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Curso prático de pedagogia de Jean Baptiste Daligault

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Academic year: 2021

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OLÍVIA ROCHADEL

CURSO PRÁTICO DE PEDAGOGIA DE JEAN BAPTISTE DALIGAULT: REFLEXÕES SOBRE O PAPEL DO PROFESSOR DE PRIMEIRAS LETRAS NO

SÉCULO XIX

Tubarão 2015

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OLÍVIA ROCHADEL

CURSO PRÁTICO DE PEDAGOGIA DE JEAN BAPTISTE DALIGAULT: REFLEXÕES SOBRE O PAPEL DO PROFESSOR DE PRIMEIRAS LETRAS NO

SÉCULO XIX

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Educação da Universidade do Sul de Santa Catarina como requisito parcial à obtenção do título de Mestra em Educação.

Orientadora: Profa. Dra. Leonete Luzia Schmidt

Tubarão 2015

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Rochadel, Olívia, 1991-

R57 Curso prático de pedagogia de Jean Baptiste Daligault : reflexões sobre o papel do professor de primeiras letras no século XIX / Olívia Rochadel; -- 2015.

166 f. il. ; 30 cm

Orientadora : Leonete Luzia Schmidt.

Dissertação (mestrado)–Universidade do Sul de Santa Catarina, Tubarão, 2015.

Inclui bibliografias.

1. Ensino – Formação profissional. 2.Professores de primeiro grau - Séc. XIX. 3. Educação – História – Santa Catarina. 4. Educação – Manuais. I. Schmidt, Leonete Luzia. II.Universidade do Sul de Santa Catarina – Mestrado em Educação. III. Título.

CDD (21. ed.) 370.71 Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca Universitária da Unisul

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A todos aqueles que dedicam uma parcela de tempo para produção de conhecimento, para si e para os outros.

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AGRADECIMENTOS

A Leonete Luzia Schmidt que, desde o projeto de iniciação científica em 2011 até a conclusão do Mestrado em 2015 me dedicou um pouco de sua atenção, com incentivos e orientações valiosas para a produção de conhecimento através da pesquisa em história da Educação. Sou extremamente grata por sua cordialidade e companhia ao longo dos últimos quatro anos.

A Letícia Carneiro Aguiar, por contribuir em suas aulas para a produção da presente pesquisa e pela excelente participação como membro da banca examinadora na qualificação e defesa da presente Dissertação.

A Vera Lúcia Gaspar da Silva, pela participação nas bancas de qualificação e defesa, seu olhar atento e suas críticas foram fundamentais ao aprimoramento da presente pesquisa.

Aos membros do Programa de Pós Graduação em Educação da Unisul, Josélia, Gilvan, Graça e Fátima, sou grata por todo o carinho e companheirismo prestado.

A Daniela Leandro Eufrázio, amiga a quem devo agradecimentos diante de sua torcida para que tudo desse certo na minha rotina de mestranda durante os últimos anos.

A Ana Paula da Silva Galdino, amiga que compartilha comigo a necessidade de aprimorar conhecimentos no campo da Educação, me acompanha na escolha da profissão e faz planos comigo sobre as próximas etapas da vida acadêmica.

A Tamara Flor Silvério, que desde a infância me acompanha na rotina de estudos e me incentiva na busca por uma carreira profissional profícua.

Ao pessoal de casa, José Paes da Silva (padrasto) e Albertina Gonçalves (mãe), pelo silêncio e apoio prestado enquanto eu me debruçava nas etapas de produção da presente Dissertação.

A todas as outras consciências que direta ou indiretamente contribuíram de forma positiva para a produção da presente pesquisa e, sobretudo para minha formação enquanto pesquisadora e professora.

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“(...) a realidade não se apresenta aos homens, à primeira vista, sob o aspecto de um objeto que cumpre intuir, analisar e compreender teoricamente (...)” (KOSIK, 1976, p. 13).

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RESUMO

Na presente pesquisa objetivamos compreender o papel do professor de primeiras letras no século XIX tendo por base o Manual de Ensino do francês Jean Baptiste Daligault, traduzido em Santa Catarina, em 1870, como Curso Prático de Pedagogia. Para alcançar esse objetivo identificamos os requisitos que, de acordo este Manual, eram necessários para ser professor no século XIX; analisamos o tipo de profissional que os requisitos instituídos pelo Manual sugere; e analisamos o tipo de formação proposto por Daligault para as escolas de ensino primário (escolas de primeiras letras) a partir das indicações de conteúdos e métodos de ensino. Uma das etapas anteriores à análise foi a realização do levantamento bibliográfico na intenção de conhecer quais foram os estudos já realizados sobre a tradução do Manual publicada em Santa Catarina e evitar, com isso, repetição de pesquisa. Ademais, esta etapa possibilitou levantar uma lista de referências importantes para a construção da história da Educação brasileira. Também realizamos um comparativo entre a tradução do Manual publicada em Santa Catarina (1870) e outra publicada no Rio de Janeiro em 1874, para identificar semelhanças e diferenças entre as traduções realizadas por diferentes tradutores. Através das leituras sobre a organização escolar no Império brasileiro, realizadas na intenção de conhecer a totalidade em que o objeto está inserido, identificamos que a Educação, no quadro de mudanças do Brasil, acontecia com intencionalidade de unificar o pensamento e o comportamento da população em tornos dos ideais de nação, no ponto de vista que os fizesse aceitar e contribuir para uma organização prevista pelos dirigentes do período. Constatamos, ao final da pesquisa, que o papel do professor está vinculado a ideais concernentes a uma natureza religiosa e virtuosa, voltada para a formação de sujeitos submissos às ordens sociais estabelecidas, com propostas de transformação social que vislumbram o trabalho do professor como um mantenedor das ideologias dominantes do período.

Palavras-chave: Jean Baptiste Daligault. Curso Prático de Pedagogia. Papel do Professor. Manual de Pedagogia. História da Educação de Santa Catarina.

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ABSTRACT

In the present research we aim to understand the role of the teacher of first letters in the nineteenth century based on the Teaching Manual of Frenchman Jean Baptiste Daligault, translated in Santa Catarina, in 1870, as a Curso Prático de Pedagogia. To achieve this goal we identified the requirements which, according to this Manual, were necessary to be a teacher in the nineteenth century; we analyzed the type of professional that the requirements imposed by the Manual suggests; and we analyzed the type of training proposed by Daligault for primary schools (schools of first letters) from the indications of contents and teaching methods. One of the previous steps to the analysis was the completion of the bibliographic survey in intention to know what were the studies already carried out on the translation of the Manual published in Santa Catarina and avoid, with this, repetition of research. Furthermore, this step has enabled raise a list of important references for the construction of the history of Brazilian Education. We also perform a comparison between the translation of the Manual published in Santa Catarina (1870) and one published in Rio de Janeiro in 1874, to identify similarities and differences between the translations carried out by different translators. Through the readings about school organization in the Brazilian Empire, carried out in order to meet all the object is inserted, we identified that the education, in the changing frame of Brazil, happened with intentionality to unify the thought and behavior of the population at lathes of the ideals of the nation, at the point of view that would accept and contribute to an organization envisaged by the leaders of the period. We contacted, at the end of the research, that the role of the teacher is bound to ideals concerning religious and virtuous nature, geared towards the training of submissive social orders established subjects, with proposals for social transformation to see the work of professor as a maintainer of the dominant ideologies of the period.

Keywords: Jean Baptiste Daligault. Practical Course in Pedagogy. Role of the Teacher. Manual of Pedagogy. History of Education of Santa Catarina.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Folha de rosto da Segunda Edição do Manual publicado em Santa Catarina em 1870 ... 44 Figura 2 - Sumário da tradução da Segunda Edição do Manual publicada em Santa Catarina em 1870 ... 47 Figura 3- Segunda e terceira páginas do sumário da tradução da Segunda Edição do Manual publicada em Santa Catarina em 1870 ... 48 Figura 4 - Quarta e quinta páginas do sumário da tradução da Segunda Edição do Manual publicada em Santa Catarina em 1870 ... 49 Figura 5 - Sexta página do sumário da tradução da Segunda Edição do Manual publicada em Santa Catarina em 1870 ... 50 Figura 6 - Quadro de distribuição do tempo e do trabalho do professor conforme o método simultâneo ... 123 Figura 7 - Quadro de distribuição do tempo e do trabalho do professor conforme os métodos Mútuo e Misto ... 125 Figura 8 - Quadro de ordens e preceitos que devem ser pregados pelo professor ... 128

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Resultado do levantamento sobre as teses e dissertações encontradas ... 64 Tabela 2 - Resultado do levantamento sobre as publicações em periódicos eletrônicos encontradas ... 66 Tabela 3 - Resultado do levantamento sobre as publicações em anais de eventos científicos . 69 Tabela 4 - Resultados do levantamento sobre os capítulos de livros ... 70 Tabela 5 - Resultados do levantamento sobre os demais trabalhos encontrados ... 72

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO... 12

1.1 PERCURSO METODOLÓGICO ... 13

2 O MANUAL DE PEDAGOGIA DE JEAN BAPTISTE DALIGAULT E SUAS TRADUÇÕES NO BRASIL E EM SANTA CATARINA: CONTEXTO E CARACTERIZAÇÃO GERAL ... 22

2.1 A CHEGADA DO MANUAL DE DALIGAULT NO BRASIL E EM SANTA CATARINA ... 27

2.2 COMPARATIVO ENTRE DUAS TRADUÇÕES DO MANUAL ... 34

2.3 CURSO PRÁTICO DE PEDAGOGIA: A TRADUÇÃO PUBLICADA EM SANTA CATARINA EM 1870 ... 37

3 LEVANTAMENTO BIBLIOGRÁFICO SOBRE O MANUAL DE PEDAGOGIA DE DALIGAULT ... 51

3.1 RESULTADOS DO LEVANTAMENTO ... 52

4 BRASIL E SANTA CATARINA NO SÉCULO XIX: CONTEXTUALIZAÇÃO GERAL E DA EDUCAÇÃO DE PRIMEIRAS LETRAS ... 74

4.1 A FORMAÇÃO DO PROFESSOR DE PRIMEIRAS LETRAS NO BRASIL E EM SANTA CATARINA DURANTE O SÉCULO XIX ... 85

5 O PAPEL DO PROFESSOR DE PRIMEIRAS LETRAS NO MANUAL DE DALIGAULT ... 95

5.1 O PROFESSOR DE PRIMEIRAS LETRAS NA FORMAÇÃO DE VIRTUDES E VALORES ... 96

5.1.1 A religiosidade como alicerce para a Educação ... 97

5.1.2 Qualidades necessárias ao Professor de Primeiras Letras ... 105

5.2 O PROFESSOR DE PRIMEIRAS LETRAS NA FORMAÇÃO INTELECTUAL ... 115

5.2.1 Organização do espaço... 117

5.2.2 Instrução para conduta ... 121

5.2.3 Métodos de ensino ... 135

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 138

REFERÊNCIAS ... 141

ANEXOS ... 146

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ANEXO B – QUADROS DE DISTRIBUIÇÃO DO TEMPO E DO TRABALHO DO PROFESSOR NAS ESCOLAS DE PRIMEIRAS LETRAS CONFORME O MÉTODO SIMULTÂNEO ... 150 ANEXO C – QUADROS DE DISTRIBUIÇÃO DO TEMPO E DO TRABALHO DO PROFESSOR NAS ESCOLAS DE PRIMEIRAS LETRAS CONFORME OS MÉTODOS MÚTUO E MISTO ... 155 ANEXO D – QUADROS DE ORDENS E PRECEITOS QUE DEVEM SER TRANSMITIDOS PELO PROFESSOR DE PRIMEIRAS LETRAS ... 160

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1 INTRODUÇÃO

A história não é sucessão de fatos no tempo, não é progresso das idéias [sic], mas o modo como homens determinados em condições determinadas criam os meios e as formas de sua existência social, reproduzem ou transformam essa existência social que é econômica, política e cultural (CHAUÍ, 1980, p. 8).

A partir das leituras para o Projeto de Iniciação Científica intitulado A escola e os modelos pedagógicos instituídos em Santa Catarina de 1860 a 1889, realizado durante o período de formação na Graduação em Pedagogia, em 2011, e para o Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação intitulado Os métodos de ensino para as escolas de primeiras letras em Santa Catarina no século XIX: uma reflexão a partir do livro Curso Prático de Pedagogia de Jean Baptiste Daligault, novas questões sobre a história da Educação de Santa Catarina surgiram, dentre elas o papel do professor no século XIX.

Em busca de informações sobre desde quando o Manual de ensino escrito pelo francês Jean Baptiste Daligault1 circulou em Santa Catarina, encontramos no prefácio de uma das traduções (DALIGAULT, 1870) que em 15 de maio de 1856, a Lei número 424 denominou a tradução e publicação do Manual de Daligault em Santa Catarina. Além disso, de acordo com Schmidt, Schafascheck e Schardong (2012), no mesmo ano o Jornal O Mensageiro, que circulava em Desterro (atualmente Florianópolis), publicou um fragmento do texto de Daligault, o primeiro capítulo. Posteriormente o Manual foi adquirido pelos dirigentes da Província para formação dos professores, a partir do Ato de 18 de dezembro de 1869 do Vice-presidente da Província de Santa Catarina, Manoel do Nascimento da Fonseca Galvão, que viabiliza a tradução, impressão e distribuição do Curso Prático de Pedagogia para os professores do Estado.

Na presente pesquisa definimos como objetivo geral compreender o papel do professor de primeiras letras no Manual Cours pratique de Pédagogie, a versão do Manual utilizada para realização da pesquisa é tradução para o português publicada em Santa Catarina, em 1870.

Os objetivos específicos são: Identificar os requisitos que, de acordo com o Manual de Daligault, eram necessários para ser professor do século XIX; Analisar o tipo de profissional que os requisitos instituídos pelo Manual sugerem; Analisar o tipo de formação

1 Jean Baptiste Daligault nasceu em 1811 e faleceu em 1894 na França; foi Professor, Inspetor e Diretor da

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proposto por Daligault a partir das indicações de conteúdos e métodos de ensino em seu Manual.

Para alcançar os objetivos propostos para a presente pesquisa, buscamos conhecer as relações do Manual de Daligault, o contexto em que ele foi concebido (a França no século XIX), e as relações do Manual no espaço de recorte da pesquisa, Brasil, especificamente Santa Catarina, durante o século XIX.

Trata-se de uma pesquisa de natureza histórica que busca compreender o objeto dentro da realidade na qual ele se produz. De acordo com Thompson (1981, p. 57), “A história não é uma fábrica para a manufatura da Grande Teoria, como um Concorde do ar global [...]. Seu objetivo é reconstituir, „explicar‟, e „compreender‟ seu objeto: a história real.”

1.1 PERCURSO METODOLÓGICO

Tratando-se de uma pesquisa histórica documental a partir da abordagem materialista dialética; a intencionalidade da pesquisa é a de compreender o objeto estudado em seu movimento de transformação e contradição. Assim, consideramos que, para as pesquisas em história da educação, essa compreensão é essencial, haja vista que a abordagem dialética permite o conhecimento sobre o objeto nas suas mediações de diferentes intensidades e naturezas.

O conhecimento sobre o contexto histórico do objeto de estudo permite que o pesquisador se aproxime do objeto contextualizando-o no tempo e no espaço, com um olhar epistêmico que conhece sobre o objeto, aspectos essencialmente humanos, como: sociabilidade, historicidade e praxidade (SEVERINO, 2001).

Nessa perspectiva, o contexto e o movimento do objeto pesquisado devem ser entendidos em seu tempo histórico. Portanto, o entendimento do pesquisador acontece sobre uma totalidade em desenvolvimento em que a história é o seu movimento. Nesse sentido, Pimentel (2001), embora reportando em seu texto outro período histórico, contribui para o entendimento da presente pesquisa, ao afirmar que:

A pesquisa historiográfica constitui-se em evidências coordenadas e interpretadas, exigindo do pesquisador o trabalho de suplantar sua própria contemporaneidade sem deixar-se cair, entretanto, num historicismo que se traduziria em anacronismo, numa interpretação errônea, distorcida do passado (PIMENTEL, 2001, p. 192).

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Para que a pesquisa sob essa perspectiva aconteça, é preciso que o pesquisador contemple a lógica histórica que, segundo Thompson:

[...] consiste num diálogo entre conceito e evidência, um diálogo conduzido por hipóteses sucessivas, de um lado, e a pesquisa empírica, do outro. O interrogador é a lógica histórica; o conteúdo da interrogação é uma hipótese (por exemplo, quanto à maneira pela qual os diferentes fenômenos agiram uns sobre os outros); o interrogado é a evidência, com suas propriedades determinadas (THOMPSON, 1981, p. 49).

Para formação dos elementos fundantes da pesquisa, o pesquisador precisa passar por um período de formação que, de acordo com Thompson, é um preparo árduo, pois a lógica histórica não se revela de forma independente aos esforços do pesquisador. Pelo contrário, para a formação dessa lógica é preciso que os pesquisadores detenham sua atenção não só para compreender o objeto de sua pesquisa, como também para conhecer os caminhos que farão chegar até ele (THOMPSON, 1981).

Ao afirmar que

O passado humano não é um agregado de histórias separadas, mas uma soma unitária do comportamento humano, cada aspecto do qual se relaciona com os outros de determinadas maneiras, tal como os atores individuais se relacionavam de certas maneiras (pelo mercado, pelas relações de poder e subordinação etc.). Na medida em que essas ações e relações deram origem a modificações que se tornam objeto de investigação racional, podemos definir essa soma como um processo histórico, isto é práticas ordenadas e estruturadas de maneiras racionais (THOMPSON, 1981, pp. 50-51, grifos do autor).

Thompson permite compreender que o objeto da pesquisa é parte de um processo histórico e, quando o pesquisador se apropria dessa definição, entende que o objeto pesquisado não está isolado, está em permanente transformação, e que seu olhar é o fator determinante para a compreensão do objeto.

Ao investigar o papel do professor no século XIX, não podemos desconsiderar o professor da época enquanto ser social que, ativo em sua atualidade, interage com a política, a religião e os demais tratados sociais e culturais deste período. Evitando que a fonte da pesquisa seja considerada de maneira isolada de seu contexto histórico, o Manual de Jean Baptiste Daligault será percebido como expressão de determinado momento e contexto. Além disso,

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Cada idade, ou cada praticante, pode fazer novas perguntas à evidência histórica, ou pode trazer à luz novos níveis de evidências. Nesse sentido, a “história” (quando examinada como produto da investigação histórica) se modificará, e deve modificar-se, com as preocupações de cada geração ou, pode acontecer de cada sexo, cada nação, cada classe social. Mas isso não significa absolutamente que os próprios acontecimentos passados se modifiquem a cada investigador, ou que a evidência seja indeterminada. As discordâncias entre os historiadores podem ser de muitos tipos, mas continuarão sendo meros intercâmbios de atitude, ou exercícios de ideologia, se não se admitir que são conduzidas dentro de uma disciplina comum que visa o conhecimento objetivo (THOMPSON, 1981, p. 51, grifos do autor). O olhar dos pesquisadores sobre o objeto da pesquisa e as perguntas feitas a ele são fatores delimitadores da lógica histórica nesta pesquisa, conforme Thompson. São as interrogações do pesquisador que tornarão a presente pesquisa mais aproximada ou distanciada da realidade. Desta premissa, entendemos que um mesmo objeto pode ser analisado de diferentes formas, pois o pesquisador e sua capacidade de abstração, embora não modifiquem a verdade, podem trazer à tona um novo olhar (Thompson, 1981).

A abordagem materialista-histórica e dialética, em uma pesquisa educacional, permite compreender a práxis como uma atividade humana de natureza, que visa a transformar e reproduzir a realidade, e como um processo que engloba a historicidade. Percebendo a Educação como atividade que visa à transformação e como uma ação formadora da realidade histórica, Severino (2001) observa que

[...] o motivo fundamental é o caráter práxico da educação, ou seja, ela é uma prática intencionalizada, condição que ela compartilha com a política. Sua existência, sua realidade, sua substancialidade se constituem exatamente por essa condição de ser uma ação de intervenção social que constrói os sujeitos humanos (SEVERINO, 2001, p. 17).

Compreender o papel do professor do século XIX na perspectiva dialética supõe o conhecimento do homem como um sujeito ativo que cria e recria a realidade em que vive. A escola e o professor, nesse contexto, são também ativos na realidade que fazem parte; assim, não são neutros à realidade de seu tempo.

As categorias totalidade, contradição e mediação, descritas por Leandro Konder (1988), são a essência (fundamento) de uma concepção dialética de qualquer objeto. Por isso entendemos que o conhecimento acontece por meio de um exercício que percebe o objeto da pesquisa dentro da totalidade em que ele está inserida, e a problemática da pesquisa está inserida em um universo complexo que possui outros problemas interligados a ela (KONDER, 1988). Assim,

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A visão de conjunto – ressalve-se – é sempre provisória e nunca pode pretender esgotar a realidade a que ele se refere. A realidade é sempre mais rica do que o conhecimento que a gente tem dela. Há sempre algo que escapa às nossas sínteses; isso, porém, não nos dispensa do esforço de elaborar sínteses, se quisermos entender melhor a nossa realidade. A síntese é a visão de conjunto que permite ao homem descobrir a estrutura significativa da realidade com que se defronta, numa situação dada. E é essa estrutura significativa - que a visão de conjunto proporciona - que é chamada de totalidade (KONDER, 1988, pp. 36-37, grifos do autor).

A busca pela realidade, neste caso, acontece em um movimento constante, pois acreditamos que a síntese humana não dá conta de perceber todos os seus elementos.

Konder afirma que, “Se não enxergarmos o todo, podemos atribuir um valor exagerado a uma verdade limitada (transformando-a em mentira), prejudicando a nossa compreensão de uma verdade mais geral.”. E a totalidade da pesquisa requer um “nível de totalização” que, é delimitado a partir do problema da pesquisa. Por isso, é preciso que o pesquisador reconheça em que totalidade o problema da pesquisa deve ser contextualizado. (KONDER, 1988, pp. 36-37, passim).

As categorias contradição e a mediação possibilitam a equiparação entre o acerto e o erro do nível de totalização mais adequado à pesquisa, pois acontecem em um movimento racional que nos permite ultrapassar a aparência e chegar à essência do fenômeno. A totalidade deve, então, ser reconhecida como processual e variável (KONDER, 1988).

Nesse sentido, Karel Kosik (1976), ao escrever sobre a relação entre as partes que compõem a totalidade, afirma que

A compreensão dialética da totalidade significa não só que as partes se encontram em relação de interna interação e conexão entre si e com o todo, mas também que o todo não pode ser petrificado na abstração situada por cima das partes, visto que o todo se cria a si mesmo na interação das partes (KOSIK, 1976, p.42).

Para identificar o papel do professor nas propostas de Daligault no Curso Prático de Pedagogia, entendemos como necessário o estudo do contexto histórico do século XIX no Brasil e em Santa Catarina, e em particular o contexto educacional brasileiro e catarinense daquele momento.

A educação, além de ser determinada pelo contexto histórico em que está inserida, é também parte formadora da história desse período. Com isso, percebemos que há uma relação constante entre o contexto histórico brasileiro e catarinense do século XIX e o contexto educacional que se forma nesse período.

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Assim, a análise sobre o que Daligault escreve no Manual, referente ao papel do professor de primeiras letras, será apoiada em referências que fundamentam conhecimentos sobre a política, a organização social e as ideologias do Brasil, de Santa Catarina e da França (região em que o manual foi escrito) no século XIX.

Nesse sentido, Triviños (1987) contribui ao informar que,

Na interação dos materiais (documentos oficiais ou não e ainda das respostas de outros instrumentos de pesquisa), no tipo de pesquisa que nos interessa, não é possível que o pesquisador detenha sua atenção exclusivamente ao conteúdo manifesto dos documentos. Ele deve aprofundar sua análise tratando de desvendar o conteúdo latente que eles possuem. O primeiro pode orientar para conclusões apoiadas em dados quantitativos, numa visão estática e a nível, no melhor dos casos, de simples denúncia de realidades negativas para o indivíduo e a sociedade; o segundo abre perspectivas, sem excluir a informação estatística, muitas vezes, para descobrir ideologias, tendências etc. das características dos fenômenos sociais que se analisam e, ao contrário da análise apenas do conteúdo manifesto, é dinâmico, estrutural e histórico (TRIVIÑOS, 1987, p. 162, grifos do autor).

A principal fonte de estudo foi o manual Cours pratique de Pédagogie, traduzido para o português como Curso Prático de Pedagogia, do autor francês Jean Baptiste Daligault. Complementares a este foram consultados documentos oficiais do século XIX2 (Relatórios dos Presidentes e Dirigentes da Província de Santa Catarina), bibliografias que analisam a história da Educação brasileira no século XIX, e bibliografias que analisam o contexto histórico do local e período em que o manual foi escrito, na França.

Cellard (2012, p. 295) mostra a legitimidade de documentos escritos como instrumentos de pesquisa, pois “[...] graças ao documento, pode-se operar um corte longitudinal que favorece a observação do processo de maturação ou de evolução de indivíduos, grupos, conceitos, conhecimentos, comportamentos, mentalidades, práticas, etc., bem como o de sua gênese até os nossos dias”.

Ao escrever sobre o conceito de fonte histórica, Antonietta D‟Aguiar Nunes (2006) define-a como

Tudo o que possa dar algum tipo de informação sobre a atividade humana que estamos estudando. É mais largo ainda do que o foram vestígios e testemunhos. E mais, agora a responsabilidade passa para o historiador. É ele que, com sua engenhosidade, construirá suas fontes. Mesmo quando existem

2 Entendemos como documentos oficiais aqueles que são de cunho institucional, expedidos por órgãos de

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documentos escritos, e o historiador lança mão deles, o faz de forma própria, original (NUNES, 2006, p.193).

Ainda que consideradas como objeto de pesquisa, as fontes escritas exigem, do pesquisador, cuidado quanto ao tratamento que devem receber, pois, conforme Saviani (2006)

[...] não se trata de considerar as fontes como origem do fenômeno histórico considerado. As fontes estão na origem, constituem o ponto de partida, a base, o ponto de apoio da construção historiográfica que é a reconstrução, no plano do conhecimento, do objeto histórico estudado. Assim, as fontes históricas não são a fonte da história, ou seja, não é delas que brota e flui a história. Elas, enquanto registros, enquanto testemunhos dos atos históricos, são a fonte do nosso conhecimento histórico, isto é, é delas que brota, é nelas que se apóia [sic] o conhecimento que produzimos a respeito da história (SAVIANI, 2006, pp. 29-30).

Entendemos que os materiais utilizados nessa pesquisa, mesmo quando se trataram de documentos oficiais, podem não corresponder à realidade do período estudado exatamente como ela existiu, mas são indicativos que possibilitam a compreensão do objeto da pesquisa e a construção do conhecimento histórico sobre o referido tema.

A partir dos conceitos de Cellard (2012) sobre análise documental, entendemos que as fontes da pesquisa documental “são exploradas - e não criadas”. Para manifestar este entendimento durante a realização da presente pesquisa que especificamente trata a história de Santa Catarina, precisamos conhecer o contexto histórico social em que foi criado e utilizado o Curso Prático de Pedagogia, quem foi seu autor e o que ele representou para o seu período; e qual o contexto de relações sociais da escola e da formação de professores do período em que esse Manual foi utilizado em Santa Catarina (CELLARD, 2012, p. 297).

Como citado anteriormente, a realização de uma pesquisa histórica documental requer que o pesquisador faça a análise do objeto como um “exame minucioso” que “abre, às vezes, inúmeros caminhos de pesquisa e leva à formulação de interpretações novas, ou mesmo à modificação de alguns dos pressupostos iniciais” (CELLARD, 2012, p. 298).

Saviani (2006), ao tratar sobre a variedade de fontes para a história, contribui para nossa definição do Manual de Daligault como fonte de pesquisa, ao ensinar que,

Com efeito, os mencionados objetos só adquirem o estatuto de fonte diante do historiador que, ao formular o seu problema de pesquisa delimitará aqueles elementos a partir dos quais serão buscadas as respostas às questões levantadas. Em conseqüência [sic], aqueles objetos em que real ou potencialmente estariam inscritas as respostas buscadas erigir-se-ão em fontes a partir das quais o conhecimento histórico referido poderá ser produzido (SAVIANI, 2006, p. 30).

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Portanto, o que caracteriza um manual de ensino como objeto de pesquisa é o olhar do pesquisador que, munido de rigor teórico metodológico definirá o problema da pesquisa e as formas que o farão chegar até a reposta, ou a formulação de ainda outros questionamentos.

Sobre o contexto histórico do objeto de estudo da presente pesquisa, entendemos que, de acordo com a classe social que pertencia, havia questões ideológicas instituídas.

Entender que o Manual de Daligault está sob premissa de ideologias que foram estabelecidas no período em que foi escrito e utilizado, requer entendimento sobre a compreensão da função social da Educação (para seu autor, tradutor e aqueles que o consentiram em Santa Catarina) e de que o papel do professor não é neutro as intencionalidades políticas e religiosas, e não é produto de interesses comuns da sociedade do século XIX. Portanto, os manuais de ensino, conforme Galvão e Batista (2003), são

[...] em maior ou menor grau, desde o século XIX, objetos de controle do Estado e, desde a Idade Moderna, instrumentos, por excelência, de proselitismo religioso. Eles, de fato, reproduzem e condicionam um modo de organização da cultura escolar, concepções pedagógicas, maneiras de escolarizar saberes. Eles são, portanto, realmente, objetos por meio dos quais se pode buscar construir a história dos modos de conceber, pelo Estado, a formação ideológica da criança, bem como dos processos pelos quais a escola constrói sua cultura, seus saberes, suas práticas (GALVÃO, BATISTA, 2003, p. 162).

Também é preciso conhecer os limites entre o conteúdo do manual e o conhecimento que o pesquisador possui, pois, conforme Lombardi (2003),

[...] além da diferenciação [...] entre concepção e movimento, não se pode esquecer que toda construção ideológica – e nela estou incluindo também o fazer científico – é permeada por concepções de mundo, de homem, de história, de política, etc. – isto é por pressupostos ontológicos, gnosiológicos e, também, axiológicos (LOMBARDI, 2003, p. 6).

Os entes e objetos envolvidos em uma pesquisa estão envoltos de ideologias, no caso do manual, deve-se compreender que ele está à mercê dos ideais políticos de quem o escreveu e das influências que esse autor recebeu no contexto sócio-histórico em que esteve inserido.

As ideologias, segundo Gramsci (1995, p. 62, grifos do autor), “[...] „organizam‟ as massas humanas, formam o terreno sôbre [sic] o qual os homens se movimentam, adquirem consciência de sua posição, lutam, etc.” e, precisam ser distinguidas entre orgânicas e

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arbitrárias, as orgânicas “são necessárias à uma determinada estrutura” e as arbitrárias acontecem por algum interesse.

Para conhecer o papel do professor de primeiras letras no século XIX, o conteúdo coligido do Curso Prático de Pedagogia foi divido em dois itens para ser abordado no capítulo de análise da presente pesquisa: O papel do professor enquanto formador de virtudes e valores; e O papel do professor na formação intelectual, e cada um deles subdividido em itens que incluem: modelo de professor, modelo de aluno, questões didáticas, questões metodológicas e religiosas. As análises foram fundamentadas a partir dos seguintes autores: Cellard (2012); Chauí (1980); Faria Filho (2000); Frigotto (1984); Gramsci (1995); Konder (1988); Kosik (1976); Mattos (2012); Mészáros (2004) Schmidt, Schafaschek, Schardong (2012); Severino (2001); Thompson (1981); Triviños (1987); Xavier (1992).

O resultado foi estruturado em: Introdução, que também contempla a metodologia; e outros quatro capítulos, sendo estes: 2º - Levantamento bibliográfico, 3º - Contextualização, 4º - O Papel do Professor de Primeiras Letras no Manual de Daligault, e 5º - Considerações finais.

Na Introdução apresentamos a justificativa da escolha do tema, o problema, os objetivos e, após isso, dividimo-la em quatro seções: a primeira para tratar sobre a chegada do Manual no Brasil e em Santa Catarina e contextualizar os motivos da utilização do Manual de Daligault neste local durante o século XIX (item 1.1); a segunda para tratar sobre o autor do Manual, Jean Baptiste Daligault (item 1.2); a terceira, em que apresentamos um comparativo realizado entre duas traduções do Manual, na intenção de conhecer possíveis diferenças entre traduções feitas e publicadas em diferentes locais (item 1.3); a quarta para contextualizar a publicação do Manual utilizada para análise (item 1.4); e, por último, o item 1.5 para mencionar qual o percurso metodológico escolhido para a realização da presente pesquisa.

Em busca de referências que se aproximem do tema da presente pesquisa, utilizamos o Capítulo 2 para apresentar o levantamento bibliográfico que realizamos sobre a produção acadêmica3 brasileira que trata o Manual de Daligault e o papel do professor do século XIX, na intenção de averiguar quais foram essas pesquisas e perceber o quanto elas já trouxeram contribuições para a história da educação do país.

Entendendo que a compreensão sobre o movimento histórico é importante para que possamos conhecer as ideologias que estão inseridas no Manual, no Capítulo 3 buscamos evidenciar o modelo de educação que era previsto pelos governantes brasileiros, sobretudo

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catarinenses do século XIX, e como acontecia a formação do professor neste período em recorte.

Visando a conhecer o papel do professor do século XIX em Santa Catarina a partir do diálogo com as propostas de Daligault sobre o papel do professor de primeiras letras em Santa Catarina e as referências utilizadas como base para análise, apresentamos, no Capítulo 4, a análise da presente pesquisa.

Para fins de conclusão, apresentamos as Considerações finais, as Referências e os Anexos. No Anexo A disponibilizamos, na íntegra, a Lei brasileira de 15 de outubro de 1827, nos Anexos B e C disponibilizamos imagens digitalizadas da tradução do Manual de Daligault publicada em 1870 que apresentam quadros de distribuição do tempo e do trabalho do professor. O anexo D é composto por outras imagens digitalizadas que apresentam o quadro de ordens e preceitos escrito por Daligault (1870) no Manual.

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2 O MANUAL DE PEDAGOGIA DE JEAN BAPTISTE DALIGAULT E SUAS TRADUÇÕES NO BRASIL E EM SANTA CATARINA: CONTEXTO E CARACTERIZAÇÃO GERAL

O Curso Prático de Pedagogia teve sua primeira versão publicada em Paris pela editora Dezobryete Magdeleine4, em 1851, período em que, na França, aconteceu o Golpe de Estado5. Segundo Trevisan e Pereira (2011), este Manual caracteriza-se como o mais antigo manual francês utilizado no Brasil.

Em leitura a tradução do Manual publicada em Santa Catarina em 1870, percebemos que ao longo do texto o sobrenome do autor francês está com grafias diferentes: Daligault e Daligualt, na presente pesquisa optamos em utilizar o termo Daligault, pois este é nas referências pesquisadas para a presente pesquisa o mais utilizado.

Trevisan e Pereira (2011) contribuem ao informar que a segunda publicação do Manual em francês foi realizada na França durante o regime do Império autoritário Bonapartista. Em busca de maiores informações sobre este período, encontramos em Marx (1986) que aconteceu na França, entre 1852 e 1858, e foi marcado pela exploração política e financeira daquele país, também pelo forte desenvolvimento industrial da região.

A terceira edição em francês foi publicada em 1864, período em que acontecia o Império Liberal. Sobre essa edição, Pereira (2013) afirma que

[...] foi publicada pela FdTantou et Cie, Libraires-Éditeurs. No exemplar da 3ª. edição, consta um carimbo com os seguintes dizeres: “Obra autorizada pelo S. Exc. O Ministro da Instrução Pública”, o que vem confirmar sua aceitação e recomendação por parte dos órgãos oficiais ligados à Instrução Pública francesa. O manual de ensino Cours pratique de pédagogie teve uma boa recepção e circulação entre as grandes figuras do ensino público, na França, não apenas no momento de sua 1ª. edição, mas perdurou ao longo do tempo, até, pelo menos, 1871 (PEREIRA, 2013, p. 93).

De acordo com Marx (1986), foi instituído o primeiro governo operário na França através do regime comunal em 18716. Essa forma de governo visava a acabar com a

dominação de classes, pois, em vez de imperial, a organização passou a ser feita pela Comuna, uma organização de trabalhadores que “era composta de conselheiros municipais eleitos por sufrágio universal nos diversos distritos da cidade. Eram responsáveis e

4 Desde sua fundação, em 1839, era especializada em publicar obras direcionadas a pessoas que faziam parte das

classes beneficiadas pela divisão material de bens (CAMBEFORT, 2002 apud PEREIRA, 2013).

5 Conforme Marx (1986), o Golpe de Estado aconteceu em 2 de dezembro de 1851, e “Marcou o início do

regime bonapartista do Segundo Império” (MARX, 1986, p. 108).

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substituíveis a qualquer momento”, e ficou historicamente conhecida como a Comuna de Paris (MARX, 1986, p. 72).

Considerando o exposto, percebe-se que o Manual esteve presente na Educação francesa nos governos autoritários e liberais e, no momento de mudança do regime político francês, não se tem informações da sua permanência ou não (PEREIRA, 2013).

Trevisan (2011) afirma que, atualmente, dois exemplares da edição em francês, publicados em 1853 e 1864, podem ser encontrados na Bibliothèque Nationale de France; conforme a mesma autora, a edição de 1853 pode ser encontrada em versão digitalizada no site da mesma biblioteca (TREVISAN, 2011).

Sobre as traduções do Manual publicadas em língua portuguesa no Brasil, encontramos na tradução catarinense de 1870 um trecho da Lei número 424, de 15 de maio de 1856 que autoriza o pagamento da impressão de 400 exemplares do manual para a Província de Santa Catarina. (DALIGAULT, 1870, p. 7, nota do tradutor). Durante a realização da presente pesquisa, não encontramos a descrição completa da referida Lei.

Além disso, encontramos em Pereira (2013) e Bastos (2011) que: em Recife, foi publicada a tradução do manual pela Typographia Universal em 18657, traduzida por Joaquim Pires Machado Portella; em 1870, a tradução de Franc de Paulicéia Marques de Carvalho pela Editora Typographia de Ribeiro & Caminha em Santa Catarina; e em 1874, a tradução da editora A. A. da Cruz Coutinho sediada no Rio de Janeiro (PEREIRA, 2013).

Sendo a primeira edição do Manual traduzida e publicada em Santa Catarina em 1856, constatamos que o Curso Prático de Pedagogia esteve presente na Província catarinense e foi custeado pelos cofres públicos provinciais quase uma década antes da primeira publicação realizada em Recife.

No Brasil, encontramos, atualmente, uma das impressões originais da tradução catarinense realizada por Franc de Pauliscéa Marques de Carvalho e publicada em 1870 pelo governo provincial, no Acervo Público de Santa Catarina8. Esta versão também pode ser encontrada em formato digital (PDF) disponível no site9 da biblioteca central da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Uma cópia da versão da tradução do Manual realizada em 1856 pode ser encontrada no setor de obras raras da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), porém não é disponibilizada em versão digital (de acesso via acervo online).

7 Pereira (2013) afirma que esta foi a primeira publicação do Manual no Brasil.

8 Localizado em Santa Catarina, Florianópolis, Rua Duque de Caxias, nº 261, Saco dos limões, CEP. 88020-250. 9 Disponível em: <https://pergamum.ufsc.br/pergamum/biblioteca/index.php>.

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No localizador Google acadêmico está disponível outra versão digitalizada, a tradução da segunda edição do manual melhorada pelo tradutor Joaquim Pires Machado Portella e acompanhada de uma lição de Mr. Dumouchel sobre métodos, publicada no Rio de Janeiro, em 1874.

Sobre a utilização do Manual durante o século XIX, além das datas de publicação do Manual, encontramos em Bastos (2011) que, em 1875, foi adotado para instruir professores na Escola Normal de São Paulo; em Schaffrath (2009) que em 1883 é descrito na lista de materiais comprados para a biblioteca da Escola Normal de São Paulo, e esteve no catálogo da Biblioteca do Museu Escolar Nacional; ainda em Schaffrath (2009) que em 1892 foi adotado pela Escola Normal Catarinense; e na versão do Manual utilizada como objeto da presente pesquisa (DALIGAULT, 1870, nota do tradutor) que em 03 de maio de 185610 o primeiro capítulo do manual foi publicado pelo jornal O Mensageiro11, n. 65, em Santa

Catarina.

Em busca de estudos que têm o Manual de Daligault como objeto de pesquisa, realizamos um levantamento bibliográfico, através do qual conhecemos como são referenciadas as demais traduções do Manual que circularam no Brasil, sendo estas:

DALIGAULT, Jean Baptiste. Curso Pratico de Pedagogia destinado aos alunos-mestres das escolas normais primarias e aos instituidores em exercício. Recife: Typographia Universal, 1865 [sic].

DALIGAULT, Jean Baptiste. Curso Prático de Pedagogia: destinado aos alumnos-mestres das escholas normaes primarias e aos instituidores em exercício. Trad. por Joaquim Portela. 1866 [sic].

DALIGAULT, Jean-Baptiste. Curso Prático de Pedagogia ou do Ensino Primário. Trad. de Franc de Paulicéia Marques de Carvalho. Nª Sª do Desterro - SC: Typographia do Ribeiro & Caminha, 1870.

DALIGAULT, J. B. Curso Prático de Pedagogia Destinado aos Alumnos-Mestres das Escholas Normaes Primarias e aos Instituidores em Exercicio. 2. ed. Rio de Janeiro: A. A. da Cruz Coutinho, 1874 [sic].

10 A informação deixa claro que, muito antes do Ato de 18 de dezembro de 1869, que fomenta a impressão e

distribuição do Manual para as escolas públicas, o conteúdo do manual circulava entre aqueles que liam o jornal.

11 Sobre este jornal, encontramos em Schmidt, Schafaschek e Schardong (2012, p. 15), que foi um dos que

circulavam em Santa Catarina durante a década de 1850 caracterizado como um “jornal industrial, noticioso e

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DALIGAULT, Jean Baptiste. Curso Practico de Pedagogia: destinado aos alunos-mestres das Escolas Normaes primarias e aos instituidores em exercicio. Tradução de Joaquim Pires Machado Portella. 2. ed. Melhorada pelo traductor, e acompanha da traducção de uma lição de Mr. Dumouchel sobre os métodos. Rio de Janeiro: A. A. da Cruz Coutinho, 1874. 206 p [sic].

DALIGAULT, Jean Baptiste. Curso Prático de Pedagogia. Trad. de Joaquim Pires Machado Portella. São Paulo: Livraria popular de A. A. da Cruz Coutinho, 1874.

Em análise as formas utilizadas para fazer referência à Daligault citadas acima, identificamos registros de que o Manual foi conhecido em âmbito nacional, pois foi traduzido e impresso em estados diferentes: Recife, Santa Catarina, Rio de Janeiro e São Paulo; percebemos que as três últimas são referências de uma mesma obra.

Com este panorama entendemos que, por terem sido publicadas em datas e locais diferentes e, além disso, terem sido traduzidas por pessoas diferentes, as versões em português do Manual de Daligault podem apresentar alterações de conteúdos em relação à versão original do manual escrita por Daligault.

Na intenção de comparar a tradução utilizada como fonte para a presente pesquisa publicada em Santa Catarina em 1870 à outra realizada e publicada por tradutor e província diferentes, elaboramos o item 2.2 desta pesquisa para apresentar considerações a partir de uma prévia comparação da edição publicada em 1870 em Santa Catarina com a publicada no Rio de Janeiro em 1874.

O manual organizado pelo professor do Curso Normal da Província das Alagoas, Joaquim José de Araujo, publicado em julho de 1886, em Maceió, fornece indícios de que a utilização do Manual de Daligault no Brasil atualmente é comprovada até fins do século XIX, com intuito de instruir os futuros professores.

No levantamento bibliográfico realizado na presente pesquisa, encontramos uma referência denominada pelo autor Joaquim José de Araujo como um Compêndio que colabora para o entendimento de que a utilização do Manual de Daligault como referência no campo educacional aconteceu até fins do século XIX.

Este Compêndio visa orientar os professores em exercício e, no prefácio, o autor deixa clara a intenção de reproduzir o conteúdo proposto por Daligault ao afirmar que: “Em sua organisação [sic] seguimos as doutrinas expendidas por MR. DALIGAULT, no seu curso prático de pedagogia, resumindo este nosso trabalho, o mais possível, para não tornal-o [sic] fastidioso pela prolixidade” (ARAUJO, 1886, p. 4).

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O Compêndio de Araujo (1886) foi publicado em Maceió possui o total de 73 páginas que, se comparado ao total do manual de Daligault (1870), que soma 279 páginas, é uma versão menor, podendo, conforme sugestão de Joaquim José de Araujo, ser considerada uma versão resumida do Manual de Daligault que, sobre o ponto de vista de Araujo aborda os elementos mais importantes a serem compreendidos pelos professores, é dividido em três parte como ocorre na versão original do Manual, não apresenta nota sobre Araujo ou Daligault.

Na busca por mais informações sobre Daligault, percebemos que a tradução para o português do manual utilizada para a presente pesquisa não apresenta nota sobre o autor, além de informar que Jean Baptiste Daligault era diretor da Escola Normal Primária de Alençon, na França. Mas, encontramos Pereira (2013) que, em sua tese, escreve que “Jean-Baptiste Daligault nasceu no dia 2 de março de 1811, na cidade de La Chapelle-Bihe (situada no Departamento de Orne, Baixa Normandia-França) e faleceu em 1894” (PEREIRA, 2013, p. 87, grifo da autora).

Entre 1811 a 1894, no continente europeu, sobretudo na França, ocorreram acontecimentos históricos significativos, como é o caso do desenvolvimento industrial e comercial, o alargamento das fronteiras do território, o acirramento das lutas de classes e eclosões dessas lutas; a exemplo disto destaca-se o Governo Comunal em 1871 (MARX, 1986). Percebemos, então, que o contexto histórico social em que Daligault esteve inserido foi de contrastes políticos e lutas, que certamente afetaram também o contexto escolar do período.

Pereira (2013) informa que o papel de Daligault na história da Educação não está unicamente ligado à autoria do manual Cours pratique de pédagogie, também por

[...] sua contribuição como professor, Inspetor de escola primária, Diretor e como professor de Pedagogia da Escola Normal de Alençon (Baixa Normandia-França). A atuação profissional de Daligault no magistério público parece ter-lhe fornecido excelente fundamento teórico e prático para escrever esse manual de ensino. Em 24 de setembro de 1833, Jean Baptiste Daligault recebeu seu diploma em Letras, expedido por François Guizot, Ministro da Instrução Pública Francesa, naquele momento. Em 30 de dezembro de 1837, deixou sua Cadeira no Liceu de Caen, para ser nomeado Inspetor das escolas primárias de Calvados, função que ele desempenhou por 11 anos e meio, até 1849 (PEREIRA, 2013, p. 92, grifo da autora).

Quando nomeado Diretor da Escola Normal de Alençon, em 20 de junho de 1849, Daligault passou a ministrar três disciplinas “aquelas de Gramática, de Pedagogia e de Estilo. Em 1864, devido a uma modificação na distribuição das matérias, ficou encarregado somente

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das aulas de leitura (com recitação) e de língua francesa (exercícios de estilo)” (PEREIRA, 2013, p. 92). Assim, percebemos que a experiência de Daligault contribuiu significativamente na constituição do manual.

Em falta de estudos em português que tratassem sobre a Escola Normal de Alençon, encontramos apenas que a instituição esteve localizada na Baixa Normandia, França (PEREIRA, 2013).

Outra informação importante acerca do manual é que, no período em que foi aprovado em Santa Catarina pelo governo provincial, a França passava pelo momento em que o ensino estava se constituindo laico. Com isso, percebemos que os dirigentes da província catarinense adotavam a educação francesa como modelo, mas, ao consentirem a formação religiosa dentro das escolas durante o século XIX, demonstram não ter o interesse em acompanhar a educação francesa no tempo real de seus acontecimentos históricos.

Diante deste fato suscitamos algumas hipóteses para a publicação e presença do manual no Brasil e em Santa Catarina:

- o Manual, apesar de estar em posição contrária à mudança que se previa para educação francesa, não fez com que o autor negasse suas raízes na prática educativa e religiosa;

- apesar de Jean Baptiste Daligault ser uma pessoa influente em seu tempo, o manual não fez tanto sucesso no continente europeu devido à promoção da laicidade do ensino e, por isso, foi trazido para o continente americano na expectativa de conseguir o sucesso (divulgação de seus ideais e lucros financeiros) almejado;

- o Manual, no contexto europeu do século XIX, era utilizado em colégios de formação religiosa, e foi escolhido pelos dirigentes da província de Santa Catarina não para o mesmo fim, mas para catequizar a todos.

Entendemos, também que, para o entendimento de uma dessas hipóteses como adequada, precisaríamos de maior tempo em pesquisa e, talvez, fique aqui um primeiro indício para estudos posteriores.

2.1 A CHEGADA DO MANUAL DE DALIGAULT NO BRASIL E EM SANTA CATARINA

O Manual de Pedagogia de Jean Baptiste Daligault foi trazido para o Brasil e para Santa Catarina no século XIX, pouco tempo após sua publicação na França. Nesse período,

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importantes transformações em diferentes áreas ocorreram no Brasil, entre elas a independência política em relação a Portugal que, de acordo com Costa (1999),

[...] as funções burocráticas e políticas ganharam novo relevo. As capitais das províncias, quase todas, aliás, situadas no litoral, tornaram-se centros político-administrativos importantes, o que daria nova vida a esses núcleos urbanos. A intenção de criar uma elite capaz de governar o país acarretou a fundação de algumas faculdades (Rio de Janeiro, Recife e São Paulo), criando estímulos novos para a vida urbana. Os fazendeiros começaram a construir casas nas cidades. A Corte tornou-se o grande centro das atrações (COSTA, 1999, p. 240, grifos da autora).

As capitais das províncias, na esfera política, repercutiram na reorganização da estrutura física das cidades, e até mesmo o modo de pensar, que é envolvido pela possibilidade de mudança no modo de vida que se tinha. Aos olhos dos dirigentes, o Brasil precisava tornar-se uma nação com povo civilizado. Schmidt, Schafaschek e Schardong, em estudos sobre os jornais que circularam em Desterro durante o século XIX, observam que

Alcançar o ideal da civilização colocava-se como condição fundamental para a elite superar ou manter-se afastada da barbárie, prosseguindo em direção e segurança e ao bem estar. Os jornais eram unânimes em declarar a instrução como elemento fundamental no processo de civilização. O tema educacional apareceu, assim com força civilizatória. Educar não somente a elite, mas, os demais componentes da sociedade (da qual, é importante ressaltar, excluíam-se índios e escravos), colocava-excluíam-se como uma exigência aos “letrados” e dirigentes da política catarinense assim como do governo geral que buscava firmar-se como Nação (SCHMIDT, SCHAFASCHEK, SCHARDONG, 2012, p. 37).

Assim acontece o início de uma nova era, o país recém-independente deixa de ser colônia e inicia um processo de constituição do Estado Nacional, organizando sua estrutura básica nas diferentes áreas, e a escola teve participação fundamental nesse processo, pois propagaria os ideais de civilidade entre os futuros cidadãos.

A busca pela unificação do território brasileiro em torno de um Estado colaborou para a propagação da escola. Esta era vista como um elemento estratégico para homogeneizar o povo em torno do ideal de nação, assegurando que não houvesse lutas sociais e a fragmentação do Estado. Neste sentido,

A educação apresentava-se, a partir daí, como um meio de operar o aliciamento dos indivíduos em torno de “interesses em comuns” que, em última instância, eram os de um Estado altamente elitizado e centralizado. Do contrário, as autoridades teriam dificuldade de exercer seu poder de

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influência (SCHMIDT, SCHAFASCHEK, SCHARDONG, 2012, p. 63, grifos das autoras).

A escola, à mercê de um ideal que visa a um povo brasileiro civilizado e engajado em mudanças estruturais para a formação do país, passa a ter responsabilidade em formar cidadãos aptos a contribuir nesse processo e, conforme Schmidt, Schafaschek e Schardong (2012, p.64),

Havia o entendimento de que a boa educação deveria envolver o desenvolvimento moral, intelectual e físico. A moral seria alcançada por um coração virtuoso, a intelectualidade exigia uma linguagem pura e um espírito vivo, adquirido pelo desenvolvimento do raciocínio, enquanto o preparo físico seria obtido por cuidados com a saúde e pelo desenvolvimento da força.

A estrutura inicial das escolas de primeiras letras, no Brasil, é institucionalizada oficialmente em 15 de outubro de 1827, quando a Assembleia Geral aprovou a primeira Lei (sem número) sobre a instrução pública de primeiras letras do Império, e definiu as primeiras diretrizes legais para a organização e funcionamento das escolas públicas. De acordo com esta Lei, “Em todas as cidades, villas e logares mais populosos, haverão as escolas de primeiras letras que forem necessárias” [sic] (BRASIL, 1827, p. 54, Art. 1º). Outras definições importantes foram sobre o método de ensino, o vencimento da carreira dos professores, e a responsabilidade pela manutenção das escolas. Sobre os professores, algumas determinações significativas foram:

Art 6º Os Professores ensinarão a ler, escrever as quatro operações de arithmetica, pratica de quebrados, decimaes e proporções, as nações mais geraes de geometria pratica, a grammatica da lingua nacional, e os principios de moral christã e da doutrina da religião catholica e apostolica romana, proporcionandos á comprehensão dos meninos; preferindo para as leituras a Constituição do Imperio e a Historia do Brazil.

Art 7º Os que pretenderem ser providos nas cadeiras serão examinados publicamente perante os Presidentes, em Conselho; e estes proverão o que fôr julgado mais digno e darão parte ao Governo para sua legal nomeação. Art 8º Só serão admittidos á opposição e examinados os cidadãos brazileiros que estiverem no gozo de seus direitos civis e politicos, sem nota na regularidade de sua conducta.

Art 9º Os Professores actuaes não seram providos nas cadeiras que novamente se crearem, sem exame e approvação, na fórma do art. 7º.

Art 10º Os Presidentes, em Conselho, ficam autorizados a conceder uma gratificação annual, que não exceda á terça parte do ordenado, áquelles Professores, que por mais de doze annos de exercicio não interropindo se tiverem distinguindo por sua prudencia, desvelos, grande numero e approveitamento de discipulos [sic] (BRASIL, 1827, p. 54).

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O Estado, ao definir a escola como um dos espaços que assegura a formação dos brasileiros enquanto cidadãos, instituiu os direcionamentos vistos como necessários para que isso acontecesse. A divisão das classes escolares por sexo é um exemplo evidente:

Art 11º Haverão escolas de meninas nas cidades e villas mais populosas, em que os Presidentes em Conselho, julgarem necessario este estabelecimento. Art 12º As mestras, além do declarado no art 6º, com exclusão das noções de geometria e limitando a instrucção da arithmetica só as suas quatro operações, ensinarão tambem as prendas que servem á economia domestica; e serão nomeadas pelos Presidentes em Conselho, aquellas mulheres, que sendo brazileiras e de reconhecida honestidade, se mostrarem com mais conhecimentos nos exames feitos na fórma do art. 7º.

Art 13º As mestras vencerão os mesmos ordenados e gratificações concedidas aos Mestres (BRASIL, 1827, p. 54).

A partir dessa Lei12, outras foram criadas e possibilitaram a definição do papel dos professores para as escolas públicas de primeiras letras nas diferentes províncias brasileiras (SCHMIDT et al, 2012).

Nesse período, o continente europeu era atrativo para a elite intelectual brasileira por sua “eclosão dos movimentos revolucionários”; assim, a cultura europeia, sob a égide de estar mais avançada do que a americana, é percebida como padrão e passa a influenciar fortemente os modos de vida da sociedade brasileira e, sobretudo, a educação escolar francesa passou a ser vista como modelo para o Brasil do século XIX, e a inclusão do currículo francês acontecia por determinações legais (BASTOS, 2010, p. 267).

A adoção do manual Curso Prático de Pedagogia de Jean Baptiste Daligault, para formação de professores no Brasil, é um exemplo de que a influência francesa aconteceu no processo de formação de professores, e a aquisição e tradução desse manual pela Província catarinense, na segunda metade do século XIX, posteriormente sua distribuição para os professores das escolas públicas, indica que os dirigentes catarinenses do período consideraram seu conteúdo pertinente para a educação que se previa para aquele momento.

Trevisan e Pereira (2011), em pesquisa sobre os manuais de ensino franceses no Brasil que foram utilizados para leitura e escrita durante entre 1851 e 1966, afirmam que, embora tenham sido encontrados “manuais de ensino para a formação de professores de autoria de norte-americanos, portugueses, franceses e espanhóis”, a “maior recorrência é de manuais escritos por franceses” (TREVISAN; PEREIRA, 2011, s.p.),

12 A 1ª Lei da Instrução Primária brasileira, de 15 de outubro de 1827, está disponível no Anexo 1 da presente

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Manuais de ensino, em outras referências, são também denominados compêndios, tratados ou, ainda, manuais escolares, e têm, como principal característica, a função de preparar os candidatos ao magistério ou professores em serviço para ensinar os estudantes a ler e a escrever; além disso, outras temáticas eram trabalhadas nos manuais de acordo com as propostas civilizatórias do Estado (TREVISAN; PEREIRA, 2011, s. p.).

Sobre as práticas que deram surgimento aos manuais, Silva (2011) comenta que o hábito de professores em fazer anotações dos assuntos de suas aulas e fazer com que esses escritos circulassem para os outros professores deu origem aos manuais de ensino que, depois de oficializados, ganharam forma e se constituíram em uma modalidade de texto. Inicialmente, eram comuns apenas nos países com organização social mais estruturada do continente europeu, mas a partir da metade do século XIX, passaram a ser utilizados com frequência nos demais países (SILVA, 2011).

Noronha (2010)13, também colabora para o entendimento de como os manuais de ensino eram utilizados durante o século XIX e início do século XX, sobretudo indicia-os como materiais para pesquisa ao dizer:

Tendo como propósito contribuir para a ampliação do entendimento do modo como o trabalho didático tem sido organizado historicamente nas escolas, os manuais e os livros podem representar um excelente material empírico de investigação na medida em que se constituem em elementos de mediação na relação que se estabelece no processo educativo envolvendo educadores e educandos em determinado contexto histórico educacional (NORONHA, 2010, p. 43, grifos do autor).

Assim, por se tratarem de veículos de informação durante o século XIX em Santa Catarina para os professores, e prescreverem modos de organização que foram instituídos historicamente, percebemos que os manuais de ensino servem como base para pesquisas em história da Educação por colaborarem na compreensão dos moldes para a educação escolar que eram previstos no período e local em que foram inseridos.

O Manual de Daligault foi aprovado pelo governo provincial de Santa Catarina como um instrumento para formação e auxílio dos professores da Província em 1870, com o Ato de 18 de dezembro de 1869, que disponibilizou setecentos réis14 para a impressão do

13 Sua pesquisa acontece sobre os manuais de ensino disponíveis das bibliotecas públicas de São Paulo

atualmente, mas que foram utilizados em Campinas (SP) durante o século XIX e início do século XX.

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Curso Prático de Pedagogia e, desse valor total, trezentos e cinquenta réis15 foram destinados ao pagamento do tradutor, Franc de Pauliscéa Marques de Carvalho16; o restante foi destinado para cobrir os custos da impressão (DALIGAULT, 1870). A descrição deste ano, na íntegra, está disponível em uma das folhas de rosto do manual, em nota escrita pelo tradutor catarinense:

O Vice presidente da província, para o fim de tornar profícua a reforma ultimamente feita na Instrucção Publica, reconhecendo sêr da maior urgência e necessidade se imprimir e distribuir sem demora pelas Escolas Publicas da província o Curso pratico de pedagogia escripto em francez por Daligault, e traduzido pelo cidadão Franc de Pauliscéa Marques de Carvalhos em língua vernácula: resolve renovar, como credito suplementar ao 6º. do art. 3°. da lei n. 627 de 11 de Junho ultimo, o credito especial de 700$ reis [...] [sic] (DALIGAULT, 1870, p. 7, nota do tradutor).

Por ser legitimado pelo governo provincial de Santa Catarina, entendemos que este manual francês, que tem como base discursos sobre como devem ser organizadas e ministradas as aulas das escolas de primeiras letras e descreve as características necessárias para ser professor no século XIX, é uma referência importante para investigação da Educação de Santa Catarina no período em que foi utilizado, o século XIX.

Para o entendimento de manuais de ensino como fonte de pesquisa, Noronha (2010) afirma que

A ênfase colocada no manual escolar expressa as condições materiais da sociedade naquele momento histórico em que se desenvolvia a organização manufatureira do trabalho em que o trabalhador se subordinava ao seu instrumento de trabalho. À semelhança do que ocorria no mundo do trabalho o professor também começa a se subordinar ao instrumento de trabalho: no caso, o manual escolar (NORONHA, 2010, p. 61, grifo do autor).

Com isso, compreendemos que os livros identificados como manuais de ensino estiveram relacionados à intenção de organizar o trabalho do professor, a escola, e o modo de transmitir e receber o conhecimento, em um processo em que o professor deve perceber o manual como a base orientadora para seu trabalho.

15 Ibidem.

16 Em leitura à Daligault (1870) entendemos que Franc de Pauliscéa Marques de Carvalho era uma figura

influente em Santa Catarina no século XIX, um dos fatos que colabora para esse entendimento é que, em 1870, era o substituto do Diretor Geral da Província.

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Vicentini e Silva (2006), em pesquisa sobre a construção da vida escolar através de manuais pedagógicos entre 1870 e 1970, também colaboram para o entendimento dos manuais de ensino como documentos para pesquisas ao afirmar que

[...] os livros ocupam um lugar intermediário no discurso educacional, expresso nas relações estabelecidas no interior do campo da educação, bem como entre os educadores e outras instâncias da sociedade. Nessa perspectiva, os manuais ocupam uma posição intermediária num campo intermediário. Os seus textos explicam as questões de ensino supondo a existência de um consenso, pois os escritos apresentam-se sempre de forma concisa, dando pouco espaço para a descrição de discussões entre os educadores. [...] Isso não quer dizer que a posição desses livros tenha sido estática, pelo contrário, o seu conteúdo dependeu de uma rede de comunicação complexa e decorre de opções e leituras historicamente situadas, produzindo representações acerca do funcionamento escolar (VICENTINI; SILVA, 2006, pp. 2860- 2861, grifos das autoras).

Assim, entendemos que a aprovação do Manual de Daligault pelos dirigentes da Província de Santa Catarina não fundamenta a compreensão de que ele foi exaltado por todos aqueles que o utilizaram, mas que, no caso de Santa Catarina, o Manual chegou até o Estado devido à rede de comunicação que se estabelecia entre a França e o Brasil, e neste último está inserido o Governo Provincial e a organização provincial e as escolas.

Sobre o conteúdo expresso nos manuais, Pereira e Trevisan (2011) citam que esses materiais, embora não sejam documentos oficiais,

[...] apresentam função semelhante, uma vez que também divulgam discursos oficiais e que se baseiam em programas de ensino oficiais, apresentando até mesmo, em alguns casos, ao final do manual de ensino, programas na íntegra ou, ainda, menções e citações explicitadas de orientações contidas nos documentos oficiais (PEREIRA; TREVISAN, 2011, s. p.).

Nesse contexto, o manual de Jean Baptiste Daligault não se caracteriza como um documento oficial, mas legitima um modelo de educação, pois com Ato de 18 de dezembro de 186917 foi assumido oficialmente pelo governo provincial de Santa Catarina como um instrumento para transmitir conhecimento aos professores e futuros professores de primeiras letras da referida Província.

Assim, os manuais não expressam, em suas páginas, discursos neutros às intencionalidades de seu tempo, e

17 O Ato de 18 de dezembro de 1869 viabilizou a tradução, impressão e distribuição do Manual em Santa

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