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A comunicação não verbal: um Estudo de Caso

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Academic year: 2022

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A comunicação não verbal: um Estudo de Caso

Ilsa Solka de Lemos

Mestre PUC, RS

Resumo

A comunicação não verbal permeia toda a comunicação verbal e revela-se uma fonte importante de mensagens na comunicação organizacional. O presente artigo busca compreender os canais de comunicação não verbal numa empresa do setor de serviços e, em que medida eles são reveladores do sistema. Como referencial teórico, adotou- se o modelo de Kreps (1995) convidando, também, Knapp e Hall (1997) para dar suporte às interpretações. O material para análise foi coletado em entrevistas semi-estruturadas, observação direta e conversas informais. Os resultados permitiram inferir que o sistema de mensagens não verbais age como facilitador das interações sociais, o que acaba se refletindo nos resultados organizacionais.

Palavras-chave: comunicação organizacional, comunicação interna, comunicação não verbal.

Introdução

Costa (1995) alerta que o problema das organizações não está mais entre “comunicar ou não comunicar”, nem em o que dizer, a quem dizer e como, mas, decisivamente, nas relações entre dizer e fazer, comunicar e atuar, e sua coerência como expressão corporativa.

Quando se trata de olhar as organizações como agentes de desenvolvimento das nações e dos continentes, constata-se sua importância na união de esforços por blocos econômicos, no planejamento estratégico das cidades e na reorganização da sociedade em meio a crises morais e éticas. Pode-se dizer que nunca o mundo precisou tanto da comunicação. Agrega justificativa a esse cenário uma manifestação colhida junto a empresários “Quando tivermos resolvido todos os problemas nas organizações, ainda teremos problemas de comunicação para tratar”.

O marco de referência de Goldhaber (1991) orienta que a comunicação organizacional ocorre num sistema complexo e aberto que é influenciado e influencia o meio ambiente. Assim, a comunicação organizacional envolve, de um lado, as mensagens, seu fluxo, seu propósito, sua direção e as fontes empregadas e de outro, as pessoas, suas atitudes, seus sentimentos, suas relações e habilidades.

Este estudo desenvolveu-se no campo das pesquisas em comunicação organizacional, buscando identificar os canais não verbais utilizados no sistema de comunicação interna em importante empresa gaúcha do setor de serviços, cuja escolha deu-se pela relevância que esta possui na sociedade. O trabalho que deu origem a este artigo objetivou compreender a percepção dos trabalhadores e supervisores sobre a satisfação com a comunicação interna e os fatores que fortalecem e os que inibem sua satisfação, adjudicando uma tentativa exploratória de comparar os resultados com os das empresas guatemaltecas de Varona (2002).

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Ao adotarmos, na análise dos dados, a postura clínica defendida por Schein (2001) - que traz à tona o irracional da organização - nos deparamos com uma infinidade de mensagens não verbais em todas essas oportunidades.

Assim, sentimo-nos instigados a explorar a comunicação não verbal, servindo-nos dos canais que emergiram nas entrevistas, nas conversas informais e na observação direta como instrumentos para capturar as potencialidades que a comunicação verbal não oferece. Para tanto, o presente estudo teve como balizador a estrutura apresentada por Kreps (1995), guiada por sete sistemas não verbais distintos, que podem explicar a comunicação não verbal nas organizações. Para complementar a análise, buscamos a contribuição de Devito (1997) e Knapp e Hall (1997).

Logo, quanto à abordagem, a pesquisa configura-se qualitativa por revelar-se a forma adequada para entender a natureza dos fenômenos sociais. (Richardson, 1985). Considerando que o estudo de caso oferece a possibilidade de estudar a comunicação não verbal no ambiente natural, de gerar teorias a partir da prática, agregado à possibilidade de pesquisar uma área na qual poucos estudos prévios tenham sido realizados, optamos por esta estratégia para realização do trabalho (Yin, 2001).

A unidade de análise envolveu a área operacional dessa empresa de serviços, composta por supervisores, motoristas e cobradores de transporte coletivo de passageiros, para cuja coleta de dados empregamos múltiplas fontes. A análise qualitativa das manifestações não verbais procurou extrair e identificar as mensagens mais importantes e significativas para atender os objetivos desta pesquisa e os resultados são apresentados na forma descritiva, inscritos nos sistemas não verbais oferecidos pelo referencial teórico acima mencionado.

O estudo está organizado em cinco partes: a primeira dialoga com o objeto de estudo. Na segunda parte oferecemos uma revisão bibliográfica, iniciando por uma breve abordagem sobre a comunicação humana e a comunicação interna, concentrando, a seguir, a atenção nos sistemas não verbais de comunicação, suporte teórico que balizou a pesquisa. No capítulo quatro discutimos os resultados encontrados e, por fim, apresentamos algumas considerações sobre o estudo.

A comunicação humana

Kreps (1995) acredita que a comunicação humana acontece quando uma pessoa responde a uma mensagem, sendo esta qualquer símbolo ao qual alguém presta atenção e lhe atribui um significado no processo de comunicação.

Goldhaber (1991) lembra que duas pessoas jamais serão iguais e, dadas as diferenças ambientais e psicológicas, as percepções também são distintas. Necessidades, valores, sentimentos, aparência física e experiências passadas respondem diferentemente aos estímulos recebidos. Assim, as diferenças de percepção e de conduta permitem inferir que “a comunicação é um processo altamente pessoal governado por interpretações únicas das mensagens humanas”, diz Goldhaber (1991, p. 117).

Para Kreps (1995), existem as mensagens internas, como aquelas que enviamos a nós mesmos e externas àquelas às quais reagimos ao nosso entorno, incluindo as outras pessoas. Já os significados são imagens

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mentais que criamos para interpretar fenômenos e desenvolver entendimento. Os seres humanos utilizam as mensagens externas para comunicar-se na vida organizacional. Kreps (1995) verifica que existem dois tipos de sistemas de mensagens externas, os verbais e os não verbais. Alguns pesquisadores discutem se a comunicação não verbal não traz mais informações do que a que se faz com palavras.

Quanto à comunicação interna, Kreps (1995) percebe-a como o instrumento para realizar funções que incluem: informar os membros da organização acerca dos propósitos, tarefas e diretrizes, desenvolver e manter um bom clima organizacional, buscar retroalimentação dos indivíduos para resolver os problemas internos e o conflito e manter níveis elevados de desempenho.

Sublinha-se a importância da retroalimentação, lembrando o alerta de Lite (1997) que a comunicação interna não se encerra quando um superior transmite uma mensagem a um trabalhador, e sim quando esse recebe a resposta que a mensagem provocou no receptor.

Os canais de comunicação interna e externa são utilizados para apoiar-se mutuamente e devem operar conjuntamente para cumprir os objetivos organizacionais, orienta Kreps (1995).

A comunicação não-verbal nas organizações

Aspectos gerais

Devito (1997), estudioso da comunicação e professor da City University of New York (CUNY), diz que a comunicação não verbal é uma comunicação sem palavras, ou seja, através de gestos, sorrisos, movimentos dos olhos, toques, volume da voz e, até mesmo através do silêncio ocorre uma comunicação. O contrário também acontece, alguém sorri ou gesticula e ninguém percebe, significa que não ocorreu comunicação.

As mensagens da comunicação não verbal podem comunicar sentidos específicos, confirmar a mensagem verbal ou, ainda, comunicar outras mensagens. Quando uma pessoa gosta de outra, sinaliza-o primeiro, através de sinais não verbais e depois por mensagens verbais. Lembrando que as mensagens não verbais podem, também, destruir relacionamentos interpessoais.

Segundo Knapp e Hall (1997), uma comunicação não verbal ocorre de modo combinado com a mensagem verbal servindo a uma função de metacomunicação, ou seja as mensagens não verbais se comunicam com as mensagens verbais. Os autores identificaram seis formas que ilustram a variedade de funções da metacomunicação: 1) acentuar ou enfatizar a comunicação verbal; 2) complementar a comunicação verbal;

3) comunicar mais eficazmente os pensamentos e sentimentos; 4) contradizer palavras com movimentos - cruzando os dedos para indicar uma mentira; 5) regular ou controlar o fluxo de mensagens verbais - fazer gestos com a mão para indicar que a pessoa quer falar e, 6) repetir ou substituir o verbal - o gesto para substituir “Ok”, por exemplo.

Sistemas de comunicação não verbal

A comunicação não verbal é uma fonte muito rica em mensagens que incide sobre a comunicação verbal.

Ainda que seja difícil classificar a quantidade de mensagens não verbais, Kreps (1995) facilita a explanação

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apresentando-as em sete canais distintos, mas interrelacionados, que aqui recebem contribuições de Knapp e Hall (1997):

Artefatos (artifactics):

Envolve aparência física, pessoal, acessórios e objetos que decoram o ambiente.

a) Aparência física - porte, tamanho, cor da pele. A altura, por exemplo, tem alto significado em várias situações. Knapp e Hall (1997) constataram que candidatos a cargos políticos com estatura alta tem vencido mais eleições do que os baixos. A proporcionalidade do peso em relação à altura, a cor da pele e o estilo do cabelo também são formas de comunicação;

b) aparência pessoal - penteado, estilo para se vestir, maquiagem e perfume. A vestimenta é qualquer coisa que se traja e literalmente pode ser lida, afirmam Knapp e Hall (1997). Ela pode comunicar o status, a posição econômica e social, preferência por algum esporte ou equipe favorita. Uma vestimenta informal, no ambiente profissional, comunica um superior amigável, entusiasta e flexível, enquanto a formal enseja um superior preparado, competente e organizado;

c) objetos que as pessoas portam, como agenda, pasta, aparelhos eletro-eletrônicos, entre outros. Os objetos pessoais afetam fortemente a primeira impressão e as pessoas tentam exercer um grande controle das situações, investindo cuidadosamente em roupas, acessórios e objetos ainda que as inferências dependam do imaginário do receptor e do contexto e,

d) objetos presentes na decoração dos ambientes e seus entornos. Um escritório amplo com quadros na parede e tapetes apontam para um ocupante hierarquicamente superior a alguém que trabalha numa sala sem acessórios e com pouco espaço de circulação. A decoração do espaço comunica confidências sobre seus ocupantes.

Movimentos do corpo (kinesics): são maneiras como as pessoas movem seus corpos e tomam atitudes.

Duas áreas do corpo são fontes importantes de mensagens não verbais: os movimentos do corpo propriamente ditos e a aparência geral do corpo.

Movimentos dos olhos (Occulesics): são as expressões faciais e os movimentos oculares.

Uma comunicação facial informa fortemente sobre o estado emocional do emissor. Emoções podem manifestar diferentes significados como felicidade, surpresa, medo, raiva, tristeza, desprezo e interesse. Nas organizações, é importante que as expressões faciais sejam coerentes com as emoções, haja vista que as pessoas observam se a fala está de acordo com os sinais do rosto, diz Kreps (1995).

A exatidão também varia de acordo com as emoções. Devito (1997) resgata o estudo de Ekman, Friesen e Ellsworth mostrando que as pessoas julgam as expressões faciais de felicidade com acuracidade entre 55 a 100 por cento, a surpresa entre 38 a 86 por cento, e a sadismo entre 19 a 88 por cento. Observa-se que algumas emoções são mais fáceis de codificar do que outras.

Kreps (1995) ensina que a comunicação através dos olhos emite mensagens diversas dependendo da qualidade do olhar, da direção e da duração. Nas organizações, pessoas de cargos mais elevados parecem

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não estar obrigadas a fixar o olhar ao falar com subordinados. Da mesma forma, quando um superior não tem uma resposta, provavelmente desviará o olhar para pensar numa solução apropriada. Muitas vezes, comportamentos adaptadores do olhar podem suscitar falta de sinceridade na comunicação.

O contato do olho também pode servir a funções como esperar feedback ou informar que o canal está aberto para alguém falar. Pode, ainda, comunicar outros sentimentos, dependendo das expressões faciais que o acompanham, ou ainda combinar várias emoções ao mesmo tempo: olhos e pálpebras podem sinalizar medo e os movimentos do nariz e área da boca indicar aversão. Na cultura dos Estados Unidos da América, o tempo médio que as pessoas se encaram é 2,95 segundos, enquanto o tempo médio dos outros povos é 1,18 segundos (Argyle e Cook, 1976). Quando o contato do olha dura menos que esse tempo, pode sugerir desinteresse, timidez ou preocupação e quando o tempo excede aquela média, pode revelar um interesse mais elevado.

Os movimentos do olho também podem sinalizar a natureza de um relacionamento: um olhar atento transmite mensagem positiva, um olhar vago pode sinalizar desinteresse ou pode ajudar o outro a manter sua privacidade. Normalmente, um emissor mantém um nível elevado do contato de olho ao escutar e um nível mais baixo ao falar. Quando uma pessoa quer sinalizar domínio, ela pode inverter este padrão.

Finalmente, Devito (1997) busca argumentos nas pesquisas de J. K.Burgoon e Joseph Cappella para dizer que as expressões faciais podem expressar alguns sentimentos, mas não todos.

Paralinguística: são os sinais vocais que acompanham o discurso.

Volume, velocidade, ritmo, tom e expressão da voz são qualidades que influenciam a mensagem. Por exemplo, falar rapidamente comunica algo diferente do que falar lentamente. As pesquisas de Milmoe et al.

(apud Kreps, 1995) revelam que o tom de voz influencia, sobremaneira, na disposição ou não do receptor em cooperar com o emissor. Por outro lado, o silêncio também emite mensagens: o silêncio pode ser uma demonstração de indiferença por uma pessoa, pode expressar afeição ou amor, especialmente quando acompanhado de olhares fixos e longos e, pode servir como arma para ferir alguém: dar um "tratamento silencioso”.

Kreps (1995) orienta que, nas organizações, os líderes devem ajustar os sons aos seus contextos para que as pessoas sintam-se confortáveis para trabalhar, informando que a música, em geral, deixa trabalhadores e clientes mais alegres.

Toque (Tactilics): são os comportamentos de tato entre pessoas ou com objetos.

Kreps (1995) busca apoio em Montagu para compreensão do canal mais íntimo da comunicação humana que é o toque. A pesquisa de Montagu (apud Kreps, 1995) revela que o toque satisfaz necessidades fisiológicas e sociológicas e pode ser utilizado para oferecer apoio, inclusão, atenção ou, ainda, para cumprimentar ou despedir-se.

Nas organizações há limitações sociais e culturais a respeito do seu uso, mas o aperto de mão e um

“tapinha” nas costas são aproximações permitidas e, normalmente, revelam apoio, confiança e solidariedade.

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Nas organizações modernas, o toque vem sendo utilizado para desenvolver a sensibilidade, afirma Kreps (1995) .

Proxémica: é o estudo da distância entre as pessoas e os objetos, incluindo as estabelecidas nas

relações interpessoais, no desenho dos espaços e nas reuniões de grupo.

Kreps (1995) apresenta o sistema proxémico considerando três aspectos: o espaço pessoal, a territorialidade e a ecologia de grupo.

Fischer (1994) estabelece diferença entre os conceitos de território e de espaço pessoal: o primeiro é uma área visível e estável e refere-se ao grau de proteção em relação a objetos, móveis e espaços físicos de trabalho, enquanto o segundo é como uma fronteira invisível em torno do indivíduo, uma zona sócio-afetiva, que não pode ser penetrada por outra pessoa sem provocar uma reação de defesa.

O desenho arquitetônico do entorno, que se insere na territorialidade, também tem uma repercussão importante sobre a organização do trabalho.

O autor ensina que a organização do espaço é revelador do modo de funcionamento do comportamento humano. No mundo das organizações, os espaços correspondem a critérios de especialização que determinam localizações, distâncias, relações de vizinhança e separação de funções. Por um lado, tem a propriedade de fixar cada um num lugar, garantindo o bom funcionamento e o controle sobre cada um e, por outro, inscreve o sistema hierárquico, dando-lhe expressão e visibilidade.

O espaço de trabalho é também um espaço pessoal que exprime a identidade de um indivíduo e seu status no interior da organização, que expressam a margem de liberdade e de poder que o indivíduo detém:

quanto mais o espaço é personalizado, maior é a margem de autonomia. A personalização aparece como o desejo de fazer reconhecer e apreciar a individualidade na organização e paradoxalmente, o indivíduo tende a criar uma esfera privada num sistema em que, por definição, o espaço não lhe pertence.

Um segundo aspecto está ligado à organização espacial das comunicações. O espaço organiza e orienta a comunicação, impõe vias de circulação, canais formais que seguem a necessidade de estruturar a informação de um modo funcional.

Hall (1976) distingue quatro distâncias que definem os tipos de relacionamento entre as pessoas e os tipos de comunicação possíveis em cada uma delas: 1) a distância íntima varia do toque até 18 polegadas. Cada pessoa experimenta o som, o cheiro, e a sensação da respiração do outro; 2) a distância pessoal varia de 18 polegadas a 4 pés, o toque só acontece se a pessoa estender o braço; 3) a distância social varia de 4 a 12 pés, normalmente, acontece em situações de negócios e interações com certo recolhimento social e, 4) a distância pública varia de 12 a mais de 25 pés, as pessoas costumam mantê-la em espaços públicos. Estas quatro distâncias podem não estabelecer fronteiras tão distintas entre si e podem até misturar-se: os relacionamentos pessoais, por exemplo, não são totalmente separados dos relacionamentos sociais. Por outro lado, as pessoas se posicionam mais próximo de alguém que as estão elogiando do que criticando.

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A maneira como o indivíduo se relaciona e usa o espaço ao comunicar-se é influenciada por diversos fatores como status, cultura, gênero e idade. Ao discutir assuntos pessoais ou com pessoas de mesmo status, os indivíduos mantém distâncias relativamente curtas.

O último aspecto da proxémica é a ecologia de pequenos grupos que está relacionada com o arranjo espacial dos membros nas reuniões. As pessoas se comunicam mais ativamente quando estão “cara a cara” com as outras ou bem próximas, portanto, para conquistar a participação é recomendável que as pessoas tomem assento em círculos. Por outro lado, as posições ao redor de uma mesa retangular, tendem a invocar os papéis de cada um na comunicação.

Comunicação do tempo (Cronémica): analisa o efeito do tempo na comunicação.

Talvez seja um dos fatores menos conscientes, mas que afetam mais fortemente o tipo de relação que está implícito e que pode ser traduzido pela quantidade e qualidade do tempo que é disponibilizado a um indivíduo. Quanto mais tempo alguém passa comunicando-se com outra pessoa, independente do tema da conversa, mais lhe diz o quanto o indivíduo é importante, diz Kreps (1995). O inverso se dá com relação ao tratamento com atrasos: quanto mais tempo alguém deixa uma pessoa esperando, mais lhe dirá o quanto ela lhe é insignificante.

Análise dos resultados

Esta seção inicia com um breve histórico da organização alvo do estudo, procurando destacar os aspectos mais significativos que servem à interpretação dos resultados.

Caracterização da empresa

A empresa Gama atua no setor de transporte coletivo num município com 210.000 habitantes. A empresa comemorou 54 anos de sua fundação em 2005 e, com isto, marca uma história de importantes registros no município. A circulação dos ônibus por vias sem pavimentação e sem iluminação fez com que a Gama estabelecesse parcerias para promover melhorias de infra-estrutura. Este processo foi fundamental para a urbanização do município, onde a Gama é, hoje, a maior empregadora: quase 70% de seus, aproximadamente, 1000 trabalhadores são munícipes.

O desempenho dessa empresa gaúcha no setor de transporte coletivo confere também importância a ações comunitárias, merecendo destaque o envolvimento dos familiares dos seus membros nos programas de valorização da equipe de trabalho. Registre-se a aproximação crescente na comunicação com a família, também, a partir da distribuição de um jornal interno na cesta básica mensal, cuja publicação é rica em matérias com fotografias dos trabalhadores.

Cumpre aqui salientar a pertinência com que este veículo conjuga notícias para os variados interesses dos mais de mil trabalhadores - desde receita de arroz carreteiro ensinada por um colega, passando pelos resultados da pesquisa anual do clima organizacional, aniversários do mês até o compartilhamento de como outros setores desenvolvem seu trabalho - com temas estratégicos da empresa como “As características da prestação de serviços”, “Um novo ciclo do Planejamento Estratégico”, sempre associando os conteúdos técnico-científicos com suas atividades e processos, numa linguagem acessível a todos. Assim, essa

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ferramenta de comunicação parece constituir-se, não apenas numa fonte de crescimento pessoal e profissional, mas baseia-se nas próprias aspirações humanas.

Hoje a Gama opera 141 linhas, que ligam a cidade aos municípios do seu entorno, percorrendo 1,2 milhão de quilômetros mensalmente, distribuídos em 42 mil viagens.

A unidade alvo da pesquisa foi o estacionamento metropolitano que reúne em torno de 500 motoristas e cobradores. Quanto ao perfil dos trabalhadores, observamos, no quesito grau de escolaridade, que 96%

possuem, no máximo, o 2º grau; apenas dois estão estudando e 82% possuem entre 30 e 49 anos.

A comunicação não verbal na empresa Gama

Lembramos que este artigo tem origem num estudo que buscou conhecer os fatores estimuladores e inibidores da satisfação com a comunicação para o qual foram utilizados, como instrumentos de coleta, a entrevista estruturada, conversas informais e a observação direta. As considerações sobre esse estudo evidenciaram as limitações dos canais de comunicação verbal e escrita quando se trata de interpretar aspectos subjacentes que influenciam os processos comunicativos, o que fez crescer nosso interesse pelo tema.

Para a análise, selecionamos as manifestações identificadas nas falas de vinte trabalhadores da operação e dois supervisores, cujas entrevistas aconteceram num ônibus-escola utilizado para fins de treinamento na empresa e nas ações sociais oferecidas à comunidade.

Assim, estando o campo de observação localizado na área do estacionamento dos veículos e para facilitar a compreensão das mensagens colhidas, cumpre iniciar a análise pela organização do espaço de trabalho que se insere no tipo de comunicação não verbal proxémica (Kreps, 1995).

Grande parte do trabalho se realiza a céu aberto, ou seja, os registros de entrada de cada veículo, dos dados de produtividade daquele percurso, a inspeção das condições e a limpeza do veículo são realizados oferecendo total visibilidade. O princípio da visibilidade nos espaços está ligado à necessidade inerente à organização do trabalho, orienta Hall (1976). Por conseguinte, a organização espacial da comunicação circunscreve-se nesse entorno. Assim, as modalidades comunicacionais que envolvem as tarefas, concentram-se grandemente numa comunicação informal, dada a característica da organização do espaço de trabalho.

A única comunicação administrativa escrita que se visualizou foi um aviso junto ao guichê do supervisor orientando que toda solicitação deve ser realizada obedecendo-se a fila, inclusive, “para retirada de vassouras” dizia o cartaz.

As modalidades comunicacionais – reuniões e palestras – foram notadamente valorizadas como fontes de informação para o trabalho. A eficácia dessas ações comunicativas pode ser observada pelo entusiasmo com que os trabalhadores acolheram o convite para participar dessa pesquisa. Num momento coletivo que antecedeu as entrevistas, ficou evidente a ecologia de pequenos grupos que dava-se num arranjo onde as pessoas praticamente debruçavam-se sobre as cadeiras para “estar juntas”, sem se importar com o desconforto. Os movimentos faciais pareciam comunicar sozinhos o grau de agradabilidade daquele

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momento, confirmando a importância que os trabalhadores dão às reuniões, onde são chamados a participar noutra instância de trabalho.

A boa aparência pessoal (artifactis) observada - gel no cabelo, barba bem aparada - além de servir como instrumental ao cumprimento de suas tarefas, parece traduzir o prestígio que o trabalhador sente em disponibilizar ao cliente um serviço com excelência na qualidade.

A avaliação do trabalho individual, dimensão que revelou-se favorecedora da satisfação com a comunicação, aportou inúmeras oportunidades de expressão não verbal. Acompanhavam as mensagens verbais “amizade”

e “apoio de alguns monitores”, expressões faciais alegres e comportamentos oculares atentos, utilizados para comunicar mais eficazmente pensamentos positivos. Por outro lado, nos aspectos que inibem a satisfação, percebeu-se na fala de dois trabalhadores “muita exigência” e “a avaliação teria que ser feita sobre assiduidade e profissionalismo”, expressões faciais ilustrando e realçando um estado emocional de desprezo e descontentamento.

Outra importante oportunidade de comunicação não verbal pode ser explorada acompanhando o relato de dois trabalhadores entre 30 e 49 anos “potencial todos temos, mas não pode desenvolver, risco de má interpretação”. Aqui ficou evidente a preocupação com a retórica, mas, subjacentemente, revelou-se um estado emocional de rejeição. Outro trabalhador lamenta: “ser, por parte da chefia, dono, gerente, não reconhecidos, somente as chamadas “panelinhas”, observando uma sugestão de favorecimento com alguns colegas. Tendo sido este discurso acompanhado por sinais vocais alterados em ritmo, volume e expressão da voz, a mensagem pode ser explicada pelo canal da paralingüistica em que o emissor complementa e adiciona nuances para enfatizar um sentimento, neste caso, sentindo-se injustiçado.

Também a paralingüistica contribuiu para interpretar uma manifestação isolada de um trabalhador que, sussurrando - preparando o receptor para a confidencialidade - diz “tentativa de melhoria, mas não procede honestamente, transparência “tapando o sol com a peneira””. O timbre e a altura da voz, juntamente com o movimento dos olhos e pálpebras, comunicam algo como aversão e desesperança. O feedback positivo agiria como mecanismo amplificador nas situações acima.

Um espaço dialógico importante e que ofereceu ricos subsídios de comunicação não verbal foi a comunicação entre trabalhadores e supervisores e vice-versa. Por um lado, a orientação da alta gerencia aos supervisores para que “se dê toda atenção, nem que passe do horário, nem que seja só 3-4 minutos e que só ouça. Às vezes, vêm de uma noite mal dormida ou com fome” engendra um alto esforço em merecer o crédito que lhes é dado, desdobrando-se entre o compromisso com os resultados e a manutenção da motivação do grupo. A Cronémica - o efeito do tempo sobre a comunicação - possibilita inferir que a qualidade do tempo dispensado aos trabalhadores é reveladora da importância que possuem.

O canal movimentos do corpo (kinesic) também contribuiu para identificarmos uma mensagem de auto- confiança que a postura, a roupa, o olhar constante e a convicção na voz do supervisor comunicam.

Novamente, a kinesic explicou a importância dos movimentos do corpo dos trabalhadores e como estes são tão bem interpretados pelo supervisor: “São 500 funcionários, contato com todos, eles ficam caminhando

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para lá e para cá em frente ao guichê e eu já entendo que é um sinal que eles querem conversar, desabafar”.

Em se tratando de pesquisa que envolve fatores de relacionamento, muito mais que o instrumento semi- estruturado, foram a observação direta e as conversas não estruturadas que ofereceram a maior riqueza de dados para a análise. Todo o momento em que os trabalhadores estiveram em contato com a pesquisadora, quer individualmente, quer em grupo, formas humanizadores foram expressas praticamente em todas as possibilidades de comunicação não verbal. Largos sorrisos, olhares atentos, dimensões vocais confortáveis, o uso espontâneo do toque, braço sobre o ombro, apertos de mão prolongados e abraços com repetidas palmadas nas costas, todos ensejando sinais de afeto.

Cumpre, também, mencionar que privamos de um dos momentos de intervalo dos trabalhadores. Enquanto alguns faziam seu fechamento de vales-transportes, outros passavam o tempo com jogos de mesa, ouvindo rádio ou assistindo à televisão. Ainda que o ambiente estivesse ligeiramente silencioso, o clima mostrava-se agradável e as expressões faciais ensejavam que as pessoas sentem-se muito bem ali. “A relação com clientes é desgastante, fazem reclamações, são dez voltas por dia, por volta de 1000 passageiros, é um carro que se atravessa, outro que corta a frente, um passageiro que cai com a freada e também acontecem acidentes” diz um supervisor.

A organização desse espaço parece comunicar o cuidado que a companhia tem com os aspectos da dimensão humana da sua força de trabalho, procurando oferecer um ambiente para restabelecer as condições físicas e psicológicas para cada turno de trabalho.

Considerações finais

Neste estudo confirma-se que a comunicação verbal e a não verbal “devem ser tratadas como uma unidade total e inseparável”, conforme alerta Knapp (apud Kreps, 1995, p. 53). A comunicação verbal viabiliza a coordenação das tarefas, mas a comunicação não verbal oferece o apoio emocional e social, evidenciando que os resultados organizacionais são altamente afetados pelas necessidades e motivos humanos de seus membros.

Dessa forma, renova-se a importância dos instrumentos qualitativos quando se trata de investigar aspectos subjetivos dos indivíduos, devido à propriedade com que esses penetram na complexidade dos fenômenos.

A observação direta revelou-se, mais uma vez, extremamente valiosa para capturar mensagens subjacentes.

Se nos bastasse uma análise reducionista da comunicação não verbal na unidade analisada e considerando que os limites do estudo não contemplavam a avaliação do sistema, diríamos que ela reflete o funcionamento da comunicação interna. No entanto, foi possível perceber que ela age como grande facilitadora nos processos comunicativos, conquanto a organização propicia um ambiente de trabalho saudável, em que há espaço para a socialização e a manifestação das emoções.

O arranjo dos espaços na empresa Gama indica que sua concepção não é apenas uma maneira de organizar o trabalho, mas também uma forma de criar uma estrutura pela inscrição de valores organizacionais. Na ecologia de pequenos grupos, confirma-se a afirmativa de Kreps (1995) de que os indivíduos não

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necessitam de muito espaço pessoal nas situações em que estão com pessoas com as quais se sentem cômodas.

Os fenômenos observados, tanto na sala de descanso, quanto no ônibus-escola, associam-se ao conceito do toque (Tactilics) e parecem decorrer da visão coletiva, haja vista que foram verificados em praticamente todas as oportunidades de contato interpessoal. Comunicador e receptor são pessoas que vinculam seu trabalho a seus pares, seus superiores imediatos e partilham com eles seus valores, seus problemas e suas experiências.

Assim, a forma como o supervisor organiza seu trabalho, dedicando tempo (Cronémica) para observar e interagir com os trabalhadores quando estes sinalizam através de movimentos do corpo (kinesics) esta necessidade, permite inferir que a comunicação não verbal cumpre uma variedade de funções nessa organização: constitui-se em ingrediente para qualificar o relacionamento, minimizar as tensões e reduzir a complexidade da dinâmica organizacional, possibilitando que seus membros desenvolvam uma espécie de apoio mútuo.

Por conseguinte, parece que a livre expressão das emoções e dos sentimentos é, em parte, responsável pelo bom desempenho desse subsistema organizacional.

Espera-se com este estudo ter contribuído para despertar maior atenção para a comunicação não verbal nas organizações. Ao desenvolver a sensibilidade para interpretar, associadamente, as mensagens verbais e não verbais, a área da comunicação organizacional amplia suas funções nos mais variados contextos das instituições.

Torna-se imperativo, contudo, um olhar mais profundo na complexidade do ser humano e nas diferenças culturais entre os contextos para que se possa compreender melhor as motivações e as mensagens envolvidas na comunicação não verbal. Assim, as questões que emergiram nesta pesquisa ensejam novas investigações que busquem a contribuição de disciplinas como a antropologia, a sociologia e a psicologia.

Referências

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Referências

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A menos que você faça isso, a verdadeira razão pela qual você não pode acreditar em Cristo é porque você acredita em si mesmo, e essa é uma razão muito triste para a