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O que os olho. a empresa sen. 28 JULHO/AGOSTO/SETEMBRO 2005 diga lá nº 44 ILUSTRAÇÃO ALÊ ABREU

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28| JULHO/AGOSTO/SETEMBRO 2005 | diga lá | nº 44

O que os

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a

empresa sen

O que os

olho

a

empresa

sen

ILUSTRAÇÃO ALÊ ABREU

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V

alquíria Daher

Uma epidemia ainda invisível atinge a força de trabalho sem que a maior parte das empresas brasileiras perceba. Os sintomas podem ser pe-quenos atrasos, acidentes de trabalho, queda na produtividade e faltas por motivos de doença cada vez mais freqüentes. Considerada um pro-blema de saúde pública pelos especialistas da área, a dependência de drogas lícitas ou ilícitas ainda é um tema tabu em boa parte do mundo corporativo do país. Mas iniciativas isoladas de prevenção ou até mesmo de tratamento estão se mostrando eficazes e podem servir de exem-plo para ações futuras mais amplas.

A psiquiatra Ana Cecília Marques, presidente da Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras drogas (Abead), explica que, apesar de ain-da não existir um estudo brasileiro quantificando a dependência química no mundo do trabalho, é possível dimensionar o problema com base em pesquisas sobre a população como um todo. A médica cita um levantamento domiciliar feito pe-lo Centro Brasileiro de Informações Piscotrópicas da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) em 2001.

“A pesquisa mostrou que 10% dos homens e 5% das mulheres são dependentes de álcool. De 1% a 1,5% da população depende de outras drogas. No mundo do trabalho, a ocorrência é igual à da população em geral. As empresas têm de parar de agir como uma avestruz, tirar a ca-beça de dentro da terra e enfrentar o proble-ma”, diz a presidente da Abead, uma

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A dependência química dos funcionários geral-mente fica escondida por trás de outras doenças que, na verdade, são apenas uma conseqüência do uso de determinadas substâncias. Nem mesmo a maioria dos departamentos médicos das empresas detecta o problema que, assim, não é tratado.

“A sociedade tem dificuldade em olhar para o uso de drogas como uma doença, por isso também nas empresas essa dependência passa despercebida. Um gestor bem preparado pode ser capaz de detectar o problema, mas isso é raro. Em geral, não existe essa consciência. O que acontece é que quando o funcio-nário tem uma crise, é mandado para os médicos conveniados e pronto. Em 99% dos casos, essa pes-soa com dependência é tratada pelas doenças rela-cionadas ao vício, como gastrite, diarréia e muitas outras”, explica Ana Cecília, acrescentando que mes-mo quando a dependência provoca acidentes de tra-balho, continua invisível. “Se um operário estava bê-bado e caiu, na maioria das vezes vai ter apenas as fraturas tratadas. Precisamos abrir os olhos e criar uma política de prevenção”, completa.

Produtividade x

dependência

Mas, se essa “epidemia” é tão invisível e tão pouco percebida pelas empresas, por que existe uma ne-cessidade tão grande de combatê-la? Se não for por responsabilidade social, que ao menos seja por controle de custos. Em todas as empresas onde exis-te uma política de prevenção e nas quais foi feito um mapeamento do problema, ficou provado que um funcionário com dependência química represen-ta um custo muito mais alto do que outro saudável. O Instituto Brasileiro de Estudos Toxicológicos e Farmacológicos (Ibet), que desenvolve programas de prevenção em empresas, chegou aos seguintes nú-meros: um funcionário usuário de drogas sofre 3,6 vezes mais acidentes de trabalho; aumenta em nove vezes a probabilidade de ter um acidente

automobi-lístico ou doméstico; tem três vezes mais atrasos; usa a assistência médica três vezes mais; e está duas ve-zes mais sujeito à demissão.

Diretor científico do Ibet, o toxicologista Ovandir Alves Silva diz que não há dúvida que o usuário de drogas tem mais chance de se ferir e ferir os outros no trabalho. Coordenadora de estudos e assistência do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Atenção ao Uso de Drogas (Nepad/UERJ), a psiquiatra Ivone Stefania Ponczek, no entanto, destaca que as rea-ções variam muito de pessoa para pessoa. “É muito pessoal. Não podemos botar todo o mundo no mes-mo patamar. Algumas pessoas ficam tomadas pelas drogas e não conseguem trabalhar. Outras não. De-pende da droga e deDe-pende da pessoa quanto isso vai afetar o rendimento. A cocaína e o álcool, que é socialmente aceito, têm efeitos mais visíveis. A ma-conha traz reflexos mais sérios a longo prazo”, expli-ca Ivone.

Ana Cecília, da Abead, conta que estudos mostram em quanto tempo os efeitos do uso de drogas ficarão mais evidentes, inclusive no trabalho. A psiquiatra con-firma que isso varia de pessoa para pessoa e de droga para droga, mas em média isso ocorre num prazo de três a cinco anos. “Se a pessoa chegar a ir para o trabalho sob o efeito das drogas, geralmente é man-dada para tratamento”, conta a médica.

É justamente a esse ponto que os especialistas acreditam que a empresa não deve deixar o funcio-nário chegar. Ovanir destaca que um programa vol-tado para drogas nas empresas não deve ser focado na pessoa com dependência: “A preocupação não deve ser com o dependente, e sim com o usuário e com a prevenção.”

Exemplo que vem do Sul

Um trabalho de prevenção feito pelo Escritório das Nações Unidas contra Drogas e Crime (Unodoc/ONU), realizado em parceria com o Sesi do Rio Grande do Sul desde 1994, comprova a eficácia desse tipo de inicia-tiva. Depois do ciclo do programa – que dura 18 meses, mas pode ser implantado continuamente –, os resul-tados nas empresas são os seguintes: em termos de

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qualidade de vida, 16% dos fun-cionários fumantes pararam de fumar, 12,5% dos que bebiam regularmente deixaram de con-sumir álcool e 53% dos depen-dentes abandonaram o uso de drogas ilícitas. Em relação à pro-dutividade, as faltas por motivo de doença foram reduzidas em 10%, os atrasos diminuíram 30% e os acidentes de trabalho fo-ram reduzidos em 34%.

Segundo o Unodoc, o pro-grama está sendo desenvolvi-do em 73 empresas e seis es-colas em 31 municípios do Rio Grande do Sul, atingindo 65 mil trabalhadores e 6 mil alunos. O projeto foi expandido para 11 estados brasileiros e está sendo levado também para países do Cone Sul.

Coordenadora de Preven-ção às Drogas do Sesi do Rio Grande do Sul e responsável pelo programa, Leda Pereira conta que tudo começa com a

empresa assinando um termo de compromisso. “A partir daí, fazemos uma pesquisa para mensurar os indicadores do uso de drogas e de desempenho. Os funcionários preenchem questionários. Depois de feito o mapeamento, elaboramos a estratégia e a política de prevenção mais adequada àquela rea-lidade”, explica.

O trabalho baseia-se em três áreas distintas pe-las cores dos sinais de trânsito: verde (boa), amarela (risco) e vermelha (dependência). A idéia é valorizar a área verde, mostrando que a vida pode ser legal sem o consumo de drogas. “Nós fazemos uma cam-panha de deflagração do programa, realizamos um trabalho de valorização da vida e capacitamos gestores reabilitadores ou orientadores. O programa leva de 18 a 24 meses, e criamos condições para que haja continuidade no trabalho. Durante o programa,

são feitas três avaliações. Após a terceira, a empre-sa ganha o selo ‘Aqui se pratica prevenção’”, relata Leda, destacando que em todas as empresas em que o trabalho foi desenvolvido os resultados foram mui-to bons.

Leda acredita que o empresariado brasileiro já está percebendo que a qualidade do produto de-pende da qualidade de vida dos funcionários, por isso, mais empresas estão investindo em preven-ção e, quando necessário, em tratamento. “Algu-mas empresas já têm até dotação orçamentária para esse tipo de programa. É mais barato prevenir do que tratar. O foco na valorização da vida reduz o custo de produção das empresas e melhora a vida do funcionário. Mas, além disso, o programa tam-bém trata e recupera as pessoas”, destaca ela, acrescentando que o programa parte da metodologia

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da ONU, mas foi adaptado à realidade local e é moldado de acordo com a empresa.

A “valorização da vida” é feita por meio de ativi-dades que liberam endorfina, geram na pessoa o sen-timento de pertencer a um grupo, a algo mais amplo, e desenvolvem a auto-estima do indivíduo. “Temos atividades de dança, de coral, passeios. Queremos que esses funcionários e suas famílias sintam que são importantes para alguém. A solidão e o estresse são fatores que levam ao consumo de drogas”, con-ta a coordenadora do Sesi/Unodoc.

Ivone Ponczek, do Nepad/UERJ, concorda que o consumo de drogas está cada vez mais vinculado a fatores como esses. “O estresse, as dificuldades econômicas e a insatisfação no emprego aumen-tam o consumo de drogas. Isso é o reflexo, algumas vezes, da situação do país. Mas acontece também porque as pessoas têm relações descartáveis e es-tão buscando prazeres imediatos, es-tão difundidos pela mídia”, pondera ela, destacando que atualmen-te poucas empresas procuram o Nepad em busca de orientação para lidar com o problema. “O que é uma pena”, lamenta.

Prevenção x repreensão

O maior desafio de desenvolver um programa na área de prevenção à dependência química nas empresas pode ser sensibilizar o empresariado para o proble-ma. No entanto, existe outro obstáculo também mui-to comum: o funcionário usuário ficar amedrontado, acuado e com medo de ser demitido.

Leda explica que no programa do Sesi/Unodoc, por exemplo, o número de pessoas que admitem ser usuárias de drogas lícitas ou ilícitas costuma crescer da primeira para a segunda avaliação. A explicação dela é a seguinte: “É que, após o primeiro estágio do programa, a cultura da empresa começa a mudar e as pessoas passam a se revelar. É na terceira avalia-ção que verificamos a real reduavalia-ção dos casos.”

Ovandir, do Ibet, conta que nos programas que desenvolve nas empresas, em geral, a adesão dos funcionários é de 100%. “Nós fazemos uma palestra de sensibilização e mostramos que o programa não

tem nada a ver com demissão, com repressão, que os objetivo são a prevenção e a recuperação. As empresas assumem esse compromisso quando con-tratam o programa. É importante que isso fique mui-to claro, porque nós pedimos aumui-torização dos fun-cionários para fazer exames toxicológicos para po-dermos traçar um mapeamento da situação da em-presa.” Para ele, o pior são as empresas que não têm qualquer programa e que, quando identificam o pro-blema, demitem o funcionário.

Como na maioria dos casos as empresas não pos-suem um programa adequado para enfrentar o pro-blema, muitos gestores ficam perdidos na hora de abordar o funcionário com um tema delicado como esse. Ivone Ponczek, do Nepad/UERJ, explica um pou-co do que deve ser feito ou não na hora de abordar um dependente químico: “É preciso ter o máximo de humanismo. O maior erro é lidar de uma forma amea-çadora, persecutória. Isso pode ter efeitos em toda a equipe. O ideal é encaminhar a pessoa para o servi-ço de psicologia da empresa, se houver um. Outro aspecto muito comum hoje em dia é associar a droga à irresponsabilidade e à violência relacionada ao trá-fico. Não podemos lidar com o usuário dessa manei-ra”, ensina.

De olhos bem fechados

A negação é outra das atitudes que aparecem a toda hora quando o assunto é droga. A negação pode par-tir dos gestores, da empresa e, claro, do próprio usuá-rio. Mas, se o funcionário está em negação, como é possível conscientizá-lo de que ele é dependente de alguma droga?

“A negação é um obstáculo difícil. O gestor ou o chefe devem se aproximar aos poucos, sempre dei-xando claro que não vão demitir ou perseguir, é pre-ciso tentar aos poucos. Quando a negação parte do chefe ou dos pais, no caso de jovens, também é um problema. As pessoas tendem a fingir que não estão vendo o que acontece”, diz Ivone.

De olhos bem fechados também parecem estar algumas empresas de determinados setores, di-zem os especialistas. Ovanir, do Ibet, destaca as

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áreas que mais procuram pro-gramas de prevenção. “Side-rúrgicas, transporte de carga, mineração, automobilística e prestação de serviço são as mais preocupadas com uma política de prevenção. Agora, nunca ouvi falar de empresas de publicidade e de mercado financeiro que tenham adota-do um projeto como esse. Ou-tro absurdo é as companhias aéreas não adotarem uma po-lítica de prevenção e não fa-zerem exames periódicos nos pilotos, mecânicos etc. Eles estão lidando com a vida das pessoas. Nos Estados Unidos, por exemplo, esses setores, assim como o ferroviário, são obrigados a ter um programa com exames toxicológicos”, alerta.

Ana Cecília, da Abead, tam-bém é favorável a uma política empresarial mais agressiva quando se trata de uma

em-presa em que o risco é alto: “No caso das compa-nhias aéreas, deveria estar no contrato de um pilo-to que ele pode vir a ser submetido a testes. Depois as empresas deveriam fazer um sorteio para esco-lher quem faria o exame em cada período. O que está em jogo aí é a vida das pessoas.”

O exame toxicológico é motivo de polêmica en-tre os especialistas. Ovanir acredita que é um pro-cedimento normal, desde que a empresa tenha a autorização do funcionário: “É um mito pensar que o funcionário vai fugir. A adesão é muito grande.”

Já Ana Cecília acredita que o exame toxicológico é “um simples instrumento” e pode ser usado depen-dendo do perfil da empresa: “Um questionário anô-nimo é um bom procedimento porque fica claro que a empresa não quer detectar quem é o usuário e, sim, conhecer o seu perfil em relação ao uso de drogas.

É claro que há pessoas que mentem ou simplesmen-te não respondem. Mas, hoje em dia, aprendemos alguns truques que, mesmo quando a pessoa não diz a verdade, nos permitem ver que ela usa drogas.” Já Ivone é totalmente contrária aos exames toxicológicos: “O exame toxicológico é invasivo e inconstitucional. Ninguém é obrigado a dar uma pro-va contra a sua própria pessoa. Soa também como uma ameaça que ronda os funcionários. É preciso lidar com isso de outra forma. É completamente dife-rente de um exame antidoping feito numa competi-ção esportiva, na qual existem regras. Uma campa-nha preventiva é muito melhor.”

Para Ana Cecília, no entanto, essa discussão é irrelevante: “Ainda falta tanto o que fazer nessa área... O que precisamos lembrar é que esse é um problema de saúde pública número 1.”

Referências

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