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CAPÍTULO 1: O LEGADO DA DÉCADA DE OITENTA: A ORIENTAÇÃO DA

1.5 Os anos de 1987/89: fim da recuperação e a aceleração inflacionária

A partir de 1987 a economia brasileira mais uma vez voltou à sua tendência de estagnação. Marcada por profunda instabilidade em resposta à aceleração da inflação, nem mesmo os elevados superávits reorientaram a recuperação da produção corrente. Os movimentos de especulação de ativos reais e financeiros passaram a determinar as variações no nível de atividades. A indústria retornou ao seu quadro recessivo como decorrência da redução da absorção doméstica, fruto da crise cambial e da aceleração da inflação. As exportações voltaram a ser utilizadas como mecanismo de suporte ao crescimento, porém não conseguiram compensar a retração doméstica (CARNEIRO, 1991).

De tal maneira, o Cruzado II apresentou-se como válvula de escape para a renúncia ao congelamento de preços. Quando os preços começaram a ser corrigidos, a inflação média, em janeiro de 1987, alcançou 16,8% ultrapassando os 20% desde março de 1986, resultando no

acionamento do gatilho salarial. Em fevereiro de 1987, deu-se o fim do Plano Cruzado com a decretação da extinção do congelamento de preços (CASTRO, 2005). Nesse sentido, com um quadro de reações desfavoráveis cada vez mais intensas em relação à manutenção do congelamento, com o Banco Central já sinalizando através das políticas de câmbio e de juros o descongelamento, os exportadores deixaram de internalizar suas cambiais, determinando em queda do saldo comercial no início de 1987 e, com isso, intensa deterioração das reservas. Buscando conter esse processo, dada significativa piora das contas externas, o governo em fevereiro de 1987 decretou a moratória (TEIXEIRA, 1993) dos juros externos, enfraquecendo ainda mais a entrada de recursos externos no país. Passado pouco tempo, em abril, Dílson Funaro e sua equipe demitiram-se (CASTRO, 2005).

No ano de 1987 ocorreu uma transferência de recursos reais, superior a de recursos financeiros, com as grandes transferências aos credores externos resultando em baixo nível de acumulação de reservas. Um dos determinantes foi o pagamento quase que integral dos juros em atraso, desde a época em que o país encontrava-se em moratória junto aos bancos comerciais. Nos anos 1988 e 1989 houve um intenso volume de recursos reais remetido ao exterior, para pagamento dos atrasados. Sendo assim, frente a um superávit de US$ 32,3 bilhões, ocorreu somente um incremento de US$ 2,3 bilhões nas reservas do país (CARNEIRO, 1991).

A partir de abril com a mudança da equipe econômica, Dílson Funaro foi substituído na pasta da fazenda por Luís Carlos Bresser Pereira, anunciando o novo plano de estabilização em 12 de junho de 1987 (CASTRO, 2005) e mantendo o mesmo erro quanto à condução da política econômica. Em tentativa de recuperação do saldo comercial, desvalorizaram o câmbio em 7,8%. O controle de preços também foi liberalizado em esforço de realinhamento dos preços relativos. A inflação novamente apresentou tendência de crescimento, exigindo novo congelamento. O plano Bresser respondeu à solicitação com o congelamento representando nova tentativa heterodoxa de estabilização (TEIXEIRA, 1993).

Para viabilizarem o plano, recorreram a uma política agressiva do câmbio com a finalidade de reanimar o setor exportador. Também introduziram uma política salarial de reajustamentos por meio da Unidade de Referência de Preços (URP), visando impedir o aparecimento de qualquer bolha de consumo, diante de condições de estabilidade. A política salarial consolidou um quadro de perdas por não prever nenhum mecanismo de recuperação, principalmente se a inflação voltasse a acelerar, como aconteceu (TEIXEIRA, 1993).

Quanto à dívida externa, pretendeu o recurso da moratória mais a recuperação do saldo comercial, como novo esforço de renegociação. Para tanto utilizaram como proposta a

securitização da dívida externa pública com deságio. No entanto, as oposições da comunidade financeira internacional e do próprio governo dos EUA, desejosos da suspensão da moratória antes de qualquer negociação previamente estabelecida sobre a dívida e o baixo êxito da política interna de estabilização, desgastaram as bases de sustentação da equipe econômica que deixaram o Ministério no final do ano (TEIXEIRA, 1993).

Após a gestão Bresser, o redirecionamento foi novamente no sentido de recuperação dos preços e tarifas públicas, com registro da menor defasagem no ano. Não obstante, com o processo inflacionário as tentativas foram mal sucedidas, resultando em forte deterioração dos preços e tarifas em 1988/89. Como a formação dos demais preços era influenciada pelos preços públicos, as tentativas de recuperação das defasagens terminaram acelerando a inflação e inviabilizando a recuperação buscada. A defasagem acumulada originou uma estrutura de preços relativos em que tentativas de mudanças aceleravam a inflação (CARNEIRO, 1991).

O pagamento quase integral dos juros teve efeito significativo na composição da dívida externa. O seu crescimento apresentou velocidade reduzida, a partir de 1984, e transformando em redução nominal, após 1988. Se considerada a dívida líquida, o resultado foi mais significativo como decorrência da acumulação de reservas. No período houve pagamento não só dos juros como de parcela do principal, explicado pela queda de novos financiamentos em valores insuficientes para pagamento das amortizações. Em 1988, com o pagamento de parcela dos atrasados, houve o refinanciamento de outra parte em débito. Já em 1989, com as dificuldades cambiais, os pagamentos foram novamente freados. Esse processo indicou que mesmo buscando o pagamento de maior parcela dos juros, os problemas cambiais determinaram o financiamento compulsório de parcela dos juros (CARNEIRO, 1991).

Tabela 4 - BRASIL – Evolução da dívida bruta, líquida, reservas internacionais, PIB real e inflação, 1987-1989 (em bilhões, US$)

Ano Dívida externa bruta de longo prazo Dívida Líquida Reservas Internacionais PIB Inflação 1987 1988 1989 107,5 102,5 99,3 100,0 93,4 89,6 7,5 9,1 9,7 3,5 -0,1 3,2 363,41 980,21 1972,91 Fonte: Adaptado Carneiro (2002, p. 130); IBGE apud QUADROS, 2003, p. 27; Ipeadata (2017).

A partir de 1987, as tentativas de desvalorização do câmbio com o plano Bresser, ampliaram a instabilidade e a incerteza quanto à variação da sua taxa. Essas tentativas resultaram em crescente aumento de preços, inviabilizando o objetivo pretendido. A sensibilidade dos preços quanto a esse mecanismo foi imobilizando-o, levando, entre 1987 e

1989, a uma expressiva valorização da taxa de câmbio. Contudo, a valorização do câmbio também ocasionou aumento da inflação, visto que as expectativas em relação a futuras desvalorizações foram acentuadas. Desse modo, ocorreu que tanto a valorização e a desvalorização se tornaram fontes de aceleração inflacionária, pelo mecanismo da incerteza (CARNEIRO, 1991).

Em um ambiente de incerteza e desconfiança quanto aos resultados da política econômica, o governo mais uma vez tentou a implementação de um novo plano de estabilização, dessa vez o Plano Verão, em janeiro de 1989. Dentre as medidas adotadas, contaram com a desindexação da economia, o congelamento de preços e salários, medidas restritivas de política fiscal e monetária. A correção cambial foi de 17% e os reajustes nos preços foram de 19%, assim como as tarifas públicas em 40%. Buscava a redução do déficit, o estímulo ao setor exportador, o desestímulo das expectativas de alteração nos preços básicos durante o congelamento e a criação de margem de manobra que servissem de apoio para o descongelamento com o eventual atraso desses preços (TEIXEIRA, 1993).

As medidas fiscais não alcançaram os resultados pretendidos. Seja pela previsão de aumento da arrecadação via o combate à sonegação, ou por não anteciparem corretamente os efeitos da reforma fiscal da nova Constituição ao eliminar o indexador, ou pela prática de uma política de juros altos tornando vantajoso o atraso do pagamento de impostos. O governo então optou pela utilização da política monetária para todos os objetivos: o desestímulo ao consumo; o impedimento da formação de estoques desnecessários; a contenção da fuga para mercados especulativos; tornar lucrativo o fechamento antecipado dos contratos de câmbio, garantindo o bom desempenho da balança comercial (TEIXEIRA, 1993). Fortemente ortodoxo em sua política monetária, o plano colocou as taxas de juros em níveis elevados, alcançando nos dois primeiros meses 16% em termos reais (BRESSER PEREIRA & NAKANO, 1991).

Deste modo, os mecanismos de indexação apenas contribuíram para o adiamento da hiperinflação. A inflação sempre esteve em constante processo de aceleração, apenas interrompido pelos congelamentos de preços. Primeiro com o plano Cruzado, em 1986, porém fracassando e, já com o plano Verão, em janeiro de 1989, a inflação acelerou rapidamente, pois os planos contribuíram para a desorganização da economia. A confiança na indexação foi arruinada com o plano Verão, determinando em perda da âncora pelo sistema de preços, acelerando a partir de então (BRESSER PEREIRA & NAKANO, 1991).

A aceleração da inflação resultou em instabilidade crescente do câmbio e dos juros, comprometendo o padrão monetário da moeda indexada. No processo inflacionário, a moeda

indexada transfigurada em moeda financeira induziu a internalização do superávit comercial e valorizou a riqueza líquida de exportadores e não exportadores. A moeda indexada destruiu as finanças públicas e a confiança nela depositada. Em 1989, a intensificação da fuga de capitais e a ocorrência de transferência da moeda financeira em poder de compra sinalizaram para a hiperinflação (CARNEIRO, 1991). Destarte, a aceleração inflacionária, fruto da saída dos congelamentos, impulsionou a explosão dos preços e consolidou-se em fator de questionamento da indexação e da preservação dos valores patrimoniais. Dúvida crescente entre os agentes em que a expectativa da hiperinflação se consolidou como certa. Portanto, a política econômica de 1989 e 1990 expôs os desequilíbrios em termos de instabilidade dos preços, de crise cambial e do déficit financeiro do setor público servindo como indicador do que poderia ser a adesão a uma política econômica de corte liberal no país (BELLUZZO & ALMEIDA, 2002).

1.6 O mercado de trabalho nos anos 1980: fim do dinamismo e a terciarização da