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Representações de género e de etnia: estudo realizado em manuais escolares de educação física do 3º ciclo do ensino básico

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE DO PORTO FACULDADE DE CIÊNCIAS DO DESPORTO E DE EDUCAÇÃO FÍSICA. Representações de Género e de Etnia Estudo realizado em manuais escolares de Educação Física do 3º Ciclo do Ensino Básico. Dissertação apresentada com vista à obtenção do grau de Mestre em Ciência do Desporto, especialização de Desporto de Crianças e Jovens, nos termos do Decreto-Lei n.º 216/92 de 13 de Outubro.. ORIENTADORA: Prof. Doutora Paula Botelho Gomes. Sílvia Cristina de Oliveira Caetano Porto, 2005.

(2) Caetano, S. (2004). Representações de Género e de Etnia. Estudo realizado em manuais escolares de Educação Física do 3º Ciclo do Ensino Básico. Dissertação apresentada às provas de Mestrado em Ciência do Desporto, especialização em Desporto de Crianças e Jovens. Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física. Universidade do Porto. Porto.. PALAVRAS-CHAVE: EDUCAÇÃO FÍSICA; MANUAIS ESCOLARES; GÉNERO; ETNIA; IGUALDADE DE OPORTUNIDADES..

(3) AGRADECIMENTOS. Os passos dados ao longo deste trabalho foram seguidos por algumas pessoas. À maioria, que permaneceu ao meu lado neste longo caminho e àquelas pessoas que de uma forma menos visível deram o seu contributo, os meus sinceros agradecimentos. À Prof. Doutora Paula Botelho Gomes, orientadora deste trabalho, pelos seus gestos de apoio e confiança, pelas suas sugestões e críticas construtivas e pela amizade franca e directa a que me habituou, desde a licenciatura. À Mestre Paula Silva, pela disponibilidade e atenção sempre presentes. Às editoras dos manuais escolares analisados neste estudo, pela oferta e/ou informações concedidas sobre os mesmos. À Dra. Ana Maria Braga, do Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas, pelas informações cedidas no âmbito da Base de Dados Entre Culturas. Aos. professores. e. às. professoras. que. se. disponibilizaram. para. serem. entrevistados/as e porque partilharam as suas opiniões. Aos meus familiares, aos meus amigos e às minhas amigas pela ajuda, pelo incentivo constante e pelo interesse demonstrado.. III.

(4) Índice. Resumo..................................................................................................... XV Abstract ...............................................................................................……. XVII. Résumé ..............................................................................................….... XIX I. Introdução.............................................................................................. 1 II. Revisão da literatura................................................................................ 9. 1. O género na sociedade........................................................................ 11 1.1. Sexo, género, papéis e estereótipos sexuais................................... 11 1.1.1. O peso do legado histórico-social........................................ 12 1.1.2. A influência da família....................................................... 14 1.1.3. A influência dos meios de comunicação social....................... 15 1.1.4. A influência da escola........................................................ 17 2. Género e educação............................................................................. 18 2.1. Género e políticas educativas........................................................ 18. 2.2. Género e equidade em educação................................................... 21 2.2.1. Currículo oculto................................................................ 22 2.3. Género em Educação Física.......................................................... 24 3. Diversidade cultural............................................................................ 28 3.1. Conceitos inerentes à cultura........................................................ 28. 3.2. A interculturalidade na escola....................................................... 30 3.3. Educação intercultural................................................................. 33 3.4. Políticas educativas interculturais.................................................. 35 3.5. A diversidade étnica e a igualdade de oportunidades educativas........ 38. 3.5.1. Barreiras ao sucesso educativo........................................... 40 3.6. Educação intercultural em Educação Física...................................... 42. 4. Manuais escolares............................................................................... 44 4.1. Importância dos manuais escolares............................................... 44 4.2. Funções dos manuais escolares..................................................... 45. V.

(5) 4.3. Elaboração, concepção e avaliação................................................ 47 4.4. Importância da imagem............................................................... 50 4.5. Assimetrias nos manuais escolares................................................ 52 4.5.1. Género............................................................................ 52 4.5.1.1. Distorções Sexistas.............................................. 54. 4.5.2. Etnia............................................................................... 58 III. Objectivos e hipóteses............................................................................ 61 1. Objectivos......................................................................................... 63 1.1. Objectivo geral........................................................................... 63 1.2. Objectivos específicos.................................................................. 63 2. Hipóteses.......................................................................................... 64 2.1. Hipótese principal........................................................................ 64. 2.2. Hipóteses secundárias................................................................. 64 IV. Metodologia........................................................................................... 65 1. Amostra............................................................................................ 67 1.1. Manuais escolares....................................................................... 67 1.2. Grupo de estudo de professores/as................................................ 67. 2. Instrumentos e Procedimentos............................................................. 68 2.1. Análise dos manuais escolares...................................................... 68 2.1.1. Justificação do sistema de categorias................................... 69 2.1.2. Acordo Intra-Observador................................................... 71 2.2. Análise das entrevistas................................................................ 71 2.2.1. Processo de construção da entrevista.................................. 73 2.2.2. Professo de efectivação da entrevista.................................. 74 2.2.3. Análise e interpretação das entrevistas................................ 75 2.2.4. Justificação do sistema de categorias................................... 75 V. Apresentação e discussão dos resultados.................................................... 79 1. Apresentação e análise dos manuais escolares........................................ 81 1.1. Quanto ao género....................................................................... 81 1.1.1. Apresentação dos manuais................................................. 81 1.1.2. Matéria de ensino dos manuais........................................... 83 1.1.3. Outros aspectos................................................................ 105 1.1.4. Referências escritas nos manuais........................................ 108 1.2. Quanto à etnia........................................................................... VI. 110.

(6) 1.2.1. Apresentação dos manuais................................................. 111 1.2.2. Matéria de ensino dos manuais........................................... 112 1.2.3. Referências escritas nos manuais........................................ 122 1.3. Síntese da análise dos manuais escolares....................................... 125 2. Apresentação e análise das entrevistas.................................................. 128 2.1. Síntese da análise das entrevistas................................................. 139 VI. Conclusões............................................................................................ 143 VII. Bibliografia........................................................................................... 147 VIII. Anexos............................................................................................... XXI. VII.

(7) Índice de Figuras. Pág.. Figura 1 2. “Exercícios no solo II: apoio invertido, ajudas nos ombros e na cintura, sem selar.” “Defesa; recepção em manchete, colocando a bola em condições jogáveis para o companheiro junto à rede.”. 85 85. 3. “Partilhar os êxitos com os companheiros.”. 85. 4. Judo: técnicas de projecção para a frente.. 86. 5. Passo de dança rock: lado a lado.. 87. 6. Patinagem artística: elementos ombro no ombro em fila.. 87. 7. Corrida em patins: saltos.. 87. 8. Natação: “Partida de costas”.. 89. 9. “Técnica de viragem.”. 89. 10. Ginástica de solo: sequência de exercícios.. 90. 11. Dança: exemplo de um movimento.. 90. 12. Corfebol: campo de jogo.. 91. 13. Basquetebol: passe e bloqueio directo.. 92. 14. Actividades rítmicas expressivas: corpo no espaço.. 92. 15. Futsal: pontapé da linha lateral.. 93. 16. Futsal: atitude base e colocação no terreno.. 93. 17. Voleibol: imagem introdutória ao voleibol para o 8º ano.. 95. 18. Origens do badminton.. 95. 19. Exercício para desenvolver a capacidade força.. 96. 20. Atletismo: transmissão ascendente do testemunho.. 96. 21. Características da orientação.. 96 VIII.

(8) Figura. Pág.. 22. Ginástica de solo: rodada.. 100. 23. Ginástica Rítmica: rolamento da bola no peito.. 100. 24. Ginástica de aparelhos: paralelas simétricas.. 101. 25. Ginástica acrobática: trio.. 101. Corrida de barreiras.. 101. 27. Lançamento do peso.. 101. 28. Salto em comprimento.. 101. 29. Andebol: remate em salto.. 102. 30. Basquetebol: lançamento na passada.. 102. 31. Futebol: desmarcação.. 102. 32. Râguebi: acções técnico-tácticas (maul).. 102. 33. Barra fixa: apoio facial.. 107. 34. Barra fixa: saída à frente.. 107. 35. Entrada na trave.. 107. 36. “Vencedor com os atributos da vitória”, na Grécia Antiga.. 113. 37. Corredor profissional no império Inca.. 113. 38. Posição de partida.. 113. 39. Ressalto ofensivo.. 114. 40. Movimentação defensiva.. 114. 41. Movimentação defensiva.. 114. Atletismo: técnica de corrida.. 115. Râguebi: um contra um.. 115. 26. 42 43. IX.

(9) Figura. Pág.. 44. Ginástica de solo: salto de mãos.. 115. 45. Bailarinos de salsa.. 115. 46. Ginástica acrobática: trio.. 116. 47. Futebol: passe.. 116. 48. Ginasta asiático.. 117. 49. Jogador asiático de badminton.. 117. 50. Cumprimento entre membros de uma tribo Africana.. 118. 51. Cumprimento típico na China.. 118. 52. Cumprimento entre os Esquimós.. 118. X.

(10) Índice de Quadros. Pág.. Quadro 1. Número de portugueses e estrangeiros residentes em Portugal (1999-2001).. 31. 2. Número de alunos por grupo étnico em Portugal Continental (1997/1998).. 32. 3. Manuais escolares da disciplina de EF analisados.. 67. 4. Número e percentagem de imagens na apresentação quanto ao género, nos manuais em estudo (n=7).. 82. 5. Manual A: número e percentagem de imagens quanto ao género por matéria.. 84. 6. Manual B: número e percentagem de imagens quanto ao género por matéria.. 85. 7. Manual C: número e percentagem de imagens quanto ao género por matéria.. 88. 8. Manual D: número e percentagem de imagens quanto ao género por matéria.. 90. 9. Manual E: número e percentagem de imagens quanto ao género por matéria.. 92. 10. Manual F: número e percentagem de imagens quanto ao género por matéria.. 94. 11. Manual G: número e percentagem de imagens quanto ao género por matéria.. 95. 12. Número e percentagem de imagens nas categorias de género definidas nos 7 manuais estudados, por matéria de ensino.. 99. 13. Número e percentagem de imagens na apresentação quanto à etnia, nos manuais em estudo (n=7).. 111. 14. Manual A: número e percentagem de imagens quanto à etnia por matéria.. 112. 15. Manual B: número e percentagem de imagens quanto à etnia por matéria.. 113. 16. Manual C: número e percentagem de imagens quanto à etnia por matéria.. 114. 17. Manual D: número e percentagem de imagens quanto à etnia por matéria.. 115. 18. Manual E: número e percentagem de imagens quanto à etnia por matéria.. 116. 19. Manual F: número e percentagem de imagens quanto à etnia por matéria.. 117. 20. Manual G: número e percentagem de imagens quanto à etnia por matéria.. 118. 21. Número e percentagem de imagens nas categorias definidas nos 7 manuais estudados, por matéria de ensino.. 120. XI.

(11) Índice de Gráficos. Pág.. Gráfico 1. Manuais de EF analisados: imagens quanto ao género por matéria.. 98. 2. Manuais de EF analisados: imagens quanto à etnia por matéria.. 119. XII.

(12) Índice de Siglas. Sigla ACIME. Alto Comissariado para a Imigração e Minorias Étnicas. CEB. Ciclo do Ensino Básico. CIDM. Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres. CITE. Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego. CRP. Constituição da República Portuguesa. DEB. Departamento do Ensino Básico. EF. Educação Física. INE. Instituto Nacional de Estatística. LBSE. Lei de Bases do Sistema Educativo. NEE. Necessidades Educativas Especiais. ONU. Organização das Nações Unidas. PALOP. Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa. PREDI. Projecto de Educação Intercultural. SEF. Serviços de Estrangeiros e Fronteiras. UEFA. União Europeia de Futebol Associado. XIII.

(13) RESUMO. Os. manuais. escolares. são. instrumentos. pedagógicos. de. indubitável. importância no processo de ensino-aprendizagem e, naturalmente, para o sucesso educativo. Adicionalmente, constituem-se meios eficazes na transmissão dos valores veiculados pela sociedade, logo, intervêm nos processos de socialização e formação de crianças e jovens. Perante estes factos, propusemo-nos a apurar quais são as representações de género e de etnia presentes nos manuais escolares de Educação Física do 3º Ciclo do Ensino Básico. Nesse sentido, analisámos as imagens e os textos dos mesmos e entrevistados 3 professores e 3 professoras para conhecer as opiniões que tecem a este respeito. A metodologia utilizada para o tratamento dos dados recolhidos foi a Análise Qualitativa, recorrendo para o efeito à técnica de análise de conteúdo. Os resultados encontrados revelaram que os manuais escolares de Educação Física representam preponderantemente, a pessoa no masculino, de etnia ocidental. Para além disso, evidenciam desigualdades e assimetrias quanto ao género e à etnia, que favorecem a reprodução dos estereótipos vigentes na sociedade. Constatámos que os critérios alusivos à igualdade de oportunidades e à diversidade, não são contemplados nas tarefas de selecção e adopção dos manuais escolares. Por fim, os/as docentes entrevistados/as não trataram a problemática da igualdade de oportunidades e da diversidade, na sua formação inicial. Perante estes factos, concluímos que é imperativo dar-se uma mudança, que traduza uma verdadeira acção conjunta entre os principais órgãos governamentais e não governamentais envolvidos.. PALAVRAS-CHAVE: Educação Física; Manuais Escolares; Género; Etnia; Igualdade de Oportunidades.. XV.

(14) ABSTRACT. Books are pedagogical instruments of unquestionable importance in the learning process and naturally have a significant part on the learning success. They are important means on the transmission of society values. They intervene on the socializing process of children and teenagers. According to this, we have studied the representations of Gender and Ethnic Group portrayed by Physical Education’s books. Images and texts such as teachers interviews have been analysed, concerning it and have been taken in account regarding the subject. The method used for the analysis of the researched data was the Qualitative Analysis, using the content analysis technique. The given results reveal that Physical Education’s books portray mainly the occidental male. Besides they reveal inequality and asymmetries conveyed by the majority of the social patterns. Criterion concerning equality of opportunities and diversity are not contemplated in chores of selection and adoption of the school books. Teachers have not dealt with issues such as equality of opportunities and diversity in their initial education. We therefore conclude that it is most imperative, upgrade an improvement which translates a true action between the governmental authorities and the other parts involved in the Educational Process.. KEY WORDS:. Physical Education; School books; Gender; Ethnic Group; Equality of opportunities.. XVII.

(15) RÉSUMÉ. Les manuels scolaires sont des instruments pédagogiques d´une évidente importance dans le processus d`enseignement-apprentissage et, naturellement, pour le suceès scolaire. D´autre part, ils constituent des moyens efficaces dans la transmission des valeurs véhiculées par la société et ils interviennent donc dans les processus de socialisation et de formation des enfants et des adolescents. Dans ces conditions, nous nous sommes poposé de definir quelles sont les représentations. de. genre. e. d`ethnie. incluses. dans. les. manuels. scolaires. d`Éducation Physique du «troisième cycle». Dans ce but, nous avons analysé les images et les textes de ces derniers et nous avons interrogé six professeurs, hommes et femmes, pour connaître leur opinion à ce sujet. La méthodologie utilisée pour le traitement des données a été l`Analyse Qualitatif et nous avons eu recours à cette fin à la technique de l`analyse de contenu. Les résultats ont révélé que les manuels scolaires d`Éducation Physique représentent. principalement. la. personne. au. masculin,. issue. d`une. ethnie. occidentale. Par ailleurs, ils mettent en évidence des inegalités et des assymétries en ce que concerne le genre et l`ethnie, ce qui favorise la reproduction des stéréotypes existant dans la société. Nous avons constaté que les critères se rapportant à l`égalité des opportunités ne sont pas inclus dans les tâches de sélection et d`adoption des manuels scolaires. Enfin, les professeurs interrogés n`ont pas été initiés à la problématique de l`égalité des opportunités et du traitement des diversités ethniques au cours de leur formation de base. A partir de ces résultats, nous avons conclu qu`il est impératif d`introduire un changement qui traduise une véritable coordination entre les principaux organes gouvernementaux et non gouvernementaux intéressés.. MOTS CLEFS: Éducation Physique; Manuels Scolaires; Genre; Ethnie; Égalité de Opportunités.. XIX.

(16) I. Introdução.

(17) Introdução. A sociedade actual caracteriza-se por ser uma sociedade hierarquizada, onde o masculino prevalece sobre o feminino. Poderíamos pensar que tais factos eram coisa de tempos mais remotos, mais antigos. Mas a verdade, é que apesar de se terem intensificado esforços para a emancipação da mulher, os mais diversos contextos sociais escondem relações de desigualdades entre homens e mulheres. E na origem dessas desigualdades, encontram-se os estereótipos sexuais, que foram construídos e mantidos de geração em geração. Ainda hoje perduram e acarretam consigo consequências nefastas para o desenvolvimento da identidade pessoal. Isto porque os estereótipos sexuais condicionam maneiras de ser, modos de agir, os interesses, os gostos, os projectos pessoais e as aspirações profissionais de cada um e de cada uma. Assim, “ser homem” ou “ser mulher”, implica que ele ou ela adoptem modelos tidos como adequados e esperados pela sociedade. Aqueles/as que não se enquadram no perfil esperado são frequentemente criticados/as e considerados/as diferentes. Assim, determinadas condutas são consideradas adequadas aos rapazes e outras mais apropriadas às raparigas. A este respeito, os espaços de acção deles e delas são diferentes (Trigueros et al., 2001) e por isso, o sexo masculino é frequentemente representado no espaço público, em acções tais como conduzir o carro, praticar desporto ou no exercício da sua actividade profissional, enquanto que a mulher fica no espaço privado do lar, cuidando dos filhos e das tarefas domésticas (Fonseca, 1994; Martelo, 1999). Associado a estes factos, soma-se a conotação atribuída a cada um dos sexos: eles são considerados o “sexo forte” enquanto que elas são o “sexo fraco”; “eles têm mais capacidades e qualidades quer físicas, quer mentais”; “elas ficam-se pelos atributos físicos”. Ao que parece, a família é o primeiro meio de socialização que contribui para a diferenciação entre sexos. Os pais reforçam e recompensam os comportamentos apropriados ao género sexual dos seus filhos e/ou das suas filhas; exercem pressões para que os seus filhos e/ou as suas filhas correspondam às expectativas e aos papéis sociais que lhes estão atribuídos/as; e chegam a punir as atitudes que não são tidas como adequadas ao género sexual dos seus filhos e/ou das suas filhas. Por seu lado, os meios de comunicação social desempenham um papel de relevo para a aprendizagem de estereótipos de género. Desde a televisão, a rádio, os jornais e revistas, constatámos uma tendência para atrair a atenção do lado feminino. Se estivermos atentos aos spots comerciais, a sua maioria destina-se às actividades, papéis e atributos que estão tradicionalmente associados à mulher.. 3.

(18) Introdução. Geralmente fazem alusão aos detergentes, aos produtos de beleza e aos produtos de higiene do bebé. No plano desportivo, quando os desportos são praticados por mulheres, têm menos cobertura televisiva (Marivoet, 2001). Acresce ainda que o protagonismo que elas adquirem no desporto é frequentemente negligenciado, em favor dos seus atributos físicos (Cruz, 2002). Neste contexto, não podemos de forma alguma descurar a escola, a qual se afirma como uma das pedras basilares da sociedade. A escola actual pretende ser uma escola democrática, respeitadora e promotora da igualdade de oportunidades entre raparigas e rapazes. Mas não devemos acreditar que, pelo facto de raparigas e rapazes terem igual acesso ao mesmo tipo de educação e frequentarem conjuntamente os mesmos espaços educativos, os problemas relacionados com a não diferenciação e a desigualdade de oportunidades entre raparigas e rapazes estão ultrapassados. Aliás, a investigação mais recente mostra que a escola reproduz e fortalece os valores e modelos tradicionais dos papéis e traços de género (Silva et al., 1995; Treanor et al. 1998; Lee et al., 1999; Carmo, 2001; Marques, 2002). Os currículos de ensino e os programas das disciplinas, as estruturas físicas e organizacionais, as atitudes e interacções que os professores estabelecem com os alunos e com as alunas, os materiais pedagógicos utilizados e as actividades propostas, parecem ser os indicadores que revelam as falhas da escola no que respeita à igualdade. Consequentemente, as aspirações pessoais e profissionais são abaladas e o modo como a cidadania é exercida por homens e mulheres, no âmbito da vida pública e privada é prejudicada. Embora se pretenda que a educação no nosso país seja coeducativa, tal facto não passa de uma pretensão, visto que a investigação tem demonstrado que na realidade o nosso ensino é misto (Botelho Gomes et al., 2000). Por isso, a escola portuguesa deve seguir o modelo da escola coeducativa, o qual valoriza os aspectos positivos dos modelos femininos e masculinos e vai mais longe, ao propor que os rapazes experimentem condutas consideradas exclusivas das mulheres. Assim,. a. escola. coeducativa. reconhece. que. os. valores. e. as. práticas. tradicionalmente associadas ao mundo feminino também são importantes (Bonal, 1997). Todavia, não obstante as considerações de um dos principais diplomas educativos em vigor (Lei de Bases do Sistema Educativo, LBSE: Decreto-Lei n.º 46/86 de 14 de Outubro), parecem subsistir dificuldades na operacionalização de práticas coeducativas. E não se pense que essas práticas se resumem às questões. 4.

(19) Introdução. de género. Quando passamos para o plano da igualdade de oportunidades em função da etnia, o cenário repete-se. À semelhança do que tem vindo a acontecer nos restantes países da Europa, Portugal passou recentemente a caracterizar-se por ser também, um país de imigração (Rosa et al., 2003). Consequentemente, essa dinâmica demográfica passou obrigatoriamente pela escola. Esta deixou de ser o lugar de encontro de um saber, de um costume, de uma cultura e passou a confluir no mesmo espaço e no mesmo tempo diferentes saberes, diferentes costumes e diferentes culturas. Falar sobre a diversidade étnica na escola implica obviamente, falar da situação das minorias na escola, nos obstáculos ao seu direito à igualdade de oportunidades educativas e nas causas desses obstáculos. A escola de hoje caracteriza-se pela presença de alunos/as com tradições linguísticas, culturais e educativas diversificadas. Todavia, são transmitidos conteúdos e valores sociais como forma de assimilação cultural, desconsiderando os valores, as crenças e os padrões de comportamento dos grupos minoritários (Cardoso, 1996). De facto, está-se simplesmente a impor um tratamento igual para todos/as, negligenciando as suas diferenças culturais. Ao ser concedido o acesso ao ensino para todos/as, independentemente da sua origem étnica, está-se apenas a garantir uma igualdade de oportunidades de acesso. Para assegurar o direito à diferença e valorizar os diferentes saberes e culturas, conforme estipula a LBSE, é necessário pôr em prática uma educação intercultural. Esta, parte do reconhecimento das culturas em presença e procura favorecer a interacção entre os membros das diversas comunidades culturais, para que estes possam participar activamente na construção de uma sociedade dinâmica e aberta (Guerra, 1996). Deste modo, faz frente ao racismo e a outras formas de discriminação nas escolas e na sociedade. Fomenta o pluralismo representado pelos alunos, pelas suas famílias e comunidades e baseia-se em objectivos que contemplem a diversidade cultural, linguística e racial (Cardoso, 2001). Propor. actividades. educativas. iguais. para. alunos/as. culturalmente. distintos/as, poderá significar contribuir para a exclusão de muitos/as deles/as (Cortesão e Stoer, 1996). De igual modo, ao se dirigir o ensino preferencialmente para o grupo que representa a norma cultural, não se dá a conhecer um pouco da história, dos costumes e das tradições dos outros grupos étnicos em presença. Por estes factos, os grupos étnicos minoritários parecem ser ignorados. Na realidade, para os alunos e alunas das minorias, que têm que se adaptar à nossa cultura, a igualdade de oportunidades é apenas teórica.. 5.

(20) Introdução. Assim, como pode a escola promover o exercício da cidadania, orientada pelos princípios da educação intercultural, se ela própria não dá o primeiro passo, no sentido do reconhecer a diferença? Como vemos, o sistema educativo constitui-se como uma entidade neutra, indiferente às variáveis classe, género, etnia. Desta forma, os alunos e alunas não pertencentes ao grupo cultural dominante estão em desvantagem, afectando as suas auto-estima, auto-confiança e motivações. Consequentemente, criam-se as condições ideais para cultivar o insucesso escolar (Cardoso, 2001). E é ao nível do respeito pelos interesses e motivações de cada um e de cada uma, que importa considerar qual a posição da disciplina de Educação Física (EF). Juntamente com a Língua Portuguesa, são as únicas disciplinas que fazem parte obrigatória dos currículos escolares dos/as alunos/as, no ensino básico e no ensino secundário. Por outro lado, é a única disciplina do currículo escolar onde o corpo desempenha um papel central (Botelho Gomes, 2003). Poderia pensar-se que estes factos são por si só suficientes para justificar a sua importância na formação individual do/a aluno/a. Porém, embora se julgue que esta é justa e equitativa, os estudos têm mostrado precisamente o contrário: a EF perpetua características fundamentais próprias da masculinidade e os seus currículos estão mais direccionados para o masculino (Botelho Gomes et al., 2004). No que refere à diversidade cultural, o panorama parece ser mais favorável. As diversas matérias de ensino da EF têm um denominador comum e que passa essencialmente pela aprendizagem de regras de convivência e pelo conhecimento e aceitação de si próprio e do outro (Jacinto et al., 2001). Devido a este facto, a EF reúne condições para anular a exclusão e projecta nos/as alunos/as aprendizagens democráticas e anti-discriminatórias. Face a todo este cenário, é impossível que os manuais escolares fiquem arredados destes factos. O manual escolar é um dos materiais pedagógicos destinados ao processo de ensino-aprendizagem. Este constitui-se um instrumento de trabalho dirigido aos/às alunos/as e visa essencialmente o desenvolvimento das suas capacidades e a aquisição de conhecimentos propostos nos programas em vigor (Decreto-Lei n.º 360/90). Talvez por isso, o manual escolar assume-se como o instrumento mais utilizado na realização da actividade educativa e o seu uso seja diário. Mas os manuais não se limitam a desenvolver capacidades e a transmitir conhecimentos; induzem a representações do mundo e das pessoas através da disseminação de valores e modelos. De facto, os manuais escolares são agentes. 6.

(21) Introdução. valiosíssimos no processo de socialização e no de formação da identidade das crianças e jovens (Correia e Ramos, 2002). Por outras palavras, os valores e modelos da sociedade são reproduzidos nos manuais. Daí que os estudos efectuados com manuais escolares de diversas disciplinas e para vários anos de escolaridade cheguem às mesmas conclusões (Martelo, 1999; Rocha, 1999; Ferreira, 2002; Teles, 2000; Moura, 2001; Botelho et al., 2002). Por meio dos textos, das ilustrações, dos exercícios propostos e demais informação. que. os. constituem,. os. manuais. escolares. são. portadores. de. estereótipos de género e de etnia, transmitem as tradicionais representações sociais de homem e mulher, fomentam preconceitos racistas e contribuem para a invisibilidade das mulheres e dos grupos étnicos menos representados na sociedade. É neste contexto que nos vemos confrontados com o nosso problema: será que os manuais de EF espelham assimetrias ao nível das representações de género e de etnia? Assim, interessa-nos por exemplo saber: −. se existe um equilíbrio entre as representações femininas e as masculinas;. −. se as representações femininas e masculinas desempenham os mesmos papéis ou as mesmas funções, independentemente da matéria de ensino;. −. se as representações femininas e masculinas são retratadas de acordo com os estereótipos sexuais vigorantes na sociedade actual;. −. se a linguagem adoptada é sempre a universal masculina;. −. se existem referências visuais e/ou escritas alusivas a outras etnias e se essas referências são frequentes;. −. se os/as professores estão consciencializados para a problemática da igualdade de oportunidades de género e de etnia, em torno dos manuais escolares.. Face ao exposto, propomo-nos analisar as representações de género e de etnia, nos manuais escolares de EF. Ao nos debruçarmos sobre este tema, esperamos vir a reforçar as conclusões de estudos anteriores, e que nos dizem que os manuais escolares continuam a promover uma diferenciação sexual, sendo as raparigas as mais lesadas. Por outro lado, esperamos também levantar o véu para mostrar que os manuais escolares descuram as referências apelativas à diversidade do ponto de vista da etnia, privilegiando tudo o que se relaciona com a cultura predominante. 7.

(22) Introdução. Queremos ainda reforçar que os manuais escolares, para além de não promoverem. uma. igualdade. de. oportunidades,. reproduzem. preconceitos,. dificultando não só o desenvolvimento da identidade pessoal e da auto-estima, bem como, a definição dos projectos futuros dos/das discentes. Parece-nos claro que ainda há muito para descortinar no âmbito dos manuais escolares, daí que, na nossa opinião, seja importante continuar com os escassos estudos que até ao momento têm sido realizados em Portugal, em volta desta temática. Por fim, esperamos que este estudo suscite pistas de intervenção, no sentido de orientar todas as entidades responsáveis pelos manuais escolares, para critérios de qualidade científica e pedagógica, que ajudem a construir uma sociedade mais igualitária.. 8.

(23) II. Revisão da Literatura.

(24) Revisão da literatura. 1. O género na sociedade 1.1. Sexo, género, papéis e estereótipos sexuais Sexo e género são conceitos utilizados frequentemente sem diferenciação. Todavia, podemos constatar pela sua definição que têm significados diferentes. De acordo com o Dicionário da Língua Portuguesa (Costa e Melo, 1999), sexo pode ser definido como o comportamento característico da fêmea ou do macho e também, como o conjunto de pessoas que têm o mesmo sexo. O termo sexo refere-se então, às características biológicas que distinguem a mulher e o homem entre si (Trigueros et al., 2001). Será assim a marca biológica, que permite separar os seres humanos em dois grandes grupos: mulheres e homens; fêmeas e machos. Por seu lado, género reporta-se à construção psicológica, social e cultural da feminilidade e da masculinidade (Scraton, 1995), ou seja, às características socialmente consideradas como próprias do homem ou da mulher (Trigueros et al., 2001). Pelo facto de se nascer rapaz ou rapariga, espera-se que ele ou ela sigam formas de agir, comportamentos e atitudes considerados socialmente como femininos ou masculinos. Contudo, rapazes e raparigas não nascem com a noção que devem respeitar um determinado modelo para serem aceites pela sociedade. Essas noções são comportamentos adquiridos e a aprendizagem começa com o nascimento (Streitmatter, 1994). Nesse processo intervêm inúmeros factores de grande influência, dos quais destacamos o legado histórico-social, a influência da família e dos meios de comunicação social. Estes factores induzem obviamente a repercussões na educação que alunos e alunas recebem diariamente na escola e que reflectir-se-ão para o resto das suas vidas. Cada pessoa, na sociedade ou no grupo a que pertence, ocupa uma posição. Essa posição impõe-lhe um conjunto de deveres a cumprir, mas confere-lhe também um conjunto de direitos, que ela e os restantes membros dessa sociedade ou grupo reconhecem como seus, ou lhos exigem. É então a sociedade que prescreve a diferenciação de papéis em função das diferentes posições e funções desempenhadas pelos seus membros. Assim sendo, entendemos que a maioria das sociedades considera que algumas tarefas, funções, atitudes, comportamentos e expectativas são próprias do homem e outras características da mulher (Martelo, 1999).. 11.

(25) Revisão da literatura. De acordo com as teorias de aprendizagem social (Bandura, 1977) aprendemos o que é considerado apropriado para cada sexo pela via da socialização.. Segundo. este. processo,. rapazes. e. raparigas. aprendem. comportamentos, papéis sexuais, atitudes e valores culturalmente apropriados a um determinado género, através do reforço selectivo ou da observação de modelos, em particular do mesmo género. Desta forma, eles e elas constroem as suas identidades. de. género,. isto. é,. desenvolvem. sentimentos. próprios. da. sua. feminilidade ou masculinidade. Pode-se dizer então que os papéis sexuais pressupõem diferentes maneiras de agir, que foram construídas e atribuídas a cada um dos sexos, tendo por base uma concepção de aptidão natural dos indivíduos, segundo o sexo. Esta crença de considerar como natural e congénita, diferentes tarefas e condutas para a mulher e para o homem, transformou-se em pensamento racionalizado de que, tanto o sexo masculino como o sexo feminino possuem características inatas para o desempenho dos papéis prescritos. Estes modelos de atitudes e de comportamentos de homem e de mulher, transmitidos de geração em geração são denominados estereótipos sexuais (Martelo, 1999). Como constataremos de seguida, as imagens construídas ao longo de séculos de patriarcado, e plenamente vigentes na sociedade actual, marcam uma série de referências que eles e elas utilizam como modelos, para a sua identificação como homens ou mulheres.. 1.1.1. O peso do legado histórico-social As sociedades, regulamentadas por um conjunto de crenças e valores e assentes numa base histórica e social, desenvolvem estereótipos sexuais. Explicase assim a razão pela qual, determinadas condutas são consideradas adequadas aos rapazes e outras mais apropriadas às raparigas. Ser homem ou mulher pressupõe que ele ou ela adoptem modelos de actuação, de valores e de princípios pré-determinados pela sociedade. Logo, tidos como adequados e esperados por esta. Aqueles/as que não se enquadram no perfil esperado são frequentemente criticados/as e considerados/as diferentes. É neste quadro que a problemática da diferença permite outras reflexões. Masculino e feminino não são duas faces da mesma moeda: estão em oposição e não em complementaridade. De tal forma que a cultura masculina, a do sexo forte, incute e valoriza certo tipo de comportamentos nos rapazes: competir, ganhar,. 12.

(26) Revisão da literatura. liderar, não mostrar os seus sentimentos. Por seu lado, a cultura feminina, a do sexo fraco, espera que as raparigas sejam passivas, submissas, dependentes, boas esposas e mães (Botelho Gomes, 2001). Assim, fruto desta concepção bipolar, os espaços de acção deles e delas são logicamente diferentes: ao masculino é atribuído o espaço público e ao feminino o espaço privado (Trigueros et al., 2001). Para além disso, as tarefas e profissões que eles e elas podem e devem desempenhar, acabam por ser divergentes. No estudo realizado por Carvalho et al. (1998), sendo um dos propósitos analisar as representações do género no discurso da sala de aula, os alunos e as alunas da amostra escreveram algumas frases alusivas ao tema “O que quero ser quando for grande: Se eu fosse uma rapariga gostaria de ser…; Se eu fosse um rapaz gostaria de ser…” Eles e elas optaram por profissões ditas tradicionais para cada um dos sexos, mas quando se colocavam na posição do sexo oposto, eles preferiam ser por exemplo dona de casa, alegando que assim não teriam quase nada para fazer. Elas optaram por profissões ditas masculinas, baseando-se principalmente nos privilégios e no estatuto que teriam perante a sociedade. Ainda no mesmo estudo, quando se procedeu ao debate sobre o referido tema, quer raparigas quer rapazes, concordaram que é o homem quem possui mais regalias. A grande parte da amostra considerou também que a mulher deve ser ajudada pelo homem, mas quando isso acontece, existe a sensação que o homem está a fazer mais do que a sua verdadeira obrigação e que ultrapassa a sua esfera habitual. Dados mais recentes, obtidos pela Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres (CIDM, 2002) revelam que, nas últimas décadas, a presença de mulheres em profissões que não lhes eram tradicionais tem vindo a aumentar. Mas o inverso não aconteceu ou seja, os homens não têm aderido em número significativo às carreiras profissionais onde as mulheres predominam. Ainda neste levantamento realizado para fazer o ponto da situação da igualdade de género em Portugal, verificou-se um aumento do nível de instrução da população feminina, um maior número de mulheres com o grau de ensino médio, politécnico e superior, que as raparigas obtêm melhor aproveitamento no ensino superior e que elas predominam em quase todos os ramos de ensino. Não obstante estes dados, o mesmo estudo mostra que as mulheres detêm salários inferiores aos dos homens, têm profissões menos qualificadas e possuem mais dificuldades em alcançar cargos de chefia.. 13.

(27) Revisão da literatura. Particularizando para o plano desportivo, um estudo do Centro de Estudos e Formação Desportiva (Almeida, 2000) revelou uma fraca representatividade das mulheres no dirigismo desportivo, em particular, nas modalidades tradicionalmente consideradas menos compatíveis com elas. O mesmo estudo constatou ainda que à medida que se sobe na hierarquia dos órgão e cargos, a presença das mulheres diminui, não existindo nenhuma mulher a assumir a presidência do órgão executivo. As constatações acima mencionadas também se reflectem na prática de actividade desportiva: a fraca adesão das mulheres ainda está relacionada com valores de feminilidade, que traduzem preconceitos sobretudo pelas gerações mais velhas; a disparidade entre o número de praticantes masculinos e femininos é reforçada pelo facto dessa oferta ser dirigida, fundamentalmente, ao universo masculino (Marivoet, 2001). A realidade apresenta-nos o masculino como modelo de referência, de cidadão, de pessoa, de ser universal (Araújo, 2003). Com efeito, as sociedades têm sido organizadas com base em critérios, interesses e práticas masculinos, na crença de que estes são norma universal. O que é bom para os homens é bom para todos e todas (Silva, 2002). Vivemos pois numa sociedade hierarquizada, onde o masculino continua a prevalecer sobre o feminino. Assim, as diferenças entre homens e mulheres, que à partida deveriam ser positivas e enriquecedoras pela sua diversidade, tornaram-se diferenças de igualdade de oportunidades, assentes numa multiplicidade de estereótipos sociais e culturais que, ao longo dos séculos, têm legitimado a supremacia dos homens face às mulheres, nos mais diversos domínios da vida social (Neto et al., 1999).. 1.1.2. A influência da família Tudo indica que a família é o primeiro meio de socialização que contribui para a diferenciação entre sexos. Ora vejamos: rosa para as meninas, azul para os meninos;. bonecas. para. elas,. carrinhos. para. eles;. caracterizam-nas. como. sossegadas, eles mais irrequietos; a elas referem-se como querida, a eles como forte (Nery, 2003). O padrão ainda se mantém. E embora sejam cada vez mais os pais que tentam contrariar escolhas sexistas, interagem com os/as seus/suas filhos/as de forma diferente, caso se trate de rapaz ou rapariga (Araújo, 2003). Na realidade, os pais reforçam e recompensam os comportamentos apropriados ao género, seleccionam os brinquedos com os quais os/as seus/suas. 14.

(28) Revisão da literatura. filhos/as podem brincar, pressionam para responderem de acordo com as expectativas sociais e papéis de género e chegam mesmo a sancionar os comportamentos tidos como não consentâneos a um determinado género (Neto et al., 1999). No plano desportivo, a família começa desde cedo a estereotipar as actividades físicas: umas mais apropriadas para eles; outras mais adequadas para elas (Greendorfer et al., 1996). Daí que os rapazes tendam a participar mais em actividades de risco, tais como actividades exteriores e desportos colectivos, enquanto que para as raparigas será esperado que escolham e participem em actividades de lazer, caracterizadas pelos valores culturais, sociais e educacionais. Eles são activos, habilidosos, exibem traços de coragem, competitividade e agressividade. Elas transmitem leveza, graciosidade, delicadeza, ou seja, atributos caracteristicamente femininos e que não se coadunam com as proezas atléticas (Weinberg et al., 2000). Parece-nos ainda que a actividade desportiva era e ainda é valorizada, incentivada e direccionada quase que exclusivamente para os rapazes. Assim, a fraca adesão das raparigas à prática desportiva pode ser justificada, como alude Bonal (1997), pela influência da família. Antigamente, a educação da mulher encaminhava-a para ser uma boa esposa, uma boa dona de casa e uma boa mãe. Como se depreende, estes papéis confinavam a mulher ao espaço privado do lar, ficando assim explicada a sua lenta possibilidade de participação nas práticas desportivas. Contudo, estas experiências não se ficam pelo passado. Não obstante o princípio da repartição equitativa das tarefas domésticas e da co-responsabilização paritária pela educação das crianças, são as mulheres que continuam a acumular mais encargos familiares e consequentemente, não têm tempo para praticar desporto (Silva, 2002). Logo, a sua participação desportiva fica condicionada pelas características culturais da família, onde as mulheres possuem responsabilidades acrescidas. Daí que à medida que a idade avança, a presença desportiva feminina torna-se cada vez mais diminuta e, por conseguinte, muito inferior aos homens praticantes (Marivoet, 2001).. 1.1.3. A influência dos meios de comunicação social O papel dos meios de comunicação social é indiscutível e a sua importância tem vindo a ganhar cada vez mais relevo na sociedade.. 15.

(29) Revisão da literatura. No entanto, os meios de comunicação social, com especial destaque para a televisão, constituem-se como uma fonte de aprendizagem dos estereótipos de género. A maioria dos programas televisivos contém diversos modelos padronizados quanto ao género, com imagens normalmente estereotipadas e distorcidas em relação à realidade actual: os homens compõem a maioria as personagens centrais e quer os homens, quer as mulheres, são frequentemente representados em papéis tradicionais (Neto et al., 1999). A verdade é que os meios de comunicação social perpetuam um sistema de valores claramente conservador, pelo que a mulher ainda é conotada segundo as características de outrora. As obras pictóricas dos séculos anteriores retratavam as mulheres como sendo débeis, passivas, submissas e silenciosas e representavamnas em ambientes privados, sobretudo nos afazeres domésticos (Trigueros et al., 2001). Estas imagens, enraizadas através dos tempos, parecem assentar numa base comum espelhando a mulher essencialmente em dois papéis: o de mãe e doméstica, que vive em função do bem-estar dos filhos e do marido e como símbolo de beleza. Se quisermos exemplos, basta estarmos atentos à publicidade presente na televisão e rádio, nos livros, jornais e revistas e facilmente percebemos que exceptuando alguns casos, esta continua a assentar na perpetuação dos velhos estereótipos sexistas. Uma olhar mais atento evidencia ainda outros aspectos. O espaço dedicado ao desporto feminino nos programas televisivos ou jornais é bastante ténue, quando comparado com a ênfase atribuída ao desporto masculino (Marivoet, 2001). Acresce ainda que os feitos desportivos delas não são tão enfatizados quanto as proezas deles. Isto porque espera-se que uma desportista seja uma mulher ideal: graciosa, sedutora, compatível com o modelo de mulher decorativa e de objecto sexual, que não seja muito musculosa, mas com uma capacidade física tal, que a sua prestação desportiva possa ser tida em consideração (Cruz, 2002). E embora se julgue que esses estereótipos são coisa do passado, ainda hoje constatamos que a sexualização dos corpos femininos se sobrepõe às apreciações das suas capacidades físicas e atléticas. As reportagens em vez de se centrarem nos feitos desportivos femininos, produzem frequentemente informações ou induzem a leituras nada relacionadas com o desporto. Pelo exposto, cremos que as questões de género ainda não têm na comunicação social portuguesa, o destaque e a qualidade de tratamento que. 16.

(30) Revisão da literatura. merecem, dado que a imagem das mulheres e dos homens habitualmente transmitida, mantém e assim reforça, os estereótipos sexuais.. 1.1.4. A influência da escola A escola actual pretende ser uma escola democrática, que não estabelece distinções entre raparigas e rapazes, no sentido de elas e eles terem oportunidade de virem a realizar os seus projectos pessoais e de terem o direito de acederem livremente a qualquer tipo de bens e serviços. Assim, poderia partir-se do princípio de que a escola não contribui para a perpetuação dos estereótipos de género. Todavia, não obstante o acesso à educação ser hoje igual para ambos os sexos, continuam a verificar-se elevados níveis de participação feminina e masculina nos sectores profissionais mais tradicionais. Ora esta realidade parece ficar a dever-se em parte, ao que tem sido evidenciado pela investigação mais recente: a escola não tem conseguido assegurar a igualdade de oportunidades entre raparigas e rapazes. De facto, reproduz e fortalece os valores e modelos tradicionais dos papéis e traços de género (Cliffton e Gill, 1994; Silva et al., 1995; Treanor et al. 1998; Lee et al., 1999; Carmo, 2001; Brandão, 2002; Ferraz, 2002; Marques, 2002; Marques et al., 2003). São vários os factores que podem contribuir para a reprodução de diferenças e desigualdades na educação consoante o género. Segundo Monge et al. (1999) a discriminação. sexual. é. uma. realidade. reforçada. pelas. estruturas. físicas,. organizacionais e curriculares, acentuando desigualdades de género. Para Neto et al. (1999), a transmissão de estereótipos de género na instituição escolar pode ser realizada, por exemplo, através: de atitudes e interacções diferenciais dos professores para com as raparigas e rapazes; da desigualdade na utilização de vários tipos de material e no acesso a determinadas actividades; de estratégias para a formação de vários tipos de trabalho; da organização do espaço escolar; da representação diferenciada das raparigas e rapazes nos manuais e materiais escolares. Aparentemente, a escola parece respeitar as considerações da LBSE. No entanto, quando levantamos o véu, descortinamos uma série de problemas que na prática não estão a ser contempladas. Se o Estado promove a democratização da educação através da escola, como pode favorecer a igualdade de oportunidades, o desenvolvimento da personalidade e a participação democrática na vida colectiva,. 17.

(31) Revisão da literatura. (Constituição da República, Capítulo III, Artigo, 73.º) se a escola de hoje parece ser tudo, menos democrática?. 2. Género e educação 2.1. Género e políticas educativas Atento à evolução social, conducente a situar mulheres e homens lado a lado em equivalência de direitos e deveres, na família, no trabalho e na vida quotidiana em geral, o Estado admite que as crianças devem habituar-se à sã convivência entre raparigas e rapazes. E dessa convivência poderá resultar um maior equilíbrio para a personalidade de cada indivíduo e uma melhor preparação para assumir o seu futuro papel na sociedade. Assim, consciente do valor positivo inerente à coeducação, o Ministério da Educação restabeleceu em 1972, o regime de coeducação para todos os níveis de ensino (Decreto-Lei n.º 482/72). Com a revolução democrática que ocorreu em Portugal a 25 de Abril de 1974 e com a elaboração da Constituição da República Portuguesa (CRP), o Decreto-Lei n.º 482/72 foi substituído pela LBSE. Segundo a LBSE, a escola deve formar cidadãos com as competências reais necessárias que lhes permitam a conquista de uma cidadania igualitária. Assim, estabelece que o sistema educativo organiza-se de forma a “Assegurar a igualdade de oportunidades para ambos os sexos, nomeadamente, através das práticas de coeducação e da orientação escolar e profissional, e sensibilizar, para o efeito, o conjunto dos intervenientes no processo educativo;” (Capítulo I, Artigo 3.º, j). Convém sublinhar que esta é, no entanto, a única consideração claramente explícita, relativa à promoção de uma educação democrática quanto ao género. São feitas outras considerações, mas susceptíveis de interpretações subjectivas visto que podem ser orientadas simultaneamente para o género, para a etnia ou para portadores de necessidades educativas especiais: - “É de especial responsabilidade do Estado promover a democratização do ensino, garantindo o direito a uma justa e efectiva igualdade de oportunidades no acesso e sucesso escolares” (Capítulo I, Artigo 2.º, n.º 2); - “No acesso à educação e na sua prática é garantido a todos os portugueses o respeito pelo princípio da liberdade de aprender e de ensinar, com tolerância para com as escolhas possíveis (…)” (Capítulo I, Artigo 3.º, d).. 18.

(32) Revisão da literatura. Também na CRP se verifica o mesmo, isto é, as referências alusivas ao campo da educação não abordam especificamente as questões de género: - “Todos têm direito à educação (…)” (Capítulo III, Artigo 73.º, n.º1); - “O Estado promove a democratização da educação e as demais condições para que a educação, realizada através da escola e de outros meios formativos, contribua para a igualdade de oportunidades, a superação das desigualdades económicas, sociais e culturais, o desenvolvimento da personalidade e do espírito de tolerância, de compreensão mútua, da solidariedade e de responsabilidade, para o progresso social e para a participação democrática na vida colectiva” (Capítulo III, Artigo 73.º, n.º2); - “Todos têm direito ao ensino com garantia do direito à igualdade de oportunidades de acesso e êxito escolar” (Capítulo III, Artigo 74º, n.º1). Pelo que foi evidenciado anteriormente, parece que a legislação portuguesa no domínio particular da educação, carece de considerações específicas em torno das questões do género, pois uma leitura de tais documentos pode ter simultaneamente várias interpretações. Por outro lado, sem descurar a importância da existência de políticas alusivas à igualdade de oportunidades entre géneros, é necessário que existam meios para analisar se essa igualdade está presente nos mais diversos contextos da sociedade (educação, saúde, justiça, etc.). Assim, na opinião de Silva (2002), a integração da igualdade de género no fórum político em geral e nas políticas educativas em particular, ganha interesse na medida em que tanto as mulheres como os homens serão beneficiados, o desenvolvimento humano sai favorecido e contribui-se para o aprofundamento da democracia. Mas a autora alerta que as decisões. políticas. devem. passar. por. uma. análise. cuidada,. que. diferencie. necessidades, interesses, objectivos, recursos e resultados segundo o género, de modo a respeitar verdadeiramente o princípio da igualdade e para que possamos realmente viver numa sociedade inclusiva. Não podemos deixar-nos levar pela ilusão de que, pelo facto de raparigas e rapazes terem igual acesso ao mesmo tipo de educação e frequentarem conjuntamente os mesmos espaços educacionais, os problemas relacionados com a não diferenciação e a desigualdade de oportunidades entre raparigas e rapazes estão ultrapassados. À partida, não se vislumbram grandes diferenças entre escola mista e escola coeducativa. De facto, até se assemelham: ambas se caracterizam pela presença de raparigas e rapazes no meio escolar. Contudo, ao contemplarmos as vivências, as experiências e as expectativas delas e deles, vamos descobrindo divergências. 19.

(33) Revisão da literatura. que nos permitem estabelecer diferenças entre o ensino misto e o ensino coeducativo. Do ponto de vista de Bonal (1997), o modelo de escola mista baseia-se no princípio democrático da igualdade entre todos os indivíduos e nega a diferença entre os sexos. Aliás, neste modelo, reconhecer diferenças entre elas e eles é sinónimo de discriminação. Deste modo, elas e eles têm direito à mesma educação ou seja, o género e a diversidade sexual não são relevantes aquando da selecção e organização das tarefas escolares e adoptam-se também para elas os currículos e pedagogias que vigoravam na educação para o modelo masculino. Ainda segundo Bonal, as/os docentes vêem a escola como uma instituição neutra, logo, acreditam que as diferenças dos resultados educativos das alunos e dos alunos devem-se às aptidões individuais e não a qualquer tipo de discriminação escolar. A generalidade das/os docentes não concebe a feminilidade e a masculinidade como construções sociais, mas antes, vêem-nas como consequências naturais do sexo, ou até mesmo, como consequência do processo de socialização familiar, no qual a escola não tem qualquer influência. Neste quadro, constatamos que este modelo espelha uma escola que apesar de mista não conseguiu incorporar os valores femininos. Por isso, reflecte uma igualdade de acesso e não uma igualdade de oportunidades (Botelho Gomes et al., 2000). Porventura terão sido lacunas como estas que conduziram ao modelo de escola coeducativa. Para Bonal (1997), a igualdade de oportunidades entre sexos e a não supremacia do masculino sobre o feminino só serão viáveis numa escola coeducativa. Segundo este autor, o modelo de escola coeducativa parte da tomada de consciência de que existem diferenças entre raparigas e rapazes. Contudo, valoriza os aspectos positivos dos modelos femininos e masculinos e vai mais longe, ao propor que os rapazes experimentem condutas consideradas exclusivas das mulheres. Por outro lado, a escola coeducativa integra a diversidade de género enquanto diversidade cultural, isto é, reconhece como culturalmente importante um conjunto de valores e práticas tradicionalmente associadas ao mundo feminino. Desta forma, pretende corrigir as omissões de personagens femininas na história mas também, adoptar medidas pedagógicas para uma melhor aprendizagem de cada grupo. Por estas razões é que vários autores se referem à escola coeducativa como uma escola inclusiva. Como vemos, a democratização do ensino e o estabelecimento do ensino misto criaram a crença de que a igualdade de oportunidades entre raparigas e. 20.

(34) Revisão da literatura. rapazes se tornou óbvia, traduzida não só pela igualdade de acesso e frequência ao sistema educativo, como pelo elevado sucesso escolar das raparigas em todos os níveis de ensino. No entanto, constata-se que a escola continua a perpetuar representações assimétricas do feminino e do masculino, que se repercutem negativamente no modo como a cidadania é exercida por mulheres e homens (Correia e Ramos, 2002). Pinto e Henriques (2001) vão mais longe e acrescentam que as escolhas dos dois sexos em matéria de educação, da actividade profissional e de modo de vida, continuam. a. ser. fortemente. orientadas. e. restringidas. por. concepções. estereotipadas de feminilidade e masculinidade, que se repercutem na distribuição das responsabilidades familiares, no mercado de trabalho e nos processos de decisão. Como vimos, a literatura tem mostrado que a escola transmite e reforça padrões. de. comportamento. culturalmente. diferenciados. e. assimetricamente. hierarquizados para raparigas e rapazes. Consequentemente, as suas aspirações pessoais e profissionais são abaladas e a participação equilibrada de mulheres e homens nos diferentes âmbitos da vida pública e privada é prejudicada. Assim, só a integração do princípio da igualdade de oportunidades entre alunas e alunos no processo educativo, poderá concretizar plenamente a coeducação, que está consignada na LBSE, embora careça ainda de regulamentações específicas que assegurem efectivamente a sua prática.. 2.2. Género e equidade em educação Contemplar a igualdade sexual significa respeitar e valorizar as diferenças inerentes a cada sexo. Significa sobretudo que se deve proporcionar o mesmo tratamento, quer se trate de se ser mulher ou ser homem e que em termos sociais se devem proporcionar idênticas oportunidades para elas e para eles (Monge et al., 1999). Neste. contexto,. o. conceito. de. equidade. pode. ser. mais. facilmente. interpretado à luz do termo igualdade de oportunidades (Pinto e Henriques, 2001), no sentido de permitir que elas e eles tenham oportunidade para vivenciar situações adequadas às suas necessidades e aspirações (Botelho Gomes et al., 2004). Equidade pressupõe então, avaliar se uma determinada situação é ou não justa; implica a consciência de que respeitar um conjunto de normas pode não ser. 21.

(35) Revisão da literatura. suficiente para assegurar a justiça. Assim, implica o respeito pela individualidade, isto é, o respeito pelas características únicas de cada pessoa (Botelho Gomes et al., 2000). E para estas autoras, uma educação equitativa pode ser vista como uma educação que se opõe à discriminação e à desigualdade de oportunidades, impossível de realizar no modelo de escola mista, mas executável no modelo coeducativo. Na opinião de Tarizzo e Marchi (1999), para contemplar uma igualdade de géneros é necessário introduzir mudanças no processo de ensino aprendizagem, o qual deverá considerar a diversidade e valorizar as diferenças na abordagem do saber. de. alunas. e. alunos.. Talvez. assim. fossem. derrotados. os. modelos. comportamentais de uma sociedade masculina, desmascarando os estereótipos, preconceitos e pressupostos culturais da segregação no ensino e na vida profissional. Talvez assim, fosse também possível deixar de se verificar um total desfasamento entre o sucesso escolar das raparigas e o seu sucesso social, dado que elas não alcançam na sociedade o destaque e a visibilidade que o seu suposto êxito académico preconizaria (Pinto e Henriques, 1999). A presença de raparigas e rapazes na mesma sala de aula, levantou para primeiro plano a questão da coeducação, quer ao nível de competências cognitivas a ensinar, quer ao nível dos comportamentos sociais e dos processos de orientação para o futuro que a escola pode desenvolver. No entanto, apesar da entrada maciça do género feminino na realidade escolar, não mudou praticamente nada no âmbito da acção educativa. E apesar da escola proclamar a igualdade de oportunidades devido à presença de raparigas e rapazes nos mesmos espaços, a realidade mostra que a escola concede uma igualdade de acesso, mas não uma igualdade de oportunidades. Como habitualmente se costuma dizer, “Nem sempre o que parece é”. Transpondo este provérbio para a realidade educativa, vislumbrar a equidade em educação para além do que ela nos mostra, convida a uma passagem pelo currículo oculto.. 2.2.1. Currículo oculto O currículo oculto comporta tudo aquilo que está para além do visível à primeira vista, quer aos olhos dos/as professores/as, quer aos olhos dos/as alunos/as. Refere-se então às mensagens, às normas e aos valores transmitidos às. 22.

(36) Revisão da literatura. alunas e aos alunos através das rotinas, das relações sociais que se estabelecem na escola em geral, e na sala de aula em particular, e dos materiais pedagógicos tais como os manuais escolares. Na realidade, os conteúdos do currículo oculto onde estão incluídos os estereótipos de género, actuam lado a lado e tão eficazmente no processo de socialização das alunas e dos alunos, quanto os conteúdos do currículo explícito. E apesar da sua presença ser pouco evidente, o currículo oculto já começa a ser percebido pelas alunas e pelos alunos como algo injusto e desigual. Pelas funções e posição que ocupa, o/a professor/a encontra-se numa posição privilegiada para enfatizar o currículo oculto. Uma vez que o/a professor/a age de acordo com a representação que possui das suas alunas e dos seus alunos, a relação pedagógica pode assumir características diferenciadas para elas e para eles. Assim, os estereótipos de género podem fazer com que o/a docente percepcione de forma diferente raparigas e rapazes e defina expectativas distintas consoante o género. Na realidade, os/as professores/as pensam que tratam todos/as de igual modo, mas deixam passar imagens de desigualdade e discriminação. Num estudo realizado por Silva et al. (1995), alunos e alunas foram questionados quanto à existência de um tratamento diferente e recolheram-se falas tais como: “Os professores tratam-nas com mais carinho, são mais ouvidas e mais bem tratadas (aluno, p. 26); “Os professores dão-nos mais atenção porque somos mais aplicadas (aluna, p.27). Embora não tenham consciência de que seguem um tratamento diferencial, o número de interacções que estabelecem, o tipo de feedback, as intervenções de afectividade positiva ou negativa, a tonalidade da voz ou as expressões faciais, variam consoante se trate de uma rapariga ou de um rapaz (Bonal, 1997). Como vemos, o currículo oculto pode expressar-se através da linguagem que o/a docente utiliza, das expectativas que o/a mesmo/a formula em relação ao comportamento e aproveitamento dos/as alunos/as e das interacções pessoais que estabelece com eles e elas (Boland, 1999). Mas os estereótipos de género inerentes ao currículo oculto também podem ser veiculados por meio da organização e estrutura da aula, das características das tarefas de aprendizagem e ainda da selecção, organização e avaliação das actividades curriculares e extracurriculares (Bonal, 1997). Sobejam ainda outros factos. A escola actual continua a estar voltada para os modelos do aluno do sexo masculino. Os programas disciplinares, as formas de transmissão de conhecimentos e a própria organização escolar permaneceram. 23.

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