• Nenhum resultado encontrado

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUCSP

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2018

Share "PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUCSP"

Copied!
187
0
0

Texto

(1)

PUC/SP

Juliana Francisca Lettière

Uniões Homoafetivas:

A Redefinição do Conceito de Família no Direito Brasileiro

MESTRADO EM DIREITO

SÃO PAULO

(2)

Juliana Francisca Lettière

Uniões Homoafetivas:

A Redefinição do Conceito de Família no Direito Brasileiro

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Direito, sob a orientação da Professora Dra. Flávia Cristina Piovesan.

SÃO PAULO

(3)

________________________________________

________________________________________

(4)

À Flavia Cristina Piovesan, minha orientadora, que tornou possível a realização deste trabalho. Foi muito mais que uma satisfação tê-la como orientadora, na verdade foi um privilégio poder discutir minhas dúvidas com um exemplo de professora, pesquisadora e humanista. É encantador a forma como ela consegue trabalhar com temas tão polêmicos e árduos de forma tão cativante.

Lembro-me como se fosse hoje o primeiro dia de aula do 2º ano do curso de Direito, nos idos de 1993, quando a Profa. Leda Pereira e Mota entrou em sala de aula acompanhada de seus assistentes; sua apresentação, sua postura como professora. Aliás, ao andar pelos corredores da PUC/SP é difícil não se lembrar de algum fato, alguma aula, algum debate sobre algum tema polêmico. Tenho muita saudade daqueles dias, da convivência com amiga tão humana, generosa, simples, solidária, e ao mesmo tempo genial. Lembrar da grande amiga que tantas lições me ensinou, em especial as de vida. Graças a ela encontrei minha paixão pela sala de aula e pela profissão. E não posso deixar de agradecer – mesmo que em prece – até por este momento, pois, se não fosse por ela, não estaria aqui agradecendo no início da minha dissertação de mestrado.

Boa parte da realização deste trabalho eu também devo ao Roberto B. Dias da Silva. Conheci o Roberto quando conheci a Leda. Ele era um dos assistentes da “velha guarda” e, da mesma forma que naquela época, nos ensinou o que fazer em sala de aula, nos seminários; várias vezes me ajudou no começo da profissão, me orientando em várias situações como advogada e como professora. E, como sempre, me orientando, leu meu trabalho e me deu conselhos valiosíssimos na Banca de Qualificação. Aliás, ele nem deve se lembrar, mas foi graças a ele que convidei a Flávia como orientadora.

(5)

crédito do mestrado em que ela era assistente, e foi graças a ela que me interessei pelo tema que deu origem a esta dissertação.

Ao Prof. Carlos Eduardo de Abreu Boucault, pois somente ele poderia ter me ajudado com os termos gregos e o material sobre integração de normas.

À Andrea Cristina de Jesus Oliveira Gozetto, Cíntia Regina Béo e Sandra Regina Olivan Bayer, amigas que conheci quando lecionei na Uninove e que até hoje muito me ajudaram e ajudam, em especial com material para elaboração desta redação.

Foi pela Leda, que conheci o Darlan Barroso, amigo com quem tive o prazer de trabalhar, escrever e que sempre me incentivou e ajudou como advogada, como professora e na realização do meu mestrado – compartilhando angústias que só alunos de mestrado entenderiam.

Às queridas Zoraide Mesquita Lettière, minha mãe e à Luciana, minha irmã, pelo carinho e apoio constantes na realização dos meus sonhos.

(6)

Esta pesquisa tem por objeto verificar a constitucionalidade e a legalidade das uniões estáveis entre pessoas do mesmo sexo, bem como verificar quais reflexos jurídicos desta decorrentes.

Não abordaremos o histórico da formação da família, vez que a ideia é focar no ordenamento jurídico vigente pós 1988 e o redesenho que houve no conceito de família, especialmente no tocante à entidade familiar decorrente da união estável.

Assim, necessário que se analise o Direito Internacional e o Direito Comparado, com maior atenção ao posicionamento da ONU e dos blocos mundiais.

Passaremos à análise da União homoafetiva perante a Constituição Brasileira e se esta se encontra em harmonia com os princípios vigentes.

Após, será analisado o Código Civil e a exigência positivada do par andrógino.

Posteriormente, será verificado se houve recepção pelo ordenamento da Lei Maria da Penha e quais seus reflexos junto ao Código Civil.

É dentro deste contexto que se analisará a adoção por casais homossexuais.

O trabalho terá por objeto, ainda, a análise do posicionamento dos Tribunais nacionais e os projetos legislativos federais existentes.

Por fim, o trabalho tem o fito de estabelecer se a Carta Maior estabeleceu um novo olhar e conceito da família, e se tal situação esposou a regulamentação de uniões homoeróticas.

(7)

This study aims at veryfying the constitutionality and legality of stable same-sex unions, as well as checking the juridical reflexes decurrent from such a study.

The history of family constitution will not be tackled, as the idea is focusing on the legal system which was in force after 1988, as well as analysing the redesign of the family concept, mainly with respect to the familiar entity originated from the stable union.

Therefore, it is necessary to analyse the International and the Comparative Laws, with due regards to the ONU’s and the world blocs’ position.

We shall analyse the Homoaffective Union before the Brazilian Constitution and check if it is in concordance with the principles in force.

Afterwards, it will be analysed the Civil Code and the demand originated by the androgynous couple.

Later, it will be found out whether there was a reception by the law Maria da Penha, and which were its repercussions next to the Civil Code.

It is within this context, that adoptions made by homosexual couples will be analysed.

This work will also focus on analysing the position of national Tribunals and the existing federal legislative projects.

Last, this work intends to establish if the Brazilian Constitution developed a new concept of the family and also a new way to look at it. It also concerns this study to investigate if the above mentioned situation agreed with the regulamentation of homoerotic unions, that is, if it is possible to affirm that there was, with the Homoafective Unions, a redefinition of the family concept in the Brazilian Law.

(8)

INTRODUÇÃO ...9

1. UNIÃO HOMOAFETIVA ... 12

1.1. Conceituação de Homoafetivo, Homossexualismo e Homossexualidade ... 13

1.2. Natureza jurídica – divergência existente ... 15

1.3. Conceito de família no ordenamento nacional ... 17

1.4. Homoafetividade e família... 28

2. UNIÕES HOMOAFETIVAS E O DIREITO INTERNACIONAL E COMPARADO ... 31

2.1. O Ordenamento jurídico internacional e a situação das uniões de pessoas do mesmo sexo ... 31

2.2. Os casais legalmente reconhecidos no exterior (países que regulamentam as uniões) e sua situação no Brasil ... 33

2.3. Posicionamento perante a ONU... 37

2.3.1. A inexistência de tratados ... 37

2.3.2. O posicionamento dos blocos mundiais ... 40

2.3.2.1. Bloco Europeu ... 41

2.3.2.2. Bloco Americano ... 46

2.3.2.3. África ... 48

2.3.2.4. Bloco Árabe ... 49

2.3.2.5. Bloco Asiático ... 49

2.3.2.6. Oceania ... 50

3. UNIÃO HOMOAFETIVA E CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA ... 51

3.1. A visão constitucional ... 51

3.2. Da laicidade constitucional ... 53

3.3. Direitos e garantias Individuais ... 63

3.4. Dignidade humana e os princípios dela decorrentes ... 65

3.5. Conflitos existentes ... 81

3.5.1. O artigo 226 da Constituição ... 83

(9)

4.2. Sociedade de fato ... 106

4.3. Sociedade de Fato ou União Estável ... 108

4.3.1. União entre pessoas do mesmo sexo e o conceito de entidade familiar ... 109

4.4. União homoafetiva e união estável ... 109

4.4.1. O conceito de família revisitado ... 113

4.5. Regime de bens ... 115

4.6. Adoção ... 116

4.7. Posição dos Tribunais ... 124

4.8. Os Projetos de Lei Existentes ... 146

CONCLUSÕES ... 154

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 156

ANEXOS I. PROJETOS DE LEI (na íntegra) ... 169

II. LEGISLAÇÃO PORTUGUESA (Lei nº 6/2001) ... 184

(10)

INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é enfocar a redefinição do conceito de família no direito brasileiro, ante a abertura e inovações trazidas pela Constituição de 1988 e que se concretizaram positivadamente com o advento do novo piso trazido pela lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha).

Inicialmente será delineado o tratamento conferido à família no direito internacional e, posteriormente, no direito nacional, com especial enfoque na questão constitucional e na previsão civilista, posto que pela interpretação do sistema se nota que este já albergava a união entre pessoas do mesmo sexo, desde agosto de 1988.

Com base neste contexto, resta claro que não há qualquer vício de constitucionalidade na lei 11.340/2006 e que se trata de legislação ordinária posterior que alterou o Código Civil, sem afrontar a Constituição vigente. Será ainda apreciada a jurisprudência produzida pelos sistemas regionais de proteção dos direitos humanos, além dos projetos de lei e emendas existentes.

Este estudo pretende examinar as relações homoafetivas no Direito brasileiro, analisando a forma pela qual o Direito Pátrio enfrenta a problemática.

A conclusão apontará os fundamentos da Redefinição do Conceito de Família no Direito Brasileiro e não necessidade de novas leis para tratar e positivar o assunto no âmbito nacional.

Assim, analisar-se-á juridicamente a família e as entidades familiares.

A Família. Conceito que sempre foi ligado ao casamento, relações sexuais e reprodução1. O casamento legalizava e permitia as relações sexuais. Relações

sexuais que eram a única forma de garantir a reprodução e consequentemente herdeiros legítimos ao patrimônio do pai. Hoje há relações sexuais sem a

1A função básica do casamento estava ligada à ideia religiosa da procriação e só se admitia

(11)

necessidade de casamento. Há reprodução sem necessidade de relações sexuais2. A família mudou e mudou de forma galopante3.

Com a interação do Direito Civil, mais especificamente o Direito de Família com o Direito Constitucional, houve uma modernização e adequação à realidade pela seara cível. Ora, o art. 226 da Constituição igualou homem e mulher, o homem deixa de ser o ‘chefe da família’, acabou com a diferença entre filhos, positivou o afeto4 como valor jurídico, valorizou o indivíduo e concedeu um

conceito pluralista à família.

Posteriormente ao advento do Código Civil de 2002 (lei ordinária nº 10.406/2002), foi sancionada a Lei nº 11.340/2006 (também lei ordinária), conhecida como “Lei Maria da Penha”, que trouxe em seu bojo um novo conceito de família. Houve a positivação da previsão da família homoafetiva.

E é neste contexto que surge a discussão sobre a validade, legalidade e constitucionalidade da família que se origina de casal de mesmo sexo, das uniões estáveis homoafetivas.

O grande desafio é investigar e analisar se há ou não guarida no marco Constitucional de 1988 às relações homoafetivas e se a lei Maria da Penha realmente inovou, vez que foi recepcionada pela ordem constitucional, ou – se na

2A possibilidade de reprodução sem o ato sexual reforça a possibilidade de relações homoafetivas.

“Puede ser útil, para concluir, hacer una observación: la reivindicación del matrimonio entre personas del mismo sexo no puede ser entendida sólo en el contexto de la liberalización de las costumbres y del pluralismo de los modos de vida. Seguramente hay algo más. Algunas sociedades del pasado fueron muy tolerantes con la homosexualidad y, sin embargo, nunca se plantearon admitir el matrimonio entre personas del mismo sexo. Por ello, lo que hace que el matrimonio entre personas del mismo sexo sea pensable hoy no es una consideración moral. Es una consideración antropológica: en los últimos decenios a perpetuación de la especie ha dejado de depender exclusivamente del acto sexual entre hombre y mujer. Una vez que la reproducción humana es posible por otras vías, no es de extrañar - cualquiera que sea la valoración moral que a cada uno le merezca - que la ancestral exigencia de diversidad de sexos entre los cónyuges se tambalee.” In DIEZ-PICAZO, Luis María. En torno al matrimonio entre personas del mismo sexo.

InDret: revista para el analisis del derecho, Barcelona, v. 2, p. 12, 2007. Disponível em: <www.Indret.com>.

3“El feminismo, la reforma sexual, la expansión de los métodos anticonceptivos y las nuevas

técnicas de reproducción asistida, han roto el vínculo entre sexualidad y procreación, abriendo el camino para superar el modelo cultural que sitúa el coito heterosexual en el centro de la sexualidad, de la reproducción, el matrimonio y el parentesco (Strathern, 1992). PICHARDO GALÁN, José Ignacio. La sexualidad pasa entonces no sólo a ser un derecho concerniente a la salud y a la realización personal, sino que se abre al placer y a la diversidad. In: Antropología y matrimônio homosexual.

4“O afeto é a complementação da realização de um indivíduo que busca a sua felicidade através

(12)
(13)

1. UNIÃO HOMOAFETIVA

O ser humano é um ser gregário e social e ao conviver em sociedade ocorrem as afinidades, as amizades, os amores, as atrações puramente sexuais e a paixão. Destes múltiplos relacionamentos podem se originar relações duradouras. Relações estas que ocorrem entre pessoas de sexo diferente e entre pessoas do mesmo sexo5 6.

A atração, a paixão ou o amor entre pessoas do mesmo sexo atualmente têm sido tratados na doutrina, na jurisprudência e por alguns meios de comunicação por homoafetividade, homoerotismo, homossexualismo ou homossexualidade. Termos distintos que merecem ser conceituados. É certo que os fatos sociais antecedem os fatos jurídicos. E somente muito depois que a legislação acolherá e disciplinará tais fatos.

Destarte, é fato social que pessoas do mesmo sexo se unem em convivência estável, com objetivos de vida em comum e, principalmente, na qual há afetividade entre os parceiros. Ocorre que essas uniões, além de se formarem, em alguns momentos se desfazem, seja por causas naturais (morte de um dos parceiros), seja pelo fato de simplesmente ter chegado ao fim, da mesma forma como acontece, acontecia e acontecerá nas relações heterossexuais. E a pergunta que fica é: durante o período em que houve a relação estável houve

5 As relações homoafetivas são uma realidade que sempre existiu. Platão (427 AC a 347 AC), na

Grécia antiga, já tratava do assunto em sua obra “O Banquete”, no capítulo “Assim surgiu o amor”:

“Cada qual de nós, portanto, é uma meia-senha humana, um ser fendido, como solhas, um feito em dois, cada um sempre à procura da meia-senha correspondente. Todos os varões, portanto, que são segmento do que é comum a dois, são chamados de andróginos, são mulherengos e a maioria dos adúlteros deriva daquele sexo, e todas as mulheres caídas por homens e adúlteras procedem daquele sexo. No entanto, todas as mulheres que são segmentos da fêmea não dão a mínima atenção aos varões; ao contrário, são mais voltadas para as mulheres, e é daquele sexo que as lésbicas procedem. Finalmente, todos quantos são segmentos de machos procuram o macho, e, enquanto estão na infância, partes que são de macho, gostam de homens, dedicam-se a dedicam-se deitar e a dedicam-se enlaçar com homens. São eles os meninos e rapazes mais perfeitos, por serem, de natureza, os mais viris; há quem os classifique de desavergonhados, mas isto é falso; não fazem isso por sem-vergonhice, mas por ímpeto, coragem, virilidade, pela atração do que lhes é semelhante.” In COSTA, Flávio Moreira (Org.). As 100 Melhores histórias eróticas da literatura universal. 4. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004. p. 17-19.

6Aliás, a própria Bíblia aponta a questão do homossexualismo em vários trechos. Deve-se dar

especial atenção para a menção feita da Caldéia - mais Antigo berço da civilização – e o fato de que a “lei mosaica punia com severidade, e o fogo do céu destruiu Sodoma, cujos habitantes tentaram violentar os dois anjos hospedados na casa de Loth.” In FRANÇA, Genival Veloso.

(14)

direitos e deveres entre as partes? A legislação abarca estas situações? Como fica a situação após o fim da relação: se por falecimento, haverá direito sucessório? Se o fim se deu por outro motivo, há direitos decorrentes da relação?

Este é o ponto de partida para se trilhar uma análise mais aprofundada sobre a matéria.

1.1. Conceituação de homoafetivo, homossexualismo e homossexualidade

Para falar de união homoafetiva7, necessário que se conceitue

homossexualismo, homossexualidade e se chegue ao termo atual: homoafetividade.

Segundo a lição de Irene Rodrigues e Cintia Regina Béo8, o termo homossexual se origina de homo (igual) e sexus (sexo), portanto, reflete a atração que certas pessoas têm por outras de igual sexo. Assim, num primeiro momento se adota o termo homossexualismo, cujo sufixo “-ismo” significa doença. O que se explica por um fato muito simples: muitos países na atualidade e a própria Igreja Católica (em seu “Lexicon”) consideram a atração de pessoas de um sexo por outras do mesmo sexo como doença. Contudo, o homossexualismo não figura mais como doença na Classificação Internacional de Doenças (CID 302) desde 19859.

7“O médico austro-húngaro Karoly Maria Benkert, cria o termo homossexual, que passa a ser

usado amplamente, passando o homossexualismo a ser tratado como categoria científica, uma "anomalia" a ser estudada também pela psicologia” In POSIÇÕES contrárias e favoráveis a homoafetividade. Disponível em: <www.jusnavegandi.com.br>. Acesso em: jun. 2005.

8RODRIGUES, Irene; BÉO, Cintia Regina. União homoafetiva: aspectos civis e constitucionais.

Revista da Faculdade de Direito da USP, São Paulo, v. 99, p. 664, 2004.

9“Hasta mediados del siglo XX, esta condición sexual había sido tratada por expertos en

(15)

Porém, a exclusão do homossexualismo como doença se deu em outras esferas e em momentos diferentes, por exemplo: nos Estados Unidos, o Conselho de Psiquiatria deixou de compreender a homossexualidade como doença psiquiátrica em 1973; no Brasil, somente em 1999, a Resolução nº 110 deixou de considerar a homossexualidade como desordem psíquica.

Em razão desta situação, foi que o termo homossexualidade ganhou força, posto que o sufixo “-dade” tem o sentido de ser e agir. Então, a homossexualidade passa a ser vista como um comportamento, uma opção.11

Contudo, as mudanças não pararam aqui, e hoje se adota como termo mais apropriado a homoafetividade12, que significa o afeto (em sentido amplo) por pessoas do mesmo sexo.

10Resolução nº 1/99 do Conselho Federal de Psicologia, de 22 de março de 1999

Estabelece normas de atuação para os psicólogos em relação à questão da Orientação Sexual.

O CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, no uso de suas atribuições legais e regimentais, CONSIDERANDO que o psicólogo é um profissional da saúde;

CONSIDERANDO que na prática profissional, independentemente da área em que esteja atuando, o psicólogo é frequentemente interpelado por questões ligadas à sexualidade;

CONSIDERANDO que a forma como cada um vive sua sexualidade faz parte da identidade do sujeito, a qual deve ser compreendida na sua totalidade;

CONSIDERANDO que a homossexualidade não constitui doença, nem distúrbio e nem perversão;

CONSIDERANDO que há, na sociedade, uma inquietação em torno de práticas sexuais desviantes da norma estabelecida sócio-culturalmente;

CONSIDERANDO que a Psicologia pode e deve contribuir com seu conhecimento para o esclarecimento sobre as questões da sexualidade, permitindo a superação de preconceitos e discriminações.

RESOLVE:

Art. 1º – Os psicólogos atuarão segundo os princípios éticos da profissão notadamente aqueles que disciplinam a não discriminação e a promoção e bem-estar das pessoas e da humanidade. Art. 2º – Os psicólogos deverão contribuir, com seu conhecimento, para uma reflexão sobre o preconceito e o desaparecimento de discriminações e estigmatizações contra aqueles que apresentam comportamentos ou práticas homoeróticas.

Art. 3º – Os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas, nem adotarão ação coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados.

Parágrafo único - Os psicólogos não colaborarão com eventos e serviços que proponham tratamento e cura das homossexualidades.

Art. 4º – Os psicólogos não se pronunciarão, nem participarão de pronunciamentos públicos, nos meios de comunicação de massa, de modo a reforçar os preconceitos sociais existentes em relação aos homossexuais como portadores de qualquer desordem psíquica.

Art. 5º – Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação. Art. 6º – Revogam-se todas as disposições em contrário.

Brasília, 23 de março de 1999.

Ana Mercês Bahia Bock, Conselheira Presidente

11RODRIGUES, Irene; BÉO, Cintia Regina. op. cit., p. 664.

12Segundo Maria Berenice Dias, o neologismo homoafetividade foi por ela cunhado na primeira

(16)

Isto decorre de uma questão muito simples – o afeto passou a ser visto como um valor jurídico que une as famílias. Abandonou-se a visão da família enquanto mero núcleo econômico e patrimonial e foi reconhecido o afeto como o grande motivador das uniões.

Assim, ao se falar em união de pessoas do mesmo sexo, passou-se a adotar o termo união homoafetiva.

Há, por fim, a proposta do termo homoerótico13 para se referir a tais casos.

1.2. Natureza jurídica – divergência existente

Os relacionamentos duradouros ou uniões entre pessoas do mesmo sexo são uma realidade, porém a dúvida que surge é uma: qual sua natureza? Será família? Ou não?

Conceituar não é fácil e pode-se dizer que há três correntes: uma que vê esta união como manifestação de família (enquanto o que se poderia denominar “união estável homoafetiva”), outra – no extremo oposto – que não a considera família e desta não há qualquer consequência jurídica e uma postura ‘central’ que apesar de não reconhecer esta união como família, considera os efeitos jurídicos desta decorrentes, tais como efeitos previdenciários, e a vê como uma ‘sociedade de fato’ (ou seja, uma sociedade praticamente e/ou assemelhada à comercial) que gera efeitos econômicos e patrimoniais.

A postura ‘central’ citada teve como caso emblemático a ação promovida no Rio de Janeiro (em maio de 198814) pelo companheiro sobrevivo (o fotógrafo

13Termo este proposto pelo desembargador gaúcho Teixeira Giorgis:

“Propõe o autor, então, o termo homoerotismo para aludir ao que hoje se chama homossexualidade, procurando evitar que o homem moderno, preso aos hábitos, desse tal sentido a quaisquer práticas eróticas entre indivíduos do mesmo sexo biológico, já que trocando o vocabulário também se mudam as perguntas, encontrando-se respostas que não podem ser achadas quando se utiliza a terminologia hetero ou homossexual.” GIORGIS, José Carlos Teixeira. A natureza jurídica da relação homoerótica. In: PEREIRA, Rodrigo da Cunha (Coord.).

Família e cidadania, o novo CCB e a vacatio Legis. Congresso Brasileiro de Direito de Família, 3.

Anais... Belo Horizonte: IBDFAM; Del Rey, 2002.

(17)

Marco Rodrigues) em face do espólio de Jorge Eduardo Guinle Filho15, o artista

plástico Jorginho, que faleceu, em 1987, em decorrência da AIDS16.

Esta é a corrente predominante (de forma quase absoluta) nos tribunais pátrios e considera a união de pessoas do mesmo sexo como uma união de fato, com fundamento no art. 981 do Código Civil17 e aplica a súmula 38018 do STF;

assim, estar-se-ia diante de uma relação meramente obrigacional.

Já a corrente minoritária e defendida pelo IBDFAM (Instituto Brasileiro de Direito de Família) entende a união de pessoas do mesmo sexo como família.

Na esteira deste entendimento, ao somar vários fundamentos jurídicos que se seguirão, em decorrência do ordenamento constitucional, por entender que o afeto é um valor jurídico e, principalmente, pela alteração gerada com o advento da denominada “Lei Maria da Penha”, entendo que a união de pessoas do mesmo sexo se configura em família, assim deve ser entendida e a ela devem ser

15A decisão no caso do artista plástico Jorge Guinle Filho foi proferida pelo TJRJ, pela 5ª Câmara

Cível, Apelação Cível nº 731/89, julgada em 08/08/1989 – Ementa: Em grau de apelação, no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em 8 de agosto de 1989, unanimemente, por sua 5ª Câmara Cível, sendo Relator o Desembargador Narcizo A. Teixeira Pinto, decidiu-se esse caso, como demonstra a ementa oficial:

"Ação objetivando o reconhecimento de sociedade de fato e divisão dos bens em partes iguais. Comprovada a conjugação de esforços para formação do patrimônio que se quer partilhar, reconhece-se a existência de uma sociedade de fato e determina-se a partilha. Isto, porém, não implica, necessariamente, em atribuir ao postulante 50% dos bens que se encontram em nome do réu. A divisão há de ser proporcional à contribuição de cada um. Assim, se os fatos e circunstâncias da causa evidenciam uma participação societária menor de um dos ex-sócios, deve ser atribuído a ele um percentual condizente com a sua contribuição.” No voto do Relator Des. Narcizo Pinto ressalva-se: "Deve-se observar, desde logo, que nenhuma importância tem, para apreciação do pedido, natureza das relações que ligaram o autor à pessoa de Jorge Guinle, não cabendo aqui qualquer discussão sobre se, entre eles, existiu este ou aquele tipo de relacionamento, apresentando-se pois inteiramente despropositadas as considerações feitas pelo réu, ora apelante, a respeito de possíveis ligações amorosas ou sexuais entre o autor e o finado Jorge".

No que se refere à partilha, a decisão conclui: "por maior que tenha sido a contribuição do apelado à obra do pintor, não se pode conceber que tenha sido equivalente à que deu o próprio criador dos quadros. E, não tendo sido iguais as cotas de contribuição, não podem ser iguais, como pretende o recorrido, os quinhões na partilha. A participação na divisão deve ser proporcional à contribuição para criação ou aquisição dos bens".

Daí a redução do percentual estabelecido na sentença, de 50% para 25% do patrimônio adquirido pelo esforço comum.

16A primeira decisão da justiça brasileira que deferiu herança ao parceiro de mesmo sexo foi

proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: TJRS – AC nº 70001388982, 7ª Câmara Cível, relator Des. José Carlos Teixeira Giorgis, j. 14/3/2001.

17Art. 981. Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a

contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados.

Parágrafo único. A atividade pode restringir-se à realização de um ou mais negócios determinados.

18“comprovada a existência de sociedade de fato entre os concubinos, é cabível a sua dissolução

(18)

garantidos direitos e deveres inerentes às relações familiares. Não se pode equipará-la à família que se forma com o casamento, pois não há como atender aos seus requisitos formais, porém certo é que a família homoafetiva pode e deve ser equiparada àquela que se origina da união estável.

1.3. Conceito de família no ordenamento nacional

Na atual configuração do ordenamento nacional, a primeira norma a ser observada é a Constituição Federal, que trata nos artigos 226 a 230 do inteiro teor do Capítulo VII – “Da família, da criança, do adolescente e do idoso”, capítulo este dentro do Título VIII que trata da Ordem Social.

Em decorrência do disposto na Constituição Federal, o Código Civil (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002) aponta em seu Livro IV do Direito de Família, no qual se trata não só do casamento como da união estável.

Ainda sobre a União Estável, há duas leis ordinárias (federais) que tratam do assunto: Lei nº. 9.278, de 10 de maio de 1996 (que regula o §3º do art. 226 da CF) e Lei nº 8.971, de 29 de dezembro de 1994 (que regula o direito dos companheiros a alimentos e sucessões).

Em decorrência das previsões legais, tanto constitucionalistas como civilistas conceituaram família.

Os livros de Direito Constitucional – em sua maioria – limitam-se a entender família pelos olhos de uma interpretação meramente literal dos artigos constitucionais (226/230 CF), senão veja-se:

Para Celso Bastos, seria “o conjunto de pessoas unidas por laços de parentesco”19.

Já Luiz Alberto David Araújo reconhece que os fatos sociais devem influenciar a elaboração da Carta Maior, contudo, também se limita a uma definição literal:

(19)

“Inegavelmente, quando da promulgação da Constituição, o País vivia (e ainda vive) um momento social difícil, em que havia marginalização da criança, que era colocada de lado no processo de integração social. Tal preocupação fez com que o constituinte de 1988 destinasse longo capítulo à família, à criança, ao adolescente e ao idoso.

Mantendo uma tradição de nossas Constituições (com exceção da de 1891), assegurou os efeitos civis ao casamento religioso. Determinou que a união estável fosse reconhecida como entidade familiar, emitindo comando ao legislador infraconstitucional para que facilitasse a sua conversão em casamento. Revelou-se, ainda, mesmo diante do progresso constitucional, uma preocupação com a formalização da situação. A lei, portanto, deve sempre facilitar a conversão da união estável em casamento. Verifica-se, dessa forma, que o casamento continua a ser prestigiado pelo texto constitucional.

A entidade familiar pode ser formada apenas por um dos pais e seus descendentes. Portanto, ainda que inexista, por qualquer motivo, uma formalização da entidade familiar (marido e mulher), o texto constitucional preserva a situação do grupo, deferindo status de entidade familiar ao grupo familiar, independentemente da existência do casal. Basta, portanto, um dos membros e seus descendentes para que se admita a existência de uma entidade familiar e seja-lhe concedida proteção especial do estado, assegurada no art. 226 da Lei Maior.”20

Por sua vez, José Afonso da Silva reconhece a ampliação da positivação constitucional, mas se limita ao previsto no artigo 226/CF. Deixa claro que a família não se origina mais exclusivamente pelo casamento, podendo se originar de questão meramente fática, no caso da união estável – que deve ter sua conversão em casamento facilitada, bem como há ainda a família monoparental.21

E no mesmo sentido se manifesta Alexandre de Moraes, que novamente reproduz literalmente o art. 226/CF, ou seja, a previsão da família formada pelo casamento (civil e religioso), pela união estável e a monoparental. 22

20ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 9.

ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 496-497.

21“Não é mais só pelo casamento que se constitui a entidade familiar. Entende-se também como

tal a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes e, para efeito de proteção do Estado, também, a união estável entre homem e mulher, cumprindo à lei facilitar sua conversão em casamento (cf. Lei 9.278, de 10.5.96).” In SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 20. ed. São Paulo: Malheiros Ed., 2002. p. 822.

22“A Constituição Federal garantiu ampla proteção à família, definindo três espécies de entidades

familiares:

– a constituída pelo casamento civil ou religioso com efeitos civis (CF, art. 226, §§ 1° e 2°); – a constituída pela união estável entre o homem e a mulher devendo a lei facilitar sua conversão em casamento (CF, art. 226, § 3°);

(20)

Não se pode olvidar que no momento da promulgação da Constituição em agosto de 1988, a previsão positivada no artigo 226 já era um grande avanço, pois ocorria um alargamento do conceito que no passado se limitava à família formada pelo casamento (casamento que originariamente fora indissolúvel), como bem pontua o comentário à Constituição de 1988, elaborado pela Fundação Prefeito Faria Lima que, ao tratar do art. 226, leciona da seguinte forma:

“Os textos constitucionais anteriores a 1967 vinculavam o conceito de família ao da instituição lastreada no casamento indissolúvel, introduzido no plano constitucional em 1934, à semelhança do Direito Canônico. Já a Constituição de 1967 protegia a família como instituição, sem vinculá-la à indissolubilidade do casamento. O legislador constituinte de 1988 inova ao ampliar, no novo texto, o significado da organização da família, retirando a expressão ‘é constituída pelo casamento’ (art. 175 da Constituição Federal anterior)”.23

Tal trecho demonstra claramente os ventos inovadores que pairavam pelo ordenamento pátrio, fato este que se espraia cada vez mais nas novas legislações e jurisprudência, sem se esquecer da doutrina que há muito já clamava por inovações.

Apenas não se pode perder de vista o fato de que para todos os autores acima tanto a união estável como o casamento ocorrem entre pessoas de sexo diferente.

Paralelamente aos Autores Constitucionais, os Civilistas em sua maioria se limitavam a uma definição com base na leitura exclusiva do artigo 226/CF, da seguinte forma:

“Ao lado do casamento (legalizado), o constituinte reconheceu a união livre (não legalizada), e entre os dois extremos vaga, indefinida, a noção de ‘família monoparental’ ainda aguardando integral definição, estruturação e limites pela legislação infraconstitucional”.24

Como se nota, a grande maioria da doutrina se filia ao entendimento “clássico”, que adota o rol da Constituição Federal como taxativo, ou seja, se

23BREVES anotações à Constituição de 1988. São Paulo: CEPAM; Atlas, 1990. p. 488-489. 24GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: direito de família. 5. ed. São Paulo:

(21)

limita à interpretação literal do artigo constitucional que expressamente menciona “casamento”, “união estável” e a “entidade familiar formada por qualquer dos pais e seus descendentes”, denominada de monoparental. E ainda se fixam na expressão “o homem e a mulher”, ou seja, nas definições ‘clássicas’ há como pilar a diferença sexual dos parceiros.

Ja a alteração da Lei Maria da Penha (que reconhece o par de mesmo sexo) passou para muitos despercebida ou, talvez, houve uma opção por sua invisibilidade.

Assim, para melhor analisar a questão, interessante observar o artigo constitucional:

“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

§ 1º. O casamento é civil e gratuita a celebração.

§ 2º. O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei. § 3º. Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. (grifos não originais do texto da lei)

§ 4º. Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

...

O artigo constitucional, ao falar de ‘família’, a trata como base da sociedade e, portanto, lhe confere especial proteção do Estado. Continuando, o artigo aponta em seus parágrafos quais são as espécies de família: a formada pelo casamento (§§ 1º e 2º), a formada pela união estável (§3º) e a monoparental (§4º).

O casamento, para a Constituição, seria aquele previsto tradicionalmente na legislação civil e o casamento religioso, que para a maioria dos autores pressuporia a divergência de sexo entre os cônjuges.

(22)

Destarte – reforce-se – por uma interpretação literal, seria família apenas: (1) aquela formada pelo casamento, (2) a oriunda da união estável e a (3) família monoparental, que é a formada por qualquer dos pais com seus descendentes. Porém, alguns autores ampliaram e ampliam a referida conceituação, senão veja-se a veja-seguir.

Como a Constituição não faz diferença entre os filhos naturais ou adotados – pelo contrário, hoje se equiparam, nos termos do art. 227, §6º da CF – creio desnecessária a inclusão da classificação do termo “família adotiva” como sugerido por Maria Helena Diniz, em sua obra. 25

Ante as transformações sociais nas quais comportamentos antes proibidos e velados passaram a ser tolerados e compreendidos, juristas e magistrados, então, começaram a interpretar as normas referentes à família de forma extensiva, inclusive as normas constitucionais. Tal fato deu ensejo a um fenômeno onde se privilegia as pessoas e sua realização. Assim, há uma releitura do ordenamento nacional considerando não só a igualdade como a dignidade da pessoa humana e, então, amplia-se o conceito de família.

Portanto, a mais moderna doutrina, com fundamento no art. 1º da Constituição Federal, em especial no inciso III (dignidade da pessoa humana), leciona no seguinte sentido:

“A família, hoje, rege-se pelo chamado eudemonismo que vem da eudaimonia26 de Aristóteles e que significa a satisfação, o bem

viver de cada uma das pessoas que a integram. A família é o locus existente para o desenvolvimento e a busca da felicidade

25Justifico ainda o posicionamento acima, pois a própria autora esclarece que: “A família

monoparental ou unilinear desvincula-se da ideia de um casal relacionado com seus filhos, pois estes vivem apenas com um de seus genitores, em razão de viuvez, separação judicial, divórcio, adoção unilateral, não reconhecimento de sua filiação pelo outro genitor, ‘produção independente’, etc.” In DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2005. v. 5, p. 16.

26eudaimonia: felicidade. Ela não consiste, segundo Demócrito, nos bens externos (Diels, frags.

(23)

de cada um de seus componentes. É o espaço da inter-relação afetiva, de múltiplas interdependências entre seus membros.”27

E, continua:

“Em toda a casa em que houver pessoas, ligadas por laços de sangue ou não, unidas em busca da concretização das aspirações de cada uma delas e daquela comunidade como um todo, aí tem-se uma família”.28

Este mesmo conceito é compartilhado por Maria Berenice Dias, pois o que se pretende hoje na família não é mais um mero intuito econômico ou de aparência social, as pessoas se unem por um vínculo afetivo e ante a identidade de ideias e posicionamentos, com a pretensão de se realizarem mutuamente.29

Portanto, o rol constitucional não seria taxativo, pois se considerariam entidades familiares aquelas em que houvesse afeto, estabilidade e uma publicidade notória da relação. 30

Para os doutrinadores que perfilam do mesmo entendimento, o rol constitucional é meramente exemplificativo e também devem ser consideradas família: (4) a universidade dos filhos, (5) crianças e seus parentes que os criam,

27CASABONA, Marcial Barreto. O conceito de família para efeito da impenhorabilidade da

moradia. In CONGRESSO DE DIREITO DE FAMÍLIA, 4. Coord. Rodrigo da Cunha Pereira.

Anais... Belo Horizonte: IBDFAM; Del Rey, 2004. p. 384-385.

28Id. Ibid., p. 384-385.

29“O elemento distintivo da família, que a coloca sob o manto da juridicidade, é a presença de um

vínculo afetivo a unir as pessoas com identidade de projetos de vida e propósitos comuns, gerando comprometimento mútuo” In DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. Porto Alegre: Livr. do Advogado Ed., 2005. p. 39.

30“Os tipos de entidades familiares explicitamente referidos na Constituição brasileira não

encerram numeros clausus. As entidades familiares, assim entendidas as que preencham os requisitos de afetividade, estabilidade e ostentabilidade, estão constitucionalmente protegidas, como tipos próprios,...” In LOBO, Paulo Luiz Netto. Entidades familiares constitucionalizadas. In CONGRESSO DE DIREITO DE FAMÍLIA, 3. Coord. Rodrigo da Cunha Pereira. Anais... Belo Horizonte: IBDFAM; Del Rey, 2002. p. 106.

Aliás o autor define os três conceitos da seguinte forma:

(24)

como tios, avós ou outros parentes, (6) as famílias reconstituídas e as (7) uniões homoafetivas31.

Há, ainda, quem amplie ainda mais tal conceito incluindo (9) o grupo de pessoas que vivem juntas, o que se extrai da lição de Heloisa Szymansk.32

Neste último conceito, extremamente amplo, trazido por Heloisa Szymansk, além das pessoas que vivem juntas, há, também, as famílias adotivas temporárias. Contudo, além de essa amplitude romper com a visão tradicional, esta foge um pouco do conceito de família, pois o requisito do afeto necessário para a constituição de família não estaria presente. Já que a ideia decorrente do afeto é um bem-querer e vontade de estar junto para a constituição da ideia antropológica tradicional de família33. Assim, não creio que tal ampliação devesse

ser considerada como família, em especial pelo seu caráter efêmero.

No mesmo sentido aponta Paulo Luiz Netto Lobo, que considera família: “pessoas sem laços de parentesco que passam a conviver em caráter permanente, com laços de afetividade e de ajuda mútua, sem finalidade sexual ou econômica”34.

Aliás, é curioso notar que por questões processuais, econômicas e obrigacionais cria-se uma ficção, ampliando o conceito de entidade familiar para tratar do “bem de família” e sua proteção. Ante a necessidade de se conceituar o que seria a entidade familiar, possuidora do bem e declarar a intangibilidade deste, o STJ já considerou:

31Farta jurisprudência vem se consolidando no sentido de reconhecer as uniões homoafetivas

como uniões estáveis, o que será fartamente demonstrado no tópico “4.7. Posição dos Tribunais”.

32“1. família nuclear, incluindo duas gerações com filhos biológicos;

2. famílias extensas, incluindo três ou quatro gerações; 3. famílias adotivas temporárias (Foster);

4. famílias adotivas, que podem ser bi-raciais ou multiculturais; 5. casais;

6. famílias monoparentais, chefiadas por pai ou mãe; 7. casais homossexuais com ou sem crianças; 8. famílias reconstituídas depois do divórcio;

9. várias pessoas vivendo juntas, sem laços legais, mas com forte compromisso mútuo.” In SZYMANSKI, Heloisa. Viver em família como uma experiência de cuidado mútuo: desafios de um mundo em mudança. Serviço Social e Sociedade, São Paulo, ano 25, n. 71, p. 10, set. 2002.

33Uma família pelo menos dual: alguém assumindo o papel do pai/marido e as ideias que essa

persona transmite e alguém assumindo o papel/persona da mãe/esposa; podendo haver ou não a figura de filhos.

(25)

“... assim, os irmãos solteiros, que vivem em apartamento (Resp. 159851 – São Paulo, 4ª Turma, rel. Min. Ruy Rosado, DJU 22.06.98), o solteiro celibatário, viúvo sem descendentes, desquitado, divorciado (Resp. 57606-MG, Sexta Turma, rel. Min. Luiz Vicente Cernichiaro, DJU 10.05.99), a viúva e sua filha (EDREsp. 276004-SP, Terceira Turma, rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJU 27.08.01; no mesmo sentido, Resp. 253854-SP, ainda a mesma Turma e relator, DJU 06.11.00), o separado que viva sozinho (Resp. 205170-SP, Quinta Turma, rel. Min. Gilson Dipp, DJU 07.02.00), mãe e filhas menores (Resp. 57606-SP, Quarta Turma, rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJU 02.04.01), devedor e sua esposa (Resp. 345933-RS, Terceira Turma, rel. Min. Nancy Andrighi, DJU 29.04.02), cônjuge separado (Resp. 218377- ES, Quarta Turma, rel. Min. Barros Monteiro, DJU 11.09.00). Aquele colegiado chega a considerar como “entidades familiares simultâneas”, para efeito de pagamento de seguro de vida a união concubinária, de um homem que se mantenha ligado à família legítima e à lateral, com prole em ambas (Resp. 100.888-BA.Quarta Turma, rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, DJU 12.03.01).”35

Em razão destas decisões reiteradas o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 364. 36

Ante a realidade fática e as construções interpretativas existentes, foi publicada, em 7 de agosto de 2006, a lei 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha. Lei, que ao tratar da violência contra a mulher, positiva o reconhecimento expresso de relações pessoais entre pessoas do mesmo sexo, e confere a esta relação direito e deveres, nos seguintes termos:

Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I – no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas;

II – no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

35In GIORGIS, José Carlos Teixeira. op. cit.

36Súmula 364/STJ: “O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel

(26)

Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual. (grifo da autora)

No artigo em análise – em seus incisos –, ao se falar de família ou relação íntima de afeto, não se impõe a diversidade sexual. E para afastar qualquer dúvida o parágrafo único deixa claro que não se condicionam as definições apontadas à orientação sexual, portanto, admitem-se as relações existentes entre pessoas do mesmo sexo.

O posicionamento desta lei gerou vários reflexos e efeitos na jurisprudência que serão oportunamente comentados. Desde já frise-se: há quem diga que a lei federal em questão explicitou e positivou um novo conceito de família. E esta afirmação está correta. E isto decorreu da abertura e inovação extraordinárias trazidas pela Constituição. Dessa forma, a lei apenas veio na esteira constitucional e explicitou o novo conceito de família.

Devido ao conflito existente exposto, não se pode deixar de perceber que conceituar a união entre pessoas do mesmo sexo exige um estudo mais aprofundado do ordenamento pátrio, que será tratado nos próximos tópicos.

Estudo este que pretende vencer o velho paradigma de que ao conceituar família, direito e moral estavam intimamente entrelaçados e a ideia vigente era uma só: ao se proteger as uniões não legítimas37, acabaria por se desprestigiar a família legítima.

37A própria forma de a jurisprudência tratar as relações entre homens e mulheres em que não

havia casamento deixa clara a postura mais arcaica – como demonstra trecho retirado de sentença datada de 1945 – em que as relações ‘não abençoadas pelo casamento’ no máximo se limitavam a serem enxergadas como contratos indenizáveis:

“O concubinato, havido como imoral, por contrário aos nossos costumes, não encontra amparo na lei. No caso dos autos, trata-se ainda de mulher casada e o nosso direito, que condena o adultério e zela pela conservação e moralidade da família alicerce da sociedade civilizada e organizada, não admite venha a juízo a mulher adúltera, alegando mancebia, pedir indenização ao seu ex-amante por serviços domésticos a ele prestados.” (In RT 165/694)

O que é curioso nesta sentença, pelo que se extrai da narrativa, é que a mulher no caso era separada de fato do marido e passou a viver maritalmente com homem solteiro, porém, pelo fato de ser apenas separada de fato, todo e qualquer direito lhe é vedado.

No acórdão – que consta do mesmo extrato – o voto vencido se apresenta como inovador e tenta trazer luzes a situação tão nebulosa:

(27)

Agora, não se pode negar, ao pensar na família existe uma influência cultural fortíssima38 (em alguns países ligada à moral e à religião39), tanto que

dependendo da cultura40, ou melhor, do local e do tempo41, o que é considerado

certo ou errado, moral ou não, mudará42.

38“A comparação com outras sociedades e culturas permite perceber que atos eróticos entre

indivíduos, que seriam por nós reconhecidos como sendo de mesmo sexo, não são necessariamente desviantes, podendo inclusive representar os mais altos valores de uma cultura.

Entre os gregos do período helênico, relações homoeróticas consistiam numa via privilegiada de transmissão dos saberes da vida adulta, somente acessível aos homens e rapazes livres e prestigiosos, hierarquicamente associados (DOVER, 1994; SCHNAPP, 1996; FOUCAULT, 1998). Entre os Sâmbia, da Nova Guiné, atos homoeróticos representavam um importante papel no processo de "maturação" de jovens rapazes em homens adultos e guerreiros (HERDT, 1984; BADINTER, 1993; COSTA, 1996). Nesses contextos, atos eróticos ou sexuais entre rapazes e homens adultos, além de serem investidos de outros significados, não servem para a caracterização de distintos tipos de pessoas. Ou seja, não subentendem nem definem uma natureza singular. Tais sociedades não são exemplos de tolerância ou permissividade, apenas mostram que certos comportamentos não possuem um significado intrínseco e podem servir a diferentes propósitos, permitindo assim desnaturalizar nossas próprias concepções.”

In TARNOVSKI, Flávio Luiz. Pais assumidos: adoção e paternidade homossexual no Brasil contemporâneo. 2002. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2002. p. 37-38.

39Esclarece Rainer Czajkowski que, em torno do tema "uniões homossexuais", há "uma forte carga

negativa, de ordem moral e mesmo religiosa na sua avaliação” In CZAJKOWSKI, Rainer. Reflexos jurídicos das uniões homossexuais. Jurisprudência brasileira. Juruá, 1995. In:

Separação e Divórcio II, v. 176, p. 107.

40“Deste modo, persistem mitos na nossa sociedade acerca da homossexualidade, enraizados na

nossa cultura, sendo por vezes idênticos a outros mitos de índole sexista ou racista. Vivemos numa cultura homofóbica que é interiorizada e reproduzida de igual modo pelos profissionais das mais variadas áreas do conhecimento, incluindo os psicólogos, psiquiatras e todos aqueles que lidam de uma forma constante com as questões relacionadas com o funcionamento mental” In MATIAS, Daniel. Psicologia e orientação sexual: realidades em transformação. Análise Psicológica, v. 1, n. 25, p. 149-152, 2007.

41“Assim, por exemplo, na ideologia burguesa, a família não é entendida como uma relação social

que assume formas, funções e sentidos diferentes tanto em decorrência das condições históricas quanto em decorrência da situação de cada classe social na sociedade. Pelo contrário, a família é representada como sendo sempre a mesma (no tempo e para todas as classes) e, portanto, como uma realidade natural (biológica), sagrada (desejada e abençoada por Deus), eterna (sempre existiu e sempre existirá), moral (a vida boa, pura, normal, respeitada) e pedagógica (nela se aprendem as regras da verdadeira convivência entre os homens, com o amor dos pais pelos filhos, com o respeito e temor dos filhos pelos pais, com o amor fraterno). Estamos, pois, diante da ideia da família e não diante da realidade histórico-social da família.” (CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. 34. ed. São Paulo: Brasiliense, 1991. p. 88).

42Na Índia e na Tailândia (NATIONAL Geografic Society. TVTerra. Disponível em:

<http://terratv.terra.com.br/templates/channelContents.aspx?channel=2747&contentid=210020>. Acesso em: 20 jan. 2009) - Matéria: vídeo da National Geografic Society – título original Bidden Genders – no Brasil: “Terceiro Sexo” em 4 partes, assistido em 20 de janeiro de 2009 às 17h) a existência de homossexuais está inserida na cultura. Aliás, é na Tailândia que há o maior número de travestis do mundo. Tal fato está diretamente ligado à religião predominante em ambos os países. Na Tailândia a maioria da população é budista e a tolerância e a aceitação estão na essência do budismo. Na Índia, para o hinduísmo, podemos tanto viver como homem ou como mulher, pois a linha entre o masculino e o feminino não é muito clara; os deuses hindus são andróginos.

(28)

Levando em consideração o exposto acima e tudo o que se apresentará na presente dissertação, afirmo que a família deve ser entendida como a comunidade formada: (1) pelo casamento, (2) por um dos pais e seus filhos e (3) pela união de duas pessoas capazes, que se unem pelo afeto e pela vontade de constituir o “esboço idealizado da estrutura familiar”, independentemente da existência de filhos ou da orientação sexual43.

Ouso denominar de “esboço idealizado da estrutura familiar” a intenção de formar família. Intenção esta que no mundo ocidental tradicionalista mantém aquela imagem do casal (homem e mulher) que se une pelo afeto para compartilhar a vida e – se assim o desejar – ter filhos. Porém, a realidade sempre comportou e recentemente o ordenamento permitiu que pessoas do mesmo sexo

questões financeiras se dividem em limites territoriais, pois ganham a vida se apresentando em nascimentos e casamentos. Eles abençoam as famílias com aquilo que negaram para si, a fertilidade. Acredita-se que se eles amaldiçoarem alguém, esta pessoa poderá se tornar infértil ou impotente.

Após a colonização inglesa na Índia, os Eunucos, que sempre foram respeitados e recebiam terras do governo Indiano para viver e cultivar, passaram a ser marginalizados pelos governantes, sendo tratados com desprezo, sobrando a eles apenas a possibilidade ou de se unir aos clãs secretos, ou de viverem nas ruas como ‘prostitutas’ que atendem homens que preferem eunucos castrados ou para atenderem homens que não possuem dinheiro suficiente para pagar por um ‘programa’ com uma mulher. Graças à colonização inglesa, em 1860 (Ocorre durante a Era Vitoriana, período entre 1837 e 1901), a castração passou a ser ilegal, pois para o colonizador (a castração) era imoral e é considerada crime até recentemente. Note-se que o ‘preconceito’ ocorre por parte do Estado, vez que o povo indiano aceita e interage com os hijras.

No Brasil, a situação – de certa forma – difere do acima exposto.

Ao mencionar o tema em “Casa-Grande e Senzala”, Gilberto Freyre cita tese de 1869, apresentada na Faculdade de Medicina da Bahia:

“Outro trabalho sobre os colégios, esse de um doutorando da Faculdade de Medicina da Bahia, Frutuoso Pinto da Silva, versa de preferência o problema da moralidade e da higiene sexual nos internatos. Chama-se aí a atenção dos pais, dos mestres e dos censores para os perigos do onanismo; e isto em palavras alarmantes. Também para a pederastia.” (FREIRE, Gilberto.

Casa-grande e senzala (formação da família brasileira sob o regime da economia patriarcal). 51. ed. rev. São Paulo: Global, 2006. p. 507) (grifo da autora, não originais).

Nem se pode esquecer-se de citar a célebre obra de Adolfo Caminha: “O Bom Crioulo”, datada de 1895, uma história de paixão e tragédia baseada num fato real que escandalizou o Rio de Janeiro no século XIX, e que criticava a sociedade hipócrita da época: a paixão entre dois homens.

A situação gera tanta polêmica, atualmente, que muito se discute sobre os direitos dos homossexuais.

Esses acontecimentos trazem a lume algumas questões interessantes e que serão debatidas neste trabalho.

O que torna o debate instigante é verificar que em sua maioria, apesar de ser uma realidade fática, os países ocidentais não têm culturalmente incluída a aceitação e integração dos homossexuais, principalmente no aspecto jurídico.

43Desde já, creio interessante deixar claro que o ideal é usar o termo ‘orientação sexual’ e não

(29)

se unissem com a intenção de formar família, gerar ou adotar filhos e assim viver e ter garantidos seus direitos.

1.4. Homoafetividade e família

A homoafetividade é um fato e o mesmo ocorre com as uniões dela decorrentes, contudo, a (suposta) falta de proteção legal ou positivação em certas situações podem gerar vários problemas. Afinal, se entendermos que a união de pessoas de igual sexo é família, a elas serão conferidos vários efeitos jurídicos.

Ora, se há família, haverá efeitos, tais como direitos e obrigações recíprocos, de ordem pessoal e patrimonial, como sucessão, alimentos, limitação para o casamento, nome, poder familiar, visita, efeitos no direito administrativo e constitucional e no direito eleitoral, reflexos no direito tributário e no direito previdenciário, sem contar no Processo Civil, entre outros.

No Direito Processual Civil há situações como as decorrentes da sucessão no polo ativo e passivo que advêm do falecimento do cônjuge ou companheiro; ações de ritos especiais em que existe legitimidade ativa ou passiva ligada ao conceito de família (exemplo: Interdição); as hipóteses de parcialidade do magistrado que aponta como exemplo o parentesco decorrente do conceito de família; a proibição de citação no caso de falecimento; os impedimentos das testemunhas44; a responsabilidade patrimonial na execução, dentre outros. E, talvez, a principal consequência processual seja na seara da jurisdição e competência, pois se considero a união entre pessoas do mesmo sexo como

44No Brasil já houve questionamento judicial quanto à credibilidade da prova gerada por

(30)

forma de constituição de família, o processo tramitará nas varas de família como já ocorre no Rio Grande do Sul45.

No Direito Administrativo, Constitucional e Eleitoral é fundamental o conceito de família, pois dele decorre a compreensão do nepotismo e o conceito de inelegibilidade46.

No Direito Tributário, a compreensão de dependente e da responsabilidade tributária decorre do conceito de família.

No Direito Previdenciário o conceito de família aponta os beneficiários do Regime Geral da Previdência Social.

No Direito Civil o conceito de família também é fundamental, pois dele decorrem alguns dos impedimentos matrimoniais: o direito das sucessões; a questão do nome; o poder familiar; o direito e o dever dos alimentos; o direito e o dever-direito de visita.

Não resta dúvida a importância de se conferir ou não (de forma clara) à união de pessoas do mesmo sexo o status de família, vez que é o conceito de família que norteia vários institutos jurídicos.

No Direito Internacional e na esfera dos Direitos Humanos a questão de família e a relação de pessoas do mesmo sexo é tema pungente e recente.

Ao se estudar o Direito Internacional, em especial o direito Internacional Privado, a família é um de seus temas centrais, pois trata de relações individuais de caráter privado que geram reflexos no plano das relações jurídicas. E é fato que as famílias migram entre os países e neles se fixam, surgindo conflitos de lei no espaço, vez que poderão haver problemas com a validade de sua constituição, regime de bens, guarda e poder familiar dentre outros direitos e deveres dela decorrentes.

Por outro lado, na seara dos Direitos Humanos há uma grande preocupação com a família, pois esta é o “locus de respeito, igualdade e de afeto”47.

45TJRS – AI nº 599075496, 8ª Câmara Cível, Rel Des. Breno Moreira Mussi, j. 17/6/1999.

46“REGISTRO DE CANDIDATO. Candidata ao cargo de prefeito. Relação estável homossexual

com a prefeita reeleita do município. Inelegibilidade. (CF 14 § 7°). Os sujeitos de uma relação estável homossexual, à semelhança do que ocorre com os de relação estável, de concubinato e de casamento, submetem-se à regra de inelegibilidade prevista no art. 14. § 7°, da Constituição Federal. Recurso a que se dá provimento. (TSE – Resp Eleitoral 24564 – Viseu/PA - ReI. Min. Gilmar Mendes – j. 01/10/2004).”

47PIOVESAN, Flávia Cristina. Direitos humanos e relações familiares, p. 5. Palestra proferida no I

(31)

E esta preocupação advém dos direitos decorrentes de garantias internacionais: (1) do direito de contrair matrimônio e fundar família, (2) do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos que garante a não ingerência na vida privada das pessoas nem de sua família (art. 17), direito reproduzido na Convenção Americana de Direitos Humanos (art. 11) e Convenção Europeias de Direitos Humanos (art. 8º).

Saliente-se, também, que o Brasil acabou de lançar o terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), que decorre do debate oriundo da 11ª Conferência Nacional de Direitos Humanos, ocorrida em dezembro de 2008. Neste Programa há especial atenção para a questão da homoafetividade, pois não só apoia a união entre pessoas do mesmo sexo como pretende assegurar os direitos dela decorrentes. Com as ampliações e enfrentamentos propostos, pretende-se ampliar o respeito aos direitos humanos, aliás, “O PNDH-3 desde já presta especial contribuição ao ampliar e intensificar o debate público sobre direitos humanos, acenando com a ideia de que não há democracia, tampouco Estado de Direito, sem que os direitos humanos sejam respeitados.”48 Contudo, é fato que para as pessoas simples e para o ‘brasileiro comum’ a visão sobre os direitos humanos é uma visão preconceituosa, que os vê como uma forma de ‘proteger o bandido’ e ‘garantir sua impunidade’. Essa construção foi detalhadamente construída pelas autoridades e é decorrente de anos de ditadura49 50.

48O FATO é que a sociedade já discute o PNDH-3. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 17 jan. 2010.

Disponível em: <http://www.estadao.com.br/noticias/suplementos,o-fato-e-que-a-sociedade-ja-discute-o-pndh-3,497028,0.htm>.

49“No fundo do debate, os brasileiros e as brasileiras comuns, as pessoas simples, que ainda não

se reconhecem nos direitos humanos, até porque historicamente foram desinformadas a respeito ou informadas para que não os tomassem como bandeiras de resistência e de luta e nunca pretendessem aparecer nem mesmo dizer o que pensam.”

In CARBONARI, Paulo César. PNDH 3: por que mudar? Carta Maior. Disponível em: <www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=16334>. Acesso em 15 jan. 2010.

50Repete-se, novamente, a eterna postura da autoridade estatal instituída, que para justificar

(32)

2. UNIÕES HOMOAFETIVAS E O DIREITO INTERNACIONAL E

COMPARADO

Antes de adentrar no ordenamento pátrio, interessante ter uma breve noção da questão internacional, em especial pelo fato de o Brasil estar inserido como país participante das questões internacionais, sendo signatário de tratados e declarações tanto do sistema global, como do sistema interamericano.

2.1. O Ordenamento jurídico internacional e a situação das uniões de pessoas do mesmo sexo

Após a Segunda Guerra Mundial e as atrocidades ocorridas graças ao nazismo há uma reconstrução dos direitos humanos e sua internacionalização, na tentativa de responder aos horrores cometidos.

Com o fortalecimento da ideia de proteção e a necessidade de se criar um paradigma e referencial ético para orientar a ordem internacional ocorreu a elaboração da Declaração de 1948, que foi o marco inicial dos Direitos Humanos no mundo.

Ora, a ética dos direitos humanos é deixar claro que todos os seres humanos são merecedores de igual consideração, respeito a suas potencialidades, de forma livre, autônoma e plena, garantindo dignidade e a prevenção de sofrimento ao ser humano51.

Com a evolução da proteção e fortalecimento dos direitos humanos, novos tratados foram surgindo na esfera global, porém, paralelamente, em razão das peculiaridades regionais, surgiram sistemas regionais de proteção, como é o caso dos sistemas europeu, interamericano e o africano.

Os sistemas regionais decorrem do sistema global e eles se inter-relacionam de forma harmônica e complementar para a proteção dos direitos

(33)

humanos no âmbito internacional52, ou seja, garantem aos indivíduos o respeito a

sua dignidade e aos seus direitos fundamentais.

No sistema global de proteção destaca-se a Declaração Universal de 1948 (artigos I e II), o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 2º) e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (art. 2º). Em todos estes fica muito claro o respeito à igualdade entre as pessoas e a expressa vedação às discriminações: vedação a qualquer tipo de discriminação, sem exceção de nenhuma.

Ante tais imposições que na verdade são garantias – e estão repetidas nos sistemas regionais – a questão ligada à orientação sexual ganha especial proteção internacional. O que se pretende em última ‘ratio’ é eliminar todas as formas de exclusão e a transformação de certas pessoas – ao exercerem suas aptidões – em pessoas inferiores ou vítimas de violência física ou moral.

Entretanto, ao se garantir a igualdade e a não discriminação, não se garante a inclusão e esse sim é o grande desafio contemporâneo. É por tal fato que se prevê a possibilidade de ações afirmativas53.

Para ilustrar a importância do sistema global e sua harmonia e complementação com os sistemas regionais, é interessante apontar que em várias situações em que houve abuso por parte de Estados que integram o sistema global e regional e o seu judiciário não resolve o conflito em harmonia com o sistema internacional, é possível se socorrer das cortes internacionais na

52“Os sistemas global e regional não são dicotômicos, mas complementares. Inspirados pelos

valores e princípios da Declaração Universal, compõem o universo instrumental de proteção dos direitos humanos, no plano internacional. Nesta ótica, os diversos sistemas de proteção de direitos humanos interagem em benefício dos indivíduos protegidos. Ao adotar o valor da primazia da pessoa humana, estes sistemas se complementam, somando-se ao sistema nacional de proteção, a fim de proporcionar a maior efetividade possível na tutela e promoção de direitos fundamentais. Esta é inclusive a lógica e a principiologia próprias da seara dos Direitos Humanos.” In PIOVESAN, Flávia; SILVA, Roberto B. Dias da. op. cit., p. 346.

53“As ações afirmativas constituem medidas especiais e temporárias, que, buscando remediar um

Referências

Documentos relacionados

6 Consideraremos que a narrativa de Lewis Carroll oscila ficcionalmente entre o maravilhoso e o fantástico, chegando mesmo a sugerir-se com aspectos do estranho,

Com o objetivo de compreender como se efetivou a participação das educadoras - Maria Zuíla e Silva Moraes; Minerva Diaz de Sá Barreto - na criação dos diversos

No grupo lanreotida como um todo (n=914), 48% dos pacientes apresentaram resposta ao tratamento quando avaliados os níveis de GH e 47% quando avaliados os níveis de IGF-1..

Desse modo, a doença somente acomete aqueles que ainda são susceptíveis (Barcellos &amp; Sabroza, 2001). Já os anos epidêmicos são caracterizados por um grande número de casos logo

No entanto, maiores lucros com publicidade e um crescimento no uso da plataforma em smartphones e tablets não serão suficientes para o mercado se a maior rede social do mundo

Nas últimas décadas, os estudos sobre a fortificação alimentar com ferro no país têm sido conduzidos na tentativa de encontrar uma maneira viável para controle da anemia

Conclui-se que a Ds c IHO não necessariamente restringe o crescimento radicular ou rendimento de culturas sob plantio direto; a carga de 1600 kPa no teste de compressão uniaxial é

Por meio dos resultados apresentados na Tabela 5, percebe-se que na sua predominância, as empresas analisadas nesta pesquisa obtiveram maior incidência na mudança de política, das 113