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A desgraça ocorrida na saúde do velho Honório fez esticar a ganância de seus filhos pelos bens da família, foi com muito treinamento e esforço, devido às suas limitações, que Honório aprendeu a escrever com a mão esquerda e começou a rabiscar o nome dos herdeiros em ordem cronológica, segundo o narrador: “Nenhum carregava o sobrenome Cançado, por uma única razão: o velho Honório se recusava a admitir no nome dos filhos um erro crasso de ortografia” (CASTRO, 2008, p. 45). A Volté e Anunciada era dada a função de ajudar Honório a escrever o testamento da família. A Volté, em especial, também a incumbência de decifrar a escrita do tio, rebaixada a ser chamada de garatujas pelo narrador, que são rabiscos feitos pelas crianças na tentativa de representar o mundo que as cerca.

Passado o tempo, mais de um ano, a novidade que era estar na casa dos tios tornou-se rotina e a nebulosa cabeça de Volté já havia entendido que ele estava novamente aprisionado, agora de modo diferente, acompanhando a doença de Honório, religiosamente, durante toda manhã e tarde, a rotina enxertou no rapaz a vontade de retornar a sua casa, vontade essa prontamente ignorada por seus pais.

Se Volté pudesse explicar a alguém o que sentia, diria que estava com saudade de casa. Mesmo assim ninguém iria entender por que ele haveria de trocar aquela casa ampla, com mesa farta, bolos e doces a toda hora, pelas privações e pelas surras constantes que levava na casa dos pais. Numa das visitas do dr. Hermida e Justina, ele pediu para voltar, mas o pai foi categórico: ia ficar com os tios até quando fosse necessário (CASTRO, 2008, p. 57).

A vida do rapaz era cercada de regras, e essas eram a própria oficialidade do mundo se descortinando e direcionando os passos de Volté, que, em meio a seus pensamentos confusos, já não aceitava de maneira natural a imposição das obrigações e a vida codificada que lhe foi oferecida e que a princípio lhe parecia boa. Seu apelo ao retorno à casa dos pais era desabonado, principalmente pela condição de “louco” dada ao personagem.

Dentro de uma vida considerada comum, pertencente a um sistema de regularidade, algumas figuras têm seus discursos constantemente questionados quanto à verdade, a exemplo disso, as crianças, os idosos e também os considerados loucos ou analisados como “desajustados” perante a atual sociedade. Sobre a loucura e a figura do louco, Foucault (1978) reflete a respeito a partir de um ponto de vista histórico, psicológico e filosófico, sendo vedada a separação entre esses campos e

anulada a possibilidade de se pensar em um sem o outro.

Foucault sobressalta em seu livro História da loucura (1978) que cada época possui uma visão diferente sobre a loucura e elege o que seria um homem considerado “normal” e um homem considerado “louco”. As diferenciações entre o homem tido como racional ou louco começaram a ser contornadas no Renascimento. Nesse período a loucura ainda não era tida como algo completamente negativo ou que tivesse que ser excluída por completo, a visão que se tinha é que podíamos, inclusive, aprender com a loucura, e até de que todos nós carregaríamos uma porção dela, seria a loucura nesse período uma espécie de reflexo da sociedade.

No século XVII essa visão começa a ser revisitada e o louco passa a ser visto como aquele sem direito à verdade e à palavra, cuja ênfase era dada somente ao discurso da razão. Também é nesse período que se iniciam as internações aos considerados loucos, assim como a pessoas alcoólatras e homossexuais.

O século XVIII ou século das luzes é o período em que surge o iluminismo, conhecido como movimento de cunho cultural, baseado no racionalismo feito pela elite europeia. Esse século passou por transformações econômicas, sociais e políticas, determinadas pelo processo de transição da estrutura feudal para capitalista. No final do século XVIII, dentro do contexto de racionalidade do período do iluminismo, a loucura passou a ter status de doença mental, vista como oposição ao que era considerado razoável e racional. Nas palavras de Foucault:

Progressivamente se organizaram de acordo com a unidade de uma única e mesma loucura, que é percebida em sua oposição ao razoável e naquilo que ela oferece de si mesma ao racional. Diferença pura, estranho por excelência, "outro" numa potência dupla, o louco, com esse mesmo recuo, vai tornar-se objeto de análise racional, plenitude oferecida ao conhecimento, percepção evidente; e será isto exatamente na medida em que é aquilo. A partir da primeira metade do século XVIII, e é isto que lhe dá seu peso decisivo na história do desatino — a negatividade moral do louco começa a constituir apenas uma única e mesma coisa com a positividade daquilo que dele se pode conhecer: a distância crítica e patética da recusa, do não reconhecimento, esse vazio de características torna-se o espaço no qual vão serenamente aflorar as características que aos poucos esboçam uma verdade positiva (FOUCAULT, 1978, p. 205).

O autor discorre que nesse mesmo período a percepção do louco estava associada àquilo que havia de mais negativo e mais positivo. O positivo estaria ligado à razão, ainda que considerada sob um aspecto aberrador; já o aspecto negativo estaria associado ao fato de que a loucura seria, no máximo, um vão simulacro da razão. A loucura seria a razão acrescida por uma camada extremamente negativa; seria ela a razão afetada pelo desatino.

A visão do louco como doente passa a ser reverberada a partir do século XIX, quando se inicia a inquietação sobre a existência da loucura. É também nesse período que os médicos começam a definir o que seria o ideal de normalidade e quais mecanismos seriam necessários para o retorno dos considerados “loucos” à “normalidade”, ou seja, o conceito do que é loucura não é estático desde os séculos passados até a atualidade, ele perpassa e se modifica a cada época e carrega visões distintas nesses períodos.

Também é de suma importância lembrar que a visão do homem sobre a loucura estaria intrinsicamente ligada a cultura e ao contexto de cada período, portanto, conhecer essa trajetória, é conhecer sobre a forma como enxergamos o louco e a loucura ao decorrer dos séculos, nos permitindo refletir sobre a estigmatização deste indivíduo. Pincelando as palavras de Foucault (1978, p. 187).

Não há um saber da loucura, por mais objetivo que pretenda ser, por mais baseado que afirme estar nas formas do conhecimento científico e apenas nelas, que não pressuponha, apesar de tudo, o movimento anterior de um debate crítico onde a razão se mede com a loucura, experimentando-a ao mesmo tempo na simples oposição e no perigo da reversibilidade imediata

A razão e a loucura andam intrinsicamente relacionadas, podemos encontrar loucura na razão, assim como ao revés. O louco carrega o estereótipo do homem em

seu estado irracional, possuidor de rompantes emocionais, cuja sociedade entrevê como algo negativo e perturbador ao convívio. Ao homem considerado como ajustado socialmente, com pensamentos e comportamentos advindos da razão, caberia a frieza, o esconderijo de seus sentimentos e ausência de demonstrações de fraqueza. Retomando ao centro a personagem Volté, o tédio e a monotonia por ele vividos foram momentaneamente interrompidas por um truque de morte e ressureição de moscas ensinado pelo personagem Galego Assis:

Volté já pensava em fugir de casa, quando o galego Assis lhe ensinou um truque que o libertou do tédio infinito. O galego capturava uma mosca, jogava- a dentro de uma vasilha com água e deixava o inseto se debater até se exaurir. Depois, retirava a mosca de dentro d’água e colocava sobre ela, completamente inerte, um pequeno monte de farinha de mandioca. Alguns minutos depois, surgia uma mosca viva, ressuscitada, que limpava as patas uma na outra, sacudia as asas empoadas de farinha e por fim levantava vôo. Ao ver o milagre pela primeira vez, Volté chorou de emoção. E também chorou quando ele mesmo fabricou o milagre com suas próprias mãos (CASTRO, 2008, p. 59).

Morte e vida misturam-se num só elemento de significação, o riso, a festividade, a celebração do milagre obtido. Quando ao menino é ensinado a competência da “ressureição” das moscas, a sua alegria não está contida somente na captura e no poder que lhe foi dado em fazê-las morrer, o regozijo que lhe deixa alarmado é justamente o retorno das moscas à vida, quando surgem como elementos de renovação, somando-se a ideia de poder e liberdade possibilitadas através de Volté. O milagre sublime da ressureição considerado inalcançável e destinado ao discurso e a figura religiosa de cristo, agora rebaixa-se, torna-se acessível a figura do louco no romance. Passado um tempo, também essa novidade se torna monotonia, para Volté e a rotina ganha novamente centralidade “As idas semanais à praia, sistemáticas a mais de oito anos, cansavam mortalmente Volté e Anunciada. Os dois talvez não tivessem consciência ou coragem de admitir que preferiam a morte àquela vida de tédio e sacrifício” (CASTRO, 2008, p. 149).

Honório morria lentamente e esgotava um pouco da vida dos que o rodeavam, especialmente os que viviam na casa dos Cançado. A morte do patriarca seria a própria representação de um novo nascimento para família, pois Honório mesmo em cima de uma cama, continuava a ser a figura de ordem que podava nos demais membros comportamentos e vontades, ou seja, o acabamento dessa figura, dava aos demais personagens a possibilidade de libertação das obrigações dos afazeres

cotidianos e sociais, assim como das obrigações de cunho afetivo. A morte nesse caso alcançaria mais um elemento do clima carnavalesco, a continuação, seria necessário enterrar a ordem (Honório) para que fosse instituída a alegria de viver “O nascimento é prenhe de morte, a morte, de um novo nascimento” (BAKHTIN, 1981, p. 107).

Cansado da vida mecanizada na qual estava inserido e sabendo que dela não sairia por livre e espontânea vontade, Volté resolveu por si só outorgar sua libertação durante o percurso de mais uma ida à praia com seus tios:

Atingidas pelo crepúsculo, as nuvens sobre o mar pareciam flocos de algodão cor-de-rosa. Quando sentiu que estava na hora de percorrer o odiado caminho da volta, Volté afastou-se da cadeira de rodas, onde o velho Honório repousava sobre uma poça de mijo, e caminhou em direção do mar. No começo, andou. Depois, à medida que os gritos de Anunciada foram ficando mais fortes, ele correu e se atirou nas águas. Rompeu as primeiras ondas, foi em frente, sempre em frente, até ser tragado pela correnteza. No dia seguinte, o galego Assis saiu à procura do corpo. Volté boiava entre as pedras, a um quilômetro do lugar onde tinha desafiado a fúria das ondas, no seu impossível sonho de libertação. [...] Tão logo o corpo de Volté foi colocado na beira da praia ,começaram a surgir enxames de moscas. Elas formavam nuvens negras que se deslocavam a grande velocidade e baixavam sobre o cadáver estendido na areia [...]. A meia distância, o galego Assis viu quando as moscas cobriram dos pés à cabeça o corpo de Volté. Permaneceram sobre ele alguns minutos, transformando-o num cadáver negro e fervilhante. De repente, todas as moscas voaram ao mesmo tempo, numa imensa nuvem negra que subiu ao céu azul da tarde e foi dispersa pelo sudoeste que soprava. O galego Assis e os quatro pescadores saíram de trás da duna onde se protegiam e correram em direção do cadáver. O corpo de Volté estava coberto por uma fina camada de poeira, que o sudoeste também dispersou em pouco tempo. – juro que era farinha – disse o galego Assis, com os olhos arregalados, fazendo o sinal da cruz (CASTRO, 2008, p. 151).

Volté encontrou na morte a fuga da domesticação. Para o personagem, a vida repleta de regras e obrigações o escoavam a um apequenamento insuportável. Na esperança de encontrar alguma liberdade, o personagem que não resistiu a vida neurótica, onde nem ele, considerado louco, conseguia viver, preferiu despedir-se dela no plano material. Outro fato que marca o caráter da carnavalização no texto, são as moscas, que ao invés de fazerem o que comumente fazem ao se depararem com uma matéria em decomposição, que é sobrevoar, tentando alimentar-se, estas buscaram fazer a Volté exatamente aquilo que ele as fazia: ressuscitar. Tanto as moscas como a figura do louco são tidas como elementos inoportunos e suscitam constantemente um sentimento de exclusão/ extermínio.

A finalidade das moscas ao sobrevoar o corpo do louco em decomposição é subvertida, mais uma vez, o ato sublime da ressureição, visto na escrita bíblica com

imagens cósmicas, ligada a algum misticismo, como Jesus Cristo sendo ressuscitado por Deus, é rebaixado a figura das moscas e de Volté. Ainda o louco é a própria representação da verdade no romance, pois a atitude dele declara o desejo silenciado da família em ver chegar ao fim a vida de Honório, que já recaía sobre todos com grande peso. Do mesmo modo no romance, Rizete, prima de Volté, retira a própria vida.

AlbertCamus, um dos principais filósofos franceses da tradição existencialista, discute em seu ensaio O mito de sísifo (2008), a questão do suicídio. A frase de Píndaro, contida na epígrafe do texto de Camus “Ó minha alma, não aspira à imortalidade: esgota o campo do possível”, sintetiza a ideia do autor, de que, já que a vida é um absurdo, o interessante seria esgotar o campo do possível e viver com vivacidade.

No mesmo ensaio, o autor fala da sensação de absurdo, advinda da relação do homem com o universo e que por vezes toma conta da vida. A morte, inclusive, também seria uma geradora dessa sensação de absurdo no homem.

Ainda sobre a sensação de absurdo, o filósofo suscita para ela duas questões: suicidar-se ou reestabelecer-se, e o caminho que o autor abaliza em sua escrita é do restabelecimento, refletindo de modo interessante sobre as possíveis questões do suicídio. Para o autor, julgar se a vida deve ou não ser vivida é, inclusive, uma questão fundamental para a filosofia.

Camus endossa que o suicídio sempre foi tratado somente como um fenômeno social, mas que não se pode deixar de lado a relação entre o pensamento individual e o suicídio. A ação para o gesto do suicídio estaria contida de forma silenciosa no coração do homem. Camus diz que é essencialmente no próprio homem que se deve procurar a principal causa para o suicídio e não em fatores exteriores, com conteúdos abstratos e afastados dos homens. O ato de começar a pensar, segundo o autor, já ativaria uma válvula para ação da ideia de retirar a própria vida. Camus segue a ressaltar que:

Mas, se é difícil fixar o instante preciso, o procedimento sutil em que o espírito se decidiu pela morte, é mais fácil extrair do próprio gesto as consequências que pressupõe. Matar-se é de certo modo, como no melodrama, confessar. Confessar que se foi ultrapassado pela vida ou que não se tem como compreendê-la. Mas não nos deixemos levar tanto por essas analogias e voltemos à linguagem corrente. É somente confessar que isso “não vale a pena”. Naturalmente, nunca é fácil viver (CAMUS, 2008 p. 9).

O sentido da existência humana é o assunto principal do ensaio, ele concentra sua reflexão na questão do viver ou suicidar-se transformando o absurdo que é viver e que, à primeira vista, conduziria ao suicídio, em liberdade que é um convite à vida.

Reatando os fios anteriores, a menina citada como a menos índia dos irmãos, recebia de sua irmã mais velha, Auxiliadora, um constante incentivo alimentar envolto a massas, bolos, geleias, tudo que a fizesse engordar “numa vingança silenciosa, Dodora – envelhecida, gorda, caritó- haveria de torná-la balofa como uma saco de bosta” (CASTRO, 2008, p. 20). O narrador revela que ao completar 15 anos, a menina já estava na marca dos noventa e dois quilos.

No dia de seus quinze anos, Rizete acordou com uma fome danada. Mas, pela primeira vez na vida, antes de correr e sentar à mesa, olhou-se no espelho do quarto. Viu, então, uma massa disforme, arredondada, que não lembrava nada um ser humano. De humano só havia o rosto pequeno, desproporcional, fincado na massa de gordura. Era como se uma menina estivesse se afogando num barril, restando-lhe somente a cabeça de fora [...] Rizete fechou a porta do quarto, sentou-se no chão e chorou horas seguidas (CASTRO, 2008, p. 117).

A narrativa continua a nos dizer que a irmã mais velha, responsável direta pela gordura exagerada da adolescente, bate na porta do quarto a procura de Rizete e que depois de várias tentativas, coloca a porta do quarto da menina abaixo e a encontra: “No meio do quarto, o corpo de Rizete estava estendido numa poça de lágrimas, urina e sangue (CASTRO, 2008, p.118). Rizete representava o avesso dos Cançado, tanto aparentemente quanto de modo comportamental, já Auxiliadora, era a expressão do medo, da ordem e da infelicidade de uma vida regrada aos cuidados à casa, a mãe e ao pai. Na cabeça de Auxiliadora, essas diferenças erguiam barreiras entre elas, então a mulher, de modo silencioso tratou de acabar com a autoestima da menina por meio daquilo que mais a ameaçava, a aparência da adolescente.

Ambos acontecimentos no romance desaguam em dois grandes pontos constantemente evidenciados na visão carnavalesca: Os efeitos causados por uma vida levada somente sob a ótica da rigidez formal exercida pelo mundo e a necessidade do homem em se abster ainda que momentaneamente dos esquemas rígidos impostos pelo mundo oficial e de que como esse afastamento é indispensável à vida do homem.

Rizete e Volté, a menina sem freios na língua e o considerado louco, respectivamente, ao não se sentirem inseridos nos momentos de plena igualdade e satisfação vividos por aqueles que brincam dentro de uma cosmovisão carnavalesca (o menino a um esquema de regras e a menina fora dos padrões estéticos sociais) tiram suas vidas, por não resistem a pressão social e ao sistema autoritário a eles impostos.

Sobre a necessidade do homem em abster-se ainda que temporariamente do mundo oficial, Bakhtin (2008) já citava a “festa dos loucos”, celebrada por estudantes e indivíduos pertencentes à classe eclesiástica no dia de Santo Estêvão, ano-novo, no dia dos Inocentes, da Trindade, e de são João. O autor evidencia a necessidade da festa e cita o riso como sendo a segunda natureza humana, o autor ainda nos diz que: “Foi justamente o caráter unilateral e exclusivo dessa seriedade que trouxe a necessidade de criar uma válvula de escape para essa “segunda natureza humana”, isto é, a bufonaria e o riso” (BAKHTIN, 2008, p. 65).

O filósofo já apontava para as diferentes visões sobre a festa ao decorrer dos tempos. Primeiro, esta seria celebrada pela igreja e considerada perfeitamente legal, mais adiante, o cenário já não era de total legalidade e as festas passaram a ser consideradas semilegais e, finalmente, já no final da idade média, a festa passou a assumir um caráter de ilegalidade. Ainda sobre a festa dos loucos, Bakhtin a descreve da seguinte maneira:

Quase todos os ritos da festa dos loucos são degradações grotescas dos diferentes ritos e símbolos religiosos transpostos para o plano material e corporal: glutoneria e embriaguez sobre o próprio altar, gestos obscenos, desnudamento, etc. (BAKHTIN, 2008, p. 64).

A ilegalidade dada à festa dos loucos traduzia a ameaça aos discursos de ordem. A falta de retidão e a quebra das hierarquias vividas durante a festa faziam emergir desejos e sensações desenfreadas, consideradas completamente fora de percurso em dias tidos como normais. Para Rizete e Volté, ainda que por motivos diferentes, a falta do escape da vida pragmática arrobou de modo emergencial a fuga de um mundo linear.

Sobre Honório, Nei Leandro de Castro intitula de testamento a parte final do romance destinada a contar sobre a morte do personagem. Segundo o narrador,

nesse mesmo dia foi à casa dos Cançado um vendedor de joias chamado Isaac, na ocasião, também Auxiliadora e Anunciada (filha e mãe) estavam cuidando de Honório.

— Non gombar nada, a senhorita? — Deixe só eu ver — disse Auxiliadora. Isaac mostrou pulseiras, trancelins, correntes, crucifixos. O velho amedrontado começava a se transformar no mágico fascinante. [...] auxiliadora riu, pensando em sua parte no testamento. Anunciada chegou na sala onde os dois estavam sentados diante do tesouro. Os lábios tremiam sobre seu rosto trágico, indígena, pálido. Mas a voz saiu firme: - Dodora, seu pai está morrendo. Isaac arrumou as joias, passou a chave na maleta e seguiu as duas mulheres [...]. Isaac segurou-lhe o pulso, à procura de vida. Nenhum sinal. Foi então que o vendedor de joias viu as garatujas escritas em tinta azul na primeira página do volume manuscrito [...] — Tvzaa! — exclamou, o coração descompassado pelo susto. — Tvzaa! Testamento em iídiche, na minha língua! – Exclamou de novo o comerciante judeu, a voz

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