Amor e Medo
Quando eu te vejo e me desvio cauto Da luz de fogo que te cerca, ó bela,
Contigo dizes, suspirando amores: — "Meu Deus! Que gelo, que frieza aquela!"
Como te enganas! meu amor é chama Que se alimenta no voraz segredo,
E se te fujo é que te adoro louco... És bela — eu moço; tens amor, eu — medo...
Tenho medo de mim, de ti, de tudo, Da luz, da sombra, do silêncio ou vozes.
Das folhas secas, do chorar das fontes, Das horas longas a correr velozes. O véu da noite me atormenta em dores A luz da aurora me enternece os seios, E ao vento fresco do cair das tardes,
Eu me estremeço de cruéis receios. É que esse vento que na várzea — ao longe,
Do colmo o fumo caprichoso ondeia, Soprando um dia tornaria incêndio
A chama viva que teu riso ateia! Ai! se abrasado crepitasse o cedro, Cedendo ao raio que a tormenta envia: Diz: — que seria da plantinha humilde,
Que à sombra dela tão feliz crescia? A labareda que se enrosca ao tronco Torrara a planta qual queimara o galho
E a pobre nunca reviver pudera. Chovesse embora paternal orvalho!
Ai! se te visse no calor da sesta, A mão tremente no calor das tuas,
Amarrotado o teu vestido branco, Soltos cabelos nas espáduas nuas! ...
Ai! se eu te visse, Madalena pura, Sobre o veludo reclinada a meio,
Olhos cerrados na volúpia doce, Os braços frouxos — palpitante o seio!...
Ficha ___ 2os anos João Jonas junho/11
Português – EL
Ai! se eu te visse em languidez sublime, Na face as rosas virginais do pejo, Trêmula a fala, a protestar baixinho... Vermelha a boca, soluçando um beijo!...
Diz: — que seria da pureza de anjo, Das vestes alvas, do candor das asas?
Tu te queimaras, a pisar descalça, Criança louca — sobre um chão de brasas!
No fogo vivo eu me abrasara inteiro! Ébrio e sedento na fugaz vertigem, Vil, machucara com meu dedo impuro
As pobres flores da grinalda virgem! Vampiro infame, eu sorveria em beijos Toda a inocência que teu lábio encerra,
E tu serias no lascivo abraço, Anjo enlodado nos pauis da terra. Depois... desperta no febril delírio, — Olhos pisados — como um vão lamento,
Tu perguntaras: que é da minha coroa?... Eu te diria: desfolhou-a o vento!... Oh! não me chames coração de gelo!
Bem vês: traí-me no fatal segredo. Se de ti fujo é que te adoro e muito! És bela — eu moço; tens amor, eu — medo!...
Outubro de 1858 – Casimiro de Abreu
Medo de Amar
Você diz que eu te assusto Você diz que eu te desvio Também diz que eu sou um bruto
E me chama de vadio Você diz que eu te desprezo Que eu me comporto muito mal
Também diz que eu nunca rezo Ainda me chama de animal Você não tem medo de mim Você não tem medo de mim Você tem medo é do amor Que você guarda para mim Você não tem medo de mim Você não tem medo de mim
Você tem medo de você Você tem medo de querer... Você diz que eu sou demente
Você diz que eu simplesmente Sou carente de razão Você diz que eu te envergonho
Também diz que eu sou cruel Que no teatro do teu sonho
Para mim não tem papel Você não tem medo de mim Você não tem medo de mim Você tem medo é do amor Que você guarda para mim Você não tem medo de mim Você não tem medo de mim
Você tem medo de você Você tem medo de querer...
...me amar!
Adriana Calcanhotto
Vampiro
Eu uso óculos escuros pras minhas lágrimas esconder
E quando você vem para o meu lado, ai, as lágrimas começam acorrer E eu sinto aquela coisa no meu peito
Eu sinto aquela grande confusão
Eu sei que eu sou um vampiro que nunca vai ter paz no coração Às vezes, eu fico pensando por que é que eu faço as coisas assim E a noite de verão ela vai passando, com aquele seu cheiro louco de jasmim
E eu fico embriagado de você Eu fico embriagado de paixão
No meu corpo o sangue não corre, não, corre fogo e lava de vulcão Eu fiz uma canção cantando todo o amor que eu sinto por você Você ficava escutando impassível e eu cantando do teu lado a morrer
E ainda teve a cara de pau De dizer naquele tom tão educado
"Oh! pero que letra más hermosa, que habla de un corazón apasionado" Por isso é que eu sou um vampiro e com meu cavalo negro eu apronto
E vou sugando o sangue dos meninos e das meninas que eu encontro Por isso é bom não se aproximar
Muito perto dos meus olhos
Senão eu te dou uma mordida que deixa na sua carne aquela ferida Na minha boca eu sinto a saliva que já secou
De tanto esperar aquele beijo, ai, aquele beijo que nunca chegou Você é uma loucura em minha vida
Você é uma navalha para os meus olhos
Pátria Minha
A minha pátria é como se não fosse, é íntima Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo
É minha pátria. Por isso, no exílio Assistindo dormir meu filho Choro de saudades de minha pátria. Se me perguntarem o que é a minha pátria direi:
Não sei. De fato, não sei
Como, por que e quando a minha pátria Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água
Que elaboram e liquefazem a minha mágoa Em longas lágrimas amargas. Vontade de beijar os olhos de minha pátria De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos... Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias
De minha pátria, de minha pátria sem sapatos E sem meias pátria minha
Tão pobrinha!
Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho Pátria, eu semente que nasci do vento
Eu que não vou e não venho, eu que permaneço Em contato com a dor do tempo, eu elemento
De ligação entre a ação e o pensamento Eu fio invisível no espaço de todo adeus
Eu, o sem Deus!
Tenho-te no entanto em mim como um gemido De flor; tenho-te como um amor morrido
A quem se jurou; tenho-te como uma fé
Sem dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto a jeito Nesta sala estrangeira com lareira
E sem pé-direito.
Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra Quando tudo passou a ser infinito e nada terra
E eu vi alfa e beta de Centauro escalarem o monte até o céu Muitos me surpreenderam parado no campo sem luz
À espera de ver surgir a Cruz do Sul Que eu sabia, mas amanheceu... Fonte de mel, bicho triste, pátria minha
Amada, idolatrada, salve, salve! Que mais doce esperança acorrentada
O não poder dizer-te: aguarda... Não tardo!
Quero rever-te, pátria minha, e para Rever-te me esqueci de tudo Fui cego, estropiado, surdo, mudo Vi minha humilde morte cara a cara
Rasguei poemas, mulheres, horizontes Fiquei simples, sem fontes.
Pátria minha... A minha pátria não é florão, nem ostenta Lábaro não; a minha pátria é desolação
De caminhos, a minha pátria é terra sedenta E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular
Que bebe nuvem, come terra E urina mar.
Mais do que a mais garrida a minha pátria tem Uma quentura, um querer bem, um bem
Um libertas quae sera tamem Que um dia traduzi num exame escrito:
"Liberta que serás também" E repito!
Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa Que brinca em teus cabelos e te alisa Pátria minha, e perfuma o teu chão...
Que vontade de adormecer-me Entre teus doces montes, pátria minha
Atento à fome em tuas entranhas E ao batuque em teu coração. Não te direi o nome, pátria minha Teu nome é pátria amada, é patriazinha
Não rima com mãe gentil Vives em mim como uma filha, que és
Uma ilha de ternura: a Ilha Brasil, talvez.
Agora chamarei a amiga cotovia E pedirei que peça ao rouxinol do dia
Que peça ao sabiá
Para levar-te presto este avigrama: "Pátria minha, saudades de quem te ama...
Vinicius de Moraes."
Vinicius de Moraes
(Extraído do livro "Vinicius de Moraes – Poesia Completa e Prosa", Editora Nova Aguilar - Rio de Janeiro, 1998, pág. 383.)
Beatriz Lobo: obrigado pela sugestão! Conheça a vida e a obra do autor em "Biografias".