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Queijo artesanal serrano: micobiota natural e qualidade em relação à aflatoxina M1 e sujidades

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Academic year: 2021

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QUEIJO ARTESANAL SERRANO:

MICOBIOTA NATURAL E QUALIDADE EM RELAÇÃO À AFLATOXINA M1 E SUJIDADES

Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em Ciência dos Alimentos da Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do Grau de Mestre em Ciência dos Alimentos. Orientador: Prof. Dra. Vildes Maria Scussel

Florianópolis 2018

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QUEIJO ARTESANAL SERRANO: MICOBIOTA NATURAL E QUALIDADE EM RELAÇÃO À AFLATOXINA M1 E

SUJIDADES

Esta Dissertação foi julgada adequada para obtenção do Título de “Mestre em Ciência dos Alimentos” e aprovada em sua forma final pelo

Programa de Pós-Graduação em Ciência dos Alimentos. Florianópolis, 2 de março de 2018.

________________________ Prof. Ana Carolina de Oliveira Costa, Dra.

Coordenadora do Curso Banca Examinadora:

________________________ Prof.ª Vildes Maria Scussel, Dr.ª

Orientadora

Universidade Federal de Santa Catarina

________________________ Prof.ª Elisa Helena Siegel Moecke, Drª.

Universidade do Sul de Santa Catarina ________________________ Prof. Pedro Luiz Manique Barreto, Dr. Universidade Federal de Santa Catarina

________________________ Prof.ª Vívian Maria Burin, Dr. Universidade Federal de Santa Catarina

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“Não é sobre chegar no topo do mundo e saber que venceu. É sobre escalar e sentir que o caminho te fortaleceu.”

(Ana Vilela) Dedico esta conquista aos meus pais, com todo amor e gratidão.

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A Deus, por me iluminar e proteger em todos os caminhos percorridos.

Aos meus pais, Silvio e Rosete, por sempre incentivarem meus estudos, pelo apoio em todos os momentos, pela compreensão e o amor incondicional.

Aos meus avós, Eudoxe e Marlene, por sempre estarem ao meu lado, me incentivando e aconselhando.

A professora Vildes Maria Scussel pela sua dedicação na orientação deste trabalho.

Ao Stéfano Caon, por ser a personificação da palavra amizade, me fazendo rir mesmo nas horas mais difíceis e sempre ser tão prestativo. Por ter contribuído tanto com este trabalho mesmo estando a quilômetros de distância.

Às melhores pessoas que eu poderia ter encontrado nesta jornada, Juliana, Sabrina, Lívia e Samuel, por todo apoio, todos os momentos curtidos ou superados juntos, por toda amizade que construímos e que nos tornou mais fortes.

As professoras Deise Baggio e Elisa Moecke, e a técnica Marina Teixeira, por serem exemplos de profissionais, sempre prestativas, atenciosas e amigas, e por acrescentarem seus conhecimentos a este trabalho.

A Dona Sônia que sempre trouxe carinho e conforto com suas palavras e abraços.

A EPAGRI, ao Instituto de Ciências Básicas da Saúde da UFRGS e ao Instituto de Tecnologia do Paraná pelo auxílio na concessão das amostras e na execução do trabalho.

Aos laboratórios de Físico-Química e de Microscopia da UFSC por cederem gentilmente o espaço físico e seus equipamentos para a realização das análises.

A Universidade Federal de Santa Catarina, ao Programa de Pós-Graduação em Ciências dos Alimentos, a todos os professores, ao Secretário Sérgio de Souza e a coordenadora Ana Carolina Costa, por todo o conhecimento, auxílio e compreensão durante o período da pós.

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O Queijo Artesanal Serrano é um produto nativo do sul do Brasil, produzido por mão de obra familiar a partir do leite cru. Este queijo vem se tornado mais popular, e seus produtores buscam o reconhecimento através da identificação geográfica. Foram analisados 80 amostras deste queijo, produzidos em Santa Catarina, sendo 20 amostras de cada período de maturação (14, 21, 28 e 35 dias). Foram realizadas a particularização quanto à composição da sua micobiota (bolores por chaves de identificação e levedura por MALDI-TOF), e a investigação de parâmetros de qualidade como a contagem fúngica total (por espalhamento na superfície) e as quantificações de aflatoxina M1 (por cromatografia líquida de alta eficiência) e sujidades leves (conforme a AOAC). A presença de bolores não é característica deste produto, aparecendo em apenas 28 das 80 amostras e com espécies variáveis, enquanto alguns gêneros de leveduras se mostraram frequentes, principalmente o Kluyveromyces lactis, presente em 27 amostras. A contagem fúngica e atividade de água não sofreram variação ao longo dos períodos de maturação empregados (14, 21, 28 e 35 dias), com médias entre 4-7 log UFC g-1 e 0,97 - 0,98, respectivamente. A umidade se mostrou diferente apenas entre os períodos de 14 e 21 dias de maturação, mas ainda assim os valores médios se mantiveram entre 40,39 e 43,66%, classificando o queijo como massa semidura. A aflatoxina M1 foi detectada em apenas uma propriedade, em todos os períodos, mas em valores abaixo do estabelecido na legislação brasileira. As sujidades se mostraram presentes, em 100% das amostras analisadas, com uma elevada prevalência de fibras sintéticas, além da presença de insetos e pelos. A fiscalização da produção do Queijo Artesanal Serrano se mostra importante para assegurar a eficiência do processo e as boas práticas de fabricação, garantindo a segurança do produto.

Palavras-chave: Aflatoxina M1. Micobiota. Queijo Artesanal Serrano, Sujidades.

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Serrano Artisanal Cheese (QAS) is a south of Brazil native product made by family workforce from raw milk. This cheese has become more popular, and its producers seek recognition through geographic identification. 80 samples of this cheese, produced in Santa Catarina, were analyzed, with 20 samples from each maturation period (14, 21, 28 and 35 days). The individualization was made by the composition of its mycobiota (molds by identification keys and yeast by MALDI-TOF), and the investigation of quality parameters such as total fungal count (by surface scattering) and quantification of aflatoxin M1 (by high performance liquid chromatography) and light filth (according to AOAC). The moulds’ presence are not typical of QAS, showing only on 28 of 80 samples and with variable species, while some yeasts genres were frequently, like the Kluyveromyces lactis that appears in 27 samples. The fungi counting and the water activity (aw) did not change during the ripening periods employed (14, 21, 28 and 35 days), with means between 4 – 7 log CFU g-1 and 0,97 – 0,98, respectively. The moisture content was only different between the periods of 14 and 21 days of ripening, but the average values remained between 40,39 and 43,66%, classifying these cheese as a semi-hard mass. The AFM1 were quantified only in one property, in every ripening periods, but the values were still within the established in the brazilian legislation. The light filth were present, in 100% of the analyzed samples, with a high prevalence of synthetic fibers, besides the presence of insects and hairs. Inspection of QAS production is important to ensure process efficiency and good manufacturing practices and food safety.

Keywords: Aflatoxin M1. Fungal microbiota. Light filth. Serrano Artisanal Cheese.

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Capítulo 1

Figura 1 – Região produtora do Queijo Artesanal Serrano... 37 Figura 2 – Fluxograma de produção do Queijo Artesanal Serrano... 40 Figura 3 – Gênero Penicillium observado ao microscópio... 51 Figura 4 – Estrutura química da Aflatoxina M1... 53 Capítulo 2

Figura 1 – Gráficos do MALDI-TOF das espécies K. lactis, C.

catenulata, C. famata e C. zeylanoides... 100 Capítulo 3

Figura 1 – Sujidades leves encontradas no QAS... 116 Figura 2 – Fragmento de madeira observado na massa do queijo ao corte e após análise de sujidades leves na amostra... 118

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Quadro 1 – Parâmetros estabelecidos pela IN 51, de 18/09/2002, para qualidade do leite cru refrigerado... 33 Quadro 2 – Parâmetros estabelecidos pela IN 62, de 29/11/2011, para qualidade do leite cru refrigerado, após alteração do prazo... 33 Quadro 3 – Características dos queijos artesanais brasileiros a base de leite cru... 35 Quadro 4 - Microrganismos indicadores e patógenos encontrados no QAS acima dos limites estabelecidos pelo Decreto n° 1238 de 2017... 45 Quadro 5 – Gêneros de bolores encontrados em alguns tipos de

queijos... 49 Quadro 6 - Quantificação de AFM1 em estudos com diversas

variedades de queijos... 54 Quadro 7 – Sujidades encontradas em queijos produzidos no Brasil 55

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Capítulo 2

Tabela 1 – Espécies de fungos filamentosos presentes no QAS ao longo dos períodos de maturação... 95 Tabela 2 – Contagem de fungos filamentosos presentes no Queijo Artesanal Serrano ao longo dos períodos de maturação... 97 Tabela 3 - Contagem de leveduras presentes no Queijo Artesanal Serrano ao longo dos períodos de maturação... 98 Tabela 4 - Espécies de leveduras presentes no Queijo Artesanal Serrano ao longo dos períodos de maturação identificadas por

MALDI-TOF... 99 Capítulo 3

Tabela 1 – Umidade, atividade de água, contagem fúngica total e quantificação de aflatoxina M1 do Queijo Artesanal Serrano produzido em Santa Catarina ao longo de 4 períodos de maturação (14, 21, 28 e 35 dias)... 114 Tabela 2 – Matérias estranhas encontradas no QAS produzido em Santa Catarina... 117

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AFB1 - Aflatoxina B1 AFB2 - Aflatoxina B2 AFG1 - Aflatoxina G1 AFG2 - Aflatoxina G2 AFLs - Aflatoxinas AFM1 - Aflatoxina M1

ANVISA - Agência Nacional de Vigilância Sanitária AOAC - Association of Official Analytical Chemistry aw - Atividade de água

CCA - Centro de Ciências Agrárias CCD - Cromatografia em Camada Delgada CCS - Contagem de Células Somáticas

CLAE - Cromatografia Líquida de Alta Eficiência CO - Centro-Oestre

CYA - Ágar Extrato de Levedura Czapek DO - Denominação de Origem

ELISA - Enzyme-Linked Immunosorbet Assay

EPAGRI - Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina

FL - Fluorescência

G25N - Ágar Glicerol Nitrato 25%

HPLC - High Performance Liquid Chromatography IARC - International Agency for Research on Cancer ICBS - Instituto de Ciências Básicas da Saúde IG - Indicação Geográfica

IN - Instrução Normativa

INPI - Instituto Nacional da Propriedade Industrial IP - Indicação de Procedência

LABCAL - Laboratório de Ciências e Tecnologia de Alimentos LabMico - Laboratório de Micotoxinas e Contaminantes Alimentares LMT - Limite Máximo Tolerável

log - Logaritmo

MALDI - Matrix-assisted laser desorption/ionization

MAPA - Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento mc - Umidade

MEA - Ágar Extrato de Malte MG - Minas Gerais

MS - Massas N - Norte

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NE - Nordeste PA - Pará

PDA - Ágar Batata Dextrose pH - Potencial Hidrogeniônico QAS - Queijo Artesanal Serrano

RDC - Resolução da Diretoria Colegiada

RIISPOA - Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal

RS - Rio Grande do Sul S - Sul

SC - Santa Catarina SE - Sudeste

TOF - Time Of Flight

UFC - Unidade Formadora de Colônia

UFRGS – Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina UHT - Ultra Alta Temperatura

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1 INTRODUÇÃO ... 21

2 OBJETIVO ... 23

2.1 GERAL ... 23

2.2 ESPECÍFICOS ... 23

CAPÍTULO 1 - REVISÃO BIBLIOGRÁFICA... 25

3 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ... 27

3.1 O LEITE BOVINO ... 27

3.2 LEITE CRU x LEITE TRATADO TERMICAMENTE ... 29

3.2.1 Benefícios do consumo e utilização do leite cru ... 30

3.2.2 Riscos do consumo e utilização do leite cru ... 31

3.2.3 Qualidade do leite brasileiro ... 32

3.3 QUEIJOS ARTESANAIS ... 34

3.3.1 Queijo Artesanal Serrano ... 36

3.3.2 Principais microrganismos e contaminantes do QAS ... 42

3.3.2.1 Bactérias ... 42

3.3.2.2 Fungos ... 45

3.3.2.3 Aflatoxina M1 ... 51

3.3.2.4 Sujidades ... 54

3.4 INDICAÇÃO GEOGRÁFICA DE ALIMENTOS ... 55

CAPÍTULO 2 - MICOBIOTA NATURAL DO QUEIJO ARTESANAL SERRANO PRODUZIDO EM SANTA CATARINA, BRASIL 89 CAPÍTULO 3 - A QUALIDADE DO QUEIJO ARTESANAL SERRANO PRODUZIDO EM SANTA CATARINA, BRASIL, EM RELAÇÃO À CONTAGEM FÚNGICA, AFLATOXINA M1 E SUJIDADES ... 107

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CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 123 APÊNDICE A ... 125 ANEXO A ... 127

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1 INTRODUÇÃO

O Brasil possui uma grande produção leiteira, ocupando uma posição de destaque mundial, porém isto foi devido ao aumento do rebanho bovino e não por um incremento na produtividade. Isto reflete a baixa qualidade do leite produzido, que atrapalha o seu uso como matéria prima para outros produtos derivados.

O queijo é um alimento cada vez mais comum na mesa dos consumidores, mas a produção interna não supre sua demanda. Em contrapartida, a procura por queijos artesanais, característicos de algumas regiões, tem aumentado e com isso chamado atenção para o risco do consumo destes produtos.

A produção artesanal de queijos ainda hoje é alvo de muitas polêmicas, principalmente devido ao fato de ser um derivado produzido com leite cru. Produtores, consumidores e alguns estudiosos defendem o queijo artesanal pela sua relação de caracterização e identidade do território em que é produzido, da sua tradição, bem como dos benefícios sensoriais de se utilizar a matéria prima crua. Por outro lado, outros especialistas e os próprios órgãos regulamentadores têm receio quanto aos fatores higiênico-sanitários, tanto da matéria prima, pois sabe-se que o leite brasileiro é de baixa qualidade, bem como do processo produtivo, manuseio e comercialização do produto.

A utilização do leite cru para fabricação de queijos é de longa data, porém, devido aos riscos que podem carrear ao produto final, essa prática foi substituída pela utilização de processos de fervura, pasteurização ou esterilização do leite a ser usado como matéria prima. Entretanto, queijos renomados, como o Grana Padano e o Gorgonzola, são tradicionalmente produzidos a partir do leite cru. O principal diferencial da utilização do leite in natura se dá nas características sensoriais. Isto ocorre devido ao fato de que cada ambiente com seu clima, hidrografia e microrganismos atua de uma maneira diferente sobre o rebanho bovino, alterando a composição da microbiota presente no leite. Sendo assim, microrganismos diferentes agem de maneira diversa, utilizando rotas metabólicas diferentes e consequentemente produzindo metabólitos distintos. Com isso, as características do queijo, como o sabor, a textura e a coloração serão alteradas, de acordo com as influências da microbiota do leite característico de cada região territorial. Queijos produzidos de maneira similar, em uma mesma região, possuem identidade semelhantes, e são agrupados em um tipo de queijo. Como por exemplo Minas Gerais, com os queijos: Araxá, Canastra e Serro, e Santa Catarina e Rio Grande do Sul, com os queijos Colonial e o Serrano.

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Por ser um alimento muito nutritivo, o leite é um potencial meio de cultura, o qual propicia a proliferação de microrganismos benéficos, bem como de patógenos. Além disso, por ser de origem animal, a qualidade do leite ainda depende da sanidade da matriz e do seu manejo de ordenha para evitar contaminações. Os contaminantes mais estudados nos leites consistem em bactérias e em resíduos de antibióticos, porém ainda deve-se levar em consideração a presença de micotoxinas, em especial a aflatoxina M1 (AFM1), não muito estudada em alguns queijos artesanais brasileiros.

Com o aumento do mercado de queijos artesanais brasileiros e toda a discussão a respeito da qualidade deste produto, é de fundamental importância estudá-lo mais detalhadamente. Muitas pesquisas sobre a qualidade bacteriológica já foram elaboradas, mas ainda é necessário levantar dados relacionados à outros perigos potencialmente existentes, visto que as produções são em pequena escala e com baixa infraestrutura. O presente trabalho busca obter dados sobre a qualidade e segurança biológica do Queijo Artesanal Serrano produzido em Santa Catariana, com a finalidade de garantir a saúde dos consumidores. Para isso, foi realizada a pesquisa e quantificação de AFM1, bem como a análise de sujidades leves. Também foi feita a caracterização micológica deste queijo, através da determinação dos fungos filamentosos e leveduras presentes no produto ao longo de quatro períodos de maturação.

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2 OBJETIVO

2.1 GERAL

Caracterizar e avaliar a presença de contaminantes do Queijo Artesanal Serrano produzido no estado de Santa Catarina.

2.2 ESPECÍFICOS

- Determinar a micobiota de ocorrência natural no QAS, auxiliando na conquista da identidade geográfica deste queijo;

- Avaliar a qualidade da produção e a segurança do alimento através da contagem fúngica total, quantificação de AFM1 e sujidades;

- Avaliar o teor de umidade e atividade de água e confrontar com os diferentes períodos de maturação.

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3 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

3.1 O LEITE BOVINO

O leite é o mais valioso alimento natural para todos os mamíferos, principalmente lactantes, crianças e animais em crescimento, sendo de grande importância na alimentação humana devido ao seu alto e completo teor nutritivo (BARROS; JESUS; SILVA, 2001). Com isso, a amamentação nos meses iniciais de vida é importante em diversos processos orgânicos, como no desenvolvimento do trato digestivo, implementando sua função imune para proteção contra microrganismos patogênicos (HARAGUCHI et al., 2009). O leite humano está disponível somente nos primeiros meses de vida, então a partir da domesticação do gado bovino, o leite desta espécie ganhou espaço na nutrição humana, pois é fonte de proteínas, lipídios, carboidratos, minerais e vitaminas. Além disso, Toba et al. (2000) demonstraram a ação das proteínas do soro do leite na formação óssea, estimulando os osteoblastos a se proliferarem e diferenciarem, aumentando a densidade de mineralização dos ossos e inibindo a reabsorção de cálcio.

O leite de origem bovina domina a produção mundial (CLAEYS et al., 2014). Além do leite em si, seus derivados (queijos, manteiga, iogurtes e sorvetes) são consumidos em todo o mundo (KOBAYASHI et al., 2016). O Brasil é detentor do segundo maior rebanho bovino, sendo o quarto maior produtor mundial de leite, com aproximadamente 34 milhões de toneladas (VILELA et al., 2017). Minas Gerais é o líder da produção no país, destacando a região sudeste na indústria leiteira. Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina e São Paulo também são destaques na produção brasileira de leite (SANTA CATARINA, 2017a).

De acordo com o artigo 475 do RIISPOA o leite é definido como: [...] sem outra especificação, o produto oriundo da ordenha completa, e ininterrupta, em condições de higiene, de vacas sadias, bem alimentadas e descansadas (BRASIL, 2002, p. 98).

O leite de origem bovina consiste em um fluído formado por diversos nutrientes previamente sintetizados na glândula mamária a partir de precursores derivados da alimentação e metabolismo dos animais. É uma emulsão de glóbulos de gordura e micelas de caseína (compostas por caseína, cálcio e fósforo) suspensas em uma fase aquosa que contém

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moléculas de lactose, proteína do soro do leite e alguns minerais solubilizados (HAUG; HOSTMARK; HARSTAD, 2007). Ainda na fase suspensa encontram-se os leucócitos. Sua composição consta de 87% de água, 4,9% de lactose, 3,8% de gordura, 3,5% de proteínas e 0,8% de sais (VALSECHI, 2001). Também apresenta pigmentos como riboflavina e caroteno, enzimas como lactoperoxidase, lipase, catalase, fosfatase e redutase; e vitaminas lipossolúveis e hidrossolúveis. O leite bovino é rico em proteínas de alto valor biológico, possui alta digestibilidade de suas gorduras, além de exercer uma influência reguladora sobre a microbiota bacteriana do trato intestinal (VEISSEYRE, 1998). O leite secretado é uma mistura destes componentes, estabelecendo propriedades complexas a este alimento. Esta é uma matriz de alto valor nutritivo, o que o leva a ser também um excelente meio de cultura para microrganismos, sejam eles patogênicos ou deteriorantes (CHAMBERS, 2002; RUEGG, 2003). Sua microbiota variada é composta por bactérias, fungos, leveduras e vírus, sendo que esta variação ocorre conforme as condições do ambiente no qual está o animal (MENEZES et al., 2014).

A composição dos microrganismos presentes no leite depende do estado sanitário animal, ambiental e do ordenhador, além das condições de higiene em que é realizada a ordenha (MENDES, 2006). Nem todos os microrganismos presentes no leite são patogênicos, existem gêneros que são benéficos ao homem e à produção de derivados lácteos como o queijo.

Streptococcus lactis, Streptococcus cremoris, Streptococcus diacetilactis

e Leunostoc cremoris são exemplos de microrganismos benéficos, que são chamados de “fermentos lácticos” e amplamente utilizados na indústria de queijos e manteiga (REIS, 2013; VIEGAS, 2008). É a microbiota típica que determina o sabor, aroma e aparência do leite, sendo de fundamental importância na produção e características sensoriais do derivado (FARIA; BENEDET; GUERROUE, 2006). Por outro lado, os contaminantes são indesejáveis nos alimentos, seja pela sua alteração nas características físico-químicas do leite e seus derivados, ou ainda pelo risco de causar doenças aos consumidores (ELMOSLEMANY et al., 2010; JAYARAO et al., 2004).

Os produtos que possuem o leite como matéria prima são afetados diretamente pela sua qualidade. Sua conservação, tempo de armazenagem e controle de tempo e temperatura até a sua utilização são pontos importantes para garantir um bom produto final (BAVA et al., 2011; JAYARAO et al., 2004).

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3.2 LEITE CRU x LEITE TRATADO TERMICAMENTE

O consumo de leite cru não é bem aceito e documentado, porém, com a atual procura por alimentos naturais e produzido em regiões próximas, o consumo do leite in natura tem aumentado (CLAEYS et al., 2013). Nos Estados Unidos, a utilização de leite não tratado termicamente vem crescendo, principalmente para a produção de queijos artesanais (PAXON, 2008). Esta ascendência é corroborada pela cultura de que os tratamentos térmicos causam perda de nutrientes e consequentemente a redução de benefícios para a saúde, além de poder carrear patógenos (CLAEYS et al., 2013). Por outro lado, com o valor nutricional do leite, bem como seu pH próximo a neutralidade e a sua elevada atividade de água, este produto cru serve como meio de cultura para diversos microrganismos desejáveis e indesejáveis (DONKOR; ANING; QUAYE, 2007; SOUZA et al., 1995). A durabilidade do leite é limitada pela presença e multiplicação de microrganismos, que causam modificações físico-químicas no mesmo. O tratamento térmico veio como advento para garantia da segurança microbiana e prolongamento da vida útil do leite (CLAEYS et al., 2013).

O efeito da utilização deste tipo de tratamento pode ser observado no histórico de dados de saúde pública. Nos Estados Unidos, por exemplo, antes de 1938, ano em que se adotou o uso da pasteurização, 25% de todos os surtos veiculados por alimentos e água estavam associadas ao consumo de leite cru. Enquanto nos dias de hoje, estima-se que este seja responsável por menos de 1% dos surtos (FDA, 2011). Outros países como Inglaterra e Escócia apresentaram características semelhantes, este último principalmente após a proibição da venda de leite não pasteurizado em 1983 (BURT; WELLSTEED, 1991; CLAEYS et al., 2013). O Japão também não permite a utilização de leite cru para a produção de derivados lácteos, sendo grande parte de seus produtos processados a partir de leite pasteurizado em baixas temperaturas (KOBAYASHI et al., 2016).

Antigamente, a brucelose e a tuberculose eram as principais causas de risco de consumo de leite cru (LANGER et al., 2012), sendo a temperatura de destruição do Mycobacterium tuberculosis o padrão para o tratamento térmico adequado. Estas doenças foram erradicadas em muitos países, principalmente através de programas de certificação onde os animais infectados eram abatidos para evitar propagação do patógeno, instalação de tanques de expansão para a coleta de leite nas fazendas e a introdução da pasteurização como tratamento de calor (GRIFFITHS, 2010). Atualmente é a temperatura de destruição da Coxiella burnetti e da Listeria monocytogenes que são utilizadas como padrão do tratamento

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(62-65 °C/30 min e 72 °C/15 s para pasteurização lenta e rápida, respectivamente), pois são os patógenos com potencial zoonótico com maiores resistências ao aumento de temperatura (CLAEYS et al., 2013). 3.2.1 Benefícios do consumo e utilização do leite cru

Ainda hoje, o tratamento por aquecimento do leite é visto como um processo que elimina os benefícios à saúde obtidos pelo consumo deste alimento cru. Muitos associam o tratamento térmico com o risco de desenvolvimento de diversas patologias como a alergia ao leite, intolerância à lactose, diabetes, osteoporose e a artrite (CLAEYS et al., 2013; PAXSON, 2008). Além disso, ao se tratar termicamente o leite, perde-se a microbiota característica nele presente. A variada microbiota e o método de fabricação especial dos queijos artesanais são fundamentais para garantir o desenvolvimento das suas características organolépticas, além de diminuir o risco de presença de microrganismos patogênicos pela inibição competitiva (CLAEYS et al., 2013). A microbiota do leite cru é uma parte imprescindível em muitos queijos tradicionais, juntamente com os microrganismos presentes no ambiente de fabricação, culturas no soro e das prateleiras de madeira onde os queijos maturam (MONTEL et al., 2014).

Pesquisas realizadas em países industrializados apontaram a presença mais elevada de bactérias do que fungos, com uma predominância de Staphylococcus spp. e bactérias corineformes, além do gênero Pseudomonas sp. em leite de vaca cru refrigerado (ARCURI, 2003; JAY, 2005). A variabilidade de composição da microbiota é grande entre fazendas, porém é muito pequena dentro de uma mesma propriedade, exceto em variações sazonais (DESMASURES; BAZIN; GUÉGUEN, 1997; TEIXEIRA et al., 2003). Desde os anos 1980, a utilização de boas práticas como armazenagem refrigerada do leite e limpeza e desinfecção de tetos e úbere vêm melhorando a qualidade higiênica do leite cru e reduzindo a carga microbiana (BEUVIER; BUCHIN, 2004). Nos locais que adotam estas medidas, a carga de contaminação tem permanecido estável no leite de vaca cru desde os anos de 1990 (MALLET et al., 2012).

Cerca de 100 gêneros e 400 espécies microbianas têm sido encontradas no leite cru, sendo principalmente bactérias gram-negativas, seguida de bactérias gram-positivas, catalase positivas e ácido-láticas, leveduras e bolores (MONTEL et al., 2014).

Alguns gêneros de microrganismos funcionam como culturas iniciadoras que auxiliam na maturação e formam metabólitos importantes

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para formação do sabor e do aroma. A lise celular das leveduras, por exemplo, libera vitaminas e aminoácidos, que estimulam as bactérias, as quais, por sua vez, liberam precursores de aromas. No que diz respeito aos bolores, a presença de certos gêneros é desejável ou indesejável para modulação do sabor, bem como há o problema de produção de micotoxinas, que são um risco em potencial para a saúde do consumidor (TORKAR; VENGUST, 2008). Bolores e leveduras presentes em leite cru não sobrevivem a processos térmicos, então no caso de queijos produzidos com leite tratado, a contaminação acontece no ambiente de fabricação, salas de maturação, água, salmoura, etc (CHAPMAN; SHARPE, 1990; JAY, 1992). O Geotrichum candidum é um exemplo de fungo o qual suas lipases e proteases liberam ácidos graxos e peptídeos que contribuem para o desenvolvimento do sabor e aroma no queijo, o que acontece por exemplo na maturação do Camembert (TORNADIJO et al., 1998; WOUTERS et al., 2002).

3.2.2 Riscos do consumo e utilização do leite cru

O principal problema do leite cru ou dos derivados a partir dele produzidos é a potencial presença de riscos químicos, físicos ou biológicos para quem o consome, como resíduos medicamentosos de antiparasitários e antibióticos, micotoxinas (principalmente AFM1), vírus como o da febre aftosa, e bactérias como os gêneros Campylobacter spp.,

Salmonella spp., Escherichia coli, Mycobacterium tuberculosis e Brucella abortus (CLAEYS et al., 2013; PICININ, 2013). A

contaminação pode ser originária do animal doente ou saudável, ou ainda ambiental durante a ordenha e armazenagem do leite (O’MAHONY; FANNING; WHYTE, 2009; ROBINSON; SCHEFTEL; SMITH, 2013).

Pesquisadores afirmam que o tratamento térmico, por pasteurização ou UHT, não altera os benefícios nutricionais do leite cru, como o favorecimento da absorção de cálcio, fósforo, proteínas e aminoácidos essenciais (principalmente a lisina) e vitaminas (ROCHA, 2004). Alguns nutrientes podem ser parcialmente perdidos no tratamento, mas estes não são de grande relevância nas necessidades nutricionais diárias. A grande alteração é nos quesitos organolépticos, e mesmo assim, ainda é um fator de percepção individual (CLAEYS et al., 2014; PAXTON, 2008; PICININ, 2013).

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3.2.3 Qualidade do leite brasileiro

Toda a discussão a respeito da liberação ou não da comercialização de leite cru e seus derivados tem como ponto principal a qualidade desta matéria prima. A produção leiteira no Brasil prioriza a quantidade de litros produzidos ao invés da qualidade do produto (RIBEIRO; STUMPF JÚNIOR; BUSS, 2000). Dessa forma, nos últimos anos, o Brasil aumentou sua produção, passando de sexto para quarto maior produtor mundial, fato que ocorreu pelo aumento do rebanho bovino e não na produtividade (BRASIL, 2015).

No Brasil, o leite in natura, de maneira geral, tem como característica altas contagens de microrganismos e células somáticas (BELOTI et al., 2011; BUENO et al., 2005; CORDEIRO; CARLOS; MARTINS, 2002). Esta baixa qualidade é causada principalmente à deficiência de manejo, boas práticas e higiene na ordenha dos animais, sanidade do rebanho e falta de manutenção dos equipamentos, além dos locais e condições de armazenamento do leite (SANTANA et al., 2001).

Dentre os microrganismos que são utilizados como indicadores de qualidade estão os aeróbios mesófilos, que contemplam as bactérias acidificantes do leite, e as patogênicas (NASCIMENTO; SOUZA, 2002). Sua contagem e determinação são empregadas para o controle de qualidade do leite, em questões como deficiência na higienização de equipamentos e utensílios ao longo da produção, armazenagem e beneficiamento do produto (FRANCO; LANDGRAF, 2008). A contagem de células somáticas também é um parâmetro de qualidade e consistem em células de defesa do organismo animal que extravasam do sangue para a glândula mamária para controlar alguma infecção que esteja se desenvolvendo no local ou ainda podem ser células de descamação (VALLIN et al., 2009).

Com o desenvolvimento da produção leiteira e o crescente mercado de lácteos, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), visando a segurança alimentar dos consumidores, publicou a Instrução Normativa (IN) nº 51 de 18 de setembro de 2002, que trouxe parâmetros de produção, identidade e qualidade para os leites do tipo A, B e C, pasteurizado e cru refrigerado, bem como a coleta de leite cru refrigerado e seu transporte a granel (BRASIL, 2002). Esta legislação objetivou um início de padronização do leite, bem como orientou em relação à qualidade higiênico-sanitária exigida, através do estabelecimento de limites de contagem bacteriana e contagem de células somáticas (Quadro 1).

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Quadro 1 – Parâmetros estabelecidos pela IN 51, de 18/09/2002, para qualidade do leite cru refrigerado

Fonte: Brasil (2002)

Esta Instrução Normativa foi pioneira no Brasil no que diz respeito à introdução de parâmetros de controle, em especial os padrões mínimos aceitáveis em relação à contagem de células somáticas e contagem bacteriana total em leite cru (SANTOS, 2014). Por isso, a sua projeção de níveis a serem atingidos foi determinado em etapas, com a meta de conclusão do objetivo no ano de 2011 (BRASIL, 2002). Porém, como a normativa não estabeleceu punições aos produtores que não atendessem a estes requisitos, cerca de 30% a 40% das amostras analisadas permaneciam acima dos limites permitidos. Atribuiu-se o não cumprimento dessas metas ao grande número de produtores no país, bem como à disparidade no sistema de produção (SANTOS, 2014). Como uma nova tentativa de melhorar a qualidade do leite brasileiro, o MAPA publicou em 29 de dezembro de 2011 a IN n° 62 (BRASIL et al., 2012), para regulamentar a produção, identidade e qualidade do leite tipo A, leite cru refrigerado, leite pasteurizado, assim como a coleta do leite cru refrigerado e seu transporte a granel, com novos limites de contagem para células somáticas e bactérias totais e novos prazos (Quadro 2).

Quadro 2 – Parâmetros estabelecidos pela IN 62, de 29/11/2011, para qualidade do leite cru refrigerado, após alteração do prazo

Fonte: Brasil (2011) Índice medido S/SE/CO: Até 01/07/2005 N/NE: Até 01/07/2007 S/SE/CO: Até 01/07/2008 N/NE: Até 01/07/2010 S/SE/CO: Até 01/07/2011 N/NE: Até 01/7/2012 S/SE/CO: A partir de 01/07/2011 N/NE: A partir de 01/07/2012 Contagem bacteriana total (UFC/mL)

Máximo 1x106 Máximo 1x106 Máximo 7,5x105

Máximo 1x105 (Tanque individual) Máximo 3x105 (Tanque coletivo) Contagem de células somáticas (CCS/mL)

Máximo 1x106 Máximo 1x106 Máximo 7,5x105 Máximo 4x105

Índice medido S/SE/CO: Até 31/12/2011 N/NE: Até 31/12/2012 S/SE/CO: Até 30/06/2014 N/NE: Até 30/06/2015 S/SE/CO: Até 30/06/2016 N/NE: Até 30/06/2017 S/SE/CO: A partir de 01/07/2018 N/NE: A partir de 01/07/2018 Contagem bacteriana total (UFC/mL)

Máximo 7,5x105 Máximo 6x105 Máximo 3x105 Máximo 1x105 Contagem

de células somáticas (CCS/mL)

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O prazo final da última etapa era julho de 2016 para as regiões Sul (S), Sudeste (SE) e Centro Oeste (CO), e de julho de 2017 para o Norte (N) e Nordeste (NE) (BRASIL, 2011b). No entanto, ainda no ano de 2016 o prazo foi estendido para julho de 2018 para todas as regiões, devido ao número de propriedades ainda fora das expectativas e pelo Governo entender se tratar de uma regulamentação rigorosa (SANTA CATARINA, 2016a).

Ainda, vale ressaltar que o leite cru que é consumido pelo próprio produtor, bem como o utilizado na produção de queijo artesanais, não passa por nenhuma inspeção, não tem parâmetros higiênico-sanitários controlados, tampouco tem análise para resíduos ou outros contaminantes (GOMES, 2000).

3.3 QUEIJOS ARTESANAIS

A produção queijeira tem séculos de história e se tornou uma atividade de grande importância no mundo todo (CÓRDOVA, 2016). Toda sua cadeia de processamento depende da seleção de uma matéria prima com bons padrões químicos, físicos e microbiológicos (CÓRDOVA, 2016; FOX; MCSWEENEY, 2004).

A formação do queijo depende da fermentação do leite, que, no início desta atividade produtiva, era uma consequência do metabolismo da microbiota presente no leite cru. Estes microrganismos (bactérias e fungos) interagem com o meio levando a alterações importantes para formação do produto final, como as diferentes texturas, composição, cheiro e sabor (BERESFORD et al., 2001; MALLET et al., 2012; NDOYE et al., 2011). Com o avanço tecnológico da produção e a preocupação com a saúde do consumidor, a produção de queijos passou a utilizar o leite tratado termicamente, adicionando culturas microbianas, tanto starters para inicializar o processo fermentativo, quanto de gêneros que atuam promovendo os aspectos sensoriais esperados (CÓRDOVA, 2016). No entanto, alguns produtores tradicionalmente mantiveram o hábito da utilização do leite cru na fabricação de queijos (LÓPEZ; MAYO, 1997; MEDINA et al., 2011; POZNANSKI et al., 2004). Os microrganismos próprios do leite in natura são os responsáveis por seu cheiro, textura e sabor característicos, porém diversos fatores adicionais como o ambiente de produção, clima e tipo de alimentação do gado, também influenciam significativamente as características finais do queijo (CÓRDOVA, 2016; LICITRA, 2010; POZNANSKI et al., 2004), quesitos que cada vez mais atraem novos consumidores de produção artesanal.

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Pode-se definir um produto como artesanal ou colonial aquele que possui algum grau de processamento realizado nas propriedades rurais, geralmente de produção familiar, através de um processo artesanal de produção (SILVA et al., 2007).

Os queijos artesanais são produzidos em pequenas propriedades rurais ao redor de todo o mundo (CEZAR et al., 2016; KINDE et al., 2007), além de ser uma prática existente ao longo de todo o território nacional (Quadro 3). Esta atividade reflete as relações entre os produtores, comerciantes e consumidores com a sua localidade (MENEZES, 2011a). A atividade não segue a atual legislação vigente, estando assim alocada no mercado informal (MENEZES, 2011b).

Quadro 3 - Caraterísticas dos queijos artesanais brasileiros a base de leite cru

NOME LOCAL DE

PRODUÇÃO

TIPO DE

LEITE ASPECTO SABOR

Alagoa Alagoa, MG Vaca

Casca natural e lisa, sem rachadura e

comestível

Muito aromático, levemente picante, intenso, salgado e

persistente

Araxá Araxá, MG Vaca

Casca fina amarelo clara,

sem trincos

Ácido, amanteigado e pouco salgado. Quanto mais curado,

mais picante e rígido

Campo Redondo Campo Redondo, MG Vaca Casca amarela e textura pastosa

Adocicado quando jovem e salgado com fundo doce

quando curado

Coalho Região

Nordeste Vaca ou cabra

Sem casca, cor marfim clara

Suave, pouco salgado, textura levemente borrachenta

Marajó Ilha de Marajó,

PA Búfala

Casca branco pérola

Aroma de leite fresco, sabor suave, gorduroso e pouco

salgado Serra da Canastra Serra da Canastra, MG Vaca Casca lisa e ligeiramente oleosa, podendo apresentar mofo branco

Levemente ácido, pouco salgado. Quanto maior o período de cura, mais picante

e rígido Serra do Salitre Patrocínio e Patos de Minas, MG Vaca Casca dura coberta por resina laranja

Bem picante e muito salgado

Serro Vale do Rio Doce e Serro, MG Vaca Casca natural amarelo marfim, textura lisa e sem rachadura

Brando, ligeiramente salgado, úmido e ácido. Aromas florais

Serrano Campos de Cima da Serra, RS e Planalto Sul, SC Vaca Casca amarelo clara, macia e comestível Ácido e amanteigado Fonte: Aleixo (2016)

No início da sua produção, os queijos eram preparados para consumo próprio, mas com a saída da população do campo, estes produtos passaram a ser consumidos também nas cidades (GARCIA et al., 1999;

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MENEZES, 2011a). No entanto, a sua produção permaneceu com a mesma essência, que caracteriza-se por aglomerações produtivas em diferentes territórios, apresentando vínculos culturais e histórico entre o produto e a localidade, gerando uma identidade própria (MENEZES, 2011a).

Embora a produção artesanal se destaque pela produção em baixa escala nas pequenas fazendas leiteiras, o queijo tem se tornado cada vez mais competitivo no mercado, movimentando a economia da região através da geração de postos de trabalhos e do estabelecimento da fonte de renda dos agricultores, o que acaba reduzindo em algumas localidades as taxas de evasão rural (BUAINAIN et al., 2003; MENEZES, 2011a; PAXSON, 2008; WESZ; TRENTIN, 2004). A prática de produção queijeira artesanal, com sua temporalidade e espacialidade contribui para a manutenção das raízes, transmitindo o conhecimento entre as gerações (MENEZES, 2011a).

No Brasil, os queijos artesanais ainda são causa de grande discussão. Se por um lado há toda a característica de uma região representada no alimento, com uma forte identidade e contribuição social do agricultor familiar (MENEZES, 2011a; VINHA et al., 2010). Em contrapartida, a produção é em sua grande parte informal, além da problemática higiênica-sanitária na produção, que é um risco à saúde do consumidor (MENEZES, 2011a).

Sabe-se que a produção de queijos artesanais no Brasil não é feita de acordo com os requisitos de higiene e sanidade estabelecidos pela legislação, principalmente no que diz respeito ao risco de presença de microrganismos patogênicos (ALMEIDA; JÚNIOR; GUERRA, 2013; ANTONELLO; KUPKOVSKI; BRAVO, 2012). A utilização do leite cru é um fator de perigo biológico ao alimento quando as vacas leiteiras não se encontram em estado de saúde, ou ainda quando não há uma devida manipulação e conservação do produto (leite e queijo) durante o processamento (ALMEIDA; JÚNIOR; GUERRA, 2013; CEZAR et al., 2016).

3.3.1 Queijo Artesanal Serrano

O Queijo Artesanal Serrano (QAS) é um produto típico com mais de duzentos anos de tradição, característico de uma região de 16.000 Km2 (Figura 1) entre os Campos de Cima da Serra no nordeste do Rio Grande do Sul e o Planalto Sul de Santa Catarina (CÓRDOVA; SCHLICKMANN, 2012a; CÓRDOVA; SCHLICKMANN, 2012b; PEREIRA et al., 2014).

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Figura 1 – Região produtora do Queijo Artesanal Serrano

Fonte: Amarante (2016)

A região serrana está localizada em uma área de transição entre os biomas Pampa e a Mata Atlântica (AMBROSINI, 2007; CRUZ et al., 2008). Esta caracteriza-se por abrigar os locais mais frios e altos do sul brasileiro, no qual mais de 70% do território está acima de 900 metros de altitude, chegando a 1800 metros acima do nível do mar em algumas regiões. Com a altitude combinada à localização subtropical da região, a temperatura média ao longo do ano varia entre 13 e 16°C (CRUZ et al., 2008; CÓRDOVA et al., 2011; PEREIRA, et al., 2014).

A produção artesanal do Queijo Serrano é uma tradição secular proveniente da época dos tropeiros e que se manteve ao longo das gerações, fortalecendo sua importância econômica e social (CÓRDOVA; SCHLICKMANN, 2015; KRONE; MENASCHE, 2010). A região dos Campos de Cima da Serra foi colonizada por portugueses, alemães e italianos, que, devido às características do local, praticavam a pecuária extensiva e utilizavam a carne e leite para consumo e para fabricação de produtos, como o queijo (PEREIRA, 2014). Com a comercialização entre o Rio Grande do Sul e a região sudeste, se estabeleceu a rota dos tropeiros, que foi responsável pelo povoamento da região serrana de Santa Catarina (CRUZ et al., 2008; PEREIRA, 2014).

A produção do QAS iniciou concomitantemente à colonização do local. Os produtos excedentes de produção, como o couro, pinhão e o queijo eram trocados pelos tropeiros por produtos elaborados em outras regiões do país, como sal, açúcar, tecido, cachaça, entre outros (PEREIRA, 2014).

O QAS é então um produto típico de uma região com forte pecuária de corte, onde este rebanho bovino representa sua fonte de renda mais expressiva e tradicional (sistema de produção extensivo à base de campo nativo) (AMBROSINI; FILIPPI, 2008; CRUZ et al., 2008).

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Atualmente 14 municípios gaúchos e 18 catarinenses produzem e comercializam o queijo (CÓRDOVA; SCHLICKMANN, 2015; IDE; BENEDET, 2001; SANTA CATARINA, 2015), que compõe de 10 a 60% da renda dos pequenos produtores da agricultura familiar da região (PEREIRA, 2014). Atualmente Santa Catarina possui dois mil produtores que produzem cerca de 1,6 mil toneladas de QAS por ano, com um faturamento bruto estipulado em 21 milhões de reais (SANTA CATARINA, 2015).

A lei estadual n°17.003, de 1° de setembro de 2016 (Anexo A), define o QAS como:

[...] o produto elaborado, na propriedade de origem do leite, a partir do leite cru, integral e recém-ordenhado, que se obtém por coagulação enzimática do leite, por meio da utilização de coalhos industriais e, no ato da prensagem, utiliza somente o processo manual e cujo produto final apresenta massa uniforme e consistência firme, cor e sabor próprios, isento de corantes e conservantes, com ou sem olhaduras mecânicas, conforme a tradição na Região Serrana de Santa Catarina” (SANTA CATARINA, 2016).

Por ser originário das pequenas propriedades, o leite é ordenhado de várias raças, tanto puras quanto cruzamentos, englobando principalmente animais de corte e misturas, alimentadas principalmente com pastagens naturais (PEREIRA, 2014).

A produção do QAS é tradicionalmente realizada por mão de obra familiar na propriedade, em uma construção anexa ao galpão de ordenha ou à residência. Algumas propriedades têm investido na construção de salas adequadas para a fabricação de um produto de maior qualidade e inocuidade (CÓRDOVA et al., 2011; KRONE; MENASCHE, 2007; PEREIRA, 2014; SANTA CATARINA, 2015). O processo (Figura 2) é iniciado até 2 horas após a ordenha, no qual o leite é filtrado sobre o recipiente onde será coagulado, através de tecidos finos ou filtros com peneira, para remoção de grandes impurezas (CÓRDOVA, 2011; PEREIRA et al., 2014; SANTA CATARINA, 2016). Posteriormente é adicionado o coalho, produzido pelo fungo Aspergillus niger, de acordo com a recomendação do fabricante, para precipitar as micelas de caseína, formando um coágulo firme (CAVALCANTE, 2009; CÓRDOVA, 2011). Ao fim de sessenta minutos é feita a quebra do coalho e seu descanso por dez a quinze minutos (CÓRDOVA, 2011). O coalho é novamente quebrado e seu soro removido, com ou sem o auxílio de água

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quente. Esta etapa é determinante para a definição da umidade do produto (CAVALCANTE, 2009; PEREIRA et al., 2014; RIES; LUZ; WAGNER, 2012). Em seguida é feita a salga diretamente na massa (que também pode ser feita no tecido que filtra o leite ou por salmoura). A massa é sovada, enformada, prensada, permanecendo assim por vinte minutos, com um peso de aproximadamente 5 kg para cada 1 kg de massa. O queijo é então virado e novamente prensado por mais quarenta minutos, e o peso da prensa é aumentado para 10 kg. A prensagem dura no mínimo 12 horas, sendo ideal um período de vinte e quatro horas, com viradas no decorrer do intervalo de tempo (CÓRDOVA, 2011). As peças são desenformadas e levadas para prateleiras de madeira de araucária aplainada sem pintura, em salas arejadas, protegidas por telas, em temperatura ambiente, entre 10 a 15°C. Os períodos de maturação variam entre dez a noventa dias (PEREIRA et al., 2014; RIES; LUZ; WAGNER, 2012), no entanto, tomando por base as leis nacionais para o comércio de queijos artesanais, a maturação só pode ser inferior a sessenta dias se houverem trabalhos que constatem a segurança para tal ação (BRASIL, 2011a). Todas as formas, pás, utensílios e prateleiras de maturação utilizadas são de madeira, sendo de difícil higienização, porém ainda há resistência dos produtores para a substituição por outro material (RIES; LUZ; WAGNER, 2012).

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Figura 2 – Fluxograma de produção do Queijo Artesanal Serrano

Fonte: Ries; Luz; Wagner (2012)

Pelo caráter artesanal do processo de produção do queijo, o leite utilizado como matéria-prima não sofre nenhum tratamento térmico para eliminação de microrganismos potencialmente patogênicos ao homem, permitindo que este chegue ao produto final. A contaminação também pode ocorrer devido a falhas no processo de fabricação (IDE; BENEDET,

Leite recém ordenhado Filtração Adição do coalho Quebra da coalhada no ponto de gel Repouso da coalhada Nova quebra da coalhada Dessoragem Salga da

massa Sova da massa

Dessoragem por prensa da massa Enformagem da massa Prensagem Viragem do

queijo Prensagem Desenformagem

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2001). A fim de obter um produto de qualidade e livre de riscos à saúde do consumidor, é necessário garantir uma alimentação de qualidade e a sanidade do rebanho, além da implantação de boas práticas de fabricação, (ZAFFARI; MELLO; COSTA, 2007).

Com a finalidade de reduzir o risco da presença de patógenos, os queijos a base de leite cru passam por um período de maturação, que pode ser inferior a 60 dias, desde que haja estudos científicos que comprovam que tal período é suficiente para garantir a qualidade e inocuidade do produto (BRASIL, 2011a; PERRY, 2004). No entanto, a maturação irá agir somente sobre os microrganismos, mas não em toxinas já presentes, como a AFM1.

O comércio do Queijo Serrano, assim como muitos queijos artesanais ocorre o ano inteiro e se manteve irregular por muitos anos, apesar da sua tradição e importância para economia e cultura. É difícil para os produtores atenderem às exigências estruturais de produção e sanidade apresentadas na atual legislação brasileira (CÓRDOVA et al., 2011; SANTA CATARINA, 2015). No entanto, no ano de 2016, foi decretada a lei estadual n° 17.003, que dispõe sobre a produção e a comercialização do queijo artesanal serrano, no estado de Santa Catarina. A legislação, que só foi publicada no diário oficial em julho de 2017, define o QAS, bem como seu processo de fabricação, estrutura física de processamento e a fiscalização, de um modo geral, legalizando o produto típico da Serra Catarinense (SANTA CATARINA, 2016). Esta lei é regulamentada pelo Decreto n°1238, de 19 de julho de 2017, que estabelece alguns parâmetros físico-químicos (que podem ser modificados de acordo com estudos científicos) e microbiológicos. Esse também estabelece exames preventivos para atestar a qualidade do rebanho, condições de boas práticas agropecuárias da produção, higiene dos manipuladores, instalações, utensílios e equipamentos, as fases do processamento, a comercialização e fiscalização (SANTA CATARINA, 2017b).

Apesar de não estabelecer limites em relação a avaliações de qualidade do queijo, como a contagem de microrganismos, esta lei inicia um processo de reconhecimento do QAS, permitindo e ampliando seu comércio e, consequentemente, o aperfeiçoamento da sua produção.

Neste contexto, as unidades produtoras vêm buscando adequação de seus produtos para atender os requisitos de um alimento seguro, mas ainda seguindo a linha de alimentos slow food, que valorizam a tradição, sustentabilidade e incentivo aos pequenos produtores (PEREIRA, 2014). Para tanto, a Secretaria de Agricultura, Pecuária e Agronegócio do estado do Rio Grande do Sul aprovou em 2010 o Regulamento Técnico Para

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Fixação de Identidade e Qualidade do Queijo Artesanal Serrano e seu processo de fabricação (RIO GRANDE DO SUL, 2010).

3.3.2 Principais microrganismos e contaminantes do QAS

A Instrução Normativa n°57 de 15 de dezembro de 2011 do MAPA autoriza a produção de queijos artesanais utilizando leite cru, porém impõe condições que devem ser seguidas a fim de minimizar os riscos à saúde pública (BRASIL, 2011a).

A ordenha e processamento do leite no Brasil são realizados muitas vezes de maneira precária e sem muitas condições de higiene e sanidade, o que ocorre também na fabricação do queijo (NERO; VIÇOSA; PEREIRA, 2009; PICININ, 2013). Toda a cadeia de produção deste alimento, desde uma alimentação de qualidade para o animal a campo, até o local adequado para a maturação do produto final, devem ser certificados para evitar a presença de contaminantes tóxicos ou microrganismos que sejam patogênicos ao consumidor (SANTANA et al., 2008).

Os microrganismos contaminantes podem causar doenças, ocasionar alterações físico-químicas e sensoriais no produto e influenciar na eficiência dos processos utilizados no seu beneficiamento (ZAFFARI; MELLO; COSTA, 2007), ou ainda produzir compostos pelo seu metabolismo que sejam tóxicos ao homem (GOMES et al., 2014). 3.3.2.1 Bactérias

Nem todos os microrganismos presentes no queijo são maléficos, já que este é um produto dependente da fermentação para produzir suas características organolépticas (WEST, 2008; WILKINSON et al., 1994). No caso das bactérias, enquanto um grupo é responsável pela formação de metabólitos que irão alterar o queijo para que apresente as suas características, outro grupo é classificado como deteriorante ou patogênico e são monitorados como parâmetros de qualidade (GERMANO; GERMANO, 2011).

Com a utilização do leite cru na fabricação do queijo, a microbiota presente no leite passa para a coalhada, na qual as bactérias lácticas fermentam a glicose e participam dos fenômenos bioquímicos que acontecem durante a maturação (MARCELINO, 2013). Nesta etapa, bactérias como o Lactococcus spp. apresentam uma rápida multiplicação (RUGGIRELLO; DOLCI; COCOLIN, 2014), enquanto os Lactobacillus spp. e outras espécies da microbiota secundária tem crescimento mais

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tardio ao longo do período. Alguns gêneros têm seu crescimento inibido ou desaparecem na maturação (ORDÓÑEZ et al., 2005), período que ocorrem fenômenos hidrolíticos como a proteólise e a lipólise (MCSWEENEY, 2004). É esta etapa final da produção em que o metabolismo bacteriano produz metabólitos como os peptídeos, aminoácidos livres, aminas, cetonas, aldeídos e ácidos graxos livres pelas transformações dos componentes do leite (lactose, proteínas e lipídeos), que irão contribuir para a formação do sabor, aroma e textura do produto final (ORDÓÑEZ et al., 2005; PERRY, 2004).

Por outro lado, a riqueza de nutrientes do leite também favorece a proliferação de microrganismos contaminantes (CLAEYS et al., 2013), fato agravado em casos de manipulação inadequada desta matéria prima. No que diz respeito às bactérias deteriorantes dos queijos, os coliformes e o gênero Clostridium são os principais representantes, sendo o primeiro responsável por estufamento precoce e o segundo por estufamento tardio da peça final. Estes microrganismos também são indicativos de qualidade do leite usado, bem como da higiene de produção, visto que nestas etapas é intenso o risco de contaminação com tais bactérias (GERMANO; GERMANO, 2011). Estes grupos microbianos são produtores de gás, que se acumulam na peça do queijo já em maturação, gerando rachaduras e orifícios irregulares típicos. Em pH alto, como o do leite, os coliformes competem com as bactérias láticas importantes para a fermentação do queijo, porém com o aumento da acidez e queda da atividade de água, estes microrganismos têm sua taxa de crescimento reduzida até seu desaparecimento (ORDÓÑEZ et al., 2005).

Os microrganismos indicadores da qualidade propriamente ditos são aqueles cuja presença e quantidade no alimento é analisada para avaliação da qualidade e estabelecimento da vida de prateleira do produto (JAY, 2005).

Dentre os indicadores, encontra-se o grupo dos coliformes totais, que compreende algumas espécies fermentadoras de lactose a 35°C. Estes microrganismos estão presentes geralmente no trato gastrointestinal de humanos e animais (Escherichia coli) e no ambiente (Citrobacter spp.,

Enterobacter spp., Klebsiella spp. e Serratia spp.) dentre outras

(FRANCO; LANDGRAF, 2008; SILVA et al., 2010). O grupo dos coliformes termotolerantes é um subgrupo dos coliformes totais, que também tem a capacidade de fermentar a lactose, porém a 45°C (SILVA et al., 2010).

Pertencente aos dois grupos de coliformes, a Escherichia coli é um excelente indicativo de contaminação no alimento (SILVA et al., 2010; SOOMRO et al., 2002), assim como os coliformes termotolerantes e

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totais e as enterobactérias. Isto ocorre pelo fato de serem facilmente inativados pelos sanitizantes, então sua presença indica falha no processo produtivo. E. coli é a principal indicadora de contaminação fecal em alimentos in natura (SILVA et al., 2010).

Dentre as bactérias patogênicas, deve-se atentar para os gêneros

Salmonella spp., Listeria spp. e Staphylococcus coagulase positiva.

A Salmonella spp. é apontada como principal bactéria causadora de infecções transmitidas por alimentos (GERMANO; GERMANO, 2011). Esta também é pertencente ao grupo Enterobacteriacea, com uma temperatura ótima de desenvolvimento em torno de 37°C (FRANCO; LANDGRAF, 2008). Ao se ingerir um alimento contaminado com esta bactéria, após um período de incubação de aproximadamente 18 horas, há a manifestação clínica como cólicas abdominais, náuseas, vômitos, diarreia, calafrios, febre e cefaleia (GERMANO; GERMANO, 2011).

As salmonelas também são parte da microbiota do trato intestinal de humano e animais e ocorre também no ambiente. A contaminação no alimento pode ocorrer pelo contato com a água, solo, fezes, insetos, superfícies de equipamentos e utensílios de cozinha e geralmente chega ao humano por meio de alimentos de origem animal contaminados, principalmente aqueles com alta umidade e porcentagem de proteínas como os lácteos, carnes e derivados (FRANCO; LANDGRAF, 2008; GERMANO; GERMANO, 2011). A legislação brasileira estabelece ausência de Salmonella spp. em 25 g do alimento analisado (BRASIL, 2001).

O gênero Listeria spp. compreende bactérias com capacidade de multiplicação em baixas temperaturas (psicrófilas), sendo a Listeria

monocytogenes a principal causa de preocupação com a saúde pública

(SILVA et al., 2010). Este grupo microbiano está presente no ambiente e acomete tanto o homem quanto os animais (GERMANO; GERMANO, 2011). A listeriose é caracterizada por quadros de septicemia, meningite, encefalite, infecção cervical ou intrauterina em gestantes, podendo provocar aborto ou nascimento prematuro (SILVA et al., 2010). Sua transmissão para humanos é mais associada ao leite contaminado e seus derivados, água, vegetais crus, patês de carnes, molhos de carne crua fermentada, aves cruas ou cozidas, peixes e frutos do mar (JEMMI; STEPHAN, 2006; SILVA et al., 2010). O padrão adotado pela normativa brasileira é de ausência deste patógeno em 25 g do alimento analisado (BRASIL, 2001).

Os Staphylococcus coagulase positiva são bactérias pertencentes ao gênero Staphylococcus, sendo as espécies S. aureus, S. hyicus, S.

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possuem um ponto ótimo de crescimento entre 40°C e 45°C, além de serem tolerantes a concentrações de 10% de cloreto de sódio e 20% de nitratos (FRANCO; LANDGRAF, 2008). Pela RDC n°12 de 2001, é permitida a presença de 10³ UFC/g de Staphylococcus coagulase positiva no queijo. Este microrganismo é encontrado na pele e mucosas do trato respiratório e intestinal do homem. O S. aureus é o principal representante do grupo envolvido em casos de toxinfecção, isso acontece pela manipulação dos alimentos, na qual esta bactéria comensal entra em contato com o produto, contaminando-o (GERMANO; GERMANO, 2011). Os alimentos com maior risco de contaminação por este microrganismo são as carnes, ovos, leite e seus derivados, pois requerem mais manipulação na sua produção. O S. aureus ao atingir uma matriz alimentar produz toxinas, que por sua vez serão ingeridas pelo homem causando intoxicação (FRANCO; LANDGRAF, 2008; GERMANO; GERMANO, 2011).

A qualidade microbiológica do QAS produzido em Santa Catarina foi analisada em um estudo previamente realizado por Melo et al. (2013), no qual apresentou alguns aspectos em desacordo com a legislação vigente (Quadro 4).

Quadro 4 - Microrganismos indicadores e patógenos encontrados no QAS acima dos limites estabelecidos pelo Decreto n°1238 de 2017

Dias de maturação N° de amostras Coliformes totais (%) E. coli (%) Listeria spp. (%) Listeria monocytogenes (%) Salmonella spp. (%) Staphylococcus coagulase positiva (%) 15 27 9,26 13,89 22,22 0 0 12,04 30 27 12,04 9,26 22,22 3,7 0 9,26 45 27 6,48 8,33 18,51 7,4 0 3,7 60 27 6,48 4,63 14,81 0 0 8,33 Legislação - Até 5x102 UFC/g - Ausência/25g Ausência/ 25g Até 10³ UFC/g Fonte: Melo et al (2013) 3.3.2.2 Fungos

Os fungos são uma classe de organismos eucarióticos uni ou multicelulares, com muitas espécies de importância econômica ou médica (KUPFER et al., 1997). Eles são divididos em bolores ou mofos, que são

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os gêneros multicelulares, de aspecto filamentoso e em leveduras, gêneros unicelulares, de aspecto mucoso (PITT; HOCKING, 2009).

Os bolores podem se desenvolver em matrizes alimentares de origem vegetal, como cereais, frutas e vegetais, e de origem animal, como carnes e leite (ROCHA, 2004).

Assim como as bactérias, os fungos também podem auxiliar e são essenciais na produção, elaboração do sabor, aroma e textura final de alguns queijos, como o Camembert e o Roquefort (HYMERY et al., 2014). Porém, de uma maneira geral, a presença de bolores é indesejável (ROBINSON, 1987). Além da alteração da aparência, que pode ser causa de problemas econômicos e sensoriais, os metabólitos produzidos podem trazer risco ao consumo deste alimento (ROBINSON, 1987).

Um dos pontos de maior preocupação na indústria de laticínios é a proliferação de bolores no decorrer da maturação e estocagem (TANIWAKI; VAN DENDER, 1991). O seu crescimento pode desencadear a proteólise na casca em alguns tipos de queijos semiduros, aparecimento de manchas de cores variadas, alteração de sabor e, consequentemente, rejeição pelo consumidor (ROCHA, 2004). Estas alterações são resultado da produção enzimática dos bolores durante seu desenvolvimento, das quais se destacam as lipases, proteases e carboidrases (FILTENBORG; FRISVAD; THRANE, 1996).

Os bolores e leveduras estão naturalmente presentes no leite cru e consequentemente nos queijos artesanais fabricados a partir desta matéria-prima (JODRAL et al., 1993). Em casos de contaminação, esta ocorre pelo ambiente de produção, como os utensílios e as prateleiras de maturação, ar, água, salmoura e o próprio leite. (CHAPMAN; SHARPE, 1990; JAY, 2005).

As leveduras não são causa comum de defeitos em queijos, a menos que sejam cepas fermentadoras de lactose, o que acarretará na produção de um sabor característico de leveduras ou frutado, além da produção de gás (DAVIS; WILBEY, 1990).

Os bolores têm menor relevância em produtos de leite cru, sendo que na sua presença apresentaria quadros de proteólise e lipólise. Estirpes selvagens de bolores são indesejáveis no queijo, pois podem influenciar em suas características organolépticas, causar deteriorações, bem como produzir micotoxinas e esporos patogênicos, que são um risco em potencial para a saúde humana (FILTENBORG; FRISVAD; THRANE, 1996; JODRAL et al., 1993;. WOUTERS et al., 2002).

Os gêneros fúngicos mais comuns em salas de maturação são:

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spp. (ROBINSON, 1987; VARNAM; SUTHERLAND, 1995), dos quais o segundo e último podem produzir toxinas (PITT; HOCKING, 2009).

As micotoxinas são formadas durante o crescimento dos bolores nos alimentos. Algumas destas toxinas estão restritas ao fungo, no entanto, sua grande maioria é excretada para o alimento (FILTENBORG; FRISVAD; THRANE, 1996). Sua difusão pode ser rápida, abrangendo áreas extensas, como nos alimentos líquidos e em frutas, ou pode ser restrita em uma parte do produto por ser mais lenta, como nos queijos e outros sólidos (FILTENBORG; FRISVAD; THRANE, 1996).

O crescimento fúngico é influenciado por diversos fatores, como: pH, umidade, aw, temperatura de maturação dos queijos e a concentração de sal, bem como um ambiente rico em nutrientes (ROCHA, 2014). Todos estes fatores são encontrados na produção do queijos, sendo então necessária uma atenção maior à implantação e obediência aos programas de boas práticas de fabricação e análise de perigos e pontos críticos de controle, bem como aos procedimentos padrões de higiene operacional (PERRY, 2004).

Enquanto grande parte dos microrganismos tem seu ótimo de multiplicação no pH em torno de 7, os bolores se desenvolvem melhor na faixa de pH entre 1,5 e 11 (JAY, 2005).

A acidez no queijo não impede o crescimento de bolores e leveduras, somente de bactérias, principalmente quando associado a uma baixa umidade, ausência de oxigênio e elevada concentração de sal (ROBINSON, 1987).

A água é fundamental para o desenvolvimento de qualquer organismo, sendo os alimentos mais úmidos com maior predisposição à contaminação por microrganismos, principalmente dependendo da quantidade de água disponível (HAYES, 1993). Os bolores toleram valores de aw menores que as bactérias, com a maioria das espécies crescendo entre 0,7 e 0,75 (ROCHA, 2004).

A maturação dos queijos tem grande relação com a temperatura, que regula a atividade microbiana e enzimática (AMIOT, 1991). Conforme o calor aumenta, mais rápido se desenvolve o processo de maturação, assim como favorece o crescimento da maioria da microbiota. Em casos em que se busca o controle do processo, se prefere a utilização da temperatura abaixo da ótima de fermentação (AMIOT, 1991).

A legislação que estabelece os limites microbiológicos para queijos e outros lácteos no Brasil é a Portaria n°146 de 1996, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Entretanto, esta normativa não possui estes dados para o QAS, nem para outros queijos produzidos de maneira artesanal no Brasil (BRASIL, 1996). A RDC n°12

Referências

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