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CAPÍTULO 1: O LEGADO DA DÉCADA DE OITENTA: A ORIENTAÇÃO DA

1.6 O mercado de trabalho nos anos 1980: fim do dinamismo e a terciarização da

A crise econômica dos anos oitenta, paralelamente ao processo de redemocratização da sociedade e as demandas por direitos civis, colocaram em evidência as tensões e os conflitos mascarados por anos de crescimento econômico e regime autoritário (MEDEIROS, 1994). A crise do início da década rompeu o dinamismo da industrialização brasileira e o país passou a conviver com estagnação econômica e a aceleração da inflação (HENRIQUE, 1998). Associado a esses acontecimentos esteve o intenso êxodo rural das décadas anteriores. Desse modo, conforme Cardoso de Mello & Novais (1998) a miséria rural com o êxodo rural foi exportada para a cidade e, entre 1960 e 1980, os quase 31 milhões que foram para as cidades pressionaram constantemente a base do mercado de trabalho urbano. Já as autoridades econômicas, ao não processarem a regulação do mercado de trabalho sob a retórica do combate a inflação, recorreram ao uso de uma política deliberada que terminou por rebaixar o salário mínimo real, além de facilitar a dispensa e a rotatividade da mão de obra.

Com o esgotamento do padrão de desenvolvimento da economia junto à orientação conferida às políticas econômicas, comprometeram diretamente a dinâmica do mercado de trabalho na década (BALTAR et all, 1996). Ocorreu, portanto, a ruptura do dinamismo de geração de empregos urbanos associados à industrialização, em que a indústria de transformação e os serviços estruturados, eram responsáveis pela dinamização da estrutura

ocupacional. Desse modo, as condições de mobilidade social ascendente foram rompidas e acompanhadas de crescente deterioração do mercado de trabalho (HENRIQUE, 1998).

Fracassadas as políticas econômicas e os choques na economia, a partir do plano Cruzado, se mostraram cada vez menos eficientes. Por um lado, temos um crescimento econômico medíocre, aceleração inflacionária e a não superação dos desequilíbrios externos, por outro lado, acentuado prejuízo ao mercado de trabalho e o agravamento da má distribuição da renda (SABOIA, 1994). A deterioração das condições do mercado de trabalho manifestou-se no lento crescimento do emprego formal, no aumento dos trabalhadores por conta própria e dos assalariados sem contrato de trabalho formalizado, além da significativa redução do nível dos salários. Nos períodos de recessão, ganhou evidência um fenômeno inédito na história econômica e social brasileira: o desemprego aberto (SABÓIA, 1986). Entretanto, este ainda se vinculou, em grande medida, às oscilações da atividade produtiva (MATTOSO & BALTAR, 1997), sobretudo, às flutuações do nível da atividade econômica industrial, sendo a maior nos de bens de capital. Não sem razão, os mercados de trabalho das regiões mais industrializadas e urbanizadas sofreram os maiores prejuízos (MATTOSO, 1995).

A ruptura do padrão de desenvolvimento junto à aceleração inflacionária levou à estagnação da esfera produtiva, gerando ciclos de crescimento quase inexistentes e rompimento do processo de assalariamento e formalização das relações de trabalho. Esse processo ampliou a pobreza, a exclusão e a heterogeneidade estrutural do mercado de trabalho. O emprego e o salário passaram a constituir-se em variáveis flexíveis de ajuste às oscilações da economia e aos sucessivos planos de estabilização (MATTOSO, 1995).

A despeito do baixo desempenho da economia, a população economicamente ativa (PEA) e a população ocupada (PO) cresceram de modo sustentado. Pelos dados da PNAD, tanto a PEA quanto a PO cresceram em média 3,2% a.a., entre 1979/90. O resultado positivo decorreu do aumento da taxa de atividade, de 53,8% em 1979, para 56,7% em 1990, porém diferiam segundo cada região, com as mais altas no Sul e Sudeste e, menores nas demais regiões. Devemos ressaltar que o aumento da taxa de atividade esteve diretamente relacionado ao crescimento da participação das mulheres no mercado de trabalho. Se a taxa de atividade dos homens pouco aumentou (de 74,7% em 1979 para 75,3% em 1990), a das mulheres subiu de 33,6% para 39,2%, elevando em todas as regiões (SABOIA, 1994). Compreende-se, que houve tentativa de entrada de novas pessoas no mercado de trabalho, provavelmente em busca de complemento das rendas familiares em declínio, com a crise econômica induzindo parcela considerável das mulheres a procurar o mercado de trabalho (SABOIA, 1986).

Importante, contudo, ressaltar que houve outros determinantes que, conjuntamente, fizeram com que a mulher adentrasse ao mercado de trabalho como: o crescimento de sua autonomia; uma maior emancipação; os movimentos feministas; mudanças nos arranjos familiares com a diminuição do número de filhos, por exemplo. Entretanto, parte fundamental do argumento dessa dissertação é que um dos principais determinantes para sua entrada ao mercado de trabalho foi em decorrência da crise dos anos 1980 e 1990 no país, associado a esses outros fatores. As transformações na família e a inserção das mulheres no mercado de trabalho serão contempladas mais adiante, no presente estudo.

A crise dos anos 1980 resultou em redução de cerca de 25% na produção industrial, seguida de enxugamento semelhante no nível do emprego no setor. O desemprego em massa originado na indústria de transformação surgiu como novidade ao país. No entanto, entre 1981 e 1982, o desemprego se colocou como uma nova realidade para o país, atingindo mais de 20% da PEA da Grande São Paulo (SABOIA, 1986). Segundo a PME, aproximadamente 40% das pessoas que procuravam trabalho em São Paulo tinham sido desligadas da indústria de transformação (SALM, 1983). Conforme Camargo (1983) foi a partir de novembro de 1980 que o número de pessoal ocupado na indústria começou a cair, resultado das opções de política econômica com intensas restrições ao crédito, reduções nos investimentos do governo e aumento dos juros, procedendo na queda da demanda global e do nível de emprego.

A crise econômica no triênio 1981/83 resultou da opção de política recessiva de combate aos desequilíbrios externos. O PIB recuou em 3,8%, com o per capita em 10,6%, sendo que o setor industrial foi o mais afetado, declinando a produção em 11,4%. O mercado de trabalho passou por grandes dificuldades em consequência da recessão, perante um quadro de redução das oportunidades de emprego e crescimento da população em idade ativa. O setor formal da economia não foi capaz de absorver a mão de obra, com o informal constituindo-se como fonte de absorção dos novos trabalhadores que chegavam ao mercado de trabalho, assim como os dos desligados do setor formal (SABOIA, 1986). Também houve alterações na política salarial visando à compressão da demanda interna por bens importados ou exportáveis. No conjunto, o desemprego atingiu as taxas mais elevadas e as deteriorações das condições de trabalho foram acentuadas, ampliando o trabalho sem carteira, as relações informais de trabalho, bem como queda do poder aquisitivo dos salários (MATTOSO, 1995).

Entre os anos de 1984/86, o processo de recuperação econômica foi induzido pelo aumento das exportações com redução das importações. Esses efeitos foram positivos para o mercado interno, resultando em um crescimento do PIB, em 1984 de 4,9%, em 1985, de 8,3%. Com a recuperação das atividades industriais, aumentou-se o nível de emprego com

queda do desemprego, resultando na recuperação do mercado de trabalho, acrescido de aumento do salário mínimo em 1985 e, do salário médio real, iniciado em 1984 até 1986. Entretanto, os anos de 1987/89 marcaram a paralisia e estagnação econômica em que o mercado de trabalho acompanhou a estagnação do nível de produção, porém no final do período apresentou patamares relativamente baixos de desemprego. A presença de um crescimento espasmódico da produção industrial teve reflexos compensatórios sobre a ocupação, assegurando a sustentação da estrutura ocupacional, e sobre o desemprego. Este processo, ocorrido paralelamente à mudança da política salarial em 1989, atrelando os salários à variação dos preços, favoreceu que se estancasse ao final do período, ainda que temporariamente, a queda do poder aquisitivo ocorrido desde 1987 (MATTOSO, 1995).

Sob diversos aspectos, o perfil de crescimento da ocupação na década de 1980 marcou um padrão de ruptura com o anterior. Os setores mais dinâmicos na geração de oportunidade de trabalho passaram a ser o comércio, atividades sociais e administração pública. Com os mais atingidos a indústria de transformação, a construção civil, o transporte e a comunicação, reduzindo o total das ocupações não agrícolas (GIMENEZ, 2007; 2008). Destarte, a sustentação do nível de ocupação dependeu muito da capacidade de absorção do terciário (BALTAR et all, 1996). Verificou-se a ruptura do desempenho do mercado de trabalho, quando para o conjunto do período, a participação relativa na ocupação total reduziu. Porém esses setores ainda apresentaram crescimento do emprego, não declinando em termos absolutos o emprego na indústria e na construção civil (GIMENEZ, 2008).

De modo que, durante a década, observaram-se alterações na dinâmica do mercado de trabalho. O desemprego urbano surgiu com intensidade, com as deteriorações das condições de trabalho manifestando-se no aumento da informalidade. Entretanto, dada à preservação das estruturas industriais e produtiva, o fenômeno do desemprego e da precarização foram relativamente baixos, relacionados diretamente às oscilações do ciclo econômico e com o processo inflacionário. Agravavam-se, quando a economia retraía e diminuíam, com a retomada da trajetória de recuperação ou estabilidade, como na estagnação de 1987/89. Por isso, ao final da década, o desemprego apresentou baixos níveis (3,4% em 1989, do desemprego aberto no Brasil) e as condições de trabalho ainda eram pouco deterioradas (MATTOSO, 2001).

Conforme Baltar et all (1996), o processo de informalização do emprego urbano associou-se a dois processos: (1) o crescimento lento dos empregos assalariados formais, resultado do baixo dinamismo da indústria de transformação e da construção civil; (2) o aumento dos pequenos negócios, marcados pelo crescimento dos trabalhadores por conta

própria, dos empregadores e os assalariados sem carteira de trabalho, especialmente no comércio e nos serviços, nos segmentos de reparação e conservação. Esse fato apontou claramente para uma deterioração do mercado de trabalho brasileiro nos anos 1980.

Apesar disso, o problema do desemprego não foi homogêneo para o território nacional. Sua ocorrência, em grande medida, restringiu-se às regiões urbanas com maior densidade industrial, com a Grande São Paulo, no centro da crise social. Grande parte dos desempregados adveio das grandes empresas industriais, a maioria caracterizando situação de desemprego aberto. Não obstante, dada à ausência de um sistema de seguro desemprego11, a desocupação associou-se a alguma atividade irregular, capaz de permitir a sobrevivência ou financiar a procura de um novo posto de trabalho (DEDECCA, 2005). Logo, a falta de seguro desemprego no setor formal determinou com que os trabalhadores desempregados se deslocassem à procura de algum tipo de ocupação informal. Esse fato gerou curta permanência desses trabalhadores nas estatísticas de desemprego aberto (SABOIA, 1986).

Destacou-se a redução da participação dos empregados com carteira de trabalho assinada, paralelamente ao aumento dos sem carteira. Esse processo representou mudança qualitativa no mercado de trabalho, com significativas deteriorações das condições trabalhistas. Entre 1981 e 1983, os empregados com carteira assinada diminuíram de 50,7% para 45,5%. Inversamente, os sem carteira, elevaram-se de 24,9% para 29,5%. Essas mudanças refletiram em piora significativa do mercado de trabalho urbano no Brasil (SABOIA, 1986), além de constituírem-se em outro processo de ruptura com a dinâmica anterior do mercado de trabalho (GIMENEZ, 2007).

Qualitativamente, a mudança do mercado de trabalho não foi apenas pela retração do emprego formal, mas no seu aumento nos estratos inferiores. Estudo feito por Baltar & Henrique (1994) apreendeu-se que o emprego formal, entre 1981 e 1989, elevou de 27,6% para 30,4% no estrato dos 20% mais pobres. Ficou evidenciado que o emprego formal cresceu mais lentamente que a ocupação não agrícola total, todavia representou 40% do aumento no estrato dos 20% mais pobres. Esse quadro sinalizou a tendência de aumento do emprego formal de baixa remuneração, especificamente, nas atividades sociais e administração pública com queda do peso das empregadas domésticas e dos trabalhadores por conta própria. Já entre os 5% mais ricos, reduziu-se na indústria de transformação com carteira de trabalho e de funcionários públicos, aumentando os empregadores e os por conta própria (BALTAR, 1996).

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O Seguro Desemprego só foi instituído pelo governo brasileiro em fevereiro de 1986, pelo Decreto n. 2283 e, posteriormente, revogado em março de 1986, pelo Decreto-Lei n. 2284. Já a Lei n. 7998, de janeiro de 1990, disciplina sobre o programa do Seguro Desemprego.

Durante a década ocorreram importantes transformações ligadas ao processo de migração rural/urbano, da queda acentuada das ocupações agrícolas e do processo de terciarização da economia (SABOIA, 1994). Houve intensa terciarização da estrutura ocupacional das cidades brasileiras, não constituindo em fenômeno exclusivo para São Paulo. Entre 1981 e 1989, tanto nas regiões metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e Recife diminuíram o peso do emprego na indústria de transformação e construção civil, com o aumento no terciário no total do emprego urbano. Essas quatro metrópoles criaram aproximadamente 2,2 milhões de empregos no setor. Em Recife e Salvador, o setor representou 85% das novas ocupações, em São Paulo, 90% e no Rio de Janeiro, 95% (PACHECO, 1992).

Em 1979, cerca de 32,5% da população ocupada estava em atividades agrícolas, caindo em 1990 para 22,8%. O terciário saltou de 43,6% para 54,5%, no mesmo período. A indústria seguiu com sua participação relativamente fixa em pouco menos de um quarto da ocupação total. Observou-se, então, o crescimento da participação na ocupação total de todos os segmentos do terciário. A prestação de serviços (17,9%) superou a indústria de transformação (15,2%), com o comércio alcançando 12,9% do emprego. Em 1990, os dois segmentos junto às atividades sociais compuseram quase 40% da ocupação total do país. Ressalta-se que, apesar de queda nas ocupações agrícolas em todas as regiões com o aumento das ocupações terciárias, ocorreram diferenças regionais significativas. No sudeste, em 1989, apenas 12,2% da PO estava em ocupações agrícolas, contra 39,5% no nordeste. Com o terciário do sudeste compreendendo 58,1% da população ocupada, contra 44,4% no nordeste, e a indústria 29,6% no sudeste e 16,4% no nordeste (SABOIA, 1994).

No agregado, a tendência foi de aumento do assalariamento durante a década. Se em 1979, os assalariados eram 62,3% da PO, subiu para 64,7% em 1990. Em contraponto, reduziram-se os trabalhadores não remunerados, de 12,1% para 8%. Já os trabalhadores por conta própria permaneceram estáveis em média de 22%. Entretanto, a subida da participação dos empregados na PEA resultou em grande parte do próprio movimento de urbanização, no qual os trabalhadores não remunerados da agricultura migraram para as cidades, compondo o quadro de empregados urbanos remunerados. Quando decompostas as atividades agrícolas e não agrícolas, observou-se a não elevação da participação dos empregados assalariados no interior das atividades não agrícolas, ocorrendo, inclusive, redução de 76,3%, em 1979, para 72,9%, em 1990 (SABOIA, 1994).

No grupo dos trabalhadores assalariados, a tendência foi de subida dos empregados sem carteira assinada, comparativamente aos com carteira. Entre 1979 e 1983, caiu

substancialmente a participação dos empregados com carteira assinada, de 39,2% para 34,3%, com elevação da participação dos sem carteira, de 23,1% para 30,7%. Se comparado o início da década com o final, observou-se o crescimento da importância do emprego sem carteira assinada, com a estabilização dos com carteira (SABOIA, 1994).

Quando verificada a posse da carteira assinada, observou-se que os homens apresentaram maior frequência de carteira assinada em relação às mulheres, com 61,8% contra 55,1%, em 1990. Contudo, durante a década, as mulheres obtiveram aumento em termos de posse da carteira, reduzindo-se o diferencial com os homens. Se tratando dos setores da economia, estes apresentaram grandes diferenciais. Na indústria estavam os percentuais mais elevados, caindo no terciário e atingindo valores reduzidos na agricultura. Apesar disso, até 1983, todos os setores apresentaram queda, com a recuperação da segunda metade da década não sendo suficiente para a retomada dos níveis iniciais (SABOIA, 1994).

Relacionado à distribuição do rendimento do trabalho, evidenciou-se que este foi desfavorável, visto a dimensão da crise econômica. Com base nos dados da PNAD, observou- se que entre os anos de 1981/90, praticamente não aumentou o rendimento médio real do trabalho. Os níveis mais baixos foram nos anos de 1983/84, com o mais favorável em 1986. Em 1990, era grande o diferencial de renda entre os segmentos dos trabalhadores, com os homens ganhando 73% a mais que as mulheres. Os empregados com carteira assinada tinham um rendimento superior em 80% aos sem carteira. Se comparado, os diferenciais de rendimento entre o sudeste e nordeste, acentuaram-se ainda mais, pois os trabalhadores do sudeste ganhavam mais que o dobro do nordeste. Já os com carteira assinada daquela região recebiam salários quase quatro vezes superiores aos do nordeste (SABOIA, 1994). De tal modo, deterioraram-se os níveis reais de salários, aumentando a dispersão salarial e o desempenho relativamente melhor da renda de parcela dos empregadores e de autônomos (HENRIQUE, 1998).

Já em relação à evolução do índice de Gini para a distribuição dos rendimentos do trabalho, piorou significativamente na medida em que a década avançava. Em 1981, o índice foi de 0,564 subindo para 0,584 em 1983, estabilizando até 1987, quando atingiu 0,613 em 1988 e 0,630 em 1989, diminuindo para 0,602 em 1990. A deterioração do final da década esteve associada ao fraco desempenho dos mecanismos de indexação quanto à proteção da renda dos trabalhadores mais pobres, em um ambiente de aceleração inflacionária. Em 1990, os trabalhadores situados entre os 1% com maiores rendimentos, recebiam em média cerca de 170 vezes a mais que os trabalhadores entre os 10% mais pobres (SABOIA, 1994).

Por conseguinte, a estagnação da renda constituiu-se em outro componente de ruptura com o padrão anterior. A renda média pouco cresceu no período, somente 0,9% ao ano, entre 1981 e 1989, nas atividades não agrícolas. Paralelamente, piorou a sua distribuição. Se em 1981, os 5% mais ricos detinham 26,9% da renda, com os 50% mais pobres, apenas 18,8%, apresentando uma diferença de 14:1 entre esses grupos. Em 1989, o diferencial passou para 22:1, pois os 5% mais ricos apropriaram-se de 32,2% da renda, enquanto os 50% mais pobres, 18,5%. Uma distribuição já bastante desigual no início da década, piorando com a queda de 18,5% nos rendimentos da metade mais pobre e aumento de 28,8% da renda, dos 5% mais ricos (BALTAR & HENRIQUE, 1994).

Consequentemente, a crise dos anos 1980 significou, também, a redução da participação das remunerações do trabalho na renda total, pois contribuíram na geração do saldo comercial necessário ao pagamento dos serviços da dívida. Contudo, foram os trabalhadores das famílias pobres os mais prejudicados, visto que os das ricas auferiram aumentos expressivos de renda real. Durante a década de 1980, não houve apenas a distribuição desigual dos custos da estagnação da economia, com sua adaptação forçada ao pagamento da dívida externa. Na verdade, a maior parte dos ocupados perdeu muito, enquanto poucos continuaram obtendo ganhos substanciais de renda (BALTAR et all, 1996).

O desempenho da economia durante toda a década comprometeu intensamente o mercado de trabalho urbano, resultando em rompimento do processo de assalariamento e formalização do mercado de trabalho já bastante precário (BALTAR & HENRIQUE, 1994). Mesmo que a década tenha apresentado grande instabilidade, seguida de momentos de curta recuperação com outros de recessão, em um ambiente inflacionário, no final da década, o desemprego foi relativamente baixo. Finalizada a recessão de 1981/83, os movimentos curtos de recuperação, recobraram o emprego industrial que em 1989, assemelhou-se ao de 1980. Por conseguinte, se no início da década o desemprego foi à marca, no conjunto do período, a piora da distribuição de renda foi o mais evidenciado (DEDECCA, 2005).

Portanto, conforme Gimenez (2007) nas condições de instabilidade econômica, a expressão do rompimento com o padrão das décadas anteriores foi manifestada pelo mercado de trabalho nacional. Dado o padrão de ajustamento, acompanhado da alternância entre recessão e crescimento, de modo geral, a ruptura não se manifestou em desestruturação do mercado de trabalho com elevado desemprego aberto (presente somente no início da década) e baixo dinamismo quanto à geração de emprego, característico dos anos 1990. A ruptura foi encarada na incapacidade do mercado de trabalho em avançar como porta de entrada à incorporação social, ou apesar de um cenário de crescimento baixo e instável, inflação e

desajustes macroeconômicos, a ruptura foi vista no fato do mercado de trabalho nacional não apresentar tendência anterior de progressiva estruturação.

Assim, conforme MATTOSO (2001, p.6), no geral, o período foi

(...) de apreensão porque o fim da ditadura militar havia ocorrido sem maiores rupturas, legando à recente democracia uma extraordinária crise da dívida externa, inflação crescente, paralisia econômica e a permanência no poder dos mesmos de sempre. De alegria, porque viam que o Brasil, ainda que sem um claro projeto alternativo, havia na década de 1980 resistido às políticas neoliberais e preservado as estruturas produtivas da indústria e do mercado de trabalho (...).

O presente trecho resume bem a dualidade das emoções e a realidade defrontada pela população brasileira. Se por um lado, o legado era uma imensa crise da dívida com todas as suas consequências para a sociedade, de outro modo o alívio estava envolto, pois as políticas neoliberais não tinham ganhado campo de atuação. Embora tenha apresentado ruptura com o