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Família e mercado de trabalho sob o impacto das políticas econômicas nas décadas de 1980 e 1990 no Brasil : uma análise regional

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

ALESSANDRA KELY DA SILVA

FAMÍLIA E MERCADO DE TRABALHO SOB O IMPACTO

DAS POLÍTICAS ECONÔMICAS NAS DÉCADAS DE 1980 E

1990 NO BRASIL – UMA ANÁLISE REGIONAL

CAMPINAS 2018

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INSTITUTO DE ECONOMIA

ALESSANDRA KELY DA SILVA

FAMÍLIA E MERCADO DE TRABALHO SOB O IMPACTO

DAS POLÍTICAS ECONÔMICAS NAS DÉCADAS DE 1980 E

1990 NO BRASIL – UMA ANÁLISE REGIONAL

Prof. Dr. Carlos Salas Páez – orientador

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Econômico da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Mestra em Desenvolvimento Econômico, na Área de Economia Social e do Trabalho.

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELA

ALUNA ALESSANDRA KELY DA SILVA E

ORIENTADA PELO PROF. DR. CARLOS SALAS PÁEZ.

CAMPINAS 2018

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ALESSANDRA KELY DA SILVA

FAMÍLIA E MERCADO DE TRABALHO SOB O IMPACTO

DAS POLÍTICAS ECONÔMICAS NAS DÉCADAS DE 1980 E

1990 NO BRASIL – UMA ANÁLISE REGIONAL

Defendida em 26/01/2018

COMISSÃO EXAMINADORA

Prof. Dr. Carlos Salas Páez - Presidente Instituto de Economia/UNICAMP

Prof. Dra. Maria Alice Pestana de Aguiar Remy Instituto de Economia/UNICAMP

Prof. Dr. Michel Deliberali Marson Universidade Federal de Alfenas/UNIFAL-MG

Ata de Defesa, assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica da aluna.

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Aos meus pais, Tereza e Roberto, que me permitiram alçar grandes voos. E, acreditar que é possível.

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A caminhada é longa e muitas vezes árdua, mas todo o esforço empreendido é recompensado ao findar essa etapa. São tantas as pessoas que cruzaram meu caminho e contribuíram direta ou indiretamente para o construto desse trabalho que sou imensamente grata a cada um que passou por mim nesse processo.

Primeiramente gostaria de agradecer à minha família. Agradeço aos meus pais, Tereza e Roberto, que sempre me apoiaram, independente das escolhas feitas por mim. Quando empreendi essa jornada, embora não compreendessem exatamente de que se tratava, sempre estiveram ali, me apoiando financeiramente e, para mim o mais importante, emocionalmente. Agradeço também aos meus irmãos, Alex e Allan, que sempre demonstraram sentir admiração pela minha escolha acadêmica.

Agradeço ao meu orientador, Carlos Salas, pela parceria. Você teve um papel importante em me fazer acreditar que seria capaz de avançar até o fim. Também agradeço por suportar com calma as inúmeras vezes em que me estressei profundamente durante a caminhada.

Um especial agradecimento à minha amiga Janaína Battahin. Comigo ela dividiu a casa, as aflições, os debates, as festas e todo o resto de uma convivência cotidiana. E mesmo longe, continuou comigo partilhando todos os momentos. Sou imensamente grata pela sua amizade e por todo o seu suporte emocional e afetivo.

Agradeço ao grupo Potenciais Entrantes, Abel, Acson, Digo, Elias e Jana. Com vocês dividi inúmeros momentos de alegria e também de muita aflição. Vocês tornaram a Pós e a vida mais leve.

Gostaria também de agradecer ao meu orientador da graduação, Michel Marson, que foi extremamente incentivador quanto à minha entrada no mestrado e, durante a caminhada, também esteve por perto. Também agradeço à UNIFAL-MG, que foi onde fiz minha graduação e, com certeza, me despertou o interesse pela academia.

Especiais agradecimentos dedico às minhas amigas Rafa e Natânia. Costumo pensar que a graduação foi só a porta de entrada para uma longa e sólida amizade. As duas foram muito importantes na minha trajetória com a dissertação, fonte de um suporte emocional e incentivo extremamente necessários. Agradeço também à Rafa pela disponibilidade e generosidade em ler o meu trabalho.

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certamente ficaria limitada no avanço com as análises e com o término da pesquisa.

Agradeço, ainda, a alguns professores que, mesmo sem me conhecerem, sempre responderam aos meus e-mails solicitando ajuda em relação a algum material. Especialmente a Lilia Montali e João Saboia.

Agradeço cordialmente ao CESIT, a todos os funcionários, professores e colegas da pós-graduação. Esse período para mim foi uma rica experiência de amadurecimento intelectual e humano.

Também não poderia me esquecer dos funcionários do IE, os da secretaria, especialmente a Andrea, e os da biblioteca, extremamente solícitos.

Agradeço aos professores Maria Alice Remy e Marcelo Manzano que compuseram a minha banca de qualificação. Os comentários e sugestões foram de suma importância para enriquecer e formatar o resultado final desse trabalho.

Por fim, obrigada à CAPES, pela bolsa de estudo, com a qual pude ter tranquilidade para realizar o mestrado em dedicação exclusiva e terminar o trabalho com a dissertação.

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trabalho nas décadas de 1980 e 1990, para as cinco regiões do Brasil, marcadas pelo cenário de crise da dívida e abertura comercial e financeira com o advento do neoliberalismo e seus impactos sobre a reestruturação produtiva. Partimos do pressuposto de que as decisões de políticas econômicas associadas a outros condicionantes impactaram negativamente na sociedade e no mercado de trabalho, fazendo com que as famílias se adaptassem, através de novos arranjos de inserção, para o mercado de trabalho. Mulheres, especialmente as cônjuges, aumentaram sua participação no mercado de trabalho, em muitos casos tornando-se as principais provedoras. Nossos resultados foram baseados em informações da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Do ponto de vista metodológico, a pesquisa foi dividida em três capítulos: 1) O legado da década de oitenta: a orientação da política econômica, crise e terciarização da economia; 2) Os anos noventa e o avanço neoliberal: o discurso da globalização sob as tentativas de estabilização, abertura e privatizações; 3) Ruptura, desestruturação e precarização do mercado de trabalho e a resposta das famílias – uma análise regional, 1981-1999.

Palavras chave: 1. Famílias. 2. Mercado de trabalho. 3. Políticas Econômicas. 4. Década de

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for the five regions of Brazil, defined by a scenario of debt crisis and commercial and financial opening related to neoliberal policies and their impacts on the productive structure. We started with the assumption that economic policy decisions associated with other constraints negatively impacted society and the labor market, causing families to adapt to this context with new insertion arrangements. Women, especially spouses, increased their participation in the labor market and in many cases also became the main providers. Our results were based on information from the National Survey by Household Sample (PNAD) of the Brazilian Institute of Geography and Statistics (IBGE). From the methodological point of view, the research was divided into three chapters: 1) The legacy of the eighties: the orientation of economic policy, crisis and tertiarization of economy; 2) The 1990s and the neoliberal advance: the discourse of globalization under attempts to stabilize, open and privatize; 3) Rupture, de-structuring and precariousness of the labor market and the response of families - a regional analysis, 1981-1999.

Keywords: 1. Families. 2. Labor market. 3. Economic Policies. 4. Decade of 1980. 5. Decade of 1990.

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INTRODUÇÃO ...11

CAPÍTULO 1: O LEGADO DA DÉCADA DE OITENTA: A ORIENTAÇÃO DA POLÍTICA ECONÔMICA, CRISE E TERCIARIZAÇÃO DA ECONOMIA...16

1.1 A herança da década de 1970: quando tudo começou ... 16

1.2 A década de 1980: o espelho da década ... 25

1.3 Os anos de 1981/83: ajustar para fechar as contas ... 29

1.4 Os anos de 1984/86: transição e recuperação ... 38

1.5 Os anos de 1987/89: fim da recuperação e a aceleração inflacionária ... 43

1.6 O mercado de trabalho nos anos 1980: fim do dinamismo e a terciarização da economia ... 47

CAPÍTULO 2: OS ANOS NOVENTA E O AVANÇO NEOLIBERAL: O DISCURSO DA GLOBALIZAÇÃO SOB AS TENTATIVAS DE ESTABILIZAÇÃO, ABERTURA E PRIVATIZAÇÕES ...56

2.1 A economia brasileira sob o impacto da globalização econômica e a onda neoliberal – como a ideologia ganhou força e adesão ... 56

2.2 1990/92: Collor e a tentativa de estabilização ...61

2.3 FHC: estabilização e o lado real do Real ... 71

2.4 A abertura financeira e comercial: a face reversa da globalização econômica ... 85

2.4.1 Abertura Financeira ... 85

2.4.2 A Abertura Comercial ... 90

2.5 O mercado de trabalho nos anos 1990: desestruturação, eliminação e precarização do trabalho ... 95

CAPÍTULO 3: RUPTURA, DESESTRUTURAÇÃO E PRECARIZAÇÃO DO MERCADO DE TRABALHO E A RESPOSTA DAS FAMÍLIAS – UMA ANÁLISE REGIONAL, 1981-1999 ...106

3.1 As famílias e os arranjos de inserção no mercado de trabalho: reestruturação e a participação da força de trabalho feminina – aspectos gerais ...106

3.2 O perfil das famílias brasileiras segundo as cinco regiões da federação: características gerais ...115

3.2.1 Características dos chefes de domicílio: tendência à igualdade entre as famílias chefiadas por homens e mulheres? ...122

3.2.2 Distribuição das mulheres por condição na família: qual a posição que mais ocupam?...134

3.3 Rendimentos: perfil dos rendimentos das famílias ...137

3.4 Mercado de trabalho: desestruturação e impactos na relação família-trabalho ...150

3.4.1 O perfil da ocupação das famílias: o retrato do aumento da precarização do trabalho...163

3.4.2 Posição na ocupação: população ocupada e aumento da precarização do trabalho...177

CONSIDERAÇÕES ... 180

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Introdução

O capitalismo no Brasil, ainda que se constitua crescentemente desigual ao incorporar e excluir parcela da população e estratos econômicos resultando no aprofundamento das diferenças em relação ao consumo e produtividade, formou um mecanismo capaz de autogerar estímulo interno e expansão que lhe conferiam dinamismo. Dessa forma, se por um lado compreende-se que o capitalismo brasileiro se desenvolveu de modo satisfatório, de outro modo, encontramos uma nação onde a maioria da população se encontra em situação de significativa privação econômica decorrente, em grande medida, ao tipo de dinamismo que anima o sistema capitalista no país (TAVARES, 1976).

Mesmo quando o país gozou de intenso progresso material nos anos de crescimento econômico, presente até 1970, não foi criada uma infraestrutura social mais justa e menos desigual. A crise das décadas de 1980 e 1990 resultou em profunda regressão social. Verificou-se o aumento do desemprego e da precarização do trabalho, acentuados em 1990, com o avanço neoliberal. Assim, associado ao fim do crescimento econômico está o estancamento da mobilidade social e o aumento da desigualdade. Esse período colocou em evidência a expressão da valorização financeira para o processo de aumento da acumulação de renda e riqueza bem como o padrão de vida da elite social (CURI, 2015).

Por esse motivo, essa dissertação apresenta como problemática a análise da relação entre família e trabalho nas décadas de 1980 e 1990, sob a ótica conferida às políticas econômicas nesse período. Essas décadas caracterizaram-se pela ruptura do padrão de desenvolvimento apoiado na industrialização, típicos dos anos de 1930 a 1980. Se antes o crescimento da economia conferiu certo dinamismo ao mercado de trabalho, embora marcado pelos traços estruturais que condicionam nosso processo de formação, agora se tornou impossível esse feito, dado que o mecanismo foi estancado.

O recorte do trabalho para as décadas de 1980 e 1990 se justifica pelo fato de ambos constituírem um período emblemático para a economia brasileira. Os anos 1980 marcaram o rompimento com o padrão de desenvolvimento anterior caracterizado por intenso crescimento, consolidação de importantes projetos de investimento e dinamismo no mercado de trabalho. A década evidenciou, de forma relevante, a crise econômica, social e política, assim como a da dívida externa. As políticas econômicas foram utilizadas com o objetivo de pagamento do serviço da própria dívida, em um cenário de ruptura do crédito externo que afetou duramente as economias periféricas, dentre elas o Brasil. Já na década de noventa, notou-se o avanço e a consolidação das ideias neoliberais frente a um processo de

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privatização, desnacionalização, abertura comercial e financeira, reestruturação produtiva com um ambiente marcado pela incerteza, impactando diretamente no mercado de trabalho com intenso desemprego e precarização das relações trabalhistas.

A escolha pelas análises das cinco regiões se justifica pelo fato de que, embora os movimentos para o país como um todo apresentassem tendências para o comportamento das famílias e do mercado de trabalho, as regiões em suas particularidades exibem resultados divergentes, segundo suas próprias características e especificidades. Nesse sentido, por meio das regiões, torna-se possível fazer um retrato mais fiel do processo de intensa desestruturação e crise que afetaram as famílias e o mercado de trabalho. A opção pelo estudo das famílias também se justifica no sentido de compreender o movimento em seu conjunto, ou seja, quando se colocam as famílias como o centro da análise e não as pessoas, têm-se maior entendimento das estratégias e formas de adaptação de um grupo de pessoas constituídas como família e não apenas uma decisão particular, individualista.

As regiões foram agrupadas em cinco, compreendendo as regiões do Norte, Nordeste, Sudeste, Sul e Centro-oeste. Na região Norte, estão os estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia e Roraima. O Nordeste compreende Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Piauí, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe. No Sudeste, localizam-se o Espírito Santo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Situam-se na região Sul os estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Por fim, no Centro-oeste estão Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Tocantins1.

Nesse sentido, com a crise econômica e a piora das condições sociais, a dinâmica familiar foi afetada e as famílias constituíram importante mecanismo ao enfrentamento da crise que recaiu sobre a economia, em geral, e o mercado de trabalho, em particular. Frente a um processo de crescente desemprego, deterioração e precarização das relações de trabalho, as famílias se reorganizaram em rearranjos de inserção no mercado de trabalho, utilizando o trabalho da mulher, em especial as casadas. Buscavam atenuar os efeitos deletérios recaídos sobre si, pois as relações adversas do mercado de trabalho atingiram duramente os homens (principais provedores) e os filhos e filhas jovens-adultos.

Como objeto dessa dissertação, a restrição imposta foi perante a dimensão das famílias e do mercado de trabalho. As transformações no interior das famílias resultaram não somente de reações de natureza econômica, mas também de fatores demográficos, sociais e culturais,

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Com a mudança metodológica adotada pelo IBGE a partir de 1992, Tocantins que fazia parte do estado de Goiás, foi desmembrado e incorporou-se a região Norte. No entanto, a fim de tornar a série comparável por todo o período, optou-se por mantê-lo junto ao Centro-oeste, no qual pertencia antes da mudança metodológica.

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assim como ao novo papel assumido pela mulher na família e na sociedade. Entretanto, os impactos das decisões da política econômica procederam em reações das famílias, que formularam estratégias para proteção ao enfrentamento da crise, acelerando as mudanças em curso.

A hipótese norteadora do presente estudo é que, no período, a reestruturação da economia fez com que as famílias percorressem por transformações em seus arranjos, além das mulheres assumirem importância fundamental no mercado de trabalho. Parte-se do pressuposto de que o comportamento das famílias e o papel desempenhado pelas mulheres, nesse contexto de crise econômica, não ocorreram de forma homogênea para todas as regiões, embora apresentassem tendências.

Considerando-se que se trata de uma série extensa e, especialmente, dos microdados dos anos de 1980 serem incipientes, durante as duas décadas houve mudanças quanto à metodologia dos dados. Desse modo, existiam limitações quanto à própria base de dados. Entretanto, não ocorreu a impossibilidade de padronização com as variáveis, o que tornou possível a análise para o período. O conceito de famílias foi o mesmo utilizado pelas PNAD-IBGE, ou seja “um conjunto de pessoas ligadas por laços de parentesco, dependência doméstica ou normas de convivência, residente na mesma unidade domiciliar, ou pessoa que mora só em uma unidade doméstica”, excluídas da amostra os agregados, empregadas domésticas e parentes do empregado doméstico. Os domicílios foram construídos como proxy para as unidades familiares ou arranjos domiciliares.

O objetivo geral é contribuir para uma análise da relação entre as famílias e o mercado de trabalho brasileiro, apontando as divergências e tendências regionais para as décadas de 1980 e 1990, caracterizadas pelo rompimento do padrão de desenvolvimento das décadas anteriores e pela reorientação da política econômica de cunho claramente ortodoxo, na maior parte do período. O propósito específico implica a retomada da trajetória das políticas econômicas e seus efeitos sobre o mercado de trabalho no País.

A metodologia de análise e os resultados da pesquisa são produtos dos dados extraídos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) para os anos compreendidos entre 1981 a 1999. O recorte espacial é para todo o território brasileiro, abrangendo suas cinco regiões. Por ser um período longo e tomando o cuidado de tornar a série comparável, as variáveis selecionadas são aquelas que nos permitem agregar e compatibilizá-las ano a ano. As informações e os dados coletados referentes às famílias foram extraídos dos dicionários contidos junto à base de dados.

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A trajetória percorrida constituiu-se nas seguintes etapas: (i) verificar, no dicionário das PNADs, as informações sobre as famílias que são pertinentes para a dissertação; (ii) as variáveis pré-selecionadas foram retiradas ano a ano dos dicionários dos microdados; (iii) depois de coletadas as informações, fez-se a compatibilização das mesmas, a fim de construir a série histórica2; (iv) além das variáveis das famílias, algumas para pessoas foram compatibilizadas e agregadas para gerar as de famílias; e, (v) após a compatibilização, a construção da base de dados foi feita para trabalhá-las no SPSS3.

A dissertação está estruturada da seguinte maneira: além desta introdução, apresentam-se mais três capítulos e as considerações finais. Para tanto, o primeiro capítulo intitulado “O legado da década de oitenta: a orientação da política econômica, crise e

terciarização da economia” possui seis seções e, como objetivo central, descreve a trajetória

da economia e da política econômica no período, buscando traçar o percurso que resultou no endividamento e na crise do endividamento externo característico da década, bem como a orientação da política econômica para sustentar o endividamento, em um primeiro momento e, posteriormente na sua sustentação para arcar com os custos da própria dívida, além de resultar em perda de dinamismo do mercado de trabalho e crescente processo de terciarização da economia.

No segundo capítulo “Os anos noventa e o avanço neoliberal: o discurso da

globalização sob as tentativas de estabilização, abertura e privatizações” há sete seções

que também descrevem a trajetória da economia e da política econômica no período, entretanto, agora sob o prisma das ideias neoliberais. Assim sendo, busca-se descrever as políticas econômicas por detrás dos planos Collor e Real, bem como os condicionantes para o processo de abertura comercial e financeira, característico da década que resultou em crescente precarização e deterioração do mercado de trabalho.

O terceiro capítulo, sob o título “Ruptura, desestruturação e precarização do

mercado de trabalho e a resposta das famílias – uma análise regional, 1981-1999”, possui

oito seções e tem por finalidade descrever a situação do mercado de trabalho nas décadas de 1980 e 1990, bem como discorrer sobre a situação das famílias e os impactos dessas transformações sobre elas, para as cinco regiões. Buscou-se evidenciar no período como aconteceu no mercado de trabalho o rompimento com o padrão característico das décadas

2 Em ano de censo demográfico não é feita a coleta das PNADs. Especificamente, nos anos 1980, 1991, 1994

(por falta de orçamento) e em 2000.

3

O SPSS trata-se de um software utilizado para análises e processamentos estatísticos, possibilitando a integração com bases de dados de grandes dimensões, como a série utilizada nessa pesquisa. Toda a construção do capítulo 3 é feita recorrendo-se ao programa.

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anteriores, resultando em um profundo desemprego, precarização e deterioração das relações de emprego, com a constituição pelas famílias de novos arranjos para o mercado, com a mulher assumindo grande importância no processo. Com uma ampla análise dos microdados das PNADs para os chefes de domicílios, dos rendimentos e das ocupações, buscou-se verificar as transformações nas famílias e as mudanças que ocorreram no mercado de trabalho, apontando as tendências e divergências existentes entre as regiões. O objeto de interesse centrou-se nos movimentos para o mercado de trabalho urbano, com isso todas as análises são referentes à área urbana4, excluindo-se o setor rural.

Por fim, nas considerações finais, evidenciou-se que, com o cenário de transformações que marcaram as famílias e o mercado de trabalho, as desigualdades de gênero no interior das famílias diminuíram, porém um imenso hiato ainda precisava ser superado. E quanto às desigualdades regionais, foi possível demonstrar que, embora todas as famílias das regiões tenham sido fortemente afetadas pela crise econômica do período, sobre as famílias do norte e nordeste recaíram os maiores prejuízos. De tal modo que, sobre as regiões que são essencialmente atrasadas economicamente, com forte presença de pobreza e fraco desenvolvimento, pesaram ainda mais os intensos prejuízos, além do profundo aumento das desigualdades regionais.

4 A escolha pelo recorte da opção pela área urbana se justifica em virtude do grande movimento de

reestruturação produtiva em prejuízo da indústria de transformação e as transformações no mercado de trabalho que afetaram fortemente o setor urbano do país, iniciado na década de oitenta e consolidado nos anos noventa. De tal forma que, conforme BALTAR (1996), com a estagnação dos anos 1980 e a abertura indiscriminada da economia nos 1990, agravou-se a crise do emprego urbano no país, com aumento do desemprego e das oportunidades de ocupação que não oferecem possibilidade de ascensão profissional e social ao conjunto da população urbana.

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CAPÍTULO 1 – O LEGADO DA DÉCADA DE OITENTA: A ORIENTAÇÃO DA POLÍTICA ECONÔMICA, CRISE E TERCIARIZAÇÃO DA ECONOMIA

1.1 A herança da década de 1970: quando tudo começou

Marcada pelo fim da desaceleração econômica e da aceleração inflacionária do início da década de 1960, acrescida da ruptura em 1964 da ordem democrática, foram feitas grandes reformas no aparelho administrativo, econômico e financeiro, possibilitando a retomada do crescimento da economia brasileira. Simultaneamente à implementação das reformas, a economia foi submetida ao PAEG (Programa de Ação Econômica do Governo) que mobilizou os instrumentos monetários e fiscais, o reajuste dos preços e tarifas públicas e uma política salarial restritiva. Essas reformas foram os instrumentos para a retomada do desenvolvimento a partir de 1968, pois atuaram na resolução do problema do financiamento do setor público e privado, assim como no setor do consumo e da produção. Constituíram, portanto, as bases para o padrão de financiamento prevalecente durante todo o ciclo expansivo.

Entretanto, compreende-se que o crescimento só foi sustentado mesmo com o esgotamento das margens de capacidade ociosa, dadas às possibilidades existentes para o financiamento das atividades produtivas. Foi esse mecanismo o responsável pelo drama vivido pela economia brasileira, visto que os desajustes aos quais foi submetida centram-se na política do endividamento externo, iniciado com o milagre econômico e exacerbado na década seguinte5 (TEIXEIRA, 1993).

Segundo Cruz (1984) e Tavares & Assis (1986) o impulso para a formação da dívida foi dado entre os anos de 1969/73, iniciando, assim, uma trajetória de crescimento acelerado que saltou dos US$ 3,8 bilhões no final de 1968 para US$ 12,6 bilhões em fins de 1973. Esse primeiro momento de aceleração da dívida brasileira, coincidiu, temporalmente, com o ciclo expansivo do período do milagre econômico. Foi a esfera financeira que determinou a aceleração do endividamento externo, consequentemente não existindo relação com a necessidade de poupanças externas para financiamento do crescimento e nem pelo estrangulamento do setor externo, conforme argumentado pelos discursos da época. O caráter

5 O endividamento externo é o resultado das relações que a economia brasileira realizou com os agentes

externos. Contabilmente o estoque da dívida externa bruta deriva do acúmulo de déficits em transações correntes no Balanço de Pagamentos, não financiados nem pelo ingresso de capitais de risco e nem por variações nas reservas internacionais. Desse modo, uma dívida bruta crescente, trata de indicativo da contratação de financiamentos de capitais de empréstimos internacionais para financiamento dos déficits acumulados em transações correntes e/ou para acumular reservas em dólares (CRUZ, 1995). Em última medida, a formação da dívida externa representa o movimento de absorção de recursos reais ou financeiros (CARNEIRO, 1991).

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financeiro do endividamento brasileiro foi atestado dado à utilização das contratações líquidas de empréstimos e financiamentos na formação de reservas internacionais, sendo o acúmulo das reservas o responsável por 72% do incremento da dívida bruta (CARNEIRO, 1991).

Dois aspectos das relações financeiras merecem destaque. O primeiro, de natureza externa, foi o resultado da ampliação de liquidez internacional no período, refletindo a expansão do euromercado. O segundo, de natureza interna, trata-se da combinação de crescimento econômico aliado à incapacidade do sistema financeiro nacional em atender a demanda de crédito de longo prazo, portanto redirecionada aos financiamentos externos (CARNEIRO, 1991). Conforme Tavares & Assis (1986) foi excessivo o montante de crédito em dólares em empréstimos que ingressaram no país, sendo superior ao déficit registrado na conta de transações correntes, ultrapassando o próprio serviço da dívida acumulada. Entretanto, as reservas garantiam uma sensação de segurança, constituindo-se no objetivo central da política de endividamento, vista como indispensável para o crescimento do país.

Desse modo, para a correta compreensão dos determinantes do expressivo endividamento ocorrido no período expansivo da economia brasileira, torna-se necessário considerar as transformações das relações financeiras em curso no cenário internacional. Com a expansão do euromercado tornou-se facilitado o abundante envio de recursos para o Brasil por meio de um grande afluxo de crédito disponível através de fontes privadas e bancos transnacionais, oferecidos a prazos alongados e spreads reduzidos (CRUZ, 1984), sendo este processo relacionado com a maneira como foi conduzida a reciclagem dos superávits dos países da OPEP (Organização dos países exportadores de petróleo). Essas instituições privadas inseridas no euromercado, ao absorverem o aumento da liquidez internacional, foram responsáveis pelo endividamento dos países da periferia do sistema (TEIXEIRA, 1993).

Conquanto, esse movimento de expansão da internacionalização financeira na década de 1970 foi o resultado do processo de desorganização financeira e monetária. Com a crise de Bretton Woods, começaram a surgir operações de depósitos e empréstimos que fugiam do controle dos bancos centrais. As fontes iniciais dessas operações foram os dólares do excesso de demanda dos agentes econômicos e das autoridades monetárias estrangeiras. Por isso, com o primeiro choque do petróleo e a reciclagem privada dos petrodólares, as bases de oferta de crédito internacional acabaram ampliadas e o sistema ingressou em uma zona crescente de riscos. Como consequência houve crescente onda de endividamento externo, dando fôlego a variados projetos de industrialização e crescimento industrial das periferias, porém resultantes do esgotamento e das contradições dos mecanismos básicos que garantiam, simultaneamente, estabilidade e crescimento das economias centrais (BELLUZZO, 2017).

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Em um ambiente extremamente favorável aos tomadores de empréstimos com abundância de crédito e reduzidas taxas de juros, o governo brasileiro já havia preparado um terreno institucional propício (TEIXEIRA, 1993) e, para tanto, medidas que viabilizassem sua entrada foram tomadas, como a instituição da correção monetária para os ativos financeiros e as minidesvalorizações cambiais que determinavam taxas de juros internas superiores às do mercado externo. Em paralelo, as políticas fiscais, monetárias e cambiais foram manejadas a fim de garantirem atratividade a estes capitais. Nesse primeiro momento, os empréstimos foram contratados basicamente pelo setor privado (CRUZ, 1995). Os mecanismos institucionais utilizados para captação de recursos externos foram a Lei 4131 e a Resolução 63. Desse modo, a Lei 41316 foi responsável pela captação direta de recursos com o setor público ao final da década, apresentando níveis superiores a ¾ do total das operações contratadas destinados, em sua maioria, para o refinanciamento da própria dívida contratada. Já a Resolução n. 63 do BACEN, consistiu em mecanismo de repasses de dinheiro via intermediação bancária, passando a ser amplamente solicitado (TAVARES & ASSIS, 1986).

Nota-se, contudo, que o sistema financeiro brasileiro assumiu uma estrutura enviesada ajustando-se aos interesses do sistema financeiro internacional privado, em franca expansão (TAVARES & ASSIS, 1986). De tal modo, o país fez uma colagem completa do sistema financeiro nacional ao sistema internacional. Por meio da moeda atrelou o padrão monetário ao dólar via política cambial e, pelo crédito, os passivos dos bancos e das grandes empresas (TEIXEIRA, 1993).

Quando elevou o seu nível de endividamento, o país nada mais fez que seguir um movimento geral envolvendo as diferentes economias em desenvolvimento, num momento em que o euromercado buscava novos clientes fora dos EUA e da Europa (CRUZ, 1984). Essas operações, ao mesmo tempo em que conferiram lucros exorbitantes aos segmentos bancários, isentavam o setor financeiro doméstico da construção de uma base de captação de recursos de longo prazo, com a demanda de crédito externo caracterizando-se como a linha de menor resistência buscada pelo sistema financeiro, fortemente amparado pela política econômica em vigor (CARNEIRO, 1991).

Dadas as condições favoráveis do mercado financeiro internacional associado ao crescimento interno, intensificou-se o processo de endividamento externo brasileiro. Se em 1969 as reservas eram de US$ 600 milhões, em 1973 passaram para US$ 6,4 bilhões, com a

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Para apreciação detalhada dos mecanismos de aquisição de empréstimos diretos via Lei 4131 e Resolução 63, consultar: CRUZ, P. D. Dívida externa e política econômica: a experiência brasileira nos anos setenta. São Paulo. Brasiliense, 1984.

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dívida crescendo de US$ 4,4 bilhões para US$ 12,5 bilhões, respectivamente. Com a expansão da liquidez foram aumentadas as preocupações quanto ao controle das metas de inflação, passando o governo a recorrer amplamente ao mercado aberto enquanto mecanismo de controle, utilizando as ORTNs (Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional). Perante esse movimento, a correlação entre a dívida pública e externa terminava por completar o mecanismo de subordinação do sistema financeiro brasileiro ao sistema financeiro internacional (TEIXEIRA, 1993). Com uma política econômica amplamente apoiada no financiamento externo, deixando as incertezas e fragilidades para o futuro que seria exposto com as mudanças das condições internacionais, ficou difícil de neutralizar os efeitos nos custos internos e nos preços, na política cambial e de juros (TAVARES & ASSIS, 1986).

No período, o PIB (Produto Interno Bruto) cresceu a uma média anual de 10%, com uma inflação em queda que chegou a 19% ao ano, em 1973. De outro modo, ocorreu expressivo aumento na participação da poupança financeira externa no total da poupança financeira nacional, aumentando de 7,5% para 19,4% entre 1969 a 1973. Já a dívida pública que era em média 3,8% do PIB em 1969 passou, em 1973, para 8% (TEIXEIRA, 1993). Já em fins de 1973, a economia brasileira apresentava sinais de exaustão do modelo de crescimento acelerado adotado até então (GOLDENSTEIN, 1983).

Em 1974, o primeiro choque do petróleo sinalizou uma reversão de tendências, resultando em deterioração das condições econômicas internacionais seguidas pela desaceleração do crescimento e, diante disso, um Estado incapaz de articular interesses e encaminhar questões que sustentem o crescimento econômico. As fragilidades da estrutura de financiamento interno e das bases de inovação foram expostas (GIMENEZ, 2007). Com a crise do petróleo, ocorreu a reestruturação das economias dos países desenvolvidos com suas relações com a periferia fortemente influenciadas(CARNEIRO, 1991).

Desse modo, a capacidade de sustentação do equilíbrio interno entre produção e expansão da capacidade ficou comprometida, resultando em um hiato entre a capacidade de produção e a demanda efetiva. Simultaneamente, com o aumento do preço das matérias primas e com o choque do petróleo, ressurgiram pressões inflacionárias seguidas de crescentes déficits no Balanço de Pagamentos. A política econômica, então, apoiou-se na tentativa de conciliação da adoção de um novo padrão de expansão com contenção da aceleração inflacionária e eliminação do déficit no Balanço de Pagamentos. O período marcou a contradição entre uma política apoiada no gasto e investimento público, com uma política de crédito essencialmente contracionista (TEIXEIRA, 1993).

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A economia brasileira então entrou num processo de instabilidade, com desaceleração do PIB e redução dos investimentos privados, aumento da inflação e deterioração das contas do Balanço de Pagamentos. Com a finalidade de minimização dos desequilíbrios externos recorreram-se ao mecanismo da ciranda financeira, apoiado no aumento dos juros e realizado através da taxa de descontos das LTN (Letras do Tesouro Nacional), forçando as empresas a recorrer aos empréstimos externos. Todavia, como os recursos eram direcionados para o saneamento dos déficits no Balanço de Pagamentos e ampliação das reservas, uma liquidez indesejada foi formada. Por fim, buscando frear o excesso de liquidez recorriam-se ao mecanismo das LTNs a taxas de desconto crescentes, realimentando todo o circuito (TEIXEIRA, 1993).

Os anos entre 1974/76 foram marcados por crescentes desequilíbrios na balança comercial com um déficit de US$ 10,5 bilhões no triênio. Esse resultado adveio das mudanças nas condições favoráveis do comércio internacional que passaram a apresentar taxas negativas de crescimento, bem como do aumento do preço de petróleo que quadruplicou. Ocorreu uma deterioração nos termos de troca com queda das exportações brasileiras, refletindo a conjuntura recessiva das economias industrializadas (CRUZ, 1984).

Diante desse cenário e com o agravamento do déficit em transações correntes, a política adotada visando atrair capitais de empréstimos se transformou em um mecanismo fundamental para o fechamento das contas do Balanço de Pagamentos (TAVARES & ASSIS, 1986). Entre 1974/78, o aumento da dívida bruta foi resultado do incremento na dívida líquida, com apensas 25% correspondendo à elevação das reservas cambiais (CARNEIRO, 1991).

Ainda assim, as autoridades encararam as adversidades do cenário internacional como conjuntural e passageira, vistas como resultado do choque do petróleo. Em resposta à crise internacional lançaram o II PND (Plano Nacional de Desenvolvimento), um programa ambicioso de substituição de importações apoiado em grandes projetos públicos e privados na área de bens de produção. O objetivo era colocar a economia brasileira, num curto espaço de tempo, junto às desenvolvidas (CRUZ, 1984). Por isso, com um amplo programa de investimentos, pretendiam transformar a estrutura produtiva e superar os desequilíbrios externos da economia (CARNEIRO, 2002). Quando recorreram ao II PND como um novo esforço de inversões, acelerou o processo inflacionário e deteriorou as contas externas. Além disso, houve o atraso da agricultura para o mercado interno, com poucos resultados no campo

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energético para combustíveis e o desencadeamento de projetos ambiciosos de grande monta, como o programa nuclear7 (GOLDENSTEIN, 1983).

Com o II PND, diversas empresas de capital estrangeiro encontraram oportunidades favoráveis aos seus investimentos. Foi processada então a montagem de novas instalações no país e ampliaram as já existentes, visto que estavam em um ambiente de crédito externo abundante e relativamente barato, oferecido às estatais para o financiamento de ambiciosos projetos (TAVARES & ASSIS, 1986). Porém, o ajuste estrutural pretendido pela execução do II PND não conseguiu viabilizar a construção de um novo padrão de crescimento para a economia brasileira, centrado na indústria de bens de capital (CARNEIRO, 2002). Paradoxalmente, o endividamento externo foi desejado com o argumento de que ele financiaria o fim da dependência da economia brasileira em relação aos países centrais (CRUZ, 1984). De outro modo, o II PND não conseguiu eliminar a vulnerabilidade externa do país proveniente dos elevados déficits comerciais agravados após o segundo choque do petróleo (CARNEIRO, 2002).

Nesse sentido, apreende-se que o segundo momento de aceleração da dívida externa brasileira correspondeu às elevadas taxas de crescimento e à política econômica do II PND, em meio a uma conjuntura externa completamente adversa, expressa tanto no comércio de mercadorias e serviços produtivos, como no custo da dívida, o que começou a auto-alimentar os desequilíbrios globais do setor externo (CRUZ, 1984). O endividamento, assim, passou a ser justificado como um mecanismo de financiamento do Balanço de Pagamentos, enquanto processavam uma mudança estrutural com crescimento (CASTRO & SOUZA, 2004).

Em paralelo, o início da estatização da dívida brasileira data de meados dos anos setenta. Esse é o resultado do padrão de financiamento a que se submeteram as empresas estatais via Lei 4131, encarregadas pelos projetos do II PND, para tanto, responsáveis pelo aumento da participação nos fluxos anuais de novos empréstimos. Ao expandirem as bases de mobilização financeira estatal, permitiram o direcionamento de recursos subsidiados a um amplo leque de frações do capital privado. Já a segunda etapa foi com os choques do petróleo e dos juros, onde as empresas estatais já estavam fortemente endividadas, sujeitando-se ao aumento dos juros e desvalorizações do câmbio. Outro canal de transmissão foi à transformação do BACEN em depositário dos passivos em moeda estrangeira, com transferência das antigas dívidas contratadas pelas empresas privadas ou dos depósitos de

7 Foge ao escopo do trabalho a discussão do plano propriamente dito. Para maior apreciação do assunto,

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projetos (CRUZ, 1995). Essas medidas visavam exclusivamente à defesa do setor privado (BELLUZZO & ALMEIDA, 2002).

Já em 1978, os sinais de deterioração mundial começaram a se apresentar, acentuando as tensões com o dólar e a subida dos juros de 6% para 8% ao ano. O crescente endividamento brasileiro, com sua exposição aos bancos credores, determinou o encurtamento dos prazos para empréstimos e financiamentos e no aumento dos spreads (BELLUZZO & ALMEIDA, 2002). A partir de então, as empresas estatais foram largamente utilizadas na captação de recursos externos até início de 1980, resultando em dívidas cada vez mais crescentes em dólares, como contrapartida das elevadas aplicações em cruzeiro em benefício dos blocos financeiros. Além de dificultar o acesso ao crédito interno a essas empresas, o recurso a Lei 4131 e a Resolução 63 contribuíram para o processo de estatização da dívida brasileira (TAVARES & ASSIS, 1986).

Como resultado da política adotada, a tendência foi de concentração da dívida externa no setor público. Se em 1974 a participação do governo no total da dívida já era alta, correspondendo a 50% das captações, depois disso acelerou-se, chegando a 69% em 1980 (CARNEIRO, 2002). E ainda, dentre as dificuldades enfrentadas pela política econômica esteve o aumento do déficit em transações correntes, saindo de 2,1% do PIB, em 1973, para 6,4%, em 1974. Nos anos seguintes houve tendência de queda, embora os valores ainda permanecessem elevados, com 5,4% em 1975, 3,9% em 1976 e 2,3% em 1977. Já em 1978, com o crescimento das exportações em apenas 4,4%, o déficit subiu para 3,5% do PIB (TEIXEIRA, 1993).

Ao final da década dos setenta, o cenário internacional foi marcado por austeras condições econômicas, refletindo as debilidades presentes nas economias periféricas. Com o aprofundamento da crise internacional, a partir da reorientação da política econômica estadunidense que elevou os juros em 1979, agravou-se consideravelmente a situação da periferia endividada e dependente de recursos externos (GIMENEZ, 2007). Essa mudança de reorientação marcou uma reviravolta no cenário internacional.

Nota-se, entretanto, que em resposta às suas próprias crises, que também contestavam sua dominação, os EUA procuravam restaurar sua supremacia no mundo capitalista por meio da diplomacia do dólar (TEIXEIRA, 1993). Com a finalidade de retomada do controle financeiro internacional, colocaram todo o restante do mundo em recessão profunda, ficando a economia mundial à mercê das ações da potência hegemônica (TAVARES, 1998).

Entre outubro e novembro, o choque veio em uma dupla articulação, por meio da subida dos juros e do novo reajuste dos preços do petróleo. Esses fatores ampliaram a

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vulnerabilidade do Balanço de Pagamentos brasileiro, resultado do aumento das despesas com juros e maiores gastos com a importação de petróleo, além de transmitirem um choque de preços à economia, já fortemente indexada (BELLUZZO & ALMEIDA, 2002). Deste modo, uma economia como a brasileira, fortemente internacionalizada ao capital estrangeiro em todas as áreas, seja a produtiva, monetária ou financeira e até mesmo no crescimento que vivenciou desde os anos de 1950, não passaria isenta às consequências das mudanças em curso (TEIXEIRA, 1993).

Importante salientar o forte impacto que o custo da dívida exerceu sobre os desequilíbrios globais, assumindo efeito cumulativo de grandes proporções entre os anos de 1979/80. Esse aumento esteve relacionado com a subida dos juros externos, com a LIBOR8 de seis meses atingindo 14,9% em 1979 e 16,8% em 1980. Como grande parte dos empréstimos e financiamentos foi pactuada a juros flutuantes, a elevação resultou em fortes consequências sobre o custo da dívida. No período, a conta financeira apresentou sinal negativo denotando que o acréscimo da dívida foi insuficiente para arcar com os juros líquidos no biênio, que chegaram aos US$ 10,5 bilhões, enquanto os empréstimos totalizaram US$ 9,2 bilhões. Os desequilíbrios do setor externo assumiram um caráter financeiro, fruto do próprio impacto que o endividamento externo exerceu sobre o Balanço de Pagamentos (CRUZ, 1984). A ampliação do déficit em transações reais seguida da diminuição dos capitais de empréstimos determinou crescente queima de reservas com a finalidade de fechamento das contas externas. A partir de então, os juros se mantiveram elevados, perante um financiamento cada vez mais escasso até o rompimento, em 1982 (CARNEIRO, 2002).

Com o exposto, na Tabela 1 podem ser observadas a evolução da dívida bruta, dívida líquida, reservas cambiais, PIB e nível de preços entre 1960/80. Observa-se que no início da década de 1960, a dívida bruta era de US$ 3 bilhões, encerrando em 1980, próxima aos US$ 54 bilhões, ou seja, em vinte anos um acúmulo de 1800% e a líquida um acumulado de 1675%. Nota-se, então, que a dívida bruta brasileira acelerou durante a década de1970, especificamente com os choques do petróleo em 1974 e 1979, assim como pelo aumento dos encargos financeiros do último choque. Em relação às reservas cambiais, ocorreu, em um primeiro momento, significativo incremento no período do ciclo expansivo do milagre econômico brasileiro, justificando o fato de que o endividamento apresentou sua primeira tendência de aceleração com o acúmulo de reservas. Posteriormente, a dívida foi se retroalimentando com o aumento dos juros, do preço do petróleo, dos desequilíbrios do

8London Interbank Offered Rate, é a taxa comumente utilizada para o cálculo da taxa de juros de grandes

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Balanço de Pagamentos, déficits em transações correntes, fazendo necessária a contratação de mais empréstimos para fechamento do balanço. Enfim, a espiral estava em pleno vapor.

Tabela 1 - BRASIL – Evolução da dívida bruta, líquida, reservas internacionais, PIB real e inflação 1960-1980 (em bilhões, US$)

Fonte: Adaptado CRUZ (1984, pág. 12); IGP-DI/FGV (2017); Ipeadata (2017).

Conclui-se, então, que o financiamento brasileiro foi conduzido à custa de elevada dependência de recursos externos e sustentado por uma fraca base financeira doméstica (CARNEIRO, 2002). Importante notificar o fato de que a condução da política monetária e financeira também produziu uma dívida interna crescente, acompanhando a tendência da externa. Esta também não financiou investimentos reais, mas apenas se retroalimentou como objetivo da política monetária (TAVARES & ASSIS, 1986).

Percebe-se, então, que a política econômica em inícios de 1979 foi na direção de um ajuste ortodoxo, ainda que timidamente. Entre os objetivos estavam a desaceleração do fluxo de endividamento externo (para viabilizar a queima de reservas e a contração da base monetária), a aceleração das minidesvalorizações para compensar a retirada dos incentivos outrora concedidos às exportações e a fixação de metas rígidas para a expansão do crédito. Paralelamente houve cortes nos gastos públicos, nos investimentos das estatais e nas operações de financiamento do BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico) (TEIXEIRA, 1993). A desvalorização cambial de 30%, no final da década, é sintomática, em

Ano Dívida externa bruta de longo prazo Dívida Líquida Reservas internacionais PIB Inflação 1960 1961 1962 1963 1964 1965 1966 1967 1968 1969 1970 1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 3,1 3,1 3,2 3,2 3,2 3,5 3,7 3,4 3,8 4,4 5,3 6,6 9,5 12,6 17,2 21,2 26,0 32,0 43,5 49,9 53,9 2,8 2,6 2,9 3,0 3,0 3,0 3,3 3,3 3,5 3,7 4,1 4,9 5,3 6,2 11,9 17,1 19,3 24,8 31,6 40,2 46,9 0,3 0,5 0,3 0,2 0,2 0,5 0,4 0,2 0,3 0,7 1,2 1,7 4,2 6,4 5,3 4,0 6,6 7,3 11,9 9,7 6,9 9,4 8,6 6,6 0,6 3,4 2,4 6,7 4,2 9,8 9,5 10,4 11,3 11,9 14,0 8,2 5,2 10,3 4,9 5,0 6,8 9,2 30,47 47,78 51,60 79,92 92,12 34,24 39,12 25,01 25,49 19,31 19,26 19,47 15,72 15,54 26,90 29,35 46,26 38,78 40,81 77,25 99,25

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economias com dificuldades em seu Balanço de Pagamentos (TAVARES & ASSIS, 1986). A elevada quantidade de reservas em 1979 foi o resultado da política de endividamento em bola de neve, apostando no permanente acesso ao crédito internacional, visando à cobertura do déficit em conta corrente. Porém, encerradas as condições favoráveis para a rolagem da dívida, toda a sustentação da política econômica desmoronaria. Deste modo, ao longo da década, as condições de financiamento do estado foram se agravando quando iniciados os anos 1980. Tanto a dívida interna como a externa já eram elevadas e apresentavam perfil deteriorado (CARNEIRO, 2002). O impacto inflacionário da maxidesvalorização não foi neutralizado e em uma conjuntura de enfraquecimento da posição externa do país, a inflação saltou dos 50% para o nível dos três dígitos, antes do fim de 1979 (TEIXEIRA, 1993).

1.2 A década de 1980: o espelho da década

A década de 1980 começou marcada pela valorização do dólar e o aumento das taxas de juros dos Estados Unidos, expondo todo o conjunto da economia mundial à recessão. A natureza recessiva dessa política pretendia que as demais economias do sistema capitalista se submetessem aos interesses da política econômica dos EUA, promovendo então um ajuste forçado de suas economias. De imediato apareceram as instabilidades nos Balanços de Pagamentos e os déficits fiscais de natureza financeira associados aos ajustes promovidos nos balanços (TEIXEIRA, 1993). De tal modo, a capacidade do sistema em continuar emprestando ficou comprometida. Muitos países foram obrigados a rolarem suas dívidas, pressionando assim as bases de criação de crédito. Dado o aumento dos juros, sobre os países já fortemente endividados incidiram graves desequilíbrios financeiros, o que ampliou a margem de risco dos países credores (BELLUZZO, 1984).

A economia brasileira, ao adentrar na década de 1980 passou pela chamada crise da dívida. Desse modo, conforme Cruz (1984), essa crise cobrou um preço alto pela forma como foi desenhado o arranjo do financiamento para formação de capital fixo, estabelecido desde o processo de industrialização pesada. A alta dos juros, o rompimento dos fluxos voluntários de crédito e as políticas de ajustes resultaram em fuga crescente de capitais privados e destruíram a capacidade de investir das empresas estatais. Afora as restrições externas, o país se deparou com desequilíbrios crescentes em suas contas públicas e enormes custos de pagamento do serviço da dívida, provenientes do endividamento da fase expansiva anterior (CURI, 2015).

Destarte, existiram contrastes importantes entre a década de 1980 e a de 1970. Nos anos 1980, a queda do ritmo de crescimento mostrou a exaustão de um padrão que até então

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conferiu forte dinamismo para a economia no período da industrialização. Por isso a década foi marcada pelo surgimento de ciclos alternativos de recessão e crescimento, com elevada instabilidade das variáveis macroeconômicas (CARNEIRO, 1991). Sendo assim, se durante a década de 1970 a poupança externa compreendia 2% do PIB, na presente década o país viu-se obrigado a transferir recursos reais entre 4% e 5% do PIB aos países credores (BRESSER PEREIRA & NAKANO, 1991).

A crise de crédito deu sinais desde o início dos anos 1980, através do aumento dos spreads e do racionamento dos recursos ofertados em longo prazo. Até 1978 a taxa de expansão dos empréstimos situou em média anual de 25%, reduzindo consideravelmente para pouco mais de 10% entre 1980/81, declinando rapidamente ao longo do primeiro semestre de 1982, tornando-se negativa antes do colapso mexicano. Paralelamente à restrição na oferta de crédito houve aumento da necessidade de novos financiamentos pelos países devedores. Com a crise do México iniciou-se o processo de retração do crédito, no qual os pequenos e médios bancos isentaram-se da responsabilidade de garantir que os países endividados não fossem à bancarrota, transferindo para as grandes instituições tal encargo (BELLUZZO, 1984).

A crise fiscal e financeira em que a economia brasileira mergulhou estava relacionada diretamente ao passivo acumulado pelo setor público, fruto do processo de endividamento externo. E ainda, a forma assumida pela crise nos anos de 1980 esteve ligada ao ciclo do endividamento externo, ao processo de estatização da dívida e a crescente transferência de recursos reais ao exterior, bem como nas relações estabelecidas entre o setor público e privado nas diversas fases que compuseram o ciclo (CRUZ, 1995).

Ao analisar a década por meio de algum indicador econômico é possível notar que houve uma inflexão em relação ao padrão de desenvolvimento das décadas precedentes, marcadas por crescimento acelerado e dinamismo do mercado de trabalho. Reféns de uma crise profunda e estrutural, se entre os anos de 1950/80 o crescimento médio do PIB foi de 7% ao ano, observa-se que nos anos 1980 o crescimento do produto caiu para em média 2,7% ao ano. Os investimentos seguiram a mesma tendência com queda de 23,6% para 16,7% do PIB entre 1980 e 1989, refletindo a incapacidade do estado em manter participação na composição do investimento total e o desinteresse privado cujo interesse voltou para a proteção patrimonial na financeirização. A inflação também deixou suas marcas como parte do processo com a instabilidade limitando o horizonte das decisões privadas acerca dos preços, criando desconfiança em relação a solvência do estado e abrindo possibilidade para a monetização da dívida pública. A política monetária foi ineficiente na tentativa de oferecer às decisões privadas um caminho para o investimento produtivo (GIMENEZ, 2007).

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O setor externo desempenhou importante papel para o processo inflacionário. Se nos anos 1970 os déficits em conta corrente eram facilmente financiados graças à abundância de empréstimos bancários que contribuíam para as baixas taxas de inflação do período. Nos anos 1980, marcados pela redução dos créditos externos incorreram no realinhamento do câmbio que provocaram fortes pressões da inflação. Diante da redução do crédito externo, o governo se viu obrigado a comprar divisas para cobrirem os serviços da dívida, porém foram financiadas com emissão de títulos e moeda de forma inflacionária (GOLDENSTEIN & LEME, 2017). A estratégia da dívida formatada pelos credores com a permissão do FMI (Fundo Monetário Internacional) resultou da própria necessidade dos bancos receberem, não considerando as condições de pagamentos dos devedores e suas necessidades de desenvolvimento. Os devedores foram obrigados a recorrerem aos recursos domésticos de origem inflacionária e a contrair suas importações para liberarem divisas para arcarem como serviço da dívida (BATISTA, 1994).

A década de oitenta marcou o fim do modelo de crescimento que conduziu a economia brasileira durante toda a fase expansionista. Os limites do esgotamento se apresentaram na perda de capacidade do Estado de intervir e na queda do crescimento econômico. A reorientação da política dos EUA, o segundo choque do petróleo e a moratória do México em 1982, determinaram uma inflexão no cenário financeiro internacional com o enxugamento da oferta de crédito externo para a periferia e desarticulação do padrão de financiamento brasileiro, sustentado até então (HENRIQUE, 1999). Portanto, essa conjuntura mais a necessidade de pagamento da dívida com a transferência de recursos ao exterior, resultaram em forte desaceleração do crescimento e desorganização da economia nacional, marcada pela estagnação econômica e hiperinflação (CARNEIRO, 2002).

Um desempenho instável recaiu sobre a economia brasileira durante toda a década, pontuada por três momentos distintos, quais sejam (1) a recessão do início da década e a política do ajuste recessivo entre os anos de 1981/83; (2) a recuperação após 1984 e a aceleração do crescimento com a tentativa de estabilização do Plano Cruzado em 1986; (3) a partir de 1987, marcada por um lento crescimento (GIMENEZ, 2007). Em relação aos recursos, entre 1979 e 1982, dado a não completa exaustão dos financiamentos o País ainda absorveu recursos reais, porém em virtude da diminuição sobreveio queima de reservas. Em 1982, com a ruptura do mercado internacional adveio a partir de 1983 um processo de crescente transferência de recursos ao exterior. Após 1985 ocorreu o completo corte de novos créditos, resultando em pagamentos crescentes ao exterior (CARNEIRO, 2002).

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Por conseguinte, a década de oitenta presenciou o agravamento permanente das condições de financiamento externo do país. Entre 1983 a 1990, obteve um saldo comercial de aproximadamente US$ 80 bilhões, sendo mais que suficiente para arcar com os US$ 75 bilhões de juros devidos. Porém foram obrigados a recorrerem à moratória em 1987 e 1989, dado o rápido esgotamento de suas reservas. Além disso, o país esteve perante as renegociações por quatro vezes, de 1982 a 1986 e outra em 1988, submetendo-se aos interesses do FMI quanto ao direcionamento da política econômica interna, marcada pela geração de crescentes saldos comerciais para arcar com os compromissos externos (TEIXEIRA, 1993).

Para concluir, o processo inflacionário constituiu aspecto fundamental da crise que assolou o país durante a década. A alta dos preços com sua aceleração em intervalos cada vez menores indicavam uma trajetória rumo à hiperinflação. Três períodos são levados em conta para compreensão do processo de formação e consolidação da inflação. Primeiramente entre os anos de 1974 a 1979, os mecanismos originaram-se dos choques exógenos de preços, combinados após 1976 com o aumento dos juros de curto prazo. Entre 1980/85, foi a crise cambial e o ajuste externo que permitiram um ajuste corrente e patrimonial da grande empresa. Depois de 1986, com o fracasso do Plano Cruzado, determinou em incertezas quanto à estabilização e dos mecanismos utilizados para defenderem a rentabilidade e o patrimônio. Igualmente, estagnação do produto, retração do investimento e a transferência de recursos reais ao exterior, definem o período (CARNEIRO, 1991).

É assim que, a economia marcada por grande instabilidade econômica, estivera exposta a um encurtamento das decisões de preços e das formas de se acumularem riqueza, limitando diretamente a atuação da política monetária. A incerteza foi incapaz de estimular as decisões privadas ao investimento produtivo e a fixação de preços apoiados nos custos de produção e margens aceitáveis de lucros. As tentativas de estabilização foram ineficientes em decorrência não só da incapacidade de compatibilizarem o ajuste do Balanço de Pagamentos com o reordenamento das finanças públicas, mas também pela forte resistência dos poderosos grupos da sociedade (BELLUZZO & ALMEIDA, 2002).

Desse modo, a crise da economia brasileira e seus desdobramentos só podem ser percebidos quando considerado o fato de que a crise de uma economia industrializada e internacionalizada se esbarrou com a sua exclusão da rota dos movimentos internacionais de capitais, seja financeiro ou produtivo. Diante da desestruturação da ordem econômica internacional, estrangularam-se os seus mecanismos de crescimento e rompeu com o padrão de financiamento (TEIXEIRA, 1993). Simultaneamente, em meados da década de 1980 a

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globalização se aprofundou, determinando o esgotamento do mecanismo de industrialização por substituição de importações e em novas formas de inserção no sistema internacional. As difusões das ideias neoliberais de ajuste ganharam força, enfraquecendo o Estado e fortalecendo a primazia do mercado. Essa nova fase do capitalismo na globalização resultou em crescente interdependência econômica e financeira entre os países. Diante de tais acontecimentos, as ideias de integração externa, internacionalização e abertura econômica ganharam evidência, expressando a nova dinâmica internacional (DINIZ, 1999) em curso e refletindo diretamente nas políticas macroeconômicas nacionais.

1.3 Os anos de 1981/83: ajustar para fechar as contas

Como um último esforço de colocar freio ao processo inflacionário a equipe econômica, em janeiro de 1980, prefixou o cambio em 40% e a correção monetária em 45%, junto com uma ação mais rigorosa para controlar os preços. Desestimulando a especulação financeira, essas medidas viabilizaram a retomada do crescimento do PIB após três anos de fraco desempenho. Todavia, não houve resultados quanto à contenção da inflação que se mantivera nos três dígitos criando, com isso, um quadro de desintermediação financeira e ampliando o desequilíbrio das contas do Tesouro, dado o aumento do volume de créditos subsidiados e do déficit da conta-petróleo, assim como de diversas outras rubricas.

Com a contração da liquidez internacional entre 1979 a 1982, a tendência foi de limitar a concessão de crédito por parte das instituições bancárias internacionais, resultando em uma absorção de recursos financeiros inferior à de recursos reais pelo Brasil. Esse fato fez com que parcela do déficit em transações reais fosse financiada com a queima de reservas. Em 1982, com o fim do mercado voluntário de crédito com a crise do México, a condição se deteriorou quando o déficit passou a ser totalmente financiado pelas reservas (CARNEIRO, 2002). A partir de então, iniciou-se a etapa dos financiamentos involuntários sob a supervisão do FMI, com o superávit da balança comercial devendo ser suficiente para cobrir os déficits em serviços, resultando na transferência de recursos reais ao exterior (CARNEIRO, 1991).

Com o rompimento abrupto dos fluxos de financiamento externo foi desencadeada uma grande crise cambial, originando desestruturação fiscal e incapacidade de gestão monetária por parte do Estado. Dadas às expressivas desvalorizações do câmbio, o processo de desestruturação fiscal decorreu do esforço para refinanciar as dívidas acumuladas pelo setor privado e público, marcados pela deterioração das receitas tributárias, aceleração da inflação e trajetória recessiva da economia (COUTINHO & BELLUZZO, 1996).

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Quanto à dívida externa, observou-se que o crescimento da dívida líquida comparada à dívida bruta foi resultado da ausência de novos endividamentos com a finalidade de cobertura do déficit em transações correntes. Até 1982 ainda foi possível o financiamento parcial do desequilíbrio do Balanço de Pagamentos através do mercado voluntário de crédito, contudo sujeitos aos ajustes da balança comercial. Desse modo, foram feitos sob condições mais restritivas, recorrendo-se, inclusive, aos empréstimos de curto prazo (CARNEIRO, 2002). É assim que quanto ao déficit em transações correntes, os juros ganharam evidência, elevando de 51,5% em 1979, para 87,5% em 1982 (CARNEIRO, 1991).

Em um ambiente de pressões externas e reféns das contradições da política econômica interna, foi apresentado ao país em outubro de 1980 um novo pacote de medidas claramente recessivas junto a uma nova postura do ministro Delfim Netto. Sobre os setores público e privado recaíram medidas de austeridade, com ênfase maior no público. As medidas contemplavam restrições monetárias e de crédito, aumento dos juros, reforço da capacidade fiscal do governo, corte nos gastos públicos, liberação dos preços, alteração da lei salarial e o incentivo às exportações. Nesse período, até a moratória mexicana, as missões internacionais foram priorizadas na agenda das autoridades, pois sabiam que a submissão às regras dos banqueiros internacionais não eram suficientes para atraírem os créditos necessários para as contas do Balanço de Pagamentos. Foi assim que os novos projetos de investimentos foram concebidos e adequados segundo as condições de crédito disponíveis nos países credores, vinculados à aquisição de equipamentos nesses países. Tudo foi feito em nome do equilíbrio externo (TAVARES & ASSIS, 1986).

Entre os anos de 1981 e 1983 as autoridades responsáveis pela política econômica contaram com o ajuste recessivo para o refinanciamento dos passivos externos do país. O objetivo então passou a ser a manutenção de elevados saldos comerciais por meio do aumento das exportações e redução das importações. Para tanto, reduziram os impostos sobre as exportações, restituíram os créditos-prêmios e exerceram maior controle sobre as importações. Desse modo, até setembro de 1982, as exportações cresceram 17,6% e as importações reduziram em 4% com o déficit em conta corrente diminuindo em 8,5% (TEIXEIRA, 1993). Compreende-se, porém, que essa reestruturação foi o resultado do movimento de polarização do redirecionamento da poupança mundial, especialmente para os Estados Unidos (GONÇALVES, 1994).

Portanto, a crise econômica do início da década foi o resultado da inflexão de uma época que foi beneficiada por resultados exitosos na industrialização. O ajuste foi promovido consistentemente pela política econômica: (1) provocando a queda do nível do salário real; (2)

Referências

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