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CAPÍTULO 1: O LEGADO DA DÉCADA DE OITENTA: A ORIENTAÇÃO DA

1.4 Os anos de 1984/86: transição e recuperação

O ano de 1984 foi favorecido pela recuperação da economia mundial, apoiada no crescimento das importações dos Estados Unidos, em benefício de todos os países (TAVARES, 1998). Os anos de 1984/86 no Brasil marcaram um período de transição da recessão e caos financeiro para o início da retomada do crescimento ligado às exportações, iniciado com a Nova República, depois de 1985. Três fases marcaram o período, a saber, (1) entre março e setembro de 1985, a da primeira tentativa; (2) a da unificação da administração da economia com a substituição do Ministro da Fazenda e, (3) após fevereiro de 1986, com o Plano Cruzado (CARNEIRO & MIRANDA, 1986).

Passada a fase recessiva, a economia brasileira, especificamente o setor industrial, iniciou, a partir de 1984, um movimento de recuperação puxado pelo setor exportador permitido através dos déficits comerciais dos EUA. Nesse ano, as exportações brasileiras cresceram mais de 23%, acompanhadas de queda nas importações. As demandas agrícolas por máquinas e equipamentos tiveram importante participação na retomada. Todavia, embora o emprego tenha se recuperado, os índices foram pouco expressivos e os investimentos agregados se mantiveram em níveis baixos (TEIXEIRA, 1993).

Marcada ainda pela política econômica restritiva, o intenso desempenho da balança comercial determinou a retomada gradativa da produção corrente. A política econômica foi em direção do reordenamento da economia controlando as finanças públicas e a inflação, buscando assim a geração de elevados saldos comerciais que permitissem a transferência de recursos externos. A adoção do mecanismo resultaria na contenção do aumento do nível de endividamento do país. Para além da recessão, as medidas agravaram o processo inflacionário que saltou dos 100% em 1981/82 para 230% em 1983/84 (CARNEIRO & MIRANDA, 1986).

Buscando ainda compreender o processo de recuperação iniciado em 1984, torna-se importante evidenciar o ajustamento patrimonial realizado pelo setor privado no período anterior, via saneamento financeiro. A política recessiva do período com juros elevados fez com que as empresas saldassem seus compromissos bancários e utilizassem os superávits no mercado monetário de curtíssimo prazo, financiando seu próprio capital de giro. Somente as estatais permaneceram devedoras junto ao sistema bancário, pois não possuíam autonomia em suas decisões empresariais, sendo assim obrigadas a reduzirem os seus investimentos e ampliarem os empréstimos externos. Importante destacar o aumento da sua participação no crédito bancário interno de 2% em 1981 para 60% em 1984 (TEIXEIRA, 1993).

Em 1984 a balança comercial auferiu superávit de US$ 12 bilhões. Contudo, esse resultado foi alcançado incidindo em mais aperto em meio a um ambiente com circunstâncias

ainda piores para o país e mais favoráveis à comunidade financeira internacional (TAVARES & ASSIS, 1986). Esse resultado só foi possível via aumento das exportações e redução das importações, em meio a um cenário de melhora na conjuntura externa marcada pela expansão do mercado norte-americano e o início da recuperação das economias latino-americana e africana, assim como os estímulos por meio da política cambial (CASTRO & SOUZA, 2004). Simultaneamente ao saldo positivo da balança comercial, o país adentrou em um processo de crescente remoção dos incentivos antes feitos às exportações dos manufaturados. A partir de novembro foi feita a eliminação quase total dos créditos subsidiados e a redução progressiva do crédito prêmio do IPI (Imposto sobre produtos industrializados). Ainda em 1984, as compras externas foram bastante facilitadas, de início pelo resultado do fim da centralização cambial em março e, em seguida, pelo pacote de liberalização das importações, aprovado em setembro pelo Conselho Monetário Nacional (CASTRO & SOUZA, 2004).

Em relação à dívida brasileira, entre 1979 a 1984, chegou aos US$ 100 bilhões sem que praticamente adentrasse novos recursos no país, tratando exclusivamente de refinanciamento das dívidas já contratadas (TAVARES & ASSIS, 1986), correspondendo cerca de 50% do PIB, em 1984. Os encargos com os juros líquidos também acentuaram, representando 38% das exportações e em média 5% do PIB (CASTRO & SOUZA, 2004). Ocorreu queda na taxa de poupança e investimento, acompanhada de um aperto de liquidez crescente que só aparentemente se destinava ao combate da inflação. O objetivo foi o de processar o financiamento em cruzeiros do ajuste recessivo para a produção de dólares (TAVARES & ASSIS, 1986). Em fins de 1984, o PIB registrou um crescimento de 4,9% e um superávit comercial de US$ 13 bilhões, porém a questão inflacionária continuou presente. A inflação já superava os 200% anuais, alimentada pelo componente da especulação financeira, mostrando os desequilíbrios de fundo da economia brasileira (TEIXEIRA, 1993).

Em 1985, gradativamente, a demanda interna foi se recuperando. O setor agropecuário cresceu em média 8,8% e a indústria também apresentou taxas elevadas, com a extrativa mineral crescendo 11,5%, a de transformação 8,3%, a construção chegando a 11,3% e os serviços de utilidade pública, 10,2%. O comércio assistiu a uma expansão de 8,7%, o setor de comunicações 16,9%, e o governo 2,4%. Já a intermediação financeira cresceu 10%. Esses resultados determinaram um aumento do PIB de 8,3%. O processo inflacionário acelerou a partir do último trimestre do ano, em resposta a mudança dos preços relativos combinada ao sistema de indexação da economia (CARNEIRO & MIRANDA, 1986).

Já a dívida externa líquida entrou em processo de estabilização, resultado da diminuição da taxa de juros internacionais e de um elevado saldo na balança comercial. No

entanto, o saldo só foi possível dado ao aumento do quantum exportado visto que os preços dos produtos exportáveis brasileiros sofreram queda generalizada, especialmente as commodities (CARNEIRO & MIRANDA, 1986). De tal modo, em 1985, a economia brasileira alcançou um superávit comercial de US$ 12,45 bilhões, com o acúmulo de reservas garantindo segurança quanto à renegociação da dívida brasileira (SOUZA, 1986).

Ao assumir em 1985, o novo governo, como opção de política econômica, manteve as mesmas linhas adotadas anteriormente. O Ministro da Fazenda, Francisco Dornelles, tratou o déficit público como de origem fiscal realizando corte dos gastos, onde as estatais receberam maior atenção por serem consideradas as principais responsáveis por eles. Simultaneamente elevaram-se as taxas de juros com o intuito de inibir o consumo, incentivar a poupança e facilitar a colocação de títulos públicos no mercado (OLIVEIRA & BIASOTO JR, 1986). A política econômica da Nova República resultou da combinação de um diagnóstico conservador quanto à origem do déficit público e seus efeitos sobre a inflação e de uma política salarial menos ortodoxa, sofrendo as principais acomodações que permitiram uma recuperação das perdas verificadas durante a recessão. Não obstante, o custo financeiro da dívida mobiliária e bancária, bem como os encargos sobre os depósitos em moeda estrangeira no BACEN somavam-se à contrapartida em cruzeiro do pagamento da dívida externa, conferindo ao déficit uma dimensão financeira. O corte dos gastos foi uma tentativa de redução do déficit, da dívida interna e da inflação, com aposta na elevação da carga tributária, colocação de títulos e emissão de moeda (CARNEIRO & MIRANDA, 1986).

Diante de um quadro inflacionário deteriorado e de uma política econômica inconsistente, o Ministro foi substituído por Dilson Funaro, que se distinguiu da gestão anterior. A partir de agosto/setembro de 1985, novas diretrizes foram tomadas: (1) a manutenção do crescimento econômico tanto para sustentar o governo politicamente, como para superação dos problemas econômicos; (2) renegociação dos compromissos da dívida, tentando afastar-se do FMI; e (3) tentativa de articular a resolução do problema do desequilíbrio financeiro, sem priorizar o corte dos gastos públicos. Apostavam na redução dos juros, acompanhado do aumento da carga tributária e recuperação das tarifas e preços públicos (KANDIN, 1986).

As primeiras medidas tomadas pela nova administração foram no sentido de instituírem nova fórmula de correção monetária que se igualava à inflação do mês anterior e uma política monetária menos atuante, que conseguiu reduzir em 30% as taxas de juros pagas aos títulos públicos. A inflação apresentou queda em seu nível mensal, chegando a 221,4% em julho. Já em setembro, a opção de política econômica da Nova República apresentou-se

como uma alternativa de risco. O redirecionamento do crescimento econômico para o mercado interno após forte recessão dos anos anteriores, em um cenário de pressão das dívidas interna e externa sobre as finanças e o Balanço de Pagamentos com uma inflação beirando os 230% sustentada na indexação, determinou um sistema ainda mais vulnerável e cada vez mais inviável (CARNEIRO & MIRANDA, 1986).

Diante de uma inflação que se autoalimentava através da indexação, a opção de combatê-la foi por meio de um choque heterodoxo, o Plano Cruzado, feito através do congelamento total e generalizado de preços, salários e câmbio (garantindo subsídio implícito ao setor privado, especialmente aos exportadores) e rendimentos, acrescido de uma política monetária e fiscal passiva. Para o congelamento de preços e salários recorreu-se às médias, deixando a taxa de juros livre (CARNEIRO & MIRANDA, 1986). Quanto ao câmbio, a taxa de câmbio vigente no dia anterior ao plano foi fixada. Além do mais, introduziu a nova moeda, o cruzado, em substituição ao cruzeiro do qual se retirou três zeros (BRESSER PEREIRA, 1986). Com a desindexação, o plano eliminou a possibilidade de ganhos financeiros, manifestando assim uma clara preferência pelos ativos reais em detrimentos daqueles (CARNEIRO & MIRANDA, 1986).

Tabela 3 - BRASIL – Evolução da dívida bruta, líquida, reservas internacionais, PIB real e inflação 1984-1986 (em bilhões, US$)

Ano Dívida externa bruta de longo prazo Dívida Líquida Reservas Internacionais PIB Inflação 1984 1985 1986 91,0 95,8 101,7 79,0 85,3 95,0 12,0 10,5 6,7 5,4 7,9 7,5 215,26 242,23 79,66 Fonte: Adaptado Carneiro (2002, p. 130); IBGE apud QUADROS, 2003, p. 26/27; Ipeadata (2017).

O ano de 1985 também refletiu as ambiguidades do ano anterior. O PIB com um crescimento de 8,3% registrou o melhor desempenho até então. O salário médio da indústria cresceu e o salário mínimo real aumentou 7,5%. O saldo comercial atingiu os US$ 12,5 bilhões, com as exportações declinando e as importações mantiveram seu valor. O governo pôde cumprir seus compromissos externos e manteve intacta a situação de fragilidade cambial. Porém, essas medidas não exerceram controle sobre a inflação que alcançou os 225%, apresentando tendência aceleracionista em consequência da mudança nos preços relativos a nível internacional impactando nos produtos primários de exportação. A instabilidade continuou preservada dada a não alteração do padrão de negociação da dívida brasileira e dos mecanismos de geração de recursos para pagá-la. Com a estatização da dívida,

ao Banco Central cumpria a responsabilidade de geração de divisas para arcar com o serviço da dívida, porém as divisas eram de responsabilidade do setor privado (TEIXEIRA, 1993).

Durante os anos de 1985/86 a transferência de recursos reais foi inferior a de recursos financeiros, sinalizando a perda de reservas, especialmente a partir de 1986, atingindo US$ 4,25 bilhões. As razões derivaram da recuperação da absorção doméstica que deprimiu o superávit da balança comercial e a redução do financiamento externo (CARNEIRO, 1991). Implementado em 28 de fevereiro de 1986, o Plano Cruzado, representou descontinuidade em termos de política econômica. O plano contou com uma combinação entre a reforma monetária e o congelamento de preços, salários e câmbio. Marcado por um quadro de incertezas quanto aos resultados, o mecanismo de recomposição dos salários pela média dos últimos seis meses (setembro de 1985 a fevereiro de 1986) utilizou uma margem de segurança de 8% sobre os salários e de 15% sobre o salário mínimo. Estabelecida a escala móvel para os salários, toda vez que a inflação atingisse os 20% o gatilho salarial era utilizado, garantindo que seu valor integral fosse reconstituído (TEIXEIRA, 1993). Por conseguinte, a meta passou a ser alcançar inflação zero (AVERBUG, 2005).

Passado o período recessivo, já em 1984 a produção industrial retomou o crescimento, estimulada pelo aumento das exportações em um ambiente em que a demanda interna mantinha-se deprimida. Embora em 1985/86 tenha ocorrido uma desaceleração no ritmo de expansão, a produção continuou a crescer, agora puxada pelo mercado interno em franca recuperação dado à expansão do consumo e à retomada dos investimentos. A indústria de bens de capital e as de consumo duráveis liderou o crescimento econômico (SUZIGAN, 1986). De fato, em 1986, durante a vigência do Cruzado, aconteceu um boom de investimentos, apoiado na expansão do crédito bancário (BELLUZZO & ALMEIDA, 2002).

O êxito atribuído ao plano, em 1986, foi decorrente dos valores positivos das variáveis macroeconômicas. A inflação foi encurtada à metade e mantida em níveis reduzidos durante os oito meses que se seguiram ao plano. O produto cresceu 8,1% e o produto industrial, 12,1%. A despeito dos resultados, a produção agropecuária sofreu queda devido à quebra de safras, resultando em choque nos preços agrícolas e dificultando a ação de estabilização da política econômica. Diante desse quadro, a decisão de importar tardou e o peso recaiu sobre entidades estatais, não havendo tempo dos mecanismos requeridos evitarem os fatores que ameaçavam com o rompimento do êxito do plano (TEIXEIRA, 1993).

Em setembro quando o saldo comercial começa a deteriorar, o governo moveu o câmbio. O episódio, associado ao aumento dos juros pelo BACEN, determinou que fossem retomadas as expectativas aceleracionistas dos agentes perante o reaparecimento das

manifestações de desequilíbrio das contas públicas. A tentativa do governo de recuperar sua capacidade de gasto através de um ajuste fiscal resultou na retroalimentação da inflação e colocou abaixo os êxitos iniciais do plano (TEIXEIRA, 1993).

O potencial de desestabilização que ameaçou a economia durante a vigência do congelamento de preços promovido pelo Plano Cruzado foi feito pelo deslocamento da riqueza financeira para a posse de bens e ativos reais. Os principais determinantes do fracasso do plano foram o efeito riqueza e o aumento excessivo de crédito concedido pelo sistema bancário, pois acomodou o ritmo da demanda agregada a uma oferta estagnada (BELLUZZO & ALMEIDA, 2002). Outro responsável tratou-se da permanência do câmbio fixo entre fevereiro e novembro, associado ao aumento da demanda, resultando na deterioração das contas externas (CASTRO, 2005). Por isso, com o afrouxamento do controle de preços, a partir de novembro de 1986, a inflação retornou (BELLUZZO & ALMEIDA, 2002).

Entre os anos de 1985/86 a carga tributária foi elevada, refletindo a retomada do crescimento econômico e a redução da renúncia fiscal. Contudo, com o fracasso do Plano Cruzado abriu-se espaço para a hiperinflação. O programa consistiu numa reforma monetária seguida da desindexação e congelamento dos preços e durante seis meses a inflação mantivera-se em níveis reduzidos, criando uma falsa sensação de estabilidade (CARNEIRO, 1991). Diante de ameaça de constrangimentos em sua rentabilidade, as empresas líderes incorporaram essas expectativas em suas decisões, refletindo diretamente na formação dos preços após 1986 (BELLUZZO &ALMEIDA, 2002).