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A carnalalização em O Dia das Moscas: romance de maus costumes

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE – UFRN CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS LETRAS E ARTES – CCHLA

DEPARTAMENTO DE LETRAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM – PPgEL

A CARNAVALIZAÇÃO EM O DIA DAS MOSCAS: ROMANCE DE MAUS COSTUMES

ALANA HELENA DE MORAIS

NATAL – RN 2018

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ALANA HELENA DE MORAIS

A CARNAVALIZAÇÃO EM O DIA DAS MOSCAS: ROMANCE DE MAUS COSTUMES

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (PPgEL/UFRN) para a obtenção do título de Mestre em Estudos da Linguagem.

Área de Concentração: Linguística Aplicada

Linha de Pesquisa: Estudos de Práticas Discursivas Orientadora: Profa. Dra. Cellina Rodrigues Muniz

NATAL – RN 2018

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA

Morais, Alana Helena de.

A carnalalização em O Dia das Moscas: romance de maus costumes / Alana Helena de Morais. - 2019.

78f.: il.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem. Natal, RN, 2018.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Cellina Rodrigues Muniz.

1. Linguística Aplicada - Dissertação. 2. Carnavalização - Dissertação. 3. Bakhtin, M. M. (Mikhail Mikhailovitch), 1895-1975 -

Dissertação. 4. Castro, Nei Leandro de, 1940-. O dia das moscas: romance de maus costumes - Dissertação. I. Muniz, Cellina Rodrigues. II. Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 81'33

Elaborado por Ana Luísa Lincka de Sousa - CRB-15/748

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ALANA HELENA DE MORAIS

A CARNAVALIZAÇÃO EM O DIA DAS MOSCAS: ROMANCE DE MAUS

COSTUMES

Dissertação apresentada ao Programa de Pós- graduação em Estudos da Linguagem, na linha Estudos de Práticas Discursivas, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte

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(UFRN), como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Estudos da Linguagem.

BANCA EXAMINADORA

________________________________________ Dra. Cellina Rodrigues Muniz (UFRN)

Orientadora

________________________________________ Dr. Derivaldo dos Santos (UFRN)

Examinador Interno

________________________________________ Dra. Maria da Conceição Gonçalves Matos Flores (UNP)

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pelo dom da vida e da saúde para poder desfrutá-la;

Aos meus pais, Lucilo e Dalva, por terem me oportunizado a melhor educação que podiam, além de uma base familiar baseada na verdade. Amo vocês!

Aos meus irmãos Lisiano, Renata e Amanda pelo incentivo e torcida, desde sempre; Às amigas Andréa e Áuria. Ter conhecido vocês é bem mais que coincidência ou simplesmente sorte, é bênção e privilégio, minha gratidão por caminharem comigo durante todo este percurso;

Ao professor Dr. Derivaldo dos Santos, pelo olhar profissional e humano às questões que envolvem uma pesquisa. Grata pela presteza e paciência de sempre;

À professora e orientadora Dra. Cellina Rodrigues Muniz, pela competência e orientação;

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001;

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O riso tem um

poder revolucionário

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RESUMO

O escritor Norte-rio-grandense Nei Leandro de Castro, em seu primeiro romance O

dia das moscas: romance de maus costumes, lançado originalmente em 1983 e

reeditado em 2008, toma para si a incumbência de contar, pela veia do humor a história da fundação da nação potiguar. O autor traz a índia Hosana e o caçador Cançado para abrir essa história através de uma narrativa regional, enviesada por diálogos com outros textos. Selecionado esse corpus, buscamos verificar a presença de elementos da cosmovisão carnavalesca, com vistas à transitividade e à pluralidade dos discursos que enviesam todo o percurso do romance. Metodologicamente, este trabalho se caracteriza por ter cunho qualitativo-interpretativista e é fundamentado pelo conceito de carnavalização de BAKHTIN (1981; 2010a; 2008; 2010b) os resultados da análise apontam para comunicabilidade com discursos que circulam socialmente, como: o da esfera religiosa, da tradição e da cultura popular, assim como o destronamento do discurso canônico através do diálogo com a obra Iracema (2013), de José de Alencar.

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RESUMEN

El escritor norte-rio-grandense Nei Leandro de Castro, en su primera novela intitulada El día de las moscas: novela de malas costumbres, lanzado originalmente en 1983 y reeditado en 2008, toma para sí la incumbencia de contar, por la vena del humor, la historia de la fundación de la nación potiguar. El autor trae la india Hosanna y el cazador Cançado para abrir esa historia a través de una narrativa regional, sesgada por diálogos con otros textos. Seleccionado ese corpus, buscamos verificar la presencia de elementos de la cosmovisión carnavalesca, con vistas a la transitividad ya la pluralidad de los discursos que envían todo el recorrido de la novela. En el aspecto metodológico, los resultados del análisis apuntan a la comunicación con discursos que circulan socialmente, como: el de la esfera religiosa, de la tradición y de la cultura popular, así como el destronamiento del discurso canónico a través del diálogo con la obra Iracema (2013) de José de Alencar.

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SUMÁRIO

1 ANTECEDENTES AOS “MAUS

COSTUMES”... 9

2 TRAJETÓRIA METODOLÓGICA... 12

2.1 A pesquisa qualitativa e sua relevância no campo de estudos da Linguística Aplicada... 12

2.2 Aspectos principais da pesquisa... 14

2.2.1 Objetivos... 14

2.2.2 Questões de Pesquisa... 14

2.2.3 Objeto de estudo e corpus de análise... 15

2.2.4 Categorias analisadas... 15

3 QUESTÕES DE DIALOGISMO E CARNAVALIZAÇÃO DA LINGUAGEM... 16

3.1 Sobre a concepção de dialogismo... 16

3.2 Sobre carnavalização – o parêntese na vida... 20

3.3 O riso carnavalesco... 23

3.4 Sobre o grotesco na literatura... 29

4 O DIA DAS MOSCAS – ANÁLISES... 32

4.1 Negação e afirmação carnavalesca do discurso canônico/paródia... 35

4.2 Corpo romanceado versus corpo carnavalizado... 44

4.3 Mésalliances carnavalescas em O Dia das moscas: romance de maus costumes... 53

4.4 Loucura, morte e renovação... 66

(IN)CONCLUSÕES FINAIS... 76

REFERÊNCIAS... 78

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1 ANTECEDENTES AOS MAUS COSTUMES

Lembro-me que na infância, aos 11 anos, como aluna do Centro Educacional Alferes Tiradentes, escola pública, situada na cidade de Natal (RN), na extinta quinta série, hoje, sexto ano, se dava o meu primeiro contato com a Literatura Norte-rio-grandense. A proximidade se deu através da disciplina de história, lecionada pela professora Charlene Fernandes, pertencente ao quadro de docentes da secretaria de Educação do Estado do Rio Grande do Norte.

Na ocasião, o estudo era sobre Auta de Souza, poetisa nascida no município de Macaíba, Rio Grande do Norte, pertencente a segunda geração romântica brasileira, conhecida também como a geração ultrarromântica, byroniana ou como a Mal do Século. Auta de Souza, além de pertencer ao Romantismo, também tinha em seus poemas influências do simbolismo. Ainda jovem, morreu precocemente, aos 24 anos, acometida pelo mal da tuberculose.

E foi a poetisa Macaibense, através de sua história de vida e obra,que deu ao grupo de alunos o qual eu fazia parte a incumbência de uma de minhas primeiras pesquisas, cuja culminância desta se daria na apresentação de um trabalho na famigerada feira de ciências do colégio.

O contato com a escrita da poetisa girava em torno de sua história de vida e as causas de sua morte e também sobre o seu único livro, Horto, publicado pela primeira vez em 20 de junho de 1900, livro este, cujo prefácio foi escrito por Olavo Bilac, grande poeta brasileiro e um dos principais representantes do Parnasianismo no Brasil. Naquela época, mesmo não nos sendo solicitada nenhuma espécie de análise literária, a pesquisa já me fazia acessar alguns poemas que expressavam, através de uma escrita melancólica, as doses de sofrimento que teria sido a vida de Auta de Souza.

Um pouco mais adiante, me deparava fazendo a minha primeira leitura de um romance chamado, Pelo amor de Adriana, do escritor Ricardo Ramos. Neste, o sentimento de melancolia antes encontrado em Auta de Souza, cedeu lugar a uma narrativa enviesada pelas lentes de um romantismo juvenil, inflado de idealizações, para contar a história de um par romântico na adolescência.

Ainda no percurso das séries do ensino fundamental, que se deu quase que totalmente na escola acima citada, continuei a ser apresentada a escritores como Nísia floresta, Câmara Cascudo, a paraibana Zila Mamede, entre outros nomes. O

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contato se dava sempre na mesma perspectiva de estudo, mais atada à biografia do que ao conteúdo da bibliografia propriamente.

Anos mais tarde, agora como aluna de graduação do curso de Letras, fui inserida de maneira mais incisiva no universo literário. Foram nas aulas de literatura lecionadas pela professora e escritora, Dra. Conceição Flores, que tive a oportunidade de acessar mais intimamente a literatura norte-rio-grandense.

Em um dos trabalhos da disciplina de Literatura, foi indicada aos discentes a leitura do primeiro romance do escritor caicoense, Nei Leandro de Castro, intitulado O

dia das moscas: romance de maus costumes. Lembro-me que, ao me debruçar na

leitura, a linguagem irreverente e o enredo, constituído pela anti-saga de uma família nordestina, recheada por um realismo mágico e tendo como pano de fundo um cenário tipicamente nordestino, me aproximaram ainda mais da leitura da obra.

Em 2011, o contato com a obra se estendeu ao escritor através de uma palestra/conversa na Universidade Potiguar . Na ocasião, Nei Leandro de Castro falou sobre o cenário da literatura potiguar e também a respeito de sua produção literária, assim como das características do humor e do erotismo contidas suas obras. A maneira irreverente a qual o autor escolhe para narrar suas obras, sem dúvida foi um dos fatores determinantes para leitura de outros títulos, como por exemplo, As pelejas

de Ojuara (1986).

Ainda no percurso acadêmico, agora já no processo de submissão ao ingresso na pós-graduação em Estudos da Linguagem da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, me foi suscitado o interesse na pesquisa voltada para a literatura norte-rio-grandense. As memórias dos romances lidos há anos retornaram, junto à vontade e à possibilidade de pesquisar sobre o discurso do humor e do erotismo, que me fizeram apaixonar pela escrita de Nei Leandro de Castro.

Ainda no projeto, pensei em trabalhar na análise do discurso do romance com o conceito de riso/humor contido em Bergson, através de seu livro O riso: ensaio sobre

a significação do cômico (1983) e com Propp e seu livro Comicidade e riso (1992),

até que a disciplina de teorias contemporâneas do discurso, junto às leituras orientadas da Profa. Dra. Cellina Rodrigues Muniz, trouxeram mais uma vez à tona as leituras do teórico russo Mikhail Bakhtin. Leituras essas que alargaram minha compreensão sobre o mundo da linguagem e do discurso.

Por meio da indicação da leitura dos livros Problemas da poética de Dostoiévski e A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François

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Rabelais, me deparei com a teoria da carnavalização e a cosmovisão carnavalesca.

Essas me possibilitaram compreender que o riso (de caráter coletivo) e a paródia (com intuito de subversão e reposicionamento dos discursos) contidos na narrativa de Nei Leandro de Castro, eram componentes já mencionados bem antes por Bakhtin como essenciais para a construção de um discurso carnavalizado. Através do descortinamento das leituras, pude perceber que a escrita apaixonante do romancista potiguar estava entremeada de características desse discurso.

Assumida essa consciência, apresento esta pesquisa como um estudo que tem por intenção mostrar os aspectos da carnavalização e da cosmovisão carnavalesca no primeiro romance do escritor potiguar Nei Leandro de Castro intitulado, O dia das

moscas: romance de maus costumes (2008).

Para uma melhor organização das ideias, o texto está dividido em quatro seções, a saber: a primeira é esta, intitulada de Antecedentes aos maus costumes, que tem por objetivo tracejar o caminho e explicitar as motivações que me conduziram à seleção do objeto de estudo desta pesquisa.

Na segunda seção apresentamos a trajetória metodológica da pesquisa, situando-a em relação ao seu contexto de inserção, assim como o lugar de fala assumido pelo pesquisador em relação a esta. Em seguida apresentamos a abordagem metodológica adotada.

Na terceira seção abordamos as concepções de dialogismo e carnavalização da linguagem à luz de Bakhtin, além do riso carnavalesco, pois acreditamos que a tríade esteja diretamente ligada à teoria linguística e a análise literária, por serem conceitos que colidem com práticas políticas, culturais e econômicas que tentam se sobrepor por meio de discursos autoritários, que consistem-se em uma só voz e que contemplam apenas um viés. Ademais acrescentamos uma subseção em que abordamos o grotesco na literatura, realizando uma breve contextualização dessa categoria instrinsecamente relacionada à carnavalização.

A quarta seção intitulada O dia das moscas, dá conta das análises discursivas do romance O dia das moscas: romance de maus costumes (2008), contemplando os elementos que explicitam a constituição da paródia e a cosmovisão carnavalesca no romance.

Por fim, apresentamos as (in)conclusividades, por entender que uma pesquisa é uma contrução de um caminho, que busca compreender, neste caso, um objeto de

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estudo, através de pressupostos epistemológicos e teóricos e que, portanto, não carrega um caráter de neutralidade, tampouco conclusividade.

2 TRAJETÓRIA METODOLÓGICA

Nesta seção apresentamos um detalhamento dos aspectos metodológicos que alicerçam esta pesquisa. Para tanto, a seção está decomposta em subseções. Inicialmente, abordamos a pesquisa qualitativa e sua relevância no campo de estudos da Linguística Aplicada (doravante LA). Em seguida contextualizamos a pesquisa, apresentando os aspectos principais que a compõem.

Intencionamos explicitar como os procedimentos metodológicos cá detalhados são importantes para a seleção do corpus analisado e, posteriormente, para a sua análise.

2.1 A pesquisa qualitativa e sua relevância no campo de estudos da Linguística Aplicada

A pesquisa apresentada nesta dissertação está inserida no Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem (PPgEL), na Área de Concentração Estudos em Linguística Aplicada, na Linha de Pesquisa Estudos de Práticas Discursivas. Nesse sentido, considerando que a investigação aqui proposta insere-se no campo da LA, compreendemos insere-ser relevante e necessária a explicitação da concepção de Linguística Aplicada por nós adotada para que possamos melhor conceber o que é fazer pesquisa em LA.

A partir da segunda metade do século XX, sobretudo com a chamada pós-modernidade, o paradigma de ciência, que até então estava amparado em uma visão positivista, passa a ser questionado. Os princípios da objetividade e da universalidade no fazer ciência são contrapostos, bem como a experimentação orientada por regras de um método quantitativo. A ideia de se estudar um objeto sem perturbá-lo (supostamente neutro) também passa a ser contestada, e nesse ínterim, instaura-se uma nova compreensão da atividade científica, agora concebida enquanto produto social, guarnecida de uma matriz coletiva que lida com objetos construídos culturalmente (Cf. DE MENEZES, 2014).

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E é justamente nesse contexto e não desatenta a esse emergente clima intelectual que a LA abraça o pensamento antipositivista, propondo-se a produzir conhecimento e pensando questões de pesquisa que sejam capazes de responder às práticas sociais em que vivemos.

Leffa – em trabalho publicado no VI Congresso Brasileiro de Linguística

Aplicada em 2001 – já nos alertava para a importância da LA e de suas pesquisas,

enfatizando o compromisso social desta para com a sociedade. “Qualquer ciência tem a obrigação de dar um retorno à sociedade. A Lingüística Aplicada dá esse retorno de duas maneiras: através da prestação de serviços e pela pesquisa” (LEFFA, 2001, p. 5).

Sem a intenção de nos delongarmos e nem de fazermos uma fatigante contextualização histórica do surgimento da LA e de sua consolidação enquanto campo de estudos, gostaríamos de destacar o que nos expõe Moita Lopes (2009) ao tratar dos desejos/propósitos da LA. Para o autor, a LA deve: (1) abandonar o caráter aplicacionista e solucionista que a acompanhou por longos anos; (2) deixar de lado a restrição de operar, apenas, em contextos de investigação de ensino e aprendizagem de línguas; e (3) construir teorizações no entrecruzamento com outros campos do saber. E é justamente esse terceiro ponto que gostaríamos de destacar, dadas as distinções teóricas, o caráter transgressor e trans/indisciplinar do campo (Cf. MOITA LOPES, 2006, 2009; SIGNORINI; CAVALCANTI, 1998; PENNYCOOK, 2006). Assim é que a LA contemporânea buscaria “renarrar a vida social” (MOITA LOPES, 2006, p. 90), passando de uma disciplina mediadora para um campo integrador de conhecimentos/campos/disciplinas. Partindo de tal compreensão é que a pesquisa aqui apresentada realiza um diálogo/interface entre a LA e a Literatura.

Nesse sentido, considerando a implicação metodológica necessária a uma pesquisa acadêmica, adotamos nesta investigação o paradigma qualitativo por acreditarmos ser este o que mais está coligado aos atuais rumos adotados pela LA. A pesquisa qualitativa e a LA se inserem como arcabouço metodológico da presente pesquisa justamente porque tecemos uma análise, a partir do romance de Nei Leandro de Castro intitulado O dia das moscas: romance de maus costumes. Considerando “[...] que a dimensão teórico-metodológica ajuda a delimitar o objeto de pesquisa e a visualizar a perspectiva de análise das questões [...]” e que “[...] a própria concepção do objeto de estudo aponta para o tipo de pesquisa a ser desenvolvida [...]”

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(DE GRANDE, 2011, p. 01), acreditamos que a presente dissertação, amparada nos pressupostos teóricos do dialogismo e da carnavalização literária enquanto concepções engendradas por Bakhtin está inserida no paradigma de pesquisa qualitativo-interpretativista. Partindo da compreensão de que o fazer ciência está relacionado a uma prática interpretativa, desordenamos a concepção do que seja verdade – levando em conta a herança positivista –, ou seja, no paradigma qualitativo-interpretativista a verdade passa a ser compreendida enquanto resultado transitório da negociação de sentidos numa comunidade científica, negociação esta que é intersubjetiva, discursiva, questionável, transitória.

2.2 Aspectos principais da pesquisa

Partindo das explanações acima sobre a Linguística Aplicada em que consideramos ter alcançado o nosso propósito de destacar a relevância social da pesquisa nesse campo e de sua relação com o paradigma qualitativo-interpretativista, nos propomos a apresentar os seguintes elementos/componentes da pesquisa, a saber: Objetivos; Questões de pesquisa; Objeto de Estudo e Corpus de análise; Categorias analisadas.

2.2.1 Objetivos

Objetivo Geral:

Identificar no romance O dia das Moscas: romance de maus costumes os elementos da cosmovisão carnavalesca a partir das concepções teóricas descritas por Bakhtin.

Objetivos Específicos:

1) Analisar, por meio do recurso parodístico, como se dá o embate dialógico entre o romance do cânone, Iracema, inserido no contexto de idealização romântica do século XIX e o romance inserido na pós - modernidade;

2) Analisar a transfiguração de personagens canonizados na literatura brasileira por meio da carnavalização.

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2.2 Questões de Pesquisa

1) Quais elementos da cosmovisão carnavalesca – a partir dos pressupostos teóricos de Bakhtin – podemos identificar no romance O dia das Moscas: romance de

maus costumes?

2) De que forma se dá o embate dialógico entre o romance do cânone, Iracema, inserido no contexto de idealização romântica do século XIX e o romance inserido na modernidade?

3) Como ocorre, por meio da carnavalização, a transfiguração dos personagens canonizados na literatura brasileira, em Iracema?

2.2.3 Objeto de estudo e corpus de análise

O objeto de estudo desta pesquisa é o romance de Nei Leandro de Castro intitulado O dia das Moscas: romance de maus costumes. No entanto, para que pudéssemos definir um corpus de análise, um recorte se fez necessário. Nesse sentido, compreendendo que não seria possível realizarmos uma análise integral do romance, o corpus que constitui a nossa análise está apresentado no capítulo de análise (a posteriori). No caso trata-se de passagens do romance – constituído enquanto objeto de estudo desta pesquisa – que são inseridas/apresentadas no corpo do texto. Obviamente tais passagens não foram selecionadas de forma aleatória, mas destacadas com o propósito de exemplificar/justificar as categorias de análise que foram permeadas a partir das concepções teóricas da carnavalização literária.

2.4 Categorias analisadas

As categorias de análise selecionadas nesta pesquisa são as seguintes:  Paródia/negação e inversão carnavalesca do discurso canônico  O corpo carnavalizado – baixo corporal

 Morte e renovação  Ambivalência

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A análise do corpus concentra-se, portanto, na identificação – no romance O

dia das moscas: romance de maus costumes – dos elementos da cosmovisão

carnavalesca a partir das concepções teóricas apresentadas por Bakhtin.

3 QUESTÕES DE DIALOGISMO E CARNAVALIZAÇÃO DA LINGUAGEM

Os conceitos de carnavalização literária e dialogismo encontram-se no bojo dos estudos do Círculo de Bakhtin. O grupo, assim denominado, por ser a obra de Mikhail Bakhtin considerada a de maior envergadura, era composto por estudiosos de várias áreas que se reuniram entre os anos de 1919 e 1929. De acordo com Faraco, as reflexões sobre a linguagem estão presentes em todos os textos do grupo, embora o autor destaque que é a partir do ano de 1926, que a linguagem tomará o cerne de todos os textos. (FARACO, 2009).

Trataremos, nesta seção, sobre o conceito de dialogismo e carnavalização literária, desenvolvidos num ambiente de extrema produção e trocas entre os componentes do Círculo. Consideramos que ambos os conceitos são basilares para a análise do corpus de nossa pesquisa, tendo em vista a relação de nosso corpus com os elementos relacionados a uma cosmovisão carnavalesca.

O romance O dia das moscas: romance de maus costumes, destaca-se por sua natureza multifacetada no sentido em que a partir de seu caráter parodístico do romance Iracema de José de Alencar; subverte a tradição romântica a partir de uma visão carnavalizada, dialogando com elementos da tradição romântica ao mesmo tempo que a subverte a partir de novos ângulos para uma narrativa da origem do povo potiguar.

Assim, há uma relação dialógica entre a obra de idealização romântica do século XIX e o romance O dia das moscas: romance de maus costumes, inserido na esfera da modernidade.

3.1 Sobre a concepção de dialogismo

Para discorrermos sobre a concepção de dialogismo, faz-se necessário, ainda que sumariamente, explorar algumas questões centrais da perspectiva bakhtiniana que regem a perspectiva dialógica, como por exemplo, a de linguagem. De acordo

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com a concepção dialógica proposta pelo Círculo de Bakhtin, linguagem é interação. E quando falamos em interação, não significa dizer que se trata apenas de algo tranquilo e harmonioso.

É partindo de uma concepção social e histórica da linguagem, que Mikhail Bakhtin alicerça seu pensamento, ou seja, para ele a linguagem é tecida a partir da conexão direta com o sujeito e sua história, sociedade, cultura, ética, situação de produção, entre outros fatores.

Para caracterizar, então, aquilo que é uma das pedras angulares das teorizações do Círculo, isto é, a dinâmica inerente ao universo da criação ideológica, o jogo de forças que torna esse universo vivo e móvel, o Círculo de Bakhtin adotou a metáfora de diálogo (FARACO, 2009, p. 54).

Em outras palavras, Bakhtin desconsidera a linguagem como um processo de comunicação meramente utilizado para difusão de informações, sendo assim, seria ela fruto de uma realidade verbal, realizada a partir de sujeitos que agem e se relacionam com o contexto.Para este autor, a linguagem reflete e refrata as variações sociais, além de ser fundada na necessidade da comunicação e ser dialógica.

Em concordância com o que nos diz Bubnova, em seu texto, Voz, sentido e

diálogo em Bakhtin, “[...] no centro de sua concepção de mundo, encontra-se o homem

em permanente interação com seus semelhantes mediante a linguagem entendida como ato ético, como ação, como comunicação dinâmica, como energia” (BUBNOVA, 2011, p. 270). Ou seja, a linguagem é tudo que irá comunicar, expressar e refletir o pensamento do indivíduo e justamente por isso é considerada um produto da interação social.

Nesse percurso, outro conceito de extrema importância é o de enunciado. O enunciado para Bakhtin é considerado como algo concreto e, quando se fala em concreto, considera-se o envolvimento das ações dos sujeitos, assim como seu caráter social. Desse modo, os sujeitos ao produzirem seus enunciados (e é por meio de enunciados que os discursos se constroem), de caráter oral ou escrito, carimbam nesses não só informações aparentemente superficiais, eles introduzem em seus textos os atravessamentos da vida ordinária, como suas experiências de vida, o modo como veem o mundo e os vestígios da sociedade a qual estão inseridos. Na citação a seguir, as palavras de Brait e Melo nos auxiliam a entender as diferentes maneiras de se considerar o enunciado:

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A grosso modo, é possível dizer que enunciado, em certas teorias, equivale a frase ou sequências frasais. Em outras, entretanto, que assumem um ponto de vista pragmático, o termo e consequentemente o conceito por ele gerado são utilizados em oposição à frase, unidade entendida como modelo, como uma sequência de palavras organizadas segundo a sintaxe e, portanto, passível de analisada “fora do contexto” (BRAIT; MELO, 2005, p. 63).

As autoras reforçam a diversidade do termo, por vezes propagado como um conceito meramente simplista encabeçado por algumas teorias. Entretanto, na perspectiva bakhtiniana, leva-se em consideração a interação entre o enunciado e contexto comunicativo.

O enunciado e as particularidades de sua enunciação configuram, necessariamente, o processo interativo, ou seja, o verbal e o não verbal que integram a situação e, ao mesmo tempo, fazem parte de um contexto maior histórico, tanto no que diz respeito a aspectos (enunciados, discursos, sujeitos etc.) que antecedem esse enunciado específico quanto ao que ele projeta adiante (BRAIT; MELO, 2005, p. 67)

Falar sobre enunciado nos instiga a pensar, inevitavelmente, na interação entre linguagem e sujeito. Também é importante considerar que, no ato de produção de seus textos, os sujeitos pressupõem aquilo que o outro, a quem o texto se destina, gostaria ou não de ler/ouvir. Para Bakhtin (2011), o que diferencia o enunciado das palavras e orações, é justamente a presença do autor e do destinatário. A influência do segundo sobre o primeiro, afeta de modo direto a maneira a qual o enunciado será produzido, seja em relação à forma, ao conteúdo ou ao estilo.

Seguindo, agora com o conceito de dialogismo, lembramos que este perpassa toda a obra do teórico russo e é entendido como princípio constitutivo da linguagem. Cabe ressaltar que também esse conceito é construído por Bakhtin considerando os aspectos sociais, históricos e ideológicos dos sujeitos.

O dialogismo seria a mescla de discursos que constituem o sujeito gerando sentido por meio da manifestação de diferentes vozes, num constante movimento de orientação e responsividade.

Isso implica dizer que todo discurso é atravessado por diversos outros discursos que os mantém numa constante relação dialógica. Sendo assim, pensar as relações dialógicas implica considerar a importância do outro na constituição dos sentidos. Um enunciador para construir um discurso leva em consideração também

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os discursos de outrem, o que acarreta a concepção de que a linguagem tem um funcionamento dialógico que requer um princípio e um fim na ação de cada falante.

Portanto, o dialogismo não se resume a um conceito simplista de rememoração de um texto a outro, ele compõe-se como característica decisiva da linguagem e aponta para diálogos nos mais variados discursos da sociedade, podendo ser considerado tanto convergência, quanto divergência, acordo e desacordo, adesão e recusa. Conforme Bakhtin, “[...] sabemos que cada palavra se apresenta como uma arena em miniatura onde se entrecruzam e lutam os valores sociais de orientação contraditória. A palavra revela-se, no momento de sua expressão, como o produto da interação viva das forças sociais” (BAKHTIN, 2006, p. 66).

É nessa interação, não necessariamente vista como algo tranquilo e harmonioso, mas que mescla discursos que produzem sentido e suscitam a interação verbal, que se constitui o diálogo.

É importante ressaltar que os diálogos não se restringem somente aos sujeitos, dialoga-se também, por exemplo, com os tempos e obras, priorizando sempre o caráter social. Para Bakhtin o dialogismo é muito mais que uma concepção, seria ele um modo de vida do homem.

O diálogo transporta uma concepção de movimento, sempre dialogando com o antes e com o depois, desse modo, os textos não possuem caráter isolado, eles recuperam o que já passou. Recorrendo as palavras de Bakhtin:

O diálogo, no sentido estrito do termo, não constitui, é claro, senão uma das formas, é verdade que das mais importantes, da interação verbal. Mas pode-se compreender a palavra “diálogo” num pode-sentido amplo, isto é, não apenas como a comunicação em voz alta, de pessoas colocadas face a face, mas toda comunicação verbal, de qualquer tipo que seja (BAKHTIN, 2006, p. 125). O princípio dialógico carrega em si uma abordagem de não finalização, de inconclusividade por isso, logo a concepção de linguagem vista como algo fechado é rejeitada. Para Bakhtin a linguagem se apresenta como atividade e não como um sistema engessado. A linguagem só entra em ação, na relação com o outro, ou seja, a língua funciona por meio de sujeito(s) e história(s), não sendo possível excluí-los. Mesmo nas relações monológicas, Bakhtin considera o dialogismo presente, pois o diálogo pode se dar de formas variadas, tanto de modo exterior, na relação com o outro, como no interior da consciência.

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As relações dialógicas – fenômeno bem mais amplo do que as relações entre as réplicas do diálogo expresso composicionalmente – são um fenômeno quase universal, que penetra toda a linguagem humana e todas as relações e manifestações da vida humana, em suma, tudo o que tem sentido e importância (BAKHTIN, 2010, p.47).

As relações dialógicas são extralinguísticas e inseparáveis do campo do discurso. Esse fenômeno que penetra “toda linguagem humana”, estabelece uma relação de diálogo entre os mais diversos enunciados.

3.2 Sobre carnavalização – o parêntese na vida

O carnaval é excentricidade, é o momento no qual se diluem temporariamente as disparidades nas relações, sejam elas de classe, ideológicas, de faixa etária, de ordem social, econômica, religiosa ou sexual, para que seja dada vazão a utopia da igualdade.

Sobre a data de início da festividade, a escritora Cláudia Lima, em seu livro

EVOÉ: história do carnaval - das tradições mitológicas ao trio elétrico (2001), nos diz em seus estudos sobre a trajetória dos rituais carnavalescos ao longo da civilização, que não considera ser possível datar quando foi cortada a fita inaugural da festa.

A mesma autora enfatiza que, mesmo o carnaval não sendo fruto da atualidade (em relação a sua origem) os mesmos elementos advindos de tempos antigos, como a fartura, a bebedeira, danças, músicas, as fantasias, a liberdade sexual, além da necessidade de expressar os desejos oprimidos na vida ordinária, continuam ligando e tornando vivificante à festa, até a atualidade.

Outro ponto de convergência com a atualidade é o seu tom crítico e satírico, que autoriza os participantes a destronar estruturas opressoras e hierárquicas, impostas no dia a dia, pois na prática festiva do carnaval, seria materializada a sensação de renascimento.

Não são datadas de agora as discussões sobre a cultura oficial e não oficial e Bakhtin as pensou tomando como seu objeto de estudo o carnaval. No livro Problemas

da poética de Dostoievski (2010), o autor teoriza sobre a cosmovisão carnavalesca e

alguns procedimentos de carnavalização. A análise desse senso carnavalesco será aprofundada a partir da análise das obras de François Rabelais no livro, A cultura

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Bakhtin pensou o carnaval de maneira ideológica, através de uma visão de mundo que observa os lugares de fala dos sujeitos, considera a historicidade desses indivíduos, questiona a sociedade e coloca ao avesso as convenções estabelecidas pelo mundo oficial, com intuito de fazer emergir uma visão diferente das relações entre os homens e do próprio mundo, não prevista pelos discursos de ordem.

O filósofo russo se propôs a falar de um “outro mundo”, ligado à tradição da cultura cômica popular medieval e suas manifestações, consideradas na época pouco interessantes para se tornarem objetos de estudo.

O riso era um dos principais elementos para distinção dos festejos do carnaval e dos ritos cômicos, das cerimônias que representavam o Estado e a igreja, ele era tido como componente de um mundo à margem, oposto ao oficial.

Bakhtin aponta para uma visão ambígua do homem em relação a si e ao mundo, advinda dos povos primitivos, que já se relacionavam com o riso, através da existência dos cultos cômicos, em paralelo aos cultos sérios. Enquanto aos sérios cabiam-lhes uma roupagem formal, os cômicos convertiam as divindades as tornando objetos de burla e blasfêmia, isto é, mesmo dada as diferenças entre eles, o sério e o cômico andavam paralelamente.

Ofereciam uma visão do mundo, do homem, e das relações humanas totalmente diferente, deliberadamente não-oficial, exterior a igreja e ao Estado; pareciam ter construído, ao lado do mundo oficial, um segundo mundo e uma segunda vida, aos quais os homens da Idade Média pertenciam em maior ou menor proporção, e nos quais eles viviam em ocasiões determinadas (BAKHTIN, 2010, p. 4-5).

Bakhtin nos conta em seu livro, Problemas da poética de Dostoiévski (2010), que a cultura cômica popular na Idade Média se distinguia da cultura oficial da época por três manifestações: A primeira contempla as formas dos ritos e espetáculos; os festejos carnavalescos em praça pública, as obras cômicas, entre outros. A segunda categoria toma parte das obras cômicas verbais, orais e escritas, nesta categoria entra a paródia, um dos recursos humorísticos que toma para si o objeto parodiado e reconfiguro-o da maneira a qual lhe for conveniente. Neste manejo entram as inversões, os descortinamentos sociais, as contestações, a recriação do oficial, entre outras possibilidades. A terceira são as diversas formas e gêneros do vocabulário

familiar e grosseiro, que abrangem os insultos e juramentos. Para o filósofo da

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vertentes um mesmo aspecto cômico do mundo, quer dizer, a vida como um processo ambivalente e contraditório, onde há espaço para as imperfeições e incompletudes que constituem os sujeitos.

O caráter cômico dos ritos do carnaval não estabelecia relação de compromisso com as instituições religiosas, para Bakhtin, o riso viria justamente daquilo que não é oficial. Também ao próprio carnaval, não lhe caberia uma definição normativa de arte, ele se situaria nas fronteiras entre a arte e a vida. Seria ele a própria representação da vida, e é nesse movimento de representatividade que os que dele participam saem dos seus lugares de passividade e o vivenciam como sujeitos ativos.

Os espectadores não assistem o carnaval, eles o vivem. Uma vez que o carnaval pela sua própria natureza existe para todo o povo. Enquanto dura o carnaval, não se conhece outra vida senão a do carnaval. Impossível escapar a ela, pois o carnaval não tem nenhuma fronteira espacial. Durante a realização da festa, só se pode viver de acordo com as suas leis, isto é, as leis da liberdade (BAKHTIN, 2010, p. 6).

O carnaval seria o momento de permissão da cultura não oficial, em que se tornam sem efeito os privilégios, deveres, restrições e etiquetas. Sua unidade é a negação de toda hierarquia, assim como o rebaixamento e o destronamento das formas perfeitas, das certezas e das verdades. Consideram-se os excessos e as descontinuidades que na vida extracarnavalesca são rejeitados, por afastarem o homem da configuração de indivíduo que precisa andar em linha reta, tomando a desordem como um componente essencial à estrutura social.

Para Bakhtin, o carnaval tem um papel fundamental na literatura, sobretudo por ser uma experiência concreta (ainda que provisória), vivenciada da antiguidade até o renascimento e representada de forma livre. O autor reconhece nesse festejo da cultura popular os ideais de liberdade e universalidade. “O carnaval é a segunda vida do povo, baseada no princípio do riso. É a sua vida festiva” Bakhtin (2010, p 7). Essa segunda vida marca a aproximação do homem com o mundo, com a profanação, a ambivalência, com a quebra das hierarquias e com o caráter cômico.

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3.3 O riso carnavalesco

Segundo Muniz (2013) a presença do risível nas manifestações literárias acompanha a própria história da humanidade e isso se dá pelo fato da espécie humana rir e fazer rir, além de pensar sobre o riso. A definição do riso como “próprio do homem” encontrada em textos medievais é mais um sinalizador para distinção do homem em relação aos animais e também a Deus.

Alberti (2002), no segundo capítulo de seu livro O Riso e o Risível na história

do pensamento, intitulado “As origens” do pensamento sobre o riso, baseia-se no

estudo deJoachim Suchomski, sobre uma série de textos que abordam a questão do riso ao longo de toda a idade média. Segundo a autora, “Os textos analisados por Suchomski falam sobretudo dos limites de tolerância do risível” (ALBERTI, 2002 p. 73). Alberti evidencia a tendência de o riso ser visto como algo pecaminoso, naquele período, devido a não haverem indícios na bíblia de que Jesus ria, tornando assim o risível como algo proibido.

Já na tradição teológica medieval existiam dois gêneros do riso: a laetitia

temporalis e o gaudium spirituale. O primeiro apontaria para a felicidade das coisas

passageiras/efêmeras o que desvirtuaria o homem de suas missões/obrigações. O segundo corresponderia a um riso contido, o qual expressaria a verdadeira felicidade. Ainda no início da escrita de seu texto, a referida autora apresenta o fato de haverem inúmeras influências das teorias da antiguidade sobre as teorias que foram surgindo posteriormente “falar das origens do pensamento ocidental sobre o riso pressupõe algum grau de continuidade entre o antes e o depois. Não se trata, contudo, de uma continuidade linear” (2002 p. 39). Além disso, é ressaltado que apesar de alguns pensamentos mais atuais sobre o riso desaguarem em textos da antiguidade, a referência em relação a esses ainda se dá maneira muito rasa e superficial, sem os devidos créditos aos textos primeiros.

Também ela se propõe analisar em textos antigos quatro perspectivas de explicação em relação ao riso, são elas: a ética, a poética, a retórica e a fisiológica, para isso, visita textos como, Filebo, de Platão. No percurso da análise, ela marca que, apesar da teoria de Platão ir no tocante do riso, essa temática não se configura como o assunto principal no texto do filósofo, mas enviesa reflexões. As falas sobre o riso e o risível, acabam por revelar a visão negativa de Platão. “O riso e o risível seriam

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prazeres falsos, experimentados pela multidão medíocre de homens privados de razão” (ALBERTI ,2002, p. 45).

Na análise da Retórica de Aristóteles, o riso e o risível são apresentados como coisas agradáveis, (considerando agradáveis tudo aquilo que produz prazer), sendo ambos vistos como a ausência do sofrimento. Na análise do livro III da retórica, o autor a observa o espaço dado ao riso no que diz respeito ao estilo. Mecanismos como a troca de letras em uma palavra e a troca de palavras em um verso, evidenciariam essas marcas, consideradas efetivadas com sucesso quando o orador conseguia expressar os dois sentidos ao mesmo tempo, alcançando o ouvinte por esse jogo. Do contrário, essa troca não faria sentido, nem levaria o riso a ser um fator surpresa.

Mais à frente Alberti escoa no texto pós-aristotélico Tractatus Coislinianu1, considerado por Fuhrmann (1973) como texto principal de um conjunto de fragmentos anônimos reunidos sob o título Comicorum Graecorum Fragmenta. Nele são encontradas menções semelhantes as definições de Aristóteles, seu diferencial se dá devido a classificação das origens do cômico: o lexis, (que seria referente as expressões da língua) e o Pragmata (referente aos eventos e coisas), esse texto pauta nove procedimentos em relação à modificação de uma história e suas formas de representação. Esses e outros indícios levam a crer que o texto Tractatus traga de maneira resumida o conteúdo perdido sobre a comédia, escrito por Aristóteles.

Em se tratando do estudo do risível na retórica, a autora esclarece que não se sabe exatamente em que momento ou por quais motivos o ridiculum passou a se tornar objeto da retórica, mas que possivelmente tenha sido Cícero o primeiro a destinar um lugar ao risível e que um dos possíveis motivos para isso teria sido legitimar o uso que ele fazia do cômico em seus discursos.

Em seu tratado De oratore, escrito em 55 a.C. e constituído sob a forma de diálogo, Cícero destina um lugar específico ao risível, assunto tratado principalmente através das palavras de César, considerado um orador de excelência no uso do

ridiculum.

Mais adiante, a obra de Quintiliano, Institutio oratória, escrita entre os anos 92 e 94 d.C. tem seu terceiro capítulo destinado ao ensino do risível na retórica. A autora lembra que tanto Cícero, quanto Quintiliano tem em seus textos uma teoria do risível como algo “inferior” e “baixo”.

1Tractatus coislinianus é um antigo manuscrito grego que delineia uma teoria da comédia na tradição

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Tomamos por empréstimo as palavras de Alberti (2002), para refletir a respeito da influência dos textos da antiguidade nas teorias surgidas posteriormente. De maneira direta e indireta são notáveis os vestígios dos textos primeiros a teorias surgidas ademais, além disso, a autora reforça através de seu estudo a relação intrínseca do homem com o riso e que o interesse em estuda-lo não é inaugural, justamente pelo riso ter um caráter plural e ter sofrido grandes mudanças (maneiras de ser entendido) na sociedade.

Fazendo um recorte para as teorias mais atuais, temos O francês Henri Bergson e o russo Vladmir Propp. Ambos possuem estudos e teorias sobre a comicidade e o riso que se complementam, respectivamente: O Riso e Comicidade e

Riso.

Bergson em seu livro, O riso (1983) investiga o porquê de algumas coisas serem cômicas e outras não. O autor reforça e acrescenta que “não existe comicidade fora do que é propriamente humano, e que já que se definiu o homem como um ‘animal que ri’, poderia também ter sido definido como um animal faz rir.” (1983, p.7). O riso para Bergson seria visto de modo negativo, pois sua natureza se daria justamente pela inadequação do indivíduo às regras da sociedade, que enxergaria qualquer tipo de desvio as normas já estabelecidas de forma negativa, utilizando o riso com um caráter punidor.

O riso é, antes de tudo, um castigo. Feito para humilhar, deve causar à vítima dele uma impressão penosa. A sociedade vinga-se através do riso das liberdades que se tomaram com ela. Ele não atingiria o seu objetivo se carregasse a marca da solidariedade e da bondade (BERGSON,1983, p.92)

O autor também discorre sobre a insensibilidade que naturalmente acompanha o riso, oriunda das relações sociais e alega que o maior inimigo do riso é a emoção “a indiferença é o seu ambiente natural” (BERGSON, 1983, p. 7).

Bergson acrescenta que o cômico exige uma anestesia momentânea para que seu sentido seja produzido, chamada por ele de inteligência pura. Para ele a inteligência deve permanecer em contato com outras inteligências, tendo em vista que não desfrutaríamos do cômico caso nos sentíssemos isolados.

Para o mesmo autor outro fato importante é que o riso carrega em si a necessidade de eco, de reverberações. Na concepção bergsoniana, o riso seria

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sempre o riso de um grupo e, portanto, este teria uma significação social. O cômico nasceria quando homens reunidos em grupo dirigem sua atenção para um deles, fazendo calar sua sensibilidade e exercendo apenas sua inteligência.

Observemos agora, como sintoma não menos digno de nota, a insensibilidade que naturalmente acompanha o riso. O cômico parece só produzir o seu abalo sob condição de cair na superfície de um espírito tranqüilo e bem articulado. A indiferença é o seu ambiente natural. O maior inimigo do riso é a emoção. Isso não significa negar, por exemplo, que não se possa rir de alguém que nos inspire piedade, ou mesmo afeição: apenas, no caso, será preciso esquecer por alguns instantes essa afeição, ou emudecer essa piedade (BERGSON, 1983, p. 7).

Para Bergson, a emoção atrapalharia o senso crítico. Seria necessário ao indivíduo estar leve para poder acomodar/enxergar o risível, aliás, seria o olhar do homem que tornaria o objeto risível.

Na distinção entre o cômico e o riso, ele apresenta o primeiro como o desvio dos valores positivos, que merece punição e o segundo como a recuperação dos valores e do equilíbrio social.

Também Propp (1992) apresenta um balanço crítico de tudo que já se tinha escrito sobre o tema da comicidade. O autor enveredou seus estudos para o riso e instituiu dois grandes “gêneros” de riso, que são eles: O riso sem zombaria e o riso de zombaria. O primeiro pertence à categoria dos signos de “riso bom”, “riso alegre”, “riso maldoso e cínico” e "riso imoderado". Esta categoria se difere da segunda por não se rir “de” e sim por rir “com” alguém.

Já o riso de zombaria - ou derrisão, nasce, segundo Propp, do desnudamento repentino do defeito, esse teve seu conceito bastante explorado por estar permanentemente ligado à esfera do cômico.

Propp ao falar das diferentes emoções que são suscitadas no homem pelas impressões do mundo exterior, faz o seguinte questionamento: “Mas do que o homem ri? Ri do que é ridículo”. Essa causa é por ele apontada como sendo a mais comum e natural geradora do riso.

O autor fundamenta sua explicação ao se deter à análise de casos geradores de riso. Para ele o cômico deve ser estudado como resultado da ação humana. Propp ainda nos diz que “Nós rimos quando em nossa consciência os princípios positivos do homem são obscurecidos pela descoberta repentina de defeitos ocultos que se revelam por trás do invólucro dos dados exteriores" (1992, p.175).

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Ele se opunha ao hábito de definir o cômico principalmente com base em conceitos negativos e também de distinguir dois aspectos do cômico: “o cômico baixo ou vulgar” e o “cômico refinado”, porque, segundo o autor, qualquer análise do material cômico demonstra a impossibilidade de manter rigidamente uma das distinções dessa espécie, fundada unicamente em razões moralistas.

Também Muniz e suas contribuições, numa teoria ainda mais recente (2013, p. 20) segue a reforçar a ideia de que “[...] o humor é uma condição humana e manifesta-se numa dimensão linguística e discursiva” e acrescenta que, mesmo o humor não estando presente em todas as manifestações discursivas, ele necessariamente passa pela linguagem. A mesma autora (2013, p. 20-21), a partir da leitura de Possenti (2005), aborda ainda o humor como algo que “[...] não é necessariamente progressista, mas sim diz alguma coisa mais ou menos proibida (no caso ainda, o sexo, que pode ser considerado um tema ‘reprimido’)”.

O caminho até aqui traçado pelas principais teorias sobre o riso, nos levam a refletir não apenas as influências das teorias passadas sobre as da atualidade, mas também as diferenças entre o riso contido em Bergson e Propp se comparados ao riso carnavalesco de Bakhtin.

Os estudos de Bakhtin são de fundamental importância para a época da Renascença. Para o autor russo, o riso vem daquilo que não é oficial, além disso, ele trabalha com o ideológico, não privilegiado por Propp, por exemplo. O riso na Idade Média e Renascimento era um dos principais elementos diferenciadores entre festejos de carnaval/ritos cômicos e festas oficiais de Estado e da Igreja. Sobre o riso carnavalesco e suas características, Bakhtin nos diz que:

O riso carnavalesco é em primeiro lugar patrimônio do povo (esse caráter popular, como dissemos , é inerente a própria natureza do carnaval); todos riem, o riso é “geral”, em segundo lugar , é universal, atinge a todas as coisas e pessoas (inclusive as que participam no carnaval), o mundo inteiro parece cômico e é percebido e considerado em seu aspecto jocoso, no seu alegre relativismo; por último, esse riso é ambivalente: alegre e cheio de alvoroço, mas ao mesmo tempo burlador e sarcástico, nega e afirma, amortalha e ressuscita simultaneamente (BAKHTIN, 2010, p.10).

O homem não vive só dá razão, mas está inserido numa sociedade que parte do princípio do sério, como se o riso fosse algo vazio. Bakhtin nos leva a refletir o caráter integrador do riso carnavalesco, pois enquanto a razão, em seus mecanismos lógicos quer excluir, o riso quer fazer o movimento oposto.

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O riso medieval possui uma ligação ativa com a liberdade e carrega em si um forte valor de concepção de mundo. Esse riso festivo popular diferencia-se do riso puramente satírico. O primeiro é ambivalente, expressa opinião sobre um mundo em constante transição, é um riso coletivo que se opõe ao tom de formalidade e seriedade impostas pela oficialidade do mundo, é um riso que costura ao revés, que põe o sério no bolso e vai andar com ele a tratar da seriedade do mundo com leveza. Também ele renasce e se renova com a morte não tendo um fim em si mesmo, é um riso inclusivo, que inseri o marginal para o centro. O segundo apenas privilegia o humor negativo, coloca-se em oposição ao objeto ao qual faz alusão, tornando o riso um aspecto negativo e particular. Minois ao refletir em seu livro, história do riso e do

Escárnio (2003) e as características do riso carnavalesco, lembra-nos as palavras do

escritor russo ao nos dizer que:

O riso carnavalesco é, primeiramente, um bem coletivo do povo ( esse caráter popular, já o dissemos , é inerente à natureza do carnaval), todo mundo ri, é o riso “geral”; em segundo lugar, ele é “universal”, ou seja, atinge todas as coisas e todas as pessoas (incluindo aí os que participam do Carnaval) , o mundo inteiro parece cômico, ele é percebido e conhecido sob seu aspecto risível, em sua jubilosa relatividade; por fim, em terceiro lugar, esse riso é ambivalente: é alegre, transbordando de alegria esfuziante, mas também zombeteiro, sarcástico; ele nega e afirma, sepulta e ressuscita, ao mesmo tempo...Notemos uma importante particularidade do riso da festa popular: ele é dirigido aos próprios foliões. O povo não se exclui do mundo em plena evolução (MINOIS, 2003, p.157).

O riso teria valor de subversão social. O autor discorre sobre a citação enfatizando que não se trata de um riso individual/particular, inclusive, a eficácia desse riso se dá justamente pelo seu caráter universal. Trata-se de um riso que une, ou seja, todos riem de tudo e todos, é um riso plural. Aliás, para Bakhtin, tudo é plural e não teria o riso um caráter diferente, seria essa característica de universalidade que revelaria um mundo profundamente cômico. O riso carnavalesco desataria medo daquilo que é oficial. É de suma importância a fuga de interpretações dentro de uma vertente cômica moderna, que desviam esse riso e o levam para o campo do humor satírico negativo ou ainda para um riso alegre, destinado apenas a divertir. O caráter ambivalente desse riso, que transita por meio das contradições e que não pode ser medido pelo critério da razão, deve ser privilegiado.

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3.4 Sobre o grotesco na literatura

O termo grotesco surgiu no final do século XV. Na Europa, o século XV foi visto como a ponte entre o final da Idade Média e o início do Renascimento e da Idade Moderna. Esse termo ainda hoje controverso e instigante, foi usado para designar os estranhos ornamentos encontrados em escavações feitas em Roma.

Nessa época, precisamente aparece o próprio termo “grotesco”, que teve na sua origem uma acepção restrita. Em fins do século XV, escavações feitas em Roma nos subterrâneos das Termas de Tito trazem à luz um tipo de pintura ornamental até então desconhecida. Foi chamado de grottesca, derivado do substantivo italiano grotta (gruta). Um pouco mais tarde, decorações semelhantes foram descobertas em outros lugares na Itália (BAKHTIN, 2008, p. 28).

As formas encontradas esbarravam no ideário de arte tomado para o período, as imagens disformes traziam estruturas e elementos ainda não explorados na época.

Esta escavação representou um dos mais importantes e controvertidos resgates da cultura romana na Itália renascentista porque o que ali se encontrou era quase irreconhecível: uma série de estranhos e misteriosos desenhos, em que vegetais e partes do corpo humano e de animais se combinam em formas intricadas, mescladas e fantásticas (RUSSO, 2000, p. 15).

As formas incomuns das imagens impossibilitavam decifrá-las. O inacabamento das figuras animais e humanas confundiam-se, formando um movimento de (in)completude, e, desse modo, desmanchavam-se as barreiras que delimitavam e categorizavam o que é início e fim, animais e humanos, entre outros. Ainda sobre a descoberta.

Surpreendeu os contemporâneos pelo jogo insólito, fantástico e livre das formas vegetais, animais e humanas que se confundiam e transformavam entre si. Não se distinguiam as fronteiras claras e inertes que dividem esses “reinos naturais” no quadro habitual do mundo: no grotesco, essas fronteiras são audaciosamente superadas. Tampouco se percebe a imobilidade habitual típica da pintura da realidade: o movimento deixa de ser formas completamente acabadas – vegetais e animais 0 num universo também totalmente acabado e estável; metamorfoseia-se em movimento interno da própria existência e exprime-se na transmutação de certas formas em outras, no eterno inacabamento da existência (BAKHTIN, 2008, p. 28).

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Bakhtin endossa que essa fantasia artística, tida por meio da fusão dos elementos, possibilitava uma sensação de liberdade e leveza.

Nos séculos seguintes a palavra grotesco passa a assumir novas roupagens, tornando-se adjetivo para aquilo que é disforme ou pertencente à esfera onírica. O termo passa também a transitar entre vários expoentes, como na vida social, referente a comportamentos, a discursos e também na arte. No século XVII passa a ser amplamente utilizado como definidor daquilo que era considerado bizarro e extravagante. Nesse momento, o uso da palavra torna-se sinônimo de cômico. Sodré e Paiva (2002) nos dizem que:

Em fins do século dezessete, o dicionário de Richelet registra o adjetivo “grotesco”, definindo-o como “aquilo que tem algo de agradavelmente ridículo”, donde “homem grotesco”, “moça grotesca”, “jeito grotesco”, “rosto grotesco”, “ação grotesca”. Na mesma época, o dicionário da Academia Francesa explica o grotesco como o que é “ridículo, bizarro, extravagante” (SODRÉ; PAIVA, 2002, p. 30).

Apenas no século XIX, o grotesco passa a ser apresentado como categoria artística e o primeiro a teorizar sobre o tema foi Victor Hugo. Para o escritor francês, o grotesco estava relacionado com a comédia. Através do prefácio de Cromwell, presente em Do Grotesco e do Sublime (1827), o autor enfatiza a importância do fenômeno no drama e acentua fortemente as críticas às idealizações artísticas. A nova perspectiva trazida por ele abriu espaço para o extravagante, o feio e o desproporcional. Na perspectiva do grotesco hugoliano, era possível que os contrários andassem lado a lado harmonicamente (feio e bonito, bem e mal). Nesse sentido, o francês conduz o grotesco para o campo da estética.

Em A cultura popular no contexto da idade média e do renascimento, Bakhtin (2008) destina o capítulo quinto para falar da imagem grotesca do corpo em Rabelais

e suas fontes. O filósofo da linguagem abre o capítulo falando da tentativa do

pesquisador alemão Shneegans em fornecer uma teoria sobre o assunto. Segundo Bakhtin, a visão de Shneegans sobre o grotesco era extremamente reduzida. Nas artes plásticas, por exemplo, seria o grotesco relativo apenas a uma caricatura levada até os extremos do fantástico.

Para o alemão, o exagero do negativo levado até os limites do monstruoso era o que configurava essencialmente o grotesco. Outro ponto defendido por ele é que o grotesco só existiria caso houvesse obrigatoriamente alguma intenção satírica por trás

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dele. Ainda sobre a teoria do pesquisador alemão, o escritor russo é pontual em sua crítica ao nos dizer que:

A concepção de Shneegans é fundamentalmente errônea. Ela baseia-se numa total ignorância de aspectos numerosos e essenciais do grotesco e, antes de mais nada, da sua ambivalência. Além disso Shneegans ignora inteiramente as suas origens folclóricas. Ele é aliás forçado a reconhecer que não é possível reconhecer os fins satíricos de todas as exagerações

Rabelaisianas, mesmo com o maior esforço (BAKHTIN, 2008, p. 268).

Não é nosso intuito discorrermos aqui minuciosamente sobre os equívocos do estudioso alemão em seu percurso sobre a teorização do grotesco, mas acreditamos ser importante a crítica de Bakhtin em relação ao autor sobre os riscos de encaixarmos o grotesco numa teoria simplista. Ao contrário de Shneegans, Bakhtin evidencia o caráter ambivalente do grotesco e ressalta que um olhar pouco atento para essa importante categoria pode acarretar a uma visão limitada na interpretação da imagem do grotesco e resumir sua finalidade, assim como fez Shneegans, a algo puramente satírico. O filósofo da linguagem ainda afirma:

A imagem grotesca caracteriza um fenômeno em estado de transformação, de metamorfose ainda incompleta, no estágio da morte e do nascimento, do crescimento e da evolução. A atitude em relação ao tempo, à evolução, é um traço construtivo (determinante) indispensável da imagem grotesca. Seu segundo traço indispensável, que decorre do primeiro, é sua ambivalência: os dois pólos da mudança – o antigo e o novo, o que morre e o que nasce, o princípio e o fim da metamorfose – são expressos (ou esboçados) em uma ou outra forma (BAKHTIN, 2008, p. 21-22).

É graças a essa associação de opostos que o estilo grotesco desorganiza o olhar do espectador, estimulando-o a uma percepção ativa. Bakhtin vê o percurso do grotesco a partir da idade média, aproximando-o de um sentido carnavalesco. Ele compreenderá o grotesco como uma estrutura oposta ao tradicional e, nessa configuração, estaria o homem livre das amarras sociais, tendo no riso uma poderosa arma contra as perspectivas unilaterais.

O corpo grotesco para Bakhtin não é sinônimo de algo fechado ou individual, ele é, antes de tudo, um corpo social, inclusive esse termo é usado pelo autor em oposição ao esquema do corpo clássico, que tem como reflexo o sublime e o monumental.

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Tudo que era terrível e espantoso no mundo habitual transforma-se no mundo carnavalesco em alegres “espantalhos cósmicos”. O medo é a expressão externa de uma seriedade unilateral e estúpida que no carnaval é vencida pelo riso... A liberdade absoluta que caracteriza o grotesco, não seria possível num mundo dominado pelo medo (BAKHTIN, 1987, p. 41).

Também para o pensador russo, o grotesco é pertencente à linguagem não oficial dos povos, e isso se dá principalmente se as imagens forem ligadas à esfera da injúria e do riso.

4 O DIA DAS MOSCAS – ANÁLISES

Nessa perspectiva, integrados à cosmovisão carnavalesca estão elementos, dentre os quais cito: o grotesco, o baixo corporal, a relação morte/vida, a ambivalência e a paródia . Nesta seção realizamos a análise de trechos do livro O dia das moscas:

romance de maus costumes, do escritor potiguar Nei Leandro de Castro, romance

esse que se constitui objeto de estudo de nossa pesquisa. Reiteramos que nossa dissertação tem a carnavalização como analítica, segundo a sistematização teórica de Bakhtin (1981; 2010a; 2008; 2010b). Sendo assim, o olhar projetado ao romance considera a influência do caráter histórico, social e individual no qual está inserido.

Acreditamos que o romance em questão tem essencialmente impregnado, em sua linguagem literária, elementos da cosmovisão carnavalesca, e, quando aludimos a carnaval, frisamos que não se trata da festividade em si, mas da sensação fermentosa e revigorante que ele causa nos que o vivenciam. Nesse sentido, Bakhtin (2008, p. 184) assim o define.

O carnaval é uma grandiosa cosmovisão universalmente popular dos milênios passados. Essa cosmovisão, que liberta do medo, aproxima ao máximo o mundo do homem e o homem do homem (tudo é trazido para a zona do contato familiar livre), com o seu contentamento com as mudanças e com a alegre relatividade, opõe-se somente a seriedade oficial e unilateral e sombria, gerada pelo medo, dogmática, hostil aos processos de formação e à mudança, tendente a absolutizar um dado estado da existência e do sistema social. Era precisamente dessa seriedade que a cosmovisão carnavalesca libertava.

O filósofo da linguagem pensou o carnaval de maneira ideológica, compreendida, segundo Volochínov/Bakhtin (2006) como signo ideológico que reflete e refrata, através de uma visão de mundo que observa os lugares de fala dos sujeitos

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e considera a historicidade desses indivíduos e também da cosmovisão carnavalesca, que questiona a sociedade e coloca ao avesso as convenções estabelecidas pelo mundo oficial, com o intuito de fazer emergir uma visão diferente das relações entre os homens e do próprio mundo, não prevista pelos discursos de ordem (da igreja, do Estado, da instituição familiar, dos ambientes acadêmicos, entre outros).

E é a essa contramão a um sistema estático e a transposição do carnaval para a linguagem literária que Bakhtin (1981) chama de carnavalização da literatura. Trata-se de um modo particular de linguagem capaz de Trata-se opor “à Trata-seriedade oficial”, ao mundo e aos homens e capaz de desmistificar qualquer forma rematada, seja em torno do “estado da existência”, seja no entorno do “sistema social”.

A partir desse ponto de vista, nosso interesse é analisar as transposições do carnaval presentes na obra de Nei Leandro, que através de seu modo singular de escrita, associado a uma lente rabelaisiana, metamorfoseou a formação do povo brasileiro, oriundo, segundo o autor, em terras potiguares.

Para as análises, lançaremos mão de algumas categorias advindas da cosmovisão carnavalesca, a saber:

 Paródia/ negação e inversão carnavalesca do discurso canônico  O corpo carnavalizado – baixo corporal

 Morte e renovação  Ambivalência

As análises são norteadas da seguinte maneira: de início apresentamos as personagens, juntamente aos seus contextos de inserção no romance. Em seguida as análises dos trechos a partir das categorias selecionadas.

Entendemos que a literatura é feita a partir da associação de imagens e linguagens, ou seja, mais que a representação das personagens nos textos literários, o que temos são as imagens desses se fazendo presentes durante todo o percurso das narrativas. Acreditamos também que, embora a literatura não tenha como finalidade primeira o ensinamento, sua escrita acaba ensinando aos leitores devido às identificações geradas no contato com as obras. Nessa perspectiva, conforme afirma Antoine Compagnon (2009, p. 31), sendo um “[...] exercício de reflexão e experiência de escrita, a literatura responde a um projeto de conhecimento do homem e do mundo”.

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Em se tratando da visão carnavalesca na literatura, esse tipo de texto tem por característica histórias intercaladas. O entremeado dos causos vai sendo contado e costurado até desembocar numa tensão dramática desfeita mais adiante dentro do próprio texto.

O romance O dia das moscas carrega, em sua narrativa características de um discurso humorístico debochado, devasso, brincalhão e atrevido, de cunho fescenino. Ele carrega consigo meios que o possibilitam sobressaltar diversos elementos importantes da carnavalização, como por exemplo, a paródia, o grotesco, a profanação, inclusive é por meio dessas categorias que somos brindados com as mais diversas e irreverentes inconveniências, na medida em que também tais categorias contribuem para questionamentos e desconstruções da ordem moral e social vigente numa sociedade.

No que se refere à cultura potiguar, consideramos pertinente o pensamento de Tarcísio Gurgel, compartilhado na obra intitulada de Nei Leandro de Castro: 50 anos

de atividades literárias 1961-2011. Sobre a obra de Nei Leandro, o autor nos diz

O Dia das Moscas, romance tido “de Maus costumes”, é uma carnavalização da nossa formação cultural [...] o enredo, aparente brincadeira, privilegiando

causos e ditos populares, se tem na paródia o procedimento narrativo, deve

ser tomado no sentido que adquire, como uma alegre metáfora, da formação cultural do país, mesmo que pontualmente queira satirizar a cultura potiguar (GURGEL, 2012, p. 47).

Trata-se de uma escrita potente e ácida, que não se curva diante da majestosa escrita canônica e tem por intuito carnavalizar o discurso oficial sobre a nossa formação cultural. A escrita parodística de Nei Leandro de Castro subverte a concepção de alto e baixo de nossa cultura. Nesse manejo, o autor nos apresenta uma espécie de “nova verdade” sobre a história do descobrimento e o contato do índio com o homem branco.

Em O dia das moscas, as personagens multiplicam-se, e por isso, é preciso ficar atento para que não haja confusão entre os familiares dos Cançado. Seus personagens assumem as vezes de protagonistas de suas histórias. Portanto, não se pode dizer que o romance é dotado de apenas uma personagem principal. Inicialmente apresentamos brevemente aqueles considerados por nós como os procriadores do romance. Neste caso, literalmente os que pariram a maioria das personagens.

Referências

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