / Fabio Bergamini. – Campinas, SP : [s.n.], 2014.

Orientador: Fernando Augusto de Almeida Hashimoto.

Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes.

1. Bahia, Marcio, 1958-. 2. Instrumentos musicais - Bateria. 3. Percussão. 4.

Performance. 5. Música popular. I. Hashimoto, Fernando Augusto de Almeida,1972-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Artes. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Marcio Bahia and the "School of Jabour" Palavras-chave em inglês:

Bahia, Marcio, 1958-

Musical instruments - Drum set Percussion

Performance Popular music

Área de concentração: Práticas Interpretativas Titulação: Mestre em Música

Banca examinadora:

Fernando Augusto de Almeida Hashimoto [Orientador] Hermilson Garcia do Nascimento

Daniel Marcondes Gohn

Data de defesa: 29-08-2014

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vii Resumo

Este trabalho visa investigar a performance musical do músico Márcio Villa Bahia, focando o período de 1981 a 1993, quando este passou a integrar o grupo do músico Hermeto Pascoal. A partir das entrevistas, transcrições e análises de trechos dos cinco discos gravados nesse período, procuramos identificar as principais características e peculiaridades nas performances de Márcio Bahia dentro desse contexto. Durante esse período de doze anos, Márcio Bahia teve uma intensa convivência com Hermeto e seu grupo – formado por Jovino Santos, Carlos Malta, Itiberê Zwarg e Pernambuco – numa intensa “jornada” de experimentações, ensaios, shows e estudos musicais. Essa espécie de “laboratório” musical foi chamada por Hermeto e pelos próprios integrantes do grupo de “Escola do Jabour”.

Abstract

This work aims to investigate the musical performance of the musician Márcio Bahia Villa, focusing on the period from 1981 to 1993 when he joined the ensemble of the musician Hermeto Pascoal. We tried to identify the main features and peculiarities in his performances within the group by interviews, analysis of transcripts and excerpts of the five albums recorded by the group during this period. Márcio Bahia had an intense relationship over twelve years with Hermeto and his group – formed by Jovino Santos, Carlos Malta, Itiberê Zwarg and Pernambuco – in an intense "journey" of trials, rehearsals, shows and musical studies. This kind of musical "laboratory" was called by Hermeto and by the members of the group "School of Jabour".

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ix Sumário

Introdução...1

Capítulo 1. A trajetória de Márcio Bahia...8

1.1 O início e as principais referências...9

1.2 Os estudos: Sérgio Murilo e Edgar Nunes Rocca (Bituca)...19

1.3 A escola do Jabour...23

Capítulo 2. Estudo Interpretativo...28

2.1 Aspectos específicos da bateria e da técnica de Márcio Bahia...28

2.2 As interpretações do samba e do choro na bateria...36

2.3 A leitura musical como diferencial na performance de Bahia e as peças escritas para a bateria...67

2.4 As interpretações dos ritmos do Nordeste brasileiro na bateria (baião, xaxado, xote, frevo e maracatu) ...91

2.5 As performances de Márcio Bahia nos compassos ímpares...109

2.6 A “Música Universal” de Hermeto Pascoal e as peculiares interpretações de Márcio Bahia...117

Considerações finais...132

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Para Graziela Bergamini, Luli e Léo, com todo meu amor...

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xiii Agradecimentos

Ao Professor Fernando Hashimoto, pela paciência e amizade. Ao grande músico que inspirou esse trabalho: Márcio Bahia. Aos queridos Jovino Santos e André Marques.

À Graziela Bergamini por todo o suporte e incentivo.

Aos amigos: Lucas Casacio, Budi Garcia, Daniel Gohn, Daniela Vecchia, Otavio Galli, Rubinho Antunes, Sidney Ferraz, Fabio Augustinis, Paulinho Ronqui, Zé Alexandre, Jayme Pladevall, Antonio Dias (Nanah), Ricardo Matsuda, Aquiles Faneco, Gustavo Scaranello, Juan Megna, Guilherme Marques, Andrés Zuñiga, Raphael Gonçalves, Leandro Barsalini, Martin Lazarov, Emilio Martins, Ricardo Zhoyo, Martina Marana, Helio Cunha, Daniel Pezim, Jorge Schoroeder, Tatiana Ubinha, Adriana Mendes, Ivan Corilow, Julio Caliman, Flávio Corilow, Vagner Concon, Thito Camargo, Claudio Oliveira, Ari Colares, Elaine Menezes e a todos que contribuíram para esse projeto.

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xv Lista de Figuras e Tabelas

Figura 1: Notação da bateria utilizada na dissertação...7

Figura 2: Transcrição da linha de bateria da música Far More Blues executada por Joe Morello...12

Figura 3: Trecho dos oito primeiros compassos da bateria da música Sorrindo (Hermeto Pascoal e Grupo de 1982)...39

Figura 4: Dois primeiros compassos da bateria da música Sorrindo...40

Figura 5: Levada de tamborim “Teleco-teco” retirada do Livro Didático do Projeto Guri, pg 44, escrito por Ari Colares...40

Figura 6: Levada básica de pandeiro Livro Didático Projeto Guri...40

Figura 7: Levada de samba retirada da Apostila de Ritmos Brasileiros escrita por Márcio Bahia...41

Figura 8: Idem...41

Figura 9: Trecho dos oito primeiros compassos da bateria com a melodia da música Sorrindo...43

Figura 10: Exemplo de Samba Partido Alto retirado da “Apostila de Ritmos Brasileiros de 2003” escrita por Márcio Bahia...44

Figura 11: Trecho final da bateria na música Sorrindo...45

Figura 12: Trecho dos oito primeiros compassos da bateria da música Salve, Copinha...49

Figura 13: Exemplo de Samba retirado da “Apostila de Ritmos Brasileiros” de Márcio Bahia...49

Figura 14: Trecho dos quatro primeiros compassos da melodia e bateria da música Salve Copinha...50

Figura 15: Levada de bateria da música Intocável...50

Figura 16: Primeira frase da melodia e a bateria da música Intocável...51

Figura 17: Padrão básico de bateria usado na música Canção da Tarde...51

Figura 18: Representação do ritmo do violão de João Gilberto na música Chega de Saudade, de 1959...51

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xvi

Figura 20: Transcrição dos primeiros seis compassos da música Aquela Coisa ...56

Figura 21: Transcrição dos compassos de 7 à 12 da música Aquela Coisa...56

Figura 22: Transcrição do compasso 13 ao 18 da música Aquela Coisa...57

Figura 23: Transcrição dos quatro primeiros compassos da música Rebuliço...59

Figura 24: Trecho da bateria da segunda repetição da parte A (A2) da música Rebuliço...60

Figura 25: Padrões de maxixe retirados da “Apostila de Ritmos Brasileiros” de Márcio Bahia...60

Figura 26: Transcrição da parte B da música Rebuliço...61

Figura 27: Trecho dos doze primeiros compassos da parte em samba da música Peneirando Água...62

Figura 28: Legenda (bula) do surdo...62

Figura 29: Levada de surdo de samba retirada do livro Batuque é um Privilégio de Oscar Bolão de 2003...62

Figura 30: Transcrição dos 6 primeiros compassos da música Ginga Carioca (bateria, surdo, baixo, piano e melodia)...63

Figura 31: Transcrição dos compassos de 7 a 12 da música Ginga Carioca (bateria, surdo, baixo, piano e melodia)...64

Figura 32: Trecho final em 7/8 da música Ginga Carioca...65

Figura 33: Primeiro ostinato da bateria da música Magimani Sagei...69

Figura 34: Segundo ostinato de bateria da música Magimani Sagei...70

Figura 35: Linha de contrabaixo da música Magimani Sagei...70

Figura 36: Terceiro ostinato da bateria da música Magimani Sagei...70

Figura 37: Frases de flauta no primeira exposição do tema da música Magimani Sagei...71

Figura 38: Quarto ostinato de bateria da música Magimani Sagei...71

Figura 39: Quinto ostinato de bateria da música Magimani Sagei...71

Figura 40: Sexto ostinato de bateria da música Magimani Sagei...72

Figura 41: Sétimo ostinato de bateria da música Magimani Sagei...72

Figura 42: Melodia da flauta construída sobre o sétimo ostinato da música Magimani Sagei...73

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Figura 44: Trecho da transcrição (feita por mim) dos primeiros quatro compassos da música

Mestre Radamés...77

Figura 45: Primeira página do manuscrito de Márcio Bahia da música Mestre Radamés...78 Figura 46: Trecho da grade feita por Jovino Santos da música Mestre Radamés...79 Figura 47: Trecho da grade feita por Jovino Santos da música Série de Arco (compasso 33 ao 37)...84 Figura 48: Trecho da grade feita por Jovino Santos da música Série de Arco (compasso do 67 e 68)...86 Figura 49: Trecho da grade feita por Jovino Santos da música Série de Arco (compasso do 69, 70 e 71)...87 Figura 50: Trecho da grade feita por Jovino Santos da música Série de Arco (compasso do 74 e 75)...87 Figura 51: Trecho da grade feita por Jovino Santos da música Série de Arco (compasso do 81 ao 83)...88 Figura 52: Alfaia de maracatu, baque de Malê, retirado do livro O Zabumba Moderno de Éder Rocha...88 Figuras 53 e 54: Grooves lineares retirados do livro de Gary Chafee Linear Time Playing...89 Figura 55: Groove linear feito por Márcio Bahia na música Série de Arco...90 Figura 56: Introdução da música Lá na Casa da Madame eu vi, bateria e contrabaixo...91 Figura 57: Trecho dos oito primeiros compassos da parte A da música Lá na casa da madame

eu vi...92

Figura 58: Levada básica de Baião retirada da “Apostila de Ritmos Brasileiros 2003”...93 Figura 59: Legenda do Zabumba...93 Figura 60: Quatro levadas de zabumba retiradas do livro Zabumba Moderno de Éder Rocha (página 28, 29)...93 Figura 61: transcrição dos quatro primeiros compassos da parte B da música Lá na Casa da

Madame eu vi...94

Figura 62: Levada da parte B2 da música Lá na casa da Madame eu vi...94 Figura 63: Introdução da música Papagaio Alegre, baixo e bateria, (compassos de 1 a 4)...95

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Figura 64: Introdução da música Papagaio Alegre, bateria e baixo, (compassos do 5 ao

8)...95

Figura 65: Levada de bateria da parte A da música Papagaio Alegre...96

Figura 66: Melodia da parte A da música Papagaio Alegre...96

Figura 67: levada da parte A da música Spock na escada...97

Figura 68: Levada da parte B da música Spock na escada...97

Figura 69: levada básica da parte A da música De sábado para Dominguinhos...98

Figura 70: Levada básica da parte B da música De sábado para Dominguinhos...99

Figura 71: Quatro levadas de xaxado do livro Zabumba Moderno de Éder Rocha...101

Figura 72: Trecho da Introdução da música Sempre Feliz do álbum Brasil Universo de 1986...102

Figura 73: Transcrição dos oito primeiros compassos da parte A da música Sempre Feliz...102

Figura 74: Triângulo, agogô e bateria da música O tocador quer beber...103

Figura 75: Transcrição dos quatro primeiros compassos da parte A da música Novena, contendo sobreposição de duas linhas de prato à dois sobre a linha de bateria...104

Figura 76: Levada de Xote na zabumba retirada do livro Zabumba Moderno de Éder Rocha 2005...105

Figura 77: Levada de xote de Márcio Bahia na música Candango...105

Figura 78: Transcrição dos dez primeiros compassos da música Candango, contendo a melodia, o triângulo e a bateria...105

Figura 79: Legenda do pandeiro e do surdo...107

Figura 80: Levada básica de frevo da música Rancho das Sogras contendo pandeiro, surdo e bateria...108

Figura 81: Levada de frevo no prato...108

Figura 82: Levada básica da música Quiabo...109

Figura 83: Padrões de ritmos brasileiros em outras métricas...111

Figura 84: Levada da música De bandeja e Tudo em 7/8...112

Figura 85: Transcrição dos dez primeiros compassos da música De bandeja e Tudo...113

Figura 86: Transcrição do arpejo de piano, a levada básica da bateria e o primeiro motivo melódico da música Zurich...115

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Figura 87: Levada de zabumba da música O Galo do Airam...116 Figura 88: transcrição dos quatro primeiros compassos da música Ilha das Gaivotas por Lucas Casacio...118 Figura 89: Melodia, bateria e harmonia da primeira parte da música A Taça...121 Figura 90: Levada de Jazz waltz retirada do livro The Art of Bop Drumming de John Riley (1994)...122 Figura 91: Transcrição da parte B da música A Taça, contendo a melodia, a bateria e os acordes...123 Figura 92: Transcrição da segunda exposição do tema A da música A Taça, com reagrupamento rítmico...123 Figura 93: Levada de baião no trecho final da música A Taça...124 Figura 94: Dois primeiros compassos da Introdução da música Rainha da Pedra

Azul...125

Figura 95: Transcrição dos quatro primeiros compassos da música Canção no Paiol em

Curitiba...126

Figura 96: Transcrição dos oito primeiros compassos da música Cores, do álbum Hermeto Pascoal e Grupo, de 1982...127 Figura 97: Levada de bateria da música Cores contendo sobreposição de camadas, polirritmia e polimetria...127 Figura 98: Ostinato de bateria da música Cores...128 Figura 99: Introdução da música Fazenda Nova. Sobreposição da levada em dois sobre o compasso 7/8...129 Figura 100: Levada da bateria na música Arapuá...130

Tabelas

Tabela 1: Tabela com os cinco discos de Hermeto Pascoal, as sessenta e sete músicas e o número referente ao grupo de análise em que cada música foi abordada...4 Tabela 2: Tabela com a estrutura rítmica da primeira parte da música Ginga Carioca...63

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1 Introdução

Márcio Bahia tem uma trajetória muito particular na história da bateria brasileira. Podemos basear essa afirmação em três fatores que têm impacto direto nas peculiaridades de sua performance: 1. O início de sua carreira como baterista de rock, sobretudo o rock

progressivo; 2. A formação musical dentro do campo da percussão erudita; e 3. A vivência

de mais de doze anos de trabalho ao lado de Hermeto Pascoal e seu grupo, experienciando uma rotina praticamente diária de ensaios, estudos, experimentações e concertos. É sobre esse período – o qual chamamos aqui de “Escola do Jabour” – que foi cerceado o foco desta pesquisa.

É importante lembrar que esta dissertação faz parte das pesquisas realizadas pelo grupo de estudos da Unicamp denominado “Percussão Brasileira: histórico, estudo interpretativo e seu repertório”, coordenado pelo professor Fernando Hashimoto, e está em diálogo direto com outros trabalhos do grupo, como a pesquisa de Guilherme Marques

(2013), de Lucas Casacio (2012) e de Leandro Barsalini (2009).

Cada um desses trabalhos aborda a trajetória de alguns dos principais bateristas brasileiros, dentre eles Airto Moreira, Helcio Milito, Luciano Perrone e Edison Machado. Se fizermos uma comparação, em linhas gerais, entre o histórico de Márcio Bahia e a trajetória musical dos bateristas citados acima, podemos dizer que Márcio tem um caminho ímpar na história da bateria brasileira. O histórico de vida de Bahia, sua formação musical e sua vivência no grupo de Hermeto Pascoal, contribuíram para uma abordagem muito peculiar sobre como tocar o instrumento, com destaque para: 1) sua técnica e independência de membros muito apuradas (Four Way Coordination); 2) sua preocupação por gerar uma sonoridade limpa e definida do instrumento; 3) seu profundo conhecimento e fluência nos ritmos brasileiros; e 4) uma leitura musical muito desenvolvida.

Como dito anteriormente, o objeto de estudo desse trabalho é a performance musical do baterista Márcio Bahia, dentro do grupo de Hermeto Pascoal, no período que vai desde sua entrada em 1981 até o ano de 1993, quando o grupo mudou sua configuração e não mais utilizou uma sistemática de práticas e ensaios que caracterizaram o período anterior. Essa mudança permitiu, inclusive, que Márcio Bahia começasse a participar de outros projetos, a tocar com outros artistas e a desenvolver seu próprio trabalho. Essa convivência diária entre

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os membros do grupo que tinham como meta o aprimoramento musical, tanto individual quanto coletivo, ocorreu na casa de Hermeto Pascoal, que ficava no bairro do Jabour, zona norte do Rio de Janeiro. É por essa razão que os músicos do grupo e o próprio Hermeto Pascoal descrevem ou definem esse período como sendo literalmente uma escola: a “Escola do Jabour”.

Foram cinco os discos gravados durante esse período. São eles: 1. Hermeto Pascoal & Grupo. Som da Gente, SDG 010/92, 1982; 2. Lagoa da Canoa - Município de Arapiraca. Som da Gente, SDG 011/92, 1984; 3. Brasil Universo. Som da Gente, SDG 012/93, 1985; 4. Só não toca quem não quer. Som da Gente, SDG 001/87, 1987; 5. Festa dos Deuses. Polygram, PLGBR 510 407-2, 1992.

Esses cinco discos, juntamente com as entrevistas, são as principais fontes de pesquisa para esse trabalho. A pesquisa estará dividida em três partes:

1. O levantamento biográfico de Márcio Bahia, investigando sua formação musical, suas principais referências, sua experiência profissional antes de entrar para o grupo de Hermeto e seu desenvolvimento musical dentro desse. A principal fonte de pesquisa para essa primeira parte foram as entrevistas cedidas por Márcio Bahia, tanto a feita por mim (juntamente com Lucas Casacio em Belo Horizonte em agosto de 2013), quanto algumas encontradas na internet e em trabalhos acadêmicos. Dividimos esse primeiro capítulo em três partes: 1.1. O início e as principais referências; 1.2. Os estudos: Sérgio Murilo e Bituca; 1.3. A “Escola do Jabour”.

2. O Estudo Interpretativo baseado nas transcrições e análises de trechos musicais retirados dos cinco primeiros discos gravados por Márcio junto ao grupo. Como introdução a essa segunda parte, fizemos um levantamento de aspectos característicos da bateria de Márcio Bahia, como a afinação, peles, medida dos tambores e alguns aspectos técnicos que influenciam diretamente em suas performances. O recurso metodológico utilizado para essa parte da pesquisa foi a escuta e transcrição de trechos relevantes para a identificação das principais características das performances de Bahia, cujos elementos peculiares foram confrontados com as informações coletadas nas entrevistas. Partindo desse ponto, deu-se a busca por um respaldo teórico que desse suporte para o aprofundamento das discussões levantadas em cada tópico. Dentre os principais materiais utilizados como referencial teórico estão: livros

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e trabalhos que tratam de transcrição e linguagem específica de bateria e percussão, livros de teoria musical que nos serviram para as definições de conceitos e, ainda, dissertações e teses que poderiam dialogar com esse trabalho. Os principais livros de referência serão apontados mais abaixo, no descritivo dos procedimentos e critérios utilizados nas análises.

3. As considerações finais, ressaltando os pontos principais levantados pela pesquisa, tanto os que se referem à trajetória de Márcio Bahia como músico, quanto às características peculiares da sua performance.

O recorte e a organização das transcrições e análises foram feitos a partir da escuta minuciosa dos cinco discos gravados nesse período. A partir dessa escuta, organizamos a análise seguindo cinco tipos recorrentes de interpretação: 1. As interpretações do samba e do choro na bateria; 2. As interpretações das peças escritas para a bateria (considerando a leitura e a escrita musical como diferencial na performance de Bahia); 3. As interpretações dos ritmos do Nordeste brasileiro na bateria (baião, xaxado, xote, frevo e maracatu); 4. As performances de Márcio Bahia nos compassos ímpares; 5. A “Música Universal” de Hermeto Pascoal e as peculiares interpretações de Márcio Bahia.

Foram ouvidas todas as 67 músicas contidas nos cinco discos gravados durante o período da “Escola do Jabour”. Ficaram de fora das análises as músicas que não incluíam a bateria (25 músicas), restando-nos 42 músicas. Vejamos na tabela abaixo os cinco discos, as 67 músicas gravadas pelo grupo nesse período e o número do grupo de análise em que cada música foi inserida, seguindo os tipos de interpretação citados acima:

TABELA de DISCOS DO HERMETO PASCOAL (De 1981 a 1993)

Hermeto Pascoal e Grupo (1982) Lagoa da Canoa- Município de Arapiraca (1984) Brasil Universo (1985)

Só não toca quem não quer

(1987)

Festa dos Deuses

(1992) Sorrindo 1 Ilza na Feijoada 3 Mentalizand o a Cruz Sem bateri a De sábado para Dominguinho s 3 O Galo do Airan 4 *Magima ni Sagei 2 Santa Catarina Sem

bateria Surpresa 1 Meu Barco

Sem bateri a A Rainha da Pedra Azul 5 Lá na casa da 3 Tiruliruli Sem

bateria Peixinho 5 Viagem 5

Viajando pelo Brasil 3

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4 madame eu vi De bandeja e tudo 4 Papagaio Alegre 3

Era pra ser

e não foi 5 Zurich 4

O Farol que nos guia Sem bateri a Série de Arco 2 Vai mais, garotinho Sem bateria Crianças Sem bateri a O Correio Sem bateri a Pensament o Positivo Sem bateri a Novena 3 Monte Santo Sem bateria O tocador

quer beber 3 Intocável 1

Peneirand o a água 1 e 5 Moreneid e (Heraldo do Monte) 5 Spock na

Escada 3 Arapuá 5 Flávia

Sem bateri a Canção no Paiol em Curitiba 5 Cores 5 * Mestre Radamés 2 Salve, Copinha! 1 Candango 3 Aula de Natação Sem bateri a A Taça 5 *Aquela Coisa 1 Nem dá pra dizer Sem bateri a Suíte mundo grande 3 ou 5 Três Coisas Sem bateri a Briguinha de músicos malucos no coreto 5 Frevo em Maceió 3 Sempre feliz 3 Parnapuã Sem bateri a Irmãos latinos 3 e 5 Desencontr o certo Sem bateria Calma de repente Sem bateri a Canção da Tarde 1 Depois de baile 1 e 5 Mente Clara Sem bateri a Quando as aves se encontram Sem bateri a Ilha das Gaivotas 4 Round Midnight Sem bateri a Rebuliço 1 Fazenda Nova 4 e 5 Convento Sem bateri a Ginga Carioca 1 Quiabo 3 Chapéu de Baeta Sem bateri a Menina Ilza Sem bateri a Garrote Sem bateri a Rancho das Sogras 3

Tabela 1. Tabela com os cinco discos de Hermeto Pascoal durante o período analisado, contendo as 67 e o número indicativo referente ao grupo de análise em que cada música foi abordada.

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5

Durante o levantamento biográfico de Márcio Bahia ficou evidente a escassez de dados disponíveis para o desenvolvimento dessa pesquisa. Deste modo, optamos pela realização de entrevistas para a coleta de dados e informações sobre a trajetória do músico. A principal delas foi a entrevista não diretiva1 ou semiestruturada, com o próprio Márcio, realizada em Belo Horizonte, em agosto de 2013, onde colhemos aproximadamente cinco horas de gravação, incluindo trechos de suas performances na bateria, assim como o relato propriamente dito. Foram também realizadas outras entrevistas complementares, semiestruturadas, com Jovino Santos, em janeiro de 2014, e com André Marques, em abril de 2014. Essas entrevistas serviram para esclarecer ou confirmar determinados dados, informações, conceitos, opiniões ou fatos relatados anteriormente por Márcio Bahia. Portanto, as fontes primárias nesse trabalho são, em grande parte, constituídas principalmente pela transmissão oral de conhecimento.

Vale ressaltar que as pesquisas acadêmicas no campo da música popular no Brasil ainda são relativamente incipientes, principalmente em relação à bateria, fato que justifica a busca de fontes primárias nas entrevistas. Como cita Guilherme Marques em sua dissertação de mestrado:

O uso da história oral com fonte primária de dados para a pesquisa é ainda uma contingência no caso de muitas das pesquisas desenvolvidas no campo da música popular. A carência de dados e informações que ainda estão armazenadas com os protagonistas da história (fontes primárias) é um reflexo direto de quão jovem é a pesquisa em música no Brasil. (MARQUES, 2013, p.24).

Para citar alguns dos referenciais teóricos utilizados nessa pesquisa, podemos começar com o livro do inglês Paul Thompson, A Voz do Passado (1978), que utilizamos como base para o desenvolvimento do primeiro capítulo. Para as análises do segundo capítulo, utilizamos como principal referencial metodológico os livros do baterista norte-americano John Riley, sobretudo o Beyond Bop Drumming, no qual o autor transcreve trechos

1 Segundo Antonio Joaquim Severino, no livro Metodologia do Trabalho Científico, entrevistas não diretivas

são aquelas em que o entrevistador colhe as informações do sujeito a partir de seu discurso livre, só intervindo discretamente para, eventualmente, estimular o depoente a falar de determinado assunto.

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6

de gravações feitas por grandes nomes do jazz. Vejamos o trecho em que Riley descreve a forma como lida com as transcrições:

(…) transcrições são apenas o que um instrumentista em particular fez em relação ao que os outros músicos fizeram numa dada gravação. Para mim, uma das razões pelas quais os grandes instrumentistas são o que são, é porque sua performance está em constante evolução e sempre sendo refinada. A transcrição não pode definir o estilo de alguém; é apenas um momento de música preservada em papel para que possamos refletir sobre ela em nosso próprio ritmo2. (RILEY, 1997, p.12)

Discutiremos, ao longo dessa dissertação, alguns aspectos relevantes relacionados ao universo temático da bateria, como técnicas, métodos, concepções, conceitos e abordagens do instrumento. Para isso, recorremos a diversos livros de referência dentro do campo específico da bateria como o The New Breed, de Gary Chester, e o Rhythmic Illusions, de Gavin Harrison.

Ao tratar da “interação” entre os instrumentistas em performance, utilizamos como principais referências os livros Thinking in Jazz (1994), do pesquisador norte- americano Paul F. Berliner, o livro Saying Something (1996) de Ingrid Monson e ainda Making Music

Together de Alfred Schutz (1964). Apesar de não serem citados explicitamente ao longo do

texto, esses livros serviram de base para as questões que foram levantadas acerca desse assunto.

Como ideia central para a escrita do trabalho, baseamo-nos sempre na hipótese de que Márcio Bahia – com sua formação em música erudita, sua leitura apurada e sua acuidade sonora e técnica, juntamente com sua vivência dentro do grupo de Hermeto ao longo desses doze anos – desenvolveu uma performance diferenciada e muito peculiar, possibilitando

2“Transcriptions are only of what a particular player did in relation to what other players were doing on a given

take. To me, one of the reasons that the "legends" are legendary is that their great playing is continually evolving and being refined. A transcription can´t define someone´s style; its merely a moment of music preserved on paper for us to ponder at our own pace. (RILEY, 1997) – tradução realizada pelo autor. Todas traduções contidas nessa dissertação foram realizadas pelo autor, excetuando os casos indicados particularmente.

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novos approachs e novas formas de interpretação no instrumento. Iremos então, ao longo do texto, visualizar os indícios que comprovam essa hipótese.

Para as análises específicas das performances de Márcio Bahia, definimos então quatro critérios básicos que norteiam todo o segundo capítulo da pesquisa:

1. Levantamento dos aspectos intrínsecos do baterista em relação ao próprio instrumento: técnicas, independência de membros, distribuição das vozes pela bateria, as linhas3 rítmicas da bateria e suas relações com os ritmos brasileiros vindos da percussão popular, a sonoridade, o equipamento, enfim, tudo o que for relacionado com os aspectos específicos do baterista em relação ao próprio instrumento.

2. Análise da interação do baterista com os outros instrumentistas: como as performances da bateria interagem com a linha melódica, ou com a linha de baixo, com a cadência harmônica ou sobrepõem-se contrapontisticamente, fazendo linhas rítmico-melódicas complementares aos outros instrumentos.

3. Análise dos aspectos formais da música: como a bateria se comporta nas várias partes da música e se há um “padrão” encontrado ao longo das análises das performances em relação à forma da música.

4. Idiossincrasias da performance de Márcio Bahia, evidenciando os traços característicos e peculiares de sua performance em cada situação levantada.

A notação utilizada em todas as transcrições de bateria é padronizada ao longo de toda a dissertação, seguindo a legenda abaixo (figura 1). As partituras e transcrições realizadas por Márcio Bahia ou Jovino Santos seguem outro padrão que será especificado na ocasião em que aparecerem:

Figura 1: Notação da bateria utilizada na dissertação

3 Optamos por usar o termo linha de bateria ao invés de batida, ou ainda os termos em inglês groove ou pattern.

Quando aparece algum caso em que o ritmo é constante, ou característico à algum gênero específico, utilizaremos o termo levada.

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8 Capítulo 1. A trajetória de Márcio Bahia

1.1) O início e as principais referências musicais

Márcio Villa Bahia nasceu em Niterói, em 18 de dezembro de 1958. Seus primeiros contatos com a música vieram através de sua família. Márcio cresceu em um ambiente musical e desde cedo teve um grande estímulo para que se desenvolvesse musicalmente. Vejamos um pequeno trecho de uma entrevista de 2002, encontrada na Enciclopédia Virtual, que confirma essa informação: “Meu bisavô era mestre de banda em Piraí (RJ). Alguns tios meus tocavam. Minha mãe toca violão e teclado. Ou seja, a música sempre esteve presente na vida da família4. (BAHIA, 2002).

Desde o início de sua trajetória, a influência da família e sua vocação por conhecer e aprender sempre estiveram presentes. Podemos antecipar que, ao longo de seu discurso, o que mais nos chama atenção em Márcio Bahia é o encantamento, a profundidade e o seu envolvimento quando o assunto é música, principalmente quando entramos nos aspectos específicos de seu instrumento: a bateria. Por essa razão inserimos trechos específicos das entrevistas realizadas com Bahia, para ilustrar o modo como ele fala do instrumento; o zelo e o cuidado que ele tem com o mesmo.As falas aqui reproduzidas revelam seu grande comprometimento com o assunto, que vem desde o começo de sua carreira. Podemos começar com uma passagem, na qual Márcio nos conta seus primeiros contatos com a bateria:

O encantamento pela bateria começou quando eu fui na loja com meu pai e meu irmão, em 1971. Bom, aí chegou na loja e tinha uma “Pinguim” montada na loja, uma assim, madre pérola. Uma “Pinguim” tipo white pearl toda linda e eu fiquei assim, boquiaberto, aí já comecei a tocar com as mãos mesmo, brincando nos tambores. O vendedor malandro, já disse para o meu pai: - “O garoto leva jeito hein”! É claro que era só para vender o instrumento. Mas eu estava realmente encantado com o instrumento: aquela bateria branca, madre pérola, assim na minha frente (BAHIA, 2013).

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Foi em 1973 que ele ganhou sua primeira bateria, dada pelo seu pai, comprada de um primo que morava na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Podemos notar no trecho abaixo, primeiramente, o entusiasmo e a alegria ao ganhar seu primeiro instrumento, e em segundo lugar, sua intensa ligação com o “equipamento”, ou seja, Márcio demonstra um grande conhecimento sobre a bateria em seu aspecto físico e material (marcas, madeiras, peles, pedal, ferragens, etc). Esse entusiasmo e a ligação com o “equipamento” influenciam diretamente em sua performance até hoje, o primeiro, pela vivacidade e energia com que toca, e a segunda pelo foco e pela importância que Márcio dá a cada kit de instrumento que usa, afetando diretamente a sonoridade e os timbres escolhidos pelo músico:

Daí nós fomos em Campo Grande, zona oeste do Rio, buscar essa bateria. E eu feliz da vida, atravessando de Rio pra Niterói de balsa. Cheguei em casa de noite, montei a bateria e queria tocar, mas não podia. Era tarde. No dia seguinte de manhã cedo, eu acordei a família. Sentei na bateria e comecei a tocar e fiquei muito feliz. Meu irmão sentou ao meu lado e me passou um negócio(...). Depois eu fui saber: sabe qual era aquela batera? Era um Slingerland Radio King da década de 40, um tesouro (BAHIA, 2013).

Márcio Bahia cita seu irmão, Mairton Bahia, como sua primeira grande influência musical. Seu irmão lhe abriu caminhos, primeiro por ser mais velho e já tocar um instrumento (violão e guitarra) e segundo, por já fazer parte de um ambiente musical em Niterói, o que possibilitou que Márcio entrasse em contato com diversos grupos, estilos, instrumentistas e artistas. Segundo Márcio, foi Mairton quem lhe ensinou o primeiro ritmo na bateria: “Eu sempre digo nas entrevistas, que a primeira batida que eu aprendi quem me passou foi Mairton” (BAHIA, 2013).

A partir desse “ponta pé” inicial dado pelo seu irmão e seu pai, Márcio começou a se desenvolver sozinho, como autodidata. Começou ouvindo rock e só mais tarde foi entrar em contato com os ritmos brasileiros e com o jazz:

Fui aprendendo sozinho, basicamente rock and roll que é o que a galera, quando começa, toca mais.Fui ouvindo e tocando, ouvindo e tocando... Na época eu ouvia Led Zeppelin, Black Sabbath, uma banda americana chamada Cactus que gosto muito, Mountain, uma banda muito legal que o batera me influenciou muito.

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Hendrix lógico: o Mitch Mitchell tocando aquele rock com cara de jazz que era uma beleza. Santana, gostava muito de Michael Shrieve. Foi o primeiro cara que eu vi pegando a baqueta traditional. Eu falei “óóóó”, o cara toca uma pegada traditional. Foi legal pra caramba porque eu aprendi o traditional, eu tocava com o matched grip, quer dizer, eu toco assim até hoje (BAHIA, 2013).

É importante ressaltarmos que essa relação de Bahia com o rock se mantém viva até hoje, principalmente em relação ao chamado rock progressivo5, pelo qual ele se declara “um

apaixonado” e um grande apreciador até os dias de hoje. Márcio expõe alguns dos motivos pelos quais tem grande apreço pelo estilo musical: “Adoro Premiata, Yes, Gentle Giant, King

Crimson, pois os caras eram multi-instrumentistas e tocavam muito bem, uma música super

sofisticada” (BAHIA, 2013). Márcio Bahia cita, como sua principal referência dentro do rock

progressivo, o baterista Bill Bruford.

Mais uma vez vale ressaltar aqui a importância das entrevistas para essa pesquisa. Talvez, apenas pelas transcrições das músicas, não chegaríamos a perceber a grande influência que o rock progressivo teve nas performances de Márcio. Citando novamente Thompson, ele conta em seu livro que, quando o autor Alan Nevins foi escrever a biografia de Henry Ford, os principais esclarecimentos para sua pesquisa foram feitos durante a entrevista que Nevins fez a Ford. Isso demonstra “[...]como a evidência oral pode expor, com muito mais clareza que os documentos, os métodos de trabalho de um grande inovador como Ford”. (THOMPSON, 1992, p.107).É através do discurso de Márcio Bahia que podemos evidenciar seus métodos de trabalho, suas principais referências e sua forma de lidar com o instrumento. No caso do rock progressivo, podemos destacar um trecho da entrevista em que

5 Segundo o Site: http://www.rockprogressivo.com.br/canais/historico.htm, baseado nas características

apontadas pelo jornalista Leonardo Nahoum, em sua Enciclopédia de rock progressivo, a definição de rock progressivo é: "Música de longa duração, desde os seus quatro minutos até os discos de uma única faixa; utilização e apropriação de elementos de vários estilos não comumente associados ao rock: a música folclórica (do país da banda em questão), o jazz, a música erudita (incluindo aí o clássico, o barroco, o medieval...), o blues, etc; uma maior complexidade das composições, tanto em termos de melodia quanto de arranjos e ritmo, em comparação ao que normalmente se entende por rock. Uma busca pela experimentação e por sons exóticos, daí a importância dos teclados e sintetizadores para o estilo; uma variedade de ritmos e tonalidades dentro de uma mesma composição, gerando a tal impressão de música "difícil e/ou pretensiosa" e o rompimento com o caráter dançante do rock."

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o músico declara a influência direta que esses grupos tiveram em suas performances dentro do grupo de Hermeto Pascoal, principalmente em relação aos primeiros contatos com os compassos ímpares e a influência do baterista Bill Bruford:

Quando entrei no grupo do Hermeto eu já tocava os compassos ímpares pois eu ouvia muito o King Crimson e o Genesis. Os “Progs” (rock progressivo) tem muito 7/4, 5/4 então eu já tinha uma ideia disso pelo rock progressivo. Gentle Giant era demais também e o King Crimson para mim era o principal. As superposições rítmicas que o Bruford fazia no King Crimson, era um quatro que deslocava e parecia que estava em outro compasso. Então nesse ponto o “Prog.” foi maravilhoso. Ainda tem o lance que você tem que escutar a melodia que os caras estão fazendo para perceber o que a bateria faz, é demais”! (BAHIA, 2013).

Márcio então atuou por muitos anos como baterista de rock em vários grupos de Niterói: “Meu primeiro conjunto foi na escola, com dois vocais, guitarra e bateria, mas depois fui fazendo vários conjuntos lá na minha cidade” (BAHIA, 2013). O músico destaca também alguns grupos de rock do Brasil que também tiveram papel significativo em sua formação musical. Podemos citar aqui os dois principais: O Som Nosso de Cada Dia e os Mutantes:

Um grupo que sou fã até hoje é um grupo chamado O Som Nosso de Cada Dia, com o finado Pedrinho na batera. É um grupo “prog” que eu sou doido, fanático. Snags é uma obra prima, é um disco que eu me reciclo ouvindo ele. Era o Manito, dos Incríveis, de teclado, sax e violino, Pedrão no baixo e Pedrinho de bateria e vocal. Vocais impecáveis, temas lindos, criatividade. Outra banda que é base na minha formação é o Mutantes, ouvi muito. Meu irmão é um Mutante maníaco. Eu toquei com o Arnaldo Batista uma época. Mas o Som Nosso de Cada Dia para mim foi o melhor “prog” brasileiro que apareceu (BAHIA, 2013).

Portanto, o início de sua atuação como baterista esteve fortemente ligado ao rock. O contato com o jazz e com a música brasileira, deu-se aproximadamente um ano depois, em 1974, quando Bahia foi estudar com seu primeiro professor, o carioca Sérgio Murilo. Em suas próprias palavras: “[...] foi aí que conheci o Milton Banana, Hélcio Milito, Edison Machado, Rubens Barsotti com o Zimbo e também os grupos de jazz” (BAHIA, 2013). Sem

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deixar de lado sua relação com o rock, Márcio então iniciou seus estudos no campo do jazz e dos ritmos brasileiros.

Na entrevista realizada em agosto de 2013, o músico demonstrou ter um grande conhecimento sobre a história do jazz e seus principais bateristas, citando características específicas dentro do estilo de cada um:

Dos bateristas americanos, gosto muito do Tony [Williams] e do Elvin [Jones], pela liberdade. O Elvin por exemplo pega um compasso e estica assim, não adianta você medir o que o Elvin faz, não é divisão medida, não é rudimento, é outra coisa. O Art Blakey também eu gosto muito por causa do straight ahead, do Be Bop straight ahead. Ele nos ensina a como conduzir uma banda(...). O Jack [deJohnette] pela coisa do chimbal que está sempre ali, batendo papo com a caixa. O Buddy Rich eu vim conhecer bem depois, aquela coisa fantástica da big band dele; eu acho espetacular, mas não sou tão fã como sou por exemplo do Joe Morello, com o finesse dele, ali é outra coisa. Há coisas que me interessam mais do que apenas um cara que é só virtuose. O que o Joe Morello faz por exemplo no Far More Blues é lindo, me pega né” (BAHIA, 2013).

Podemos destacar aqui o foco da atenção de Márcio Bahia com a sonoridade, a técnica e a sutileza de Joe Morello. As referências destacadas nesse trecho da pesquisa, como Bill Bruford e Joe Morello, tornam-se relevantes na medida em que afetam diretamente a sua concepção musical, fazendo parte da construção de seu cabedal de escolhas e caminhos musicais, tanto no que tange aos sons e timbres de sua bateria, quanto aos elementos contidos em suas performances. Apenas para ilustrar, segue abaixo a “levada” básica da música Far More Blues que segundo Márcio “é uma das mais belas performances de bateria da história” e que seguramente encontraremos implicitamente presente em suas performances dentro do grupo de Hermeto:

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Um fato curioso é que no livro Rhythmic Illusions, de Gavin Harrison, o baterista Bill Bruford escreve uma introdução na qual seu discurso se aproxima em muito com o de Márcio Bahia, principalmente em relação às inovações trazidas por Joe Morello dentro do grupo de Dave Brubeck:

Eu era um menino, ouvindo os clássicos gravações Dave Brubeck Quartet, com Joe Morello na ´Time Out` e ´Time Further Out`, quando começei a me familiarizar com aquela “deliciosa sensação”. Primeiramente, o “chão” da música gradualmente, ou de repente, deslizou por debaixo dos meus pés. Então, depois de um período torturante, com a cabeça em um platô rítmico e meus quadris em outro, ou talvez, com uma perna fazendo seis passos enquanto a outra perna fazia quatro, viria a “doce libertação”, como se o mundo do ritmo voltasse ao normal e eu então me sentia muito bem. (HARRISON, apud BRUFORD, 1996, p.4).

Para além do rock e do jazz, Márcio Bahia também teve um longo período de sua vida dedicado aos estudos da música brasileira. Na entrevista de agosto de 2013, ele traça uma linha histórica, citando os principais nomes da bateria nacional, desde antes do Luciano Perrone até os tempos atuais. O que mais nos chamou a atenção foi que Bahia não só falou sobre a história da bateria brasileira de forma detalhada e aprofundada, como também demonstrou no instrumento a forma como cada baterista tocava, mostrando na prática os diversos estilos e tipos de performance que os bateristas citados desempenhavam em cada período histórico da música do Brasil 6. Outro fato digno de nota é a abrangência de estilos musicais e a quantidade de nomes que ele considera fundamentais dentro da história da bateria brasileira, incluindo inúmeros bateristas de samba, de bossa nova, de samba jazz, assim como os principais bateristas de rock do Brasil, além dos que faziam parte de bandas de baile e das principais orquestras nacionais. Uma vez que muitos nomes foram citados, ao selecionar os bateristas brasileiros que causaram maior influência em Bahia, optamos por pesquisar, nas várias entrevistas do artista, os nomes mais recorrentes. Por exemplo, em entrevista ao Sesc Instrumental 2013, Márcio declara:

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Bateristas brasileiros que mais me influenciaram eu poderia citar vários: Paulinho Braga, Robertinho Silva, Nenê baterista, Zé Eduardo Nazário, Milton Banana, Hélcio Milito, Luciano Perrone, e muitos outros (BAHIA, 2013).

É importante ressaltar desde já, a ligação afetiva de Márcio Bahia com determinados estilos musicais e tipos de performance, uma vez que isso é determinante em suas escolhas enquanto performer. Já vimos seu apreço por bateristas como Bill Bruford e Joe Morello. Podemos destacar, no universo da música brasileira, bateristas como Paulo Braga, Hélcio Milito e Robertinho Silva, que são nomes recorrentes nas entrevistas de Bahia, e em cujas gravações podemos notar algumas características em comum, como: o som claro e definido de bateria e um tipo de performance mais limpa e precisa.

Um outro fato curioso nessa entrevista é que, apesar do profundo conhecimento sobre o jazz, a bossa nova e os trios de samba jazz - os quais Márcio considera essenciais para os seus estudos e para sua formação musical - essas não eram as suas principais “fontes de inspiração”, ou melhor, não eram os estilos musicais que mais o mobilizavam emocionalmente. Vejamos esse trecho em que ele revela que:

O jazz e a bossa eu usava mais como aprendizado, mas não era uma coisa que me tocava, o jazz talvez, a bossa algumas coisas, mas não era uma coisa que me “pegava” totalmente. Era uma coisa que eu escutava, que eu gostava como informação (BAHIA, 2013).

Depois dessa declaração, perguntamos então quais seriam os artistas e discos que mais o “marcaram” do ponto de vista emocional e do “gosto” musical e ainda, quais eram os artistas que ele considerava como suas principais referências dentro da música brasileira. Mais uma vez surgiu uma enorme quantidade de nomes e grupos que fizeram parte da sua história musical. Podemos destacar alguns nomes recorrentes como Egberto Gismonti, Hermeto Pascoal, Vitor Assis Brasil e Tamba Trio:

Eu nunca toquei com ele, mas um músico que me influenciou muito foi o Egberto. Eu escutava Egberto “pra burro”, sempre. Eram os dois caras que mais escutava, o Egberto e o Hermeto, como muita gente deve ter feito (...). Outro que eu adorava também: Vitor Assis Brasil. Eu ia direto ver o show do Vitor, passava temporadas

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vendo o show dele com o Paulo Lajão de batera. Assisti nessa época também o Tamba trio com Hélcio Milito, foi ali que eu bebi da fonte, principalmente o lance da vassourinha (BAHIA, 2013).

Sobre alguns discos que Márcio considera essenciais em sua história, ele citou diversas vezes o Snags, do Som Nosso de Cada dia, e também o disco Imyra, Tayra, Ipy do compositor Taiguara, que considera como um dos “principais discos gravados na história da MPB”:

Tem uns discos que me reciclam, um deles é o Snags do Som Nosso de Cada Dia, o outro é um disco raríssimo do Taiguara chamado Imyra, Tayra, Ipy. Esse disco é antológico. É um disco em que tocam os principais nomes da época: Toninho Horta, Novelli, Raul Mascarenhas, Mauro Senise, Zé Eduardo Nazário, Paulo Braga, todo mundo. Arranjos do Hermeto, regência do Wagner Tiso (BAHIA, 2013).

Para finalizar a vasta lista das principais referências musicais de Márcio Bahia, o que mais o músico destacou durante toda a entrevista foi a música de Minas Gerais, mais especificamente o Clube da Esquina. Vejamos abaixo o trecho no qual Márcio revela a importância da música “mineira” em sua formação:

Do que eu ouvi e do que eu gostava, o que mais entranhou em mim, o que mais me tocou, a minha maior formação musical chama-se Clube da Esquina, são os mineiros: Milton, Lô, Beto, Toninho, esse pessoal todo. Não é à toa que hoje eu moro aqui em BH. Antes de escutar a bossa nova, o samba, eu escutava Milton Nascimento, esse é “o cara”, sabe por quê? Por causa da beleza melódica das músicas, da riqueza harmônica. Eu “furei” os discos do Milton. Então, a maior influência dentro da música brasileira para mim, antes da Bossa Nova, antes de tudo, foi o Clube da Esquina (BAHIA, 2013).

Portanto, podemos notar claramente que apesar de seu profundo conhecimento sobre os aspectos técnicos de seu instrumento, a forma como Márcio se relaciona com a música não passa apenas pela bateria. Seu grande apreço pelas melodias, harmonias, arranjos e instrumentações é uma das principais características que o faz tocar de maneira tão peculiar

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a bateria. O prazer estético e a escuta refinada estão sempre presentes em seu discurso. Citando mais um trecho em que Márcio fala sobre o Clube da Esquina:

Os discos do Milton em termos de MPB para mim foram a grande influência. Foi o que me fez ter tanto gosto pela melodia e pela harmonia. As músicas são lindas. Os compassos, as levadas, a mágica da música dele me pega totalmente (BAHIA, 2013).

Um outro fator muito importante nesse primeiro capítulo, e que também é fundamental destacarmos, é a relação de Márcio Bahia com a música erudita. Ele, além de ter estudado percussão sinfônica por vários anos, se declara um apreciador da música clássica: “Eu ouvi muita música erudita também. Dvorak, Mussorgsky, com aquela orquestração do Ravel, aliás Ravel eu ouvi muito, Debussy também, Carl Orff, Shostakovich, eu adoro” (BAHIA, 2013).

Tomando como referência o livro A Voz do Passado de Paul Thompson, podemos dizer que entendendo a história de vida, entendemos o processo, e consequentemente os resultados desse processo. Optamos por inserir ao longo do texto, vários trechos de entrevistas cedidas por Bahia, para que possamos perceber, através das suas próprias palavras, as suas relações com o instrumento, as músicas que fizeram parte de sua trajetória e sua ligação afetiva com a música, tudo isso refletido diretamente em sua prática musical. Citando novamente Thompson:

A história oral pode ser um meio de transformar tanto o conteúdo quanto a finalidade da história. Pode ser utilizada para alterar o enfoque da própria história e revelar novos campos de investigação (...). Pode devolver às pessoas que fizeram e vivenciaram a história um lugar fundamental, mediante suas próprias palavras”.

(THOMPSON, 1992, contracapa)

No caso de Márcio Bahia, praticamente todos os gêneros citados - desde o rock, o jazz, a música brasileira, a música erudita - estarão retratados em suas performances. No

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excerto abaixo, ele fala sobre seus estudos no campo da percussão sinfônica e a influência direta da escuta musical em sua performance:

Tudo que eu escutei até hoje me influencia com certeza, inclusive a percussão erudita. Me influencia diretamente no jeito que eu toco, nas dinâmicas que eu faço. Porque a dinâmica é importantíssima e o baterista tem muita responsabilidade com a dinâmica do grupo (BAHIA, 2013).

Podemos então ressaltar algumas características essenciais no discurso de Márcio Bahia que tem impacto direto em sua performance: primeiro o “ecletismo” que ele demonstra em seus relatos, depois, sua forte ligação emocional com a música, não apenas técnica ou formal. Outra característica muito importante que já citamos anteriormente é a sua escuta musical e sua relação direta com a melodia e com o arranjo das músicas: “quando eu ouço uma música eu presto mais atenção mesmo é na melodia, não tanto na letra, mas na melodia e no arranjo como um todo” (BAHIA, 2013). Isso tudo irá reverberar diretamente nas suas interpretações e na forma como aborda seu instrumento, enxergando-o não apenas como um condutor rítmico, mas criando e interagindo diretamente com as linhas melódicas e com os arranjos presentes nas músicas de Hermeto.

Márcio Bahia não coloca fronteiras rígidas nem em sua escuta musical, agregando valores a todas músicas que fazem parte de seu repertório e de seu histórico de vida, nem em sua atuação como músico, demonstrando versatilidade e respeito aos mais diversos estilos e performances musicais. Como reflexo dessa postura, podemos citar que a percussão erudita, a percussão popular e a bateria circulam livremente em suas interpretações e performances. Vejamos a seguir o trecho da entrevista em que Márcio cita Airto Moreira e o baterista Luciano (do Quinteto Violado), como uma das suas primeiras inspirações em relação às misturas entre bateria e a percussão:

Uma outra influência muito legal para mim foi o Quinteto Violado. Tinha aquele batera, o Luciano, que tocava bateria e usava uns maracás nas mãos. Ele tocava percussão com a mão e com os pés, que é o lance que o Airto fazia com o Quarteto Novo, que acho que foi um dos primeiros a fazerem isso. Eu ia ver o Luciano fazer esse lance da percussão nas mãos e os pés da batera, eu adorava e comecei a fazer

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também: tocar caxixi com a mão e fazer o bumbo com o pé. Eu sempre tive esse tipo de iniciativa (BAHIA, 2013).

Como vimos, Márcio tem uma grande amplitude e profundidade em relação aos estilos musicais que fizeram e fazem parte de seu repertório e que o influenciaram em sua maneira de tocar. Contudo, Bahia ressalta que quando entrou para o grupo de Hermeto, ele não baseou sua performance nos bateristas anteriores (como Nenê, Airto Moreira, Zé Nazário ou Alfredo Dias Gomes), já que o próprio Hermeto buscava algo novo, diferente. Um aspecto importante em seu discurso é que, se por um lado ele demonstra um grande envolvimento com os nomes da música brasileira e mundial, por outro, sempre traz uma busca pelo desenvolvimento de sua própria linguagem, a busca de sua própria “voz”,como é possível notar no trecho da entrevista de Márcio Bahia para o Sesc Instrumental em 2013:

Se você falar de todos os bateristas do mundo que eu ouvi, eu tenho alguma influência, tanto da bateria brasileira, como do rock e do jazz me influenciaram. Só que eu não os imito. O bacana é que você encontre sua própria voz. Você tem que usar o estilo de cada um, o poder de cada um, o jeito de tocar de cada um como uma inspiração para você seguir e achar o teu. A gente não pode ser clone dos outros (BAHIA, 2013).

Vejamos agora mais uma passagem da entrevista de agosto de 2013, em que Márcio faz uma pequena “autoanálise”, em que ilustra muito bem suas características como “ouvinte” e como performer, destacando sua vasta gama de referências musicais e também sua relação fortemente afetiva com a música:

Você vê como é minha cabeça né: é tudo! Fui do “Som Nosso” para o Taiguara rapidamente, mas são discos que considero antológicos, independente do estilo. Milagre dos Peixes também é um disco antológico. Música para mim é o que eu ouço e que me toca. Ouvi, gostei, me toca, me arrepia, está tudo certo. É isso o que importa (BAHIA, 2013).

Para concluir essa primeira parte, pudemos perceber até aqui a multiplicidade e complexidade musical presentes no discurso de Márcio. Ele demonstra uma postura que não

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exclui, mas que está sempre em busca do novo, pesquisando, estudando, se aprimorando e se desenvolvendo dentro da música, sempre deixando à mostra seu envolvimento afetivo e o prazer estético em relação a música. Para finalizar, vale a pena citar mais um trecho da entrevista de 2002 publicada na Enciclopédia Virtual, em que Márcio traz à tona o prazer e a alegria em tocar e estudar bateria7:

Minhas primeiras coordenações como baterista, o prazer de ouvir e tocar, o descobrir, o experimentar, a alegria de conseguir os primeiros resultados no instrumento, aprendi sozinho. Isso me acompanha até hoje na minha vida. Acho que nunca devemos perder a alegria e espontaneidade dos primeiros dias no instrumento. Ou seja, alegria e entusiasmo de principiante(BAHIA, 2002).

1.2) Os estudos: Sérgio Murilo e Edgar Nunes Rocca (Bituca)

Iremos focar agora em aspectos mais específicos da formação musical de Márcio Bahia, procurando investigar seus métodos de estudo, seu desenvolvimento na bateria, sua formação no campo da percussão sinfônica e seu aperfeiçoamento dentro do grupo de Hermeto Pascoal. Torna-se relevante esse estudo, uma vez que o objetivo desse trabalho é o levantamento das principais características da performance de Márcio Bahia dentro do grupo de Hermeto Pascoal. Assim, consideramos importante fazer um breve relato de sua formação musical. Podemos destacar aqui, seus estudos de jazz e música brasileira com Sérgio Murilo, suas aulas de percussão erudita com Bituca e sua convivência com Hermeto Pascoal, que segundo Márcio, foi o período em que mais se desenvolveu na bateria.

Vamos iniciar colocando como ponto de partida suas primeiras aulas de bateria, que se iniciaram após um período de mais de um ano como autodidata do instrumento e quando atuava centralmente no campo do rock em Niterói. Seu primeiro professor de bateria foi Sérgio Murilo, em 1974. Foi então que Márcio Bahia iniciou seus estudos “formais” de bateria, estudando leitura, técnica, coordenação motora, ritmos e principalmente, expandindo suas referências e seu repertório musical:

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Sérgio Murilo, era o nome dele. Me lembro dele com muito carinho. Foi o cara que me introduziu ao Jazz. Era jazzista e tocava “bossa” muito bem. A bossa nova, as “coisas do Brasil” e o jazz. Ele me deu as primeiras noções de técnica, de grip, de tudo. De leitura também, as primeiras noções, ele me ensinava a ler, enfim, toda essa parte técnica (BAHIA, 2013).

Essa expansão do repertório musical foi um fator fundamental nas aulas de Sérgio Murilo que passava para Márcio diversas gravações dos principais discos de bossa nova e de samba jazz em voga nos anos 60 e 70. Foi a partir dessas aulas que Márcio Bahia iniciou sua atuação dentro da música brasileira:

Foi aí que conheci Milton Banana, que o Sérgio tinha vários discos. Ele [Milton Banana] é dos meus ídolos até hoje. Hélcio Milito com o Tamba Trio, Edson Machado, Rubens Barsotti com o Zimbo, que amo de paixão. E vários outros bateras da época, como aqueles discos da Elis, do começo. Discos de trio que ele botava para mim. Bateras que eu nem conhecia que tocavam com aqueles trios da época, como Manfredo Fest, que é um pianista italiano que morou muito tempo nos EUA. Então eu comecei a entrar nessa onda e isso começou a mudar minha cabeça (BAHIA, 2013).

Por fim, podemos destacar o papel essencial do professor na carreira de Márcio, e que reflete até hoje em suas performances, introduzindo-o ao jazz, à música brasileira assim como no aprimoramento da leitura musical e da técnica do instrumento. Vale ainda citar mais um trecho da entrevista de agosto de 2013 em que Márcio conta alguns detalhes sobre os conteúdos que estudou com Sérgio Murilo, destacando o método de bateria do Gene Kruppa, o qual foi muito utilizado por muitos bateristas nos anos 60 e 70:

Tinha o método de Gene Kruppa que ele me ensinou a ler e me passava os exercícios. Ele me passou os paradiddles, a concepção do up stroke e do down stroke que a gente intuitivamente faz, mas ele mostrou pormenorizadamente como é que faz. A coisa do toque duplo, toque simples. Então ele foi me mostrando essas coisas, além da leitura e a coisa de ouvir bastante para pegar. Um dos primeiros discos que ele me mostrou foi do Bill Evans trio, com Marty Morell na bateria, muito legal. Eu comecei a entrar num outro mundo e estudar para valer. Então eu tinha uma leitura fraquinha. Ele me ensinou os primórdios da leitura e de técnica e

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de mostrar outras coisas dentro da música. O papel dele foi importantíssimo (BAHIA, 2013).

Foi em 1976 que Márcio Bahia entrou para a Escola de Música Villa Lobos, onde ficou estudando por quatro anos, tendo essa parte de sua formação musical sido voltada principalmente à percussão erudita. Apesar do interesse de Márcio estar voltado quase sempre para a bateria, ele estudou e atuou durante quase cinco anos como percussionista sinfônico, trabalhando em orquestras, participando de grupos de percussão e sobretudo, estudando técnica e leitura musical para dar conta das demandas exigidas pelo mercado de trabalho. Abaixo, Márcio discorre sobre sua entrada na Escola de Música Villa Lobos:

Então, em 1976 me inscrevi na Escola de Música Villa Lobos para ser aluno do Bituca. Agora, eu estava crente que seria um curso de bateria; mas não era. Na verdade era um curso de percussão erudita(...). Eles estavam com carência de pessoal na orquestra, tinha muita gente se aposentando. Para mim foi interessantíssimo, porque eu estava muito a fim de estudar, então entrei de cabeça. Aí eu entrei fundo na coisa da leitura e da técnica, bem mais apurado. Mas batera mesmo, nada. Era só caixa sinfônica, leitura e técnica pra caramba com o Bituca, que foi o que me botou um bom leitor e com uma boa técnica (BAHIA, 2013).

Já no primeiro ano de estudos, Márcio Bahia entrou para o Grupo de Percussão da Escola de Música Villa Lobos, onde também ficou por quatro anos. Através desse grupo, Márcio ganhou diversos prêmios como instrumentista, como cita Tarcísio Braga em sua dissertação de mestrado: “Foi junto ao grupo de percussão dessa escola, que o músico [Márcio Bahia] foi contemplado com o primeiro prêmio como solista, quando o grupo, em 1979, venceu o primeiro concurso da EMVL e do Colégio da Orquestra Sinfônica Brasileira.” (BRAGA, 2011, p.60)

No final de 1976 participou também do Grupo de Percussão da Rádio MEC, que era formado por músicos experientes, enquanto ainda era estudante:

E gravei também com o grupo de percussão da rádio Mec que eram só professores e eu era um aluno lá. Nós tocamos o Rhythmetron do Marlos Nobre, uma peça para dez percussionistas que o pessoal do erudito conhece bem (BAHIA, 2013).

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Segundo Luís Costa-Lima Neto, “Foi tocando com o Grupo de Percussão da Rádio MEC, numa série dos Concertos para a Juventude, que Márcio conheceu pessoalmente Itiberê, Jovino, Hermeto e Pernambuco, além do baterista da época, Nenê, de quem Márcio depois comprará alguns pratos de bateria” (NETO,1999, p.59).

Em 1977, Márcio Bahia entra para a Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, onde atuou até 1980. Podemos perceber em sua fala que durante o período em que esteve na orquestra, sua vontade sempre foi a de tocar bateria:

Em 77, o Bituca me convidou, dizendo que tinha aberto uma vaga para estagiário na Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal. E eu entrei e depois me efetivaram em 78; então fiquei de 77 a 80 no Teatro Municipal como percussionista. Eu era um garoto novo e eles me botaram para “jogar”. Aí aparecia vários trabalhos como batera para fazer que eu tinha que recusar pois eu tinha um contrato com a orquestra. Eu só podia fazer bateria nas horas vagas e isso foi me deixando meio triste. Por mais que eu goste de percussão erudita e tudo, a orquestra do municipal era basicamente uma orquestra de ópera e ballet. Então eu passava o ano inteiro no fosso. Era fogo, imagina para um garoto de 22 anos ficar no fosso assim, sem ver nada, só tocando, tocando. Tinha um concerto ou outro e quando tinha eu adorava. Ao não ser quando tinha ballet de Stravinski ou outras coisas bacanas (BAHIA, 2013).

Ainda sobre a questão da percussão sinfônica, Márcio conta como foi sua decisão de sair da orquestra para se dedicar exclusivamente à bateria:

Então enquanto eu estava na orquestra, eu tinha que dizer não para a bateria. Até que eu tive que escolher. Uma hora eu tinha que escolher. No fim de 80 eu saí. A orquestra pagando bem, um baita de um salário, os caras falavam: “-Você tá maluco, vai deixar seu futuro.” E eu respondia - “Não para mim isso é passado, já tá bom.” E eles diziam – “Tira uma férias, pede licença” - E eu dizia – “Não, não, não”. O Bituca na época ficou muito chateado (BAHIA, 2013).

Foi então em 1980, logo após Márcio ter saído da orquestra, que veio o convite do percussionista Pernambuco para que fosse tocar com o grupo de Hermeto Pascoal:

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Saí da orquestra em dezembro de 80 e fiquei em casa final de ano, Natal, Ano Novo. Eu sentado lá em casa, na casa dos meus pais, olhando para a bateria e pensando: “agora vou parar para te atender como você merece, que é o que eu quero.” De repente o telefone toca e era o Pernambuco, percussionista do Hermeto, que eu conhecia do Villa Lobos, e ele disse: - ‘Marcio, o Hermeto tá sem baterista aqui. Vem aqui dar uma canja”. E eu pensei: - Ce tá maluco, o que eu vou fazer aí? Não sou maluco e eu sei quem eu sou, o que eu posso fazer? Daí ele insistiu: - Vem é só pra dar uma canja. E eu pensei: - Ai meu Deus do céu. Vou então, não tenha nada a perder né? Só tenho a ganhar. Posso dizer para os meus netos até o fim da vida que eu dei uma canja com o Hermeto, que eu passei uma tarde lá no Jabour. Eu nem sabia onde era o Jabour. Então liguei para o Malta. Eu e o Malta já tocávamos juntos em algumas coisas e ele já estava indo lá. Já estava com meio pé lá dentro. E o Hermeto estava encantado com ele. Então o Malta disse: “eu sei o caminho me pega aqui que eu vou contigo.” Aí nós fomos (BAHIA, 2013).

1.3) A “Escola do Jabour”

Em janeiro de 1981, Márcio ingressa no grupo de Hermeto. Foi com esse grupo que Márcio gravou então os cinco discos que iremos analisar nessa dissertação e no qual permanece até hoje, fazendo turnês internacionais e tocando ativamente pelo Brasil.

O nome “Escola do Jabour” ou “Escola Jabour” não é uma escola no sentido formal do termo. É apenas uma expressão endógena usada por Hermeto Pascoal e pelos membros de seu grupo para designar esse período de intensa convivência, ocorrido no bairro do Jabour durante as décadas de 80 e 90:“O grupo é muito mais do que música, é uma escola, como até eu gosto de chamar, a ´Escola Jabour`, porque aqui a gente aprende muito” (PASCOAL, 2000). Entretanto, quando questionamos Bahia se podemos considerar esse período no “Jabour” como uma escola propriamente dita, ele responde veementemente:

O Jabour é sim uma escola e eu sou um aluno dessa escola. Ficava na rua Vitor Gisard 333, no bairro do Jabour em Senador Camará. É uma escola sim, foi ali que eu aprendi tudo. Aprendi tudo não: estou aprendendo. Ali era o seguinte: a teoria e a prática tudo junto. Era o ensaio, o show, o estudo. O exercício que eu fazia em casa era o que eu tinha que tocar a tarde. É uma escola sim, claro que é, sem dúvida.

Referências

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