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PRIVATIZAÇÕES

2.1 A economia brasileira sob o impacto da globalização econômica e a onda neoliberal – como a ideologia ganhou força e adesão

Na década de noventa, o tema da globalização marcou profundamente o debate entre as relações da economia mundial e as que o Brasil estava inserido. Reproduzindo sempre com certo atraso, as discussões iniciadas nos países centrais, especificamente nos EUA, os meios de comunicação e os intelectuais colocaram o assunto em pauta repetidamente (BATISTA JR, 1998). Quando iniciou a década, o país se submeteu às promessas de que o processo de abertura e liberalização econômica beneficiaria a economia nacional (BATISTAJR, 2000). Igualmente, a globalização econômica contempla simultaneamente três processos, quais seja (1) a expansão dos fluxos de capitais e serviços; (2) o estreitamento da concorrência internacional e, (3) a integração dos sistemas econômicos nacionais (GONÇALVES, 1999).

O tema ganhou centralidade no cenário nacional por estar diretamente relacionado às políticas econômicas adotadas desde Collor, mas especialmente com o Plano Real, a partir de 1994. Sob o signo da estabilização, políticas cambiais, financeiras e comerciais sujeitando o país às pressões internacionais foram seguidas. Ao mesmo tempo, os produtores nacionais foram submetidos ao enfrentamento da competição internacional, em bases desiguais (BATISTA JR, 2000). Quando a abertura econômica e o Plano Real inseriram a economia nacional à competição internacional, aumentaram o interesse pelo tema da globalização. Todavia, se tratando de um processo ideológico resultou na submissão dos países com certo grau de vulnerabilidade aos interesses dos grupos econômicos e financeiros dominantes, desarticulando as iniciativas nacionais e as resistências sociais (BATISTA JR, 1998).

Os determinantes da globalização estão associados a três grupos, que são os fatores tecnológicos, institucionais e sistêmicos12. Os institucionais compreendem as ideias liberais que se fortaleceram nos anos de 1980 sob os governos Thatcher na Inglaterra e Reagan nos Estados Unidos. Com a ascensão desses ideais houve crescente onda de desregulamentação do sistema econômico em escala global (GONÇALVES, 1999). Mas, somente na década de

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O presente trabalho abordará somente a ótica da globalização determinada por fatores institucionais, visto que são estes os propulsores das ideias neoliberais, que vão ao encontro dos objetivos da presente dissertação. Para maior apreciação dos outros fatores determinantes da globalização, consultar GONÇALVES (1999).

1990, após a queda de Thatcher e a ascensão de Clinton com uma visão mais pragmática das organizações multilaterais, ocorreu a inflexão hegemônica do neoliberalismo (GONÇALVES, 1994). E mais, as políticas da globalização compõem um conjunto de três fatores espaciais encarados na transnacionalização do espaço econômico dos EUA e da Ásia, bem como a completa submissão das economias periféricas endividadas (TAVARES & MELIN, 1998).

Destarte, a globalização resultou de crescente eliminação das restrições à mobilidade de capitais. Esse movimento produziu o aumento das transações cambiais e dos fluxos de capitais internacionais. Houve, então, a dissociação entre esses fluxos e os desequilíbrios em transações correntes, registrando valores superiores aos desequilíbrios e crescente autonomia do movimento de capitais frente às necessidades de financiamento correntes dos países. A globalização registrou a centralidade do dólar, do regime de câmbio flutuante e da livre mobilidade de capitais. A partir do dólar e da livre mobilidade de capitais, as demais taxas de juros e câmbio eram formadas (CARNEIRO, 1999; 2002).

O pensamento neoliberal atribuído de sua hegemonia estabeleceu um novo paradigma, regulado no predomínio das relações de mercado (com privatização e desregulamentação) e reduzida participação do Estado. Sob o discurso da globalização, apoiado no estreitamento das relações internacionais de comércio, investimentos e fluxos de capitais, às políticas de desenvolvimento competiam atrair os investidores, elevando ao limite a liberdade privada de acumulação. Ao Estado cumpria somente assegurar certas externalidades, garantindo especialmente a estabilidade de preços com uma política fiscal austera e liberdade cambial. Emergiu, assim, o predomínio dos mercados e as benesses da competição global como resposta à garantia da eficiência econômica (COUTINHO & BELLUZZO, 1996).

Todavia, a globalização não assegurou o desenvolvimento e nem a estabilidade. As economias em desenvolvimento acabaram se envolvendo em novas armadilhas e estrangulamentos macroeconômicos. Em consequência dos novos influxos de capitais que receberam durante os anos 1990, tornaram-se cada vez mais vulneráveis (COUTINHO & BELLUZZO, 1996). E mais, esse movimento resultou das tendências internacionais e foram colocados a serviço dos interesses e objetivos dos setores e nações que comandaram o processo de internacionalização (BATISTA JR, 2000).

Em novembro de 1989, funcionários do governo norte-americano e dos organismos financeiros internacionais FMI, Banco Mundial e BID se reuniram na capital dos Estados Unidos. O encontro tinha como objetivo avaliar os resultados das reformas econômicas praticadas pelos países latino-americanos, existindo consenso acerca da excelência das reformas iniciadas na região, exceção feita ao Brasil e Peru. De tal modo, a proposta

neoliberal incisivamente recomendada pelos Estados Unidos foi ratificada pelos organismos financeiros como condição quanto à cooperação financeira externa, bilateral ou multilateral. O Consenso de Washington resultou das conclusões desta reunião (BATISTA, 1994).

Inicialmente a avaliação do Consenso de Washington abrangeu 10 áreas que disciplinavam sobre: a questão fiscal; os gastos do governo; a reforma tributária; a liberalização financeira; o regime de taxas de câmbio; a liberalização comercial; o investimento direto estrangeiro; sobre as privatizações; processo de desregulamentação e propriedade intelectual. As propostas resumiam dois objetivos básicos, sendo a destruição do conceito de nação e a redução do Estado de um lado, com o máximo de abertura às importações de bens e serviços e à entrada de capitais de risco, de outro. O mercado autorregulado surgiu como absoluto nas relações econômicas seja internas ou externas (BATISTA, 1994). E o movimento de reversão dos fluxos de capitais esteve associado à proposta reformista levada a cabo pelos organismos multilaterais (COUTINHO & BELLUZZO, 1996). Destarte, o desemprego e o subemprego, a desnacionalização da economia e a dependência de capitais externos foram resultados das políticas adotadas pelo governo internamente, e não determinantes do processo global, como difundido pelo discurso ideológico da globalização (BATISTA JR, 1998).

Com sua mensagem neoliberal o Consenso de Washington ganhou força quando iniciou a administração Reagan, por ser comunicado pelas agências internacionais e pelo próprio governo estadunidense. As ideias foram vistas como sinônimo de modernidade pelas elites políticas, empresariais e intelectuais da região, dominando os seus discursos e ações. Por efeito do exposto, a tese de falência do Estado foi amplamente divulgada, encarando-o como incapaz de formular política econômica e para tanto transferindo a atribuição aos organismos internacionais, vistos como agentes independentes e desinteressados pela lógica neoliberal. Consolidou-se, assim, o pressuposto de que o Estado não estaria mais em condições de fazer política monetária e fiscal (BATISTA, 1994).

No início da década de noventa, a economia mundial presenciou o avanço e consolidação das ideias neoliberais, fortalecidas em quase todos os países. Contudo, a adoção ao ideário resultou de modo heterogêneo nas economias centrais e nas periféricas. Por isso o diagnóstico liberal feito para a crise das economias periféricas dos anos 1980 foi na direção do excessivo intervencionismo do Estado, responsabilizando-o pelas distorções alocativas e ineficiência econômica. Assim como, em que o intervencionismo estava na proteção da industrialização e de uma indústria não competitiva; na repressão financeira; insuficiência de

poupança doméstica; redução do potencial de crescimento; na fixação dos salários de modo arbitrário; e numa menor absorção da força de trabalho (CARNEIRO, 1995).

Deste modo, a adesão às políticas neoliberais resultaram em completa deterioração fiscal do Estado dada a adoção de taxas de juros elevadas, liberalização dos movimentos de capitais e flexibilização do mercado de trabalho. Os governos processaram austeros ajustes fiscais a fim de compensarem a perda de capacidade tributária do corte dos gastos e recorreram às privatizações dos serviços públicos, fazendo frente ao desequilíbrio patrimonial do Estado (TAVARES & MELIN, 1998). Sem contar que as ideias neoliberais refletiam forte apelo quanto sua própria funcionalidade e convergência aos interesses dos grupos dominantes, com a reforma fiscal atendendo ao objetivo de redução dos impostos diretos, em detrimento dos grupos de renda mais elevada. Com as desregulamentações e as privatizações, novas oportunidades de investimento foram abertas e as reduções dos gastos públicos atingiram diretamente a área social, diminuindo a proteção aos trabalhadores (GONAÇALVES, 1994).

A perda de competitividade, o excessivo endividamento externo e interno do setor público e a piora nas condições de distribuição de renda foram encarados pelos liberais como equívocos de políticas econômicas, resultando em distorções dos mecanismos de mercado e em perda de eficiência e bem estar. Portanto, o projeto neoliberal recomendava a liberalização dos mercados por meio da desregulamentação e privatização das empresas estatais como meio de retomada do crescimento e aumento da eficiência e melhora na distribuição da renda. Os mecanismos adotados seriam o ajuste fiscal, o aprofundamento financeiro doméstico, a liberalização comercial e a abertura financeira (CARNEIRO, 1995).

Todo o processo se desenhou como se as classes dirigentes latino-americanas compreendessem que a crise econômica de suas economias não resultasse de fatores externos, como o aumento do preço do petróleo, dos juros internacionais, da deterioração dos termos de troca e sim de fatores internos, associados aos equívocos das políticas nacionalistas e a forma autoritária com que o governo respondeu pela crise. Com esse diagnóstico, as reformas neoliberais foram tomadas como solução para a modernização e o atraso das estruturas econômicas e políticas (BATISTA, 1994). Contudo, o fato é que as políticas liberais foram responsáveis por intensa desregulamentação do aparato regulatório montado e feito em nome da eficiência. E a liberalização determinou intensa instabilidade econômica (CARNEIRO, 1996).

Segundo Carneiro (1999; 2002), a globalização originou-se da combinação de dois movimentos que se interagiam no plano doméstico, por meio da crescente liberalização financeira e no plano internacional, na intensa mobilidade de capitais. Ainda que relevante, a

globalização produtiva é um fenômeno que se subordina à financeira. Com a crescente onda de inovações que chegou aos processos produtivos e na organização dos mercados houve um intenso aumento nos fluxos de investimento direto estrangeiro que encontrou limite na dominância da acumulação financeira. Portanto, foi com a evolução da crise do sistema de crédito internacionalizado associada à ofensiva dos Estados Unidos com o enfraquecimento do dólar, que se criaram as condições que conceberam novas formas de intermediação financeira e o desenvolvimento de uma nova etapa da globalização. As mudanças na esfera financeira foram resultado do predomínio dos mercados de capitais em substituição à dominância do sistema de crédito dominado pelos bancos (BELLUZZO, 2017).

Foi com a globalização dos mercados financeiros e a interpenetração das estruturas empresariais que sucedeu a ultrapassagem das barreiras nacionais dentro dos países avançados e, paralelamente, a exclusão de países como o Brasil de receptor dos investimentos de ponta. A exclusão, contudo, não foi feita de forma absoluta, pois não determinou a eliminação da indústria nacional, porém o país constituiu-se como exportador de produtos industriais tradicionais e importador de produtos e serviços com alto valor agregado (MELLO, 1992).

A globalização determinou o descolamento dos fluxos de capitais dos fluxos reais, de comércio ou de IDE (Investimento Direto Estrangeiro), existindo para isso dois motivos. O primeiro foi a ampla liberalização dos fluxos de capitais resultando respectivamente no recebimento e na exportação de capitais. O segundo relaciona-se ao sistema de taxas de câmbio flexíveis e juros flutuantes. Ao viabilizarem ganhos no curto prazo com a especulação de moedas e taxas de juros, acentuaram o peso dos fluxos de capitais especulativos e de curto prazo. Por conseguinte, ocorreu o movimento da dominância da acumulação financeira sobre a produtiva (CARNEIRO, 2002). Deste modo, a ideologia da globalização ocasionou em efeitos deletérios para o Brasil, visto que por trás do discurso de um processo global estava o objetivo de frear as iniciativas nacionais e desarticular as resistências quanto aos interesses econômicos e financeiros atuando em escala internacional (BATISTA JR, 2000).

No processo de internacionalização, os anos 1990 se incorporaram às finanças desreguladas e globalizadas, da periferia do sistema capitalista. A revolução neoliberal foi universalizada a partir desse movimento, determinando a desregulamentação e a abertura das economias nacionais, com a globalização financeira alcançando uma dimensão territorial sem precedentes. Foram as relações entre o poder político e o poder do dinheiro que constituíram o núcleo gerador de energia a mover a globalização. Desse modo, essas regiões subjugaram a condução de suas políticas macroeconômicas aos interesses estadunidenses (FIORI, 1998).

Destarte, a concentração processada no poder político e financeiro não resultou espontaneamente da competição e eficiência dos mercados globalizados e sim de uma política deliberada de retomada da hegemonia mundial, por parte dos Estados Unidos. De tal modo, comandaram um jogo global, longe de beneficiar e incluir grande parte dos países do mundo (TAVARES & MELIN, 1998). Por trás do discurso da globalização se inseriam relações assimétricas de poder e dominação que compõem sua origem e explicam sua expansão e originalidade financeira (FIORI, 1998).

2.2 1990/92: Collor e a tentativa de estabilização

Ao analisar a política econômica do início da década de 1990, é importante considerar a reorientação estratégica de caráter liberal que se buscou implementar no período. O governo eleito adotou essa estratégia na política econômica e a consolidou. As razões foram tanto subjetivas como objetivas, permanecendo estritamente relacionadas com a crise prolongada que afetou a economia desde início dos anos 1980, bem como os sucessivos fracassos das experiências heterodoxas como tentativa de sua recuperação (TEIXEIRA, 1993). Desde 1991, ganharam espaço as propostas de dolarização da economia, parte atribuída ao sucesso inicial do programa de estabilização argentino com o Plano Cavallo e parte dada às fracassadas tentativas de estabilização do cruzeiro (BATISTA JR, 1993).

Em 1990 a economia brasileira apresentou pela primeira vez a hiperinflação. Em janeiro a taxa beirou os 56%, em fevereiro subiu para os 73% e em março alcançou os 84%13. O presidente Collor, ao tomar posse em 15 de março, anunciou um programa de estabilização incluindo uma profunda reforma monetária (BRESSER PEREIRA & NAKANO, 1991) e um bloqueio das aplicações financeiras, contudo pretendia ir muito além (BELLUZZO & ALMEIDA, 2002). O governo iniciou com o propósito de combater a inflação com um só golpe, porém somente conseguiu estabilizá-la em níveis superiores a 20% ao mês. De outro modo, agravaram-se os indicadores do nível de atividade e emprego, indicando um quadro ainda mais recessivo comparado ao do início da década anterior. Entretanto, permaneceu intocado o arcabouço institucional financeiro, determinando que a economia brasileira continuasse a conviver com uma conjuntura de grande instabilidade (TEIXEIRA, 1993).

As reformas comerciais liberalizantes recomendadas pelo Banco Mundial foram corretamente seguidas pelo governo e até mesmo quanto à postura assumida na Rodada

13 Índice mensurado com base no IPC – Índice de Preços ao Consumidor. Importante salientar que o valor

Uruguai, de alinhamento às posições norte-americanas na questão agrícola e nos temas normativos de serviços e propriedade intelectual (BATISTA, 1994). Entretanto, o programa econômico apresentou para a sociedade elevados custos sociais, expressos na queda do nível de atividade econômica, no aumento do desemprego e no número de falências e concordatas. Sem que fossem alcançados os resultados pretendidos pelo plano, em que pese à estabilização econômica, a conta foi cobrada (BELLUZZO & BATISTA JUNIOR, 1992).

Cumpre ressaltar que durante os três anos governados por Collor, não se pode referenciar somente uma única política de combate à inflação. Finalizada a radical experiência heterodoxa dos primeiros dias, a política de estabilização tomou um viés cada vez mais conservador, até ganhar consistência e coerência ortodoxas com a mudança da equipe econômica, em maio de 1991, sob o comando de Marcílio Marques Moreira. Contudo, a estratégia neoliberal no plano econômico manteve-se intocada. Se no curto prazo as políticas foram descontínuas, o mesmo não aconteceu no longo prazo (TEIXEIRA, 1993).

O plano Collor conferiu mudanças nos preços, no câmbio e nos salários. A orientação foi a retirada dos mecanismos de indexação automática, utilizado durante a crise como instrumento de defesa dos diferentes agentes econômicos se protegerem da inflação (BELLUZZO & ALMEIDA, 2002). O plano de estabilização, em vigor no primeiro dia de mandato apresentou quatro grupos de medida de curto prazo. O primeiro foi uma reforma monetária que bloqueou 70% dos ativos financeiros do setor privado. O segundo contou com um ajuste fiscal. Em seguida, a política de rendas baseada em um novo congelamento dos preços e, por último o câmbio flutuante. Já as de médio prazo, liberalização do comércio exterior e privatização. Porém, a principal ênfase foi para a moratória interna como meio de frear a inflação através do aperto monetário (BRESSER PEREIRA & NAKANO, 1991).

Para compreensão dos movimentos da política econômica no período, faz necessário ter ciência das continuidades e descontinuidades. Ocorreu descontinuidade em relação aos primeiros trinta dias da adoção do plano Collor I e os seus desdobramentos. Os primeiros resultados, tomados como positivos, derivaram menos do controle administrativo sobre os preços do que do bloqueio dos ativos financeiros, da ameaça de perda patrimonial para os detentores de riqueza líquida, do ajuste fiscal e da suspensão das especulações diárias com títulos da dívida, revertendo assim as expectativas altistas dos agentes (TEIXEIRA, 1993).

Dessa maneira, o bloqueio da liquidez buscou dois objetivos. O primeiro foi assegurar que a queda da inflação não resultaria em remonetização, encarada como um dos determinantes do fracasso dos programas anteriores. Já o segundo buscou alívio fiscal imediato, por meio da redução dos encargos financeiros do Tesouro, fruto dos altos juros

praticados para impedirem a fuga dos aplicadores para ativos reais e de risco. O segundo objetivo, entretanto, constituiu em problema central, pois incidiu no risco da remonetização. O motivo principal para processar o bloqueio da liquidez foi o de impedir que os possuidores a usassem livremente por algum tempo, para efetuarem o controle da remonetização e dos movimentos especulativos depois da desinflação. A redução do custo de rolagem da dívida pública mobiliária foi o segundo objetivo do bloqueio (CARVALHO, 1996).

No dia 16 de março foram bloqueados 66% dos ativos financeiros do chamado M414. No total foram cerca de quatro trilhões e duzentos bilhões de cruzados novos, registrados no dia 13 e, no dia 19 somente um e meio trilhões de cruzeiros estavam disponíveis. Essa condição não se sustentou por um período prolongado, pois rapidamente a equipe econômica foi surpreendida com a retomada do movimento de subida dos preços e expansão da liquidez. Já no final de abril de 1990, o total do M4 compreendeu mais de três trilhões de cruzeiros, aproximando-se dos quatro trilhões no final de maio, retornando próximo ao nível que se tinha antes do plano. A expansão da liquidez não determinou somente os reajustes nos preços e a valorização dos ativos especulativos que elevou a inflação para os 10%, mas restabeleceu para o sistema econômico os mesmos comportamentos, mecanismos e instituições do período anterior. O aumento da demanda por ativos financeiros altamente líquidos e a fuga da moeda não indexada restabeleceram as expectativas altistas dos agentes, recuperando a capacidade de criação endógena da moeda. Esses mecanismos só foram viabilizados porque a equipe econômica permaneceu ativa no circuito da ciranda financeira (TEIXEIRA, 1993).

Um quadro de derrota ao plano estava configurado, sem nem dois meses da ocorrência do choque. Quando a liquidez foi recomposta praticamente nos mesmos níveis de antes, representou a recusa da elite rentista do país em incorrer em perdas patrimoniais presentes no plano. Tudo isso, acrescido da decisão do governo de manter os mecanismos da ciranda que reconstituiu a circulação financeira em cruzados e formou um mercado de conversão, assim como a troca de posições credoras e devedoras pelos agentes e ajuste patrimonial, fez com que em maio as posições fossem retomadas, recuperando o nível de liquidez e o controle sobre o mecanismo de criação de moeda (TEIXEIRA, 1993).

Com a exposição desse quadro, a política econômica deixou os pressupostos iniciais que sustentavam o plano, adotando uma política monetária de corte ortodoxo e de controle da demanda agregada, claramente recessiva. As principais medidas foram a fixação pelo CMN (Conselho Monetário Nacional) em meados dos anos de 1990, de metas rígidas quanto a

14 M4 é a soma referente ao M1 e de todos os demais ativos financeiros. De modo que, o M1 compreende a soma

expansão monetária. A partir de então, a política monetária processou um rígido controle sobre a quantidade de moeda, tornando esse mecanismo a âncora da política de estabilização, na qual a flutuação dos juros seguiu as forças do mercado. Contudo, com a subida dos juros a especulação financeira foi reforçada, determinando a expansão da dívida pública e a ameaça ao compromisso com as próprias metas relacionadas ao déficit operacional, dadas a maior carga associada ao seu serviço e à recomposição da ciranda financeira (TEIXEIRA, 1993).

Como objetivo de sustentar a política monetária, o governo recorreu a outras medidas