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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo Doutorado em Arquitetura e Urbanismo

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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo

Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo

Doutorado em Arquitetura e Urbanismo

De Plano Piloto a metrópole: a mancha urbana de Brasília

Jusselma Duarte de Brito

Tese apresentada ao Curso de Doutorado em Arquitetura e Urbanismo, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade de Brasília, como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor em Arquitetura e Urbanismo.

Orientadora: Prof.ª Dra. Sylvia Ficher

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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo

Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo

De Plano Piloto a metrópole: a mancha urbana de Brasília

TESE DE DOUTORADO EM ARQUITETURA E URBANISMO

Jusselma Duarte de Brito

BANCA EXAMINADORA:

________________________________________________________ Profª. Dra. Sylvia Ficher (orientadora)

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília

________________________________________________________ Prof. Dr. João Carlos Teatini de Souza Clímaco

Faculdade de Tecnologia da Universidade de Brasília

______________________________________________________ Prof. Dr. Andrey Rosenthal Schlee

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília

________________________________________________________ Prof. Dr. Gustavo Lins Ribeiro

ICS / Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília

________________________________________________________

Prof. Dr. Murilo Azevedo Marx

Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo

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AGRADECIMENTOS

Gostaria de iniciar expressando minha gratidão à professora Sylvia Ficher pela confiança depositada em meu projeto e por nortear – fiel ao seu estilo crítico e criativo - meus passos nessa trajetória. Seu entusiasmo com o tema foi o maior estímulo para que me aventurasse em estudo sobre Brasília e sua conduta em pesquisa foi, do mesmo modo, um exemplo inspirador.

Ao longo do processo acumulei dívidas também com outros professores. Rafael Sanzio, Gustavo Lins Ribeiro, João Carlos Teatini, Andrey Schlee e Murillo Marx ofereceram contribuições em diversas fases do processo - da concepção de mapas a arguições pertinentes e instigantes nos exames de qualificação e final. Com conhecimentos trazidos da geografia, antropologia, engenharia e urbanismo ajudaram-me a aprofundar a abordagem e a enriquecer a investigação.

Devo lembrar ainda aqueles que se esforçaram em atender minha demanda e propiciaram meu acesso aos repositórios das empresas de governo de Brasília. Graças a Sandra, Flávia, Marcelo e Carmem, do ArPDF; José Aguimar, da SEPLAG; Arides, Antunes e Marcello, da CAESB; Luisa Helena e Nelson, da NOVACAP; Luiz Tanezini, Maria Helena e Sônia, do DER, e Elme, da TERRACAP - descobri verdadeiros tesouros documentais, muitos ainda intocados.

Embora tenha pleiteado, não recebi apoio da instituição responsável pelo fomento e formação de recursos humanos para pesquisa no país - o CNPq – onde, por ironia, trabalho há mais de vinte anos. Mas quem pode contar com a amizade de Marcio e Edilson, queridos companheiros de jornada, supera qualquer dificuldade.

Ao Silvio – sempre disposto a enfrentar desafios – devo a competência do geógrafo na confecção dos mapas, cujos desenhos foram ainda mais aperfeiçoados pela designer Josemeire Coelho, parceira cuja benevolência não mede distância.

Dentre aqueles que partilharam de todo o processo de produção da tese, Dayse foi a interlocutora paciente e generosa que leu esboços, revisou textos com competência e ajudou a melhorá-los. Minha doce amiga, a você tenho infinita gratidão.

Não esquecerei também o apoio dos amigos Júnior, João e Raquel, fiéis aliados da Secretaria. Este trabalho deve muito a esses e outros companheiros de viagem dos cursos de Pós-Graduação da FAU, futuros mestres e doutores que me acompanharam de perto e torceram sinceramente para que tudo desse certo.

O apoio da família foi a base para persistir na tarefa. Guilherme, André e minha mãe compreenderam meu isolamento momentâneo e minha obstinação. Vocês estão todos aqui nos espaços não preenchidos das folhas que se seguem. São sua memória e alma.

Pai, você foi a luz divinal.

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RESUMO

Conjunturas políticas da fundação de Brasília e um cenário de expansão acelerada fizeram com que experiências deste processo de urbanização fossem ignoradas, e que idéias pouco fundamentadas sobre seu curso ganhassem voz, sem uma necessária revisão. Com a proposta de contribuir para a historiografia crítica da cidade, o estudo investiga questões relativas ao crescimento da aglomeração, bem como os fatores que concorreram para que a cidade alcançasse a configuração atual, que revela um processo dinâmico de construção de sua estrutura formal e uma possível interpretação de seus condicionantes.

Fazendo uso de base documental orientada para a infraestrutura pública implantada no território, este estudo constrói um panorama do processo de urbanização em foco, desde o ano de 1955 – quando se intensificam as intervenções no sítio destinado à Brasília – até os dias atuais, investigando de maneira específica o papel desempenhado pela estrutura rodoviária e de sistemas técnicos (redes de abastecimento, saneamento e eletrificação) no delineamento da ocupação ocorrida, seja ela dirigida ou espontânea. Em vista das condições de surgimento da cidade – em território parcamente ocupado e com a posse da terra e o planejamento tão fortemente centralizados nas mãos do Estado – o estudo do crescimento da aglomeração, bem como de suas condicionantes permitiu desvendar novas lógicas para a disposição atual, evidenciando-se que a cidade de Brasília não pôde escapar a certas regras da condução urbana.

PALAVRAS-CHAVE:

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ABSTRACT

Political conjunctures of Brasilia foundation and a scenario of an accelerated expansion made the experiences from this urbanization process to be forgotten and a lack of fundamental ideas made its development to be not revised. Pretending to contribute for the critical historiography of the city, the study investigates related questions to the agglomeration growth and the issues that had led to the actual configuration, looking forward to disclose a dynamic process of construction of its formal structure and a possible interpretation of their reasons.

Through a base documental oriented to the public infrastructure, implemented in the territory, it builds a panorama of the urbanization process in focus, since 1995 – when the interventions in the area destined to Brasilia were intensified – until the current days, investigating closely the freeway structure and the technical systems (network supplying, sanitation and electrification) formed on drawn occupation, either it’s directed or spontaneous. Analyzing the aspects, it concludes that, even if considering the sprouting conditions of the city – in less occupied territory, land possession and the strong planning centered in the hand of the state – the growth study allowed to observe new logics to the format of actual agglomeration, evidencing that the city of Brasilia could not escape from certain urban rules.

KEY WORDS:

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LISTA E FONTES DE FIGURAS

CAPITULO 1

FIG. 1 – Plano ferroviário Rebouças de 1874 - http//www.brazilia.jor.br FIG. 2 – Plano ferroviário Comissão Cruls de 1890 - http//www.brazilia.jor.br FIG. 3 – Plano Ferroviário Nacional de 1956 - http//www.brazilia.jor.br FIG. 4 – Acessos rodoviários a Brasília (1959) – ArPDF

MAPA SÍNTESE 1955

CAPITULO 2

FIG. 5 – Caminhos nas terras do futuro Distrito Federal (1957) – Revista Brasília novembro 1957.

FIG. 6 – Obras da barragem do Paranoá - ArPDF

FIG. 7 – Barracos montados à margem da estrada para a Barragem - ArPDF FIG. 8 – Residência Provisória na Fazenda do Gama e pista de pouso – ArPDF Fig. 9 – Levantamento aero-fotogramétrico das obras do Plano Piloto (1958) - ArPDF FIG. 10 – Ocupações por acampamentos operários (1959) - ArPDF

FIG. 11 - Mapa Clóvis Magalhães (final dos anos 1950) - http//www.brazilia.jor.br FIG. 12 – Cidade Livre (Núcleo Bandeirante (1958) - ArPDF

FIG. 13 – Taguatinga (entre 1958 e 1960) - ArPDF FIG. 14 – Candangolândia (1958) - ArPDF

FIG. 15 – Reservatório de água no Cruzeiro (1958) - ArPDF MAPA SÍNTESE 1960

PLANEJAMENTO DA OCUPAÇÃO 1960 – DEP / NOVACAP

CAPITULO 3

FIG. 16 - Obras da Fundação da Casa Popular em Brasília - ArPDF FIG. 17 – Eixo Rodoviário Sul em 1960 - http//www.geocities.com

FIG. 18 – Luminária taco de golfe Super Quadras (1960) - http//www.ceb.com.br FIG. 19 – Luminária Power Groove no Eixo Rodoviário Sul de Brasília (1960) - http//www.ceb.com.br

MAPA SÍNTESE 1965

CAPITULO 4

(8)

FIG. 22 - Zona Central Sul do Plano Piloto em (1968-1969) - http//www.geocities.com FIG. 23 - Luminárias Power Glow no Parque da Cidade (1972) - http//www.ceb.com.br MAPA SÍNTESE 1975

CAPITULO 5

FIG. 24 – Zoneamento sanitário (1970) – PLANIDRO FIG. 25 – Proposta de ocupação (1977) – PEOT

FIG. 26 – Ceilândia e suas expansões – http//geocities.com

FIG. 27 - Cadastro abastecimento de água - Ceilândia 1983 - Mapoteca Caesb MAPA SÍNTESE 1986

CAPITULO 6

FIG. 28 – Proposta para Quadras Econômicas 1985 – MALAGUTTI (1996) FIG. 29 – Proposta para expansão de Brasília (1987) - Brasília Revisitada FIG. 30 – Implantação de Águas Claras – www.geocities.com

FIG. 31 – Setor Sudoeste década de 1990 - http//geocities.com FIG. 32 – Lago Sul 1990 - DEPHA

FIG. 33 – Vila Planalto 1990 - DEPHA

FIG. 34 - Redes de abastecimento Gama (1991) – Mapoteca Caesb

FIG. 35 - Redes de abastecimento Núcleo Bandeirante (1983) – Mapoteca Caesb FIG. 36 – Proposta de ocupação (1992) - PDOT

FIG. 37 – Proposta de ocupação (1996) - PDOT MAPA SÍNTESE 1995

CAPITULO 7

FIG. 38 – Plano Piloto (tomada da EPCT – Colorado - em 2008) FIG. 39 - Taguatinga e Águas Claras - http//www.geocities.com FIG. 40 – Sudoeste, Octogonal e Cruzeiro - http//www.geocities.com FIG. 41 – Núcleo Bandeirante - http//www.geocities.com

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LISTA DE QUADROS E TABELAS

QUADRO I - PREFEITOS DO DISTRITO FEDERAL - 1960 A 1969 112

TABELA 1 - POPULAÇÃO RECENSEADA (1959 / 1960 / 1964) 113

TABELA 2 - CAPACIDADE DE FORNECIMENTO DE ÁGUA NO PLANO PILOTO E

CIDADES-SATÉLITES EM 1963 121

TABELA 3 - ESTIMATIVAS DO CRESCIMENTO DEMOGRÁFICO NO DISTRITO FEDERAL 132

TABELA 4 – DF POPULAÇÃO POR LOCALIDADE - 1O DE SETEMBRO DE CADA ANO 138

TABELA 5 – SERVIÇOS ENERGIA ELÉTRICA NOS NÚCLEOS URBANOS DO DF EM 1965 140

TABELA 6 - DISTRITO FEDERAL – FAVELAS 1982 154

TABELA 7 - ABASTECIMENTO DE ÁGUA – ATENDIMENTO ATINGIDO EM 1976 157

TABELA 8 - SERVIÇOS PÚBLICOS DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA 158

TABELA 9 - PROGRAMA ASSENTAMENTO PARA A POPULAÇÃO DE BAIXA RENDA

(1991) 175

QUADRO III - GOVERNADORES DO DISTRITO FEDERAL - 1969 A 2007 176

TABELA 10 - OBRAS E SERVIÇOS DE URBANIZAÇÃO EXECUTADOS EM 1988 182

TABELA 11 - OBRAS E SERVIÇOS DE URBANIZAÇAO EXECUTADOS – 1991 182

TABELA 12 - OBRAS E SERVIÇOS DE URBANIZAÇAO EXECUTADOS – 1993 183

TABELA 13 - REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA / ASSENTAMENTOS REGISTRADOS

1995/1998 200

TABELA 14 – PROG. REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA/ASSENTAMENTOS

REGISTRADOS1999 201

TABELA 15 – OPERAÇÕES DE CONTROLE DA OCUPAÇÃO 203

TABELA 16 - EXTENSÃO DAS REDES DE DISTRIBUIÇÃO IMPLANTADAS EM 1997 205

TABELA 17 - EXTENSÃO DAS REDES COLETORAS DE ESGOTO IMPLANTADAS EM

1997 206

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SUMÁRIO

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INTRODUÇÃO

A história é um grande palanque político, depende de quem vos fala. Luís Sávio de Almeida1

Às vésperas de completar cinquenta anos, Brasília2 ainda povoa o ideário

corrente como obra do herói arrojado que serviu a uma causa nacional. Assim como foi idealizada a figura de Juscelino Kubitscheck que passou à posteridade, a expectativa de que o crescimento da cidade se mantivesse limitado a um determinado número de habitantes também se perpetuou. Idéias imbricadas a conceitos trazidos do Movimento Moderno - guardião fiel do controle urbano e vigilante zeloso de prováveis desvios de seus fundamentos - e concepções não suficientemente elaboradas em torno da transferência da sede de governo foram realimentadas com impressionante facilidade.

Brasília sempre chamou a atenção dos estudiosos por alcançar, desde a sua fundação, taxas de crescimento demográfico superiores à média nacional. Já nos anos inaugurais, em fins da década de 1950, seu crescimento não poderia ser atribuído ao processo incremental de urbanização. Em menos de meio século, foram alcançados índices metropolitanos em um território até então esparsamente ocupado, projetando-se para o final da próxima década uma população superior a 3 milhões de habitantes. Hoje, o seu centro urbano, o Plano Piloto, com traçado de Lúcio Costa, escolhido por júri internacional em 1957, representa a parcela menor de um aglomerado classificado recentemente como terceira metrópole nacional.

As conjunturas políticas do advento de Brasília e o cenário de expansão acelerada, que não encontra similar em território brasileiro, permitiram que muitas experiências deste processo de urbanização fossem relegadas ao esquecimento e que algumas idéias pouco fundamentadas sobre seu curso ficassem sem uma necessária revisão. Embora sejam muitos, e relevantes, os estudos que vêm contribuindo para a sua historiografia, a Capital Federal, hoje metrópole, ainda requer que lhe tracem quadros realistas e documentados sobre sua história.

Interessou-nos de modo especial contribuir para a historiografia crítica de Brasília, o que foi, de fato, o maior objetivo deste estudo. Ancorando-nos na excepcional capacidade do sítio urbano em conservar a estratificação histórica em sua

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materialidade e, de modo particular, em revelar um processo dinâmico de construção em sua estrutura formal, objetivou-se, a partir desses atributos, elaborar uma possível leitura do processo de crescimento da Capital.

A base documental eleita para o estudo, orientada para a infraestrutura pública implantada no território sob a influência de Brasília, foi proveitosa por dois motivos. Por um lado, considerando a especial capacidade demonstrada pela ocupação urbana de se orientar pela presença desses investimentos, permitiu a análise de questões relativas ao crescimento da aglomeração, seja ele dirigido ou espontâneo. Além disso, por recorrer a informações tomadas de fontes primárias, a pesquisa pôde propiciar o resgate de especificidades do processo histórico em foco.

Uma primeira palavra sobre a escolha e o método

O processo de urbanização deflagrado a partir da transferência da sede do governo federal para o planalto goiano foi, desde o início, a motivação maior da pesquisa. Havia também o propósito de deslocar o foco da análise do centro urbano - o Plano Piloto - já bastante estudado, para a totalidade do território: uma tentativa de entender o crescimento da aglomeração de um ponto de vista mais global. Determinante neste sentido foi tomar contato com os registros da ocupação territorial de Brasília sistematizados no conjunto de quatorze mapas do geógrafo e professor Rafael Sanzio dos Anjos e já aplicados pelo autor em estudo das estruturas dinamizadoras e inibidoras do processo.3

Elaborar uma perspectiva histórica para a evolução da inscrição material de Brasília sobre o território - nesta pesquisa denominada “mancha urbana” - requeria, no entanto, instrumentos de análise suficientemente genéricos para que se pudesse observar a cidade e reconhecer suas lógicas de expansão. E para que fizessem sentido os vestígios históricos do crescimento da cidade, representados em sua inscrição material, foi necessário estabelecer alguns eixos que sumarizassem as hipóteses que poderiam explicar tal processo de expansão urbana.

Foram definidas, então, as seguintes questões: como Brasília, partindo do modelo polinuclear de ocupação inicial (este, sim, bastante estudado e

2 Quando nos referirmos a Brasília neste trabalho estaremos tratando do conjunto que é

também conhecido por Distrito Federal.

3Sugere-se a consulta ao artigo “Estruturas básicas da dinâmica territorial no Distrito Federal”,

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adequadamente aclamado como representante de um urbanismo segregacionista), havia alcançado os dias atuais como uma cidade em tecido quase contínuo? Que elementos haviam atuado na trajetória que vem interligando esse território? Quando e por meio de que atores haviam ocorrido as mudanças? Em que fases, e com que fundamentos, o planejamento territorial teria gerenciado esse crescimento? E ainda, se diante de tão poucos empecilhos geográficos a cidade poderia, teoricamente, ter crescido para todos os lados, por que preferiu determinadas direções? Haveria lógicas mais universais que possibilitassem revelar esse padrão de crescimento?

Neste momento, quando o projeto de pesquisa ainda se encontrava em maturação, a orientadora do estudo, Sylvia Ficher, apresentou-me dois trabalhos decisivos para a sua condução: a tese de doutoramento de Witold Zmitrowicz, versando sobre a influência de obras públicas de engenharia na estruturação da cidade de São Paulo, e a então recém-lançada publicação Análise Urbana, do arquiteto e urbanista Philippe Panerai. A partir dos conceitos discutidos nesses dois trabalhos, a abordagem foi alicerçada e foi definida a base documental que serviria à análise da organização material do território ocupado por Brasília.

Pela consulta a outros estudos que lidavam com preocupações semelhantes, concluímos que, no plano teórico da análise urbana, a propriedade dos caminhos em organizar a estrutura da cidade e, em se tratando de adventos urbanos mais recentes, a influência de sistemas técnicos infraestruturais (como as redes de abastecimento, saneamento e eletrificação) para o delineamento de diretrizes de processos de urbanização estão pouco sujeitos a contestações. Assim acontece porque, por um lado, servem de referência ao crescimento urbano planificado, o qual, por questões técnicas e econômicas, tende a utilizar a capacidade ociosa e evitar sobrecargas de sistemas. Ademais, porque o crescimento contínuo sai mais em conta, permite a criação de corredores de transporte e uma melhor fluidez e organização de atividades citadinas. Assim, redes técnicas de transporte e de comunicações (incluindo a inserção de telecomunicação digital) permeando o território urbano são diretrizes utilizadas sistematicamente nos projetos de novas ocupações, formando uma estrutura que direciona formação do tecido.

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de emprego. Assentamentos populares normalmente se entranham entre tecidos de ocupações formais ou bordejam caminhos que chegam ao centro urbano.

Até onde foi possível verificar, Brasília ainda não havia sido objeto de estudo neste nível de detalhamento. Questões relativas à gestão urbana e a planos territoriais, associados ou não, já haviam orientado algumas investigações sobre os processos de estruturação e periferização ou estudos voltados para avaliações ambientais. Mas uma abordagem da organização espacial da cidade focada no papel da infraestrutura pública, e lançada sobre a totalidade do território, ainda não havia sido tema de pesquisa mais sistemática. Era hora, portanto.

Ainda que leituras conceituais não fossem interrompidas, ficava definida assim uma base teórica. O ponto de partida da análise seria o ano de 1955 e o foco da abordagem a infraestrutura urbana implantada a partir dessa data. As condições acumuladas até aquele momento seriam consideradas sem que, no entanto, representassem objeto de pesquisa mais detalhada. Do mesmo modo, não pretendíamos promover estudo comparativo entre Brasília e outras capitais – nacionais ou internacionais – através de parâmetros da planificação urbanística.

Desde o início estivemos cientes do risco da análise cair no determinismo tecnológico do transporte ou de qualquer outra variante da pesquisa. E de fato as redes infraestruturais não nos interessavam enquanto elementos isolados, motivados por demandas urbanas imediatas. Seriam temas tratados, incondicionalmente, em contexto mais amplo capturado do processo histórico. As frentes de obras abertas em períodos específicos serviriam para caracterizar as políticas urbanas levadas a cabo, cujas reais intenções poderiam ter sido – e muito provavelmente foram - veladas ou transfiguradas em meio a discursos políticos. No contexto da análise, motivada fundamentalmente pelo objetivo de promover um exercício crítico sobre a dinâmica da cidade, tais políticas seriam tratadas como instrumentos para o entendimento da evolução da aglomeração e da lógica de seu crescimento.

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informações correlatas. Um conteúdo que, além das questões da condução da ocupação territorial, iria possibilitar uma revisão abrangente do processo histórico de formação de tecido urbano da Capital que, por sua vez, possibilitaria, além de um maior conhecimento sobre como se deu o crescimento da cidade, a reparação de alguns equívocos básicos de avaliação e datação reproduzidos em estudos anteriores.

Em uma análise ainda incipiente do material coletado, foi possível perceber o quanto determinadas condições que precediam os anos inaugurais da nova sede de governo ainda estavam presentes na organização da aglomeração atual. Do mesmo modo, tornava-se evidente que intervenções remotas, realizadas ainda nos primeiros anos, haviam sido decisivas para a estabilização de estrutura mais recente. Essas primeiras constatações só fortaleceram o argumento.

Considerando as condições de surgimento da cidade – em território parcamente ocupado e com a posse da terra e o planejamento tão fortemente centralizados nas mãos do Estado – ainda assim o estudo do crescimento da mancha urbana permitiria desvendar outras lógicas que explicassem a disposição do assentamento atual. Embora mantida sob maior rigor, em função do prestígio do Plano Piloto no papel de centro urbano, parecia-nos evidente que a cidade de Brasília não pôde escapar a certas regras da condução urbana.

Acerca do sítio social

Qualquer possibilidade de representação da realidade é sempre insuficiente frente às relações que definem sua complexidade. Tentativas de reduzir concretudes a um de seus aspectos nada contribuem para os estudos urbanos, servindo, por vezes, para desviar focos de atenção relevantes. A cidade possui essencialmente uma dimensão política. Constitui-se como campo de disputa ideológica e seus domínios como precioso objeto de desejo no âmbito da maior parte das sociedades contemporâneas.

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Tema de estudo de Santos (1993, p. 93), o conceito de sítio social ajuda a elucidar questões de perda ou ganho de valor de determinadas localizações ao longo do tempo, sendo aplicável à análise da produção do espaço da cidade:

(..) especulação imobiliária deriva, em última análise, da conjugação de dois movimentos convergentes: a superposição de um sítio social ao sítio natural e a disputa entre atividades e pessoas por dada localização. (...) Criam-se sítios sociais, uma vez que o funcionamento da sociedade urbana transforma seletivamente os lugares, afeiçoando-os às suas exigências funcionais. É assim que certos pontos se tornam mais acessíveis, certas artérias mais atrativas e, também, uns e outros mais valorizados. Por isso são atividades mais dinâmicas que se instalam nessas áreas privilegiadas; quanto aos lugares de residências, a lógica é a mesma, com as pessoas de maiores recursos buscando alojar-se onde lhes pareça mais conveniente, segundo os cânones de cada época, o que também inclui a moda.

Em outras considerações, Santos (1982, p. 14) aponta a interdependência entre os processos que formam o modo de produção (produção propriamente dita) que seriam histórica e espacialmente determinados num movimento de conjunto, através de uma formação social. A localização dos homens e das atividades no espaço encontraria explicação tanto pelas necessidades do modo de produção puro, quanto pelas necessidades representadas pela estrutura de todas as procuras e das classes sociais.

Dentre os autores envolvidos com esta perspectiva, Villaça (2001) preocupa-se com a distinção entre a estruturação do espaço regional e do espaço intraurbano. Segundo o autor, no primeiro limite é o deslocamento das informações, da energia, do capital constante e das mercadorias em geral que atuam com maior força; no segundo, são as condições de deslocamento do ser humano, seja enquanto portador da mercadoria força de trabalho, seja enquanto consumidor, que tem o papel de principal estruturador.

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políticas públicas, conferindo a tal matéria o atributo de instrumento de planejamento e gestão de cidades.

Infraestrutura e aspectos formais da cidade

É um velho roteiro, interpretado por novos atores. O silício é o novo aço, e a internet, a nova ferrovia Mitchell (2002, p. 38)

Decerto uma via ou rede infraestrutural não provoca isoladamente alterações na ocupação urbana. Nem todas as artérias abertas em solo da cidade são atrativas para o crescimento. Uma investigação de tal natureza sobre processos de expansão constitui um desafio mais elaborado e interessante. Exige que a análise estabeleça, necessariamente, vínculos entre o processo de crescimento do advento em foco, as intervenções materiais no território e a inescapável natureza social da cidade.

Ainda que se estabeleçam tais relações, a análise que vincula a modelagem urbana com os sistemas de infraestrutura permite o estudo do arranjo espacial do crescimento, não da causa primeira do processo de urbanização, questão extremamente mais complexa. A acepção do termo crescimento não deve ser, portanto, confundida com a de desenvolvimento. Refere-se à extensão e ao adensamento da aglomeração de um ponto de vista da construção morfológica no espaço. Nem por isso questões intrínsecas à inscrição material da cidade no território são banais. A direção do crescimento é assunto caro a geógrafos e urbanistas, e também àqueles preocupados com a história da cidade ou com aspectos prospectivos e projetuais da urbanística.

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A chegada das ferrovias transformou o vilarejo de Chicago num importante centro nacional, uma porta para o Oeste. Depois, as estradas e o transporte aéreo repetiram o processo. No sul da Califórnia, um longo sistema de trilhos serviu para conectar cidadezinhas espalhadas pelos vales. Depois, a malha rodoviária reconectou as cidades, permitiu que o espaço entre elas se desenvolvesse, criando o que hoje conhecemos como moderna região metropolitana de Los Angeles. E, no século XXI, uma nova infraestrutura de telecomunicações digitais de alta velocidade vai remodelar os padrões urbanos que emergiram a partir das redes de transporte, água, esgoto, energia elétrica e telefonia dos séculos XIX e XX.

A localização da infraestrutura implantada, permitindo associar o crescimento a traçados e a pontos fixos que organizam a aglomeração e servem de polos ou suportes da expansão, ajuda a definir as linhas de força que atuam em processos de urbanização, constituindo ferramentas importantes em projetos urbanos. A trama de redes técnicas - sejam viárias ou de eletrificação, saneamento, abastecimento e telecomunicações - conjugadas ou não entre si, é tida como importante vetor de crescimento de cidades, além de correlacionadas com expectativas de progresso e desenvolvimento. Zimitrowicz (1984, p. “a”) descreve assim tal relação:

A rede de canais de transporte e comunicações da cidade, que interliga entre si os espaços urbanos e a região circundante, forma uma estrutura que direciona o seu desenvolvimento, modificando as condições do sítio natural. Ela é criada por pressão de fatores externos, como desenvolvimento agrícola e industrial da região, ou internos, motivados por demandas intraurbanas. O adensamento e a expansão da área urbanizada causam frequentemente sobrecargas nos canais, que são ampliados, ramificados e prolongados, sobrepondo-se redes novas a outras implantadas anteriormente. Estradas e ferrovias, interceptores e emissários de esgotos e águas pluviais, galerias e canais pluviais, constituem diretrizes utilizadas sistematicamente nos novos projetos de ligações.

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A força de atração paulistana, citada por Panerai, percebida também na formação da rede de cidades do centro-oeste brasileiro, é tida ainda como forte condicionante na perspectiva da urbanização da Capital Federal. Confirmada por Anjos (2003, pp. 202-204), a inércia desta influência é apontada em seu estudo que localiza ao sul do quadrilátero o principal vetor de crescimento urbano da região e o mais importante condicionante da dinâmica da urbanização em Brasília. Protagonizando esse suporte da expansão, o sistema viário estrutural de fluxo regional, interligando o centro do país às regiões Sudeste e Sul, representa, nas palavras do geógrafo, “as tendências capturadas de um processo histórico espacializado”.

De fato, a natureza dos caminhos enquanto organizadores da ocupação encontra mais adeptos para uma construção teórica. Sua importância na estruturação territorial é tida como de maior relevância mesmo que na independência de outros fatores infraestruturais, pois se considera que o primeiro efeito de uma via regional ou local seja a melhoria da acessibilidade, em última instância, à cidade mais próxima.

Neste aspecto, algumas questões diferenciam o transporte rodoviário dos demais no que se refere a consequências na estrutura urbana. O potencial de acessibilidade pode se concretizar em qualquer ponto de uma rodovia, nem que seja pela existência de um simples ponto de parada de transportes coletivos. O território ao redor desses pontos, que são em muito maior número que aqueles destinados ao transporte ferroviário ou metroviário, por exemplo, tornam-se potencialmente propícios à expansão urbana. Mas isso ainda não encerra a questão. Em tempos mais recentes, com a disseminação do transporte individual por meio de automóveis, as auto-estradas passaram a significar por si só um facilitador de acesso, independente da presença de serviços de transporte coletivo. Assim, havendo rodovia, potencializa-se a ocupação urbana.

Densidade e urbanização

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Não restam dúvidas, no entanto, que os custos de urbanização diminuem drasticamente na medida em que a densidade de ocupação aumenta. E que, em parte por motivo intrínseco a esse fato, em se tratando da cidade capitalista contemporânea, densidade baixa é invariavelmente uma condição possível apenas para ocupações destinadas às camadas mais abastadas de populações urbanas, capazes de consumir terrenos mais caros, sendo pouco provável em bairros populares.

Ainda assim, em seu conjunto, a cidade contemporânea tende a ser, de modo geral, mais diluída no território. Mais heterogênea também, com áreas mais densas e outras mais espraiadas que se intercalam. A inclusão de grandes zonas não construídas, naturais ou com funções industriais ou logísticas, criam grandes interstícios e descontinuidades. Gigantescos eixos rodoviários e suas conexões consomem largas extensões territoriais em nada comparáveis à estrutura de urbanizações antigas.

A introdução de grandes sistemas de caráter rodoviário no tecido urbano, intensificada a partir de meados do século XX, fez com que a estrutura das cidades fosse modificada sistematicamente para receber o trânsito crescente. A constância com que novas avenidas passaram a ser rasgadas e as antigas exponencialmente alargadas criou uma dinâmica particularmente volúvel nas cidades atuais. É possível que, da noite para o dia, a passagem de uma autoestrada ou o rearranjo de um cruzamento de eixos rodoviários mude radicalmente a paisagem.

Deve ser considerado ainda que a popularização do automóvel, do telefone e mais recentemente das várias tecnologias de comunicação digital, que se inauguraram em sequência espetacular nas últimas décadas, propiciaram uma reorganização geográfica das atividades citadinas, constituindo um dos fatores que permitiu que seus tecidos se dispersassem pelo território. Mas essa nova escala dos processos de urbanização datados da segunda metade do século XX envolveu ainda outras questões. A produção de energia elétrica em grande escala a partir de grandes hidrelétricas e sistemas mais abrangentes de saneamento desempenharam influência de natureza equivalente.

Panerai (2006, pp.23-24) assinala que o modelo de urbanização mais recente indica uma ruptura, parecendo escapar à lógica das cidades tradicionais, e desafia os meios de análise dos quais nos valíamos para explicá-las. No entanto, de modo nenhum obra do acaso, o modelo de cidade dispersa, que há muito tem nome -

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Nos Estados Unidos duramente afetados pela Depressão, Frank Lloyd Wright propõe em 1932 uma cidade de baixa densidade em que predomina a residência individual – a Usonian house – e onde cada família dispõe de um acre (4.500m2) de terreno.... E assim Wright introduz, já em 1932, vários dos temas atuais: o trabalho em domicílio, possibilitado pelo desenvolvimento das comunicações; a preocupação com a ecologia de um território no qual a natureza deve ter seu espaço; o interesse pelos sistemas alternativos passíveis de substituir as grandes estruturas debilitadas...

Ainda como um fenômeno recente, consolidou-se uma inversão da relação entre centro e periferia. Tradicionalmente decrescente a partir da cidade central, a densidade das urbes atuais vem sendo incrementada em áreas periféricas. Não mais tão rarefeitas ou dispersas, as periferias urbanas vêm apresentando, na maioria dos casos, a maior extensão em superfície e a maior densidade populacional das aglomerações. A periferização em tais moldes mantém, incontestavelmente, relações com os atrativos das terras mais centrais da cidade - território mais disputado, onde a concentração do emprego, serviços e também da infraestrutura urbana cria condições para uma maximização dos benefícios e lucros. A modernização do território urbano, que está longe de ocorrer de maneira homogênea e igualitária, possibilita que a cidade contemporânea se realize de modo ainda mais segregado.

Capital no hinterland e planos viários

A construção de Brasília foi invariavelmente associada a planos viários nacionais. Por quase um século protagonizou a articulação de projetos ferroviários e, na década de 1950, foi colocada no papel de centro irradiador de interligações prioritariamente rodoviárias. O incremento da indústria automobilística, que ajudou a alavancar o capitalismo americano, entranhou-se nos argumentos desenvolvimentistas que justificaram a interiorização do processo urbano brasileiro e nos fundamentos da iniciativa mudancista retomada em meados do século passado.

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o ideário que orientaria os planos viários nacionais elaborados nas décadas seguintes.4

A capital no hinterland brasileiro mantém uma particular relação com o estabelecimento da era rodoviarista. A ampliação do sistema de comunicações, a partir da aprovação do novo Plano Nacional de Viação, em 1951, com as rodovias em destaque no sistema de comunicações do país - instrumentando grande plano estratégico de integração nacional, criou condições materiais para o desenvolvimento de uma rede de cidades pelo interior do Brasil. Mais independentes que as ferrovias, direcionadas essencialmente a um porto exportador, as rodovias propiciaram um entrosamento maior entre as regiões do território de proporções continentais.

É bem verdade que as obras de mudança da sede de governo foram iniciadas antes que novos traçados rodoviários fossem abertos em seu sítio. O que exigiu que pistas de pouso, e logo um aeroporto de grande porte, fizesse as vezes das estradas de asfalto que ainda não haviam saído do papel. Mas não foi através desse meio de transporte que levas de migrantes alcançaram o território da nova sede. Nesse caso, foram as rodovias que tiveram participação mais destacada. E a localização de Brasília em terras planas constituiu fator relevante ao sucesso da iniciativa, adequando-se perfeitamente ao rearranjo dos traçados rodoviários exigido para que a nova capital interiorana se tornasse centro das comunicações do país.5

Rodoviarismo e a urbanística de Brasília

Panerai (2006, p. 21) comenta o fascínio pelo automóvel despertado em arquitetos desde o começo do século XX, chegando a citar o estabelecimento de uma elaborada, e surpreendentemente precoce, relação entre via e urbanização, em tempos em que o automóvel ainda não existia:

A experiência americana com parkways representa um fato excepcional e premonitório. Desde 1868, Frederick Law Olmested teoriza uma nova relação entre a via e a urbanização, na qual o embelezamento da primeira, o cuidado com o traçado e a preocupação com a arborização são a garantia de uma valorização dos terrenos lindeiros a construir.

4 Segundo Ficher (2005, p. 135) o rodoviarismo foi um importante capítulo na história da

engenharia e da economia de São Paulo, tendo sido marcante o ano de 1913 quando sancionou-se a Lei 1406, datada de 26 de dezembro, estabelecendo o regime penitenciário naquele Estado. Previa trabalho obrigatório dos condenados na abertura, construção e conservação de estradas públicas de rodagem e na mesma Lei, em seu artigo 16, autorizava o governo a estabelecer o sistema de Viação do Estado em relação a estradas públicas de rodagem. Foi promulgada por iniciativa do então deputado estadual Washington Luiz Pereira de Souza, mais tarde governador, e pioneiro do rodoviarismo paulista.

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O ideário urbanístico que incorporou o uso do automóvel à sua formatação teve no Plano Piloto de Brasília uma síntese exemplar. A justaposição entre técnica rodoviária e urbanismo dominou a concepção de Lúcio Costa para a cidade. O tema é matéria de estudo de Sylvia Ficher, que batizou de 'urbanismo rodoviarista' essa doutrina projetual que prevê uma cidade estruturada por vias de tráfego hierarquizadas e especializadas. Conforme análise da autora (1999, pp. 230-239):

O projeto de Lúcio Costa – dominado pela justaposição de técnica rodoviária e urbanismo, que tem como determinante principal a circulação de veículos, recordando a cidade linear de Soria y Mata – respondia à intenção explícita de Kubitschek de construir ‘uma cidade para o automóvel’. Esta preocupação está assinalada já no início de seu memorial, como terceira etapa da definição do plano: ‘E houve o propósito de aplicar os princípios francos da técnica rodoviária – inclusive a eliminação de cruzamentos – à técnica urbanística, conferindo-se ao eixo arqueado... a função circulatória tronco, com pistas centrais de velocidade e pistas laterais, para tráfego local...’

A temática rodoviária penetrou ainda outras dimensões dos planos de urbanização da Capital, nem tanto delimitadas ao desenho do centro urbano. A implantação do modelo de ocupação tendo por regra um sistema de cidades dispersas, baseado numa cidade central que deveria ser ampliada pelo acréscimo de novos núcleos urbanos distintos, as chamadas cidades-satélites, teve uma particular participação das rodovias como instrumentos de balizamento.

O sítio escolhido para implantar Brasília, com destaque para as áreas circundantes ao embrião da cidade, foi bastante favorável à implantação de auto-estradas, facilitando o arranjo desejado, que não teve que se sujeitar a grandes entraves geográficos. Mesmo certas características naturais do terreno foram arrebanhadas para delimitar território restrito ao Plano Piloto.

O sistema rodoviário urbano da Capital foi projetado em sintonia com o plano da cidade. Baseado em estradas-parque, inspiradas nas parkways americanas, o planejamento da trama local, e sua implantação de fato, em muito antecedeu a oficialização do Plano Rodoviário do Distrito Federal, que ocorreu somente em 1964. Tão logo começadas as obras do embrião da cidade, iniciou-se a consolidação das referidas auto-estradas, cujos primeiros registros datam de 1958.

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território da referida Bacia – que foi transformada em Estrada Parque Indústria e Abastecimento (EPIA) e espinha dorsal do sistema. Circundando essa trama de rodovias urbanas, e articulando-a às estradas interestaduais e de penetração, foi construído um anel rodoviário sobre o divisor de águas da região hidrográfica, a Estrada Parque do Contorno (EPCT). Esta última, fortemente associada a questões de controle da urbanização, teve seu trajeto utilizado para referenciar a implantação de novos núcleos urbanos, que foram destacados da cidade central, e uma distribuição de infraestrutura pública nada igualitária.6

Em referência ao modelo americano, não se pode afirmar ao certo se houve originalmente alguma intenção de ocupar as regiões lindeiras de todas as parkways

projetadas em consonância com o Plano Piloto de Brasília. Parece-nos que não. Mesmo o mapa de ocupação mais remoto, que no caso data de 1960, mostram áreas loteadas apenas nas margens da Estrada Parque Península (EPPN) e da Estrada Parque Dom Bosco (EPDB), que estruturam os loteamentos do Lago Norte e Sul, e em trecho da EPIA ocupado por áreas residenciais do Setor de Mansões Park Way, esta sim a mais ilustre caudatária do modelo americano. Houve, sim, uma intenção explícita, embora conflituosa por natureza, de se resguardar o território imediato ao centro urbano, que desde os primeiros dias foi o mais recortado pelas parkways

brasilienses.

Planos para uma cidade central

A origem de uma linhagem de idéias envolvendo o estabelecimento de uma cidade no centro territorial brasileiro nos remete a antigos defensores da mudança da sede de governo. Exemplar nessa afirmação, em 1813, o jornalista Hipólito da Costa iria apoiar o projeto de interiorização da capital utilizando os mesmos parâmetros adotados depois por José Bonifácio, Varnhagen e outros interventores (Rizzini, 1957, pp. 199-200):

O Rio de Janeiro não possui nenhuma das qualidades que se requerem na cidade que se destina a ser a Capital do Império do Brasil. Se os cortesãos que para ali foram de Lisboa, tivessem assaz patriotismo e agradecimento pelo país que os acolheu, nos tempos de seus trabalhos, fariam um generoso sacrifício de suas comodidades e tal qual luxo, que podiam gozar no Rio de Janeiro, e se iriam estabelecer em um país do interior, central, e

6 Entre 1955 e 1960, apenas um determinado grupo de urbes permanentes foi implantado

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imediato às cabeceiras dos grandes rios. Edificariam ali uma nova cidade; começariam por abrir estradas que se dirigissem a todos os portos de mar e removeriam os obstáculos naturais que têm os diferentes rios navegáveis; e assim lançariam os fundamentos do mais extenso, ligado, bem defendido e poderoso império, que é possível exista na superfície do globo, no estado atual das nações que o povoam.

Possivelmente a influência desse ideário reforçou ainda mais a modelagem de expansão imaginada para Brasília, em muito revelada em seu planejamento urbanístico na década de 1950. Dentre as questões que informam a concepção dada por Lúcio Costa ao Plano Piloto, o conceito de cidade central, que encerra um modelo de expansão específico a se realizar pelo acréscimo de novos núcleos distintos, as

cidades-satélites, constitui importante linha de argumentação deste trabalho.

Ficher (2003) insere as origens do modelo nas reflexões e intervenções urbanísticas sugeridas no ocidente entre fins do século XIX e meados do século XX, como soluções às dificuldades advindas do crescimento exponencial das populações urbanas, e para a resolução dos aspectos então considerados problemáticos, dentre eles: a ocupação desordenada, a falta de condições de higiene e os congestionamentos.

As cidades-satélites teriam surgido dentre as proposições formais de maior repercussão – com diferentes origens e intransigentemente defendidas por Hilberseimer em Groszstadt Architektur (1927), segundo Ficher. Idealizadas como bairros residenciais fechados em si mesmos e de população limitada, esses núcleos deveriam ser dispostos circularmente e a relativa distância do centro urbano, sendo esta última a cidade central e sede do trabalho.

A menos da preocupação com os transportes, sua exposição é um retrato profético do processo de urbanização do DF: "Esta separação ou dissolução da grande cidade em zonas de trabalho e zonas de residência leva, como consequência, à formação do sistema satélite. Ao redor do núcleo da grande cidade, a Cidade central, que no futuro será somente cidade do trabalho, se encontram situados, circularmente e a distâncias suficientes, bairros residenciais fechados em si mesmos, cidades-satélites de população limitada, cuja distância pode ser considerável, com todos os modernos meios de circulação e um sistema adequadamente traçado de trens rápidos. Ainda que possuam independência local, tais bairros residenciais são membros de um corpo comum, permanecem estreitamente unidos ao núcleo central, constituem com ele uma unidade econômica e técnico-administrativa" (BATISTA et al, 2003)

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caso, com base no projeto de Lúcio Costa, cuja ampliação posterior não deveria ocorrer através da ocupação urbana gradativa de áreas contíguas. Programava-se uma alternância entre ocupações urbanas e rurais, o que, segundo o próprio urbanista responsável pelo projeto, era uma proposição contrária à idéia de alastramento suburbano extenso e rasteiro.

Em meados dos anos oitenta, em seu estudo para expansão da cidade - “Brasília 1957-85, do plano piloto ao Plano Piloto” ou “Brasília Revisitada” - Lúcio Costa ainda lamentava a necessidade do surgimento precoce e improvisado das cidades-satélites (COSTA, 1987). Havia passado pouco mais de uma década do momento em que apontara ainda outros desvios relativos a expansão da cidade, qualificando seu crescimento de anômalo, pois, segundo ele, Brasília deveria ter se mantido dentro dos limites planejados: de 500 a 700 mil habitantes (COSTA, 1974, p. 26).

Ao aproximar-se desses limites, então, é que seriam planejadas as cidades-satélites, para que essas se expandissem ordenadamente, racionalmente projetadas, arquitetonicamente definidas. Esse era o plano proposto. Mas ocorreu a inversão, porque a população a que nos referimos (os candangos) aqui ficou, e surgiu o problema de onde localizá-la (...). Daí a criação dos núcleos periféricos para transferir as populações, dando consequência, os núcleos transformaram-se em verdadeiras cidades, as chamadas cidades-satélites, que tomaram o lugar das cidades-satélites que deveriam ocorrer. Assim, as cidades-satélites anteciparam-se à cidade inconclusa, cidade ainda arquipélago, como estava - agora já mais adensada, mas ainda não concluída. A cidade ainda está oca. Entretanto, dois terços da população de Brasília mora nessa periferia, o que foi naturalmente, desvirtuamento.

O discurso do urbanista revelava assim com que estranheza havia sido encarada a permanência dos Candangos em território da nova sede. E o conflito gerado em torno da necessidade de fixá-los tão logo iniciadas as obras do embrião da cidade, sacrificando os planos originais de ocupação. Essa derrocada precoce do modelo de expansão idealizado teria fundamentado um rigoroso controle dos domínios do centro urbano.

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intensa migração direcionou-se ao território das obras, agenciada por veemente propaganda em torno da transferência.

Um processo de urbanização muito mais amplo, e mantendo intenso diálogo com a logística de construção, acelerou a destinação urbana em torno do sítio. Assentamentos populares não oficiais foram se instalando às margens de caminhos e nas proximidades das obras. Como opções de moradia ante a insuficiente oferta (restrita às instalações de um núcleo provisório e dos acampamentos operários), tornaram-se fortes aliados dos processos de urbanização da Capital, seja na determinação da destinação urbana de sua localização primitiva ou impondo a urbanização de novas áreas para a transferência de suas populações. Desaparecendo alguns, permanecendo em sua maioria – somente há pouco deixariam de ser objeto de debates acirrados entre os adeptos seja de sua permanência, seja de sua erradicação.

Ao iniciar-se o segundo ano da construção de Brasília, e antecipando-se ao projeto de ocupação idealizado, localizou-se o primeiro assentamento urbano sob o título de cidade-satélite, sem planos e quase nada em obras de urbanização. Antes mesmo da data inaugural da nova sede de governo, outras duas foram locadas.

Quando em 1960 inaugurou-se Brasília, a cidade central ainda estava incompleta. Mas em seus domínios, contando com a Asa Sul e algumas quadras do Lago Sul e Setor de Mansões Park Way, a urbanização incluía vias asfaltadas, luz, água e esgoto encanados. Dentre as parkways que recortavam o sítio do centro urbano - e que eram restritas ao território destinado a sua localização no interior da Bacia do Paranoá - uma delas, a estrada em círculo sobre esse divisor de águas, a EPCT, constituiria um importante instrumento no planejamento territorial e balizaria, por décadas, o território urbano como um perfeito divisor natural dos valores fundiários.

Com o modelo de cidade central se impondo como base também para o processo de planejamento posterior, o Plano Piloto se manteria absorvendo grande parte dos investimentos. Mas o modelo, posto em cheque pela imperiosa necessidade de ampliar o território urbano, formataria importantes capítulos da história urbana de Brasília.

Ilegalidade urbanística

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grau, em cidades espalhadas por todo o território nacional, e com uma intensidade até então nunca vista. Isso resulta não somente do padrão excludente dos processos de desenvolvimento, planejamento e gestão das áreas urbanas, mas também da natureza da regulação tradicional e do não cumprimento da função social da propriedade.

A ilegalidade urbanística, muitas vezes associada a uma ocupação inadequada do meio ambiente urbano, que sujeita seus ocupantes aos piores dramas relacionados às catástrofes naturais, resulta também de padrões de legalidade limitativos e inflexíveis que não estão ao alcance de grande parte da população. Quanto mais urbano, mais propícias as condições para que mercados de terras especulativos, sistemas políticos clientelistas e regimes jurídicos elitistas desorganizem as bases adequadas do acesso à terra e à moradia por parte dos grupos sociais de menor poder aquisitivo.

O modelo de ocupação excludente, que se avolumou a partir de meados do século passado no Brasil, estabeleceu-se de imediato em sua nova capital. Sob o título de “invasão”, o eufemismo brasiliense para favela, nas palavras de Holanda (2008), reproduziu-se como solução de moradia, tendo a consequente falta de segurança da posse, vulnerabilidade política e baixa qualidade de vida como características intrínsecas. E não se restringiram aos anos inaugurais. Os arranjos para aplacar a insuficiência em habitações para as classes mais pobres participaram intensamente da dinâmica urbanística da Capital. De preferência as soluções passaram ao largo da cidade central e, à medida que se fez possível, foram deslocadas para território periférico ao quadrilátero da sede de governo.

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Sobre a estrutura da análise

Para finalizar esta introdução, faremos algumas considerações sobre a estrutura da análise e um breve apanhado dos temas percorridos.

Os capítulos foram definidos segundo recortes analíticos capturados do processo histórico da urbanização ocorrida sob influência de Brasília. São blocos sugestivos de temas que não se baseiam em períodos sequenciais estanques. Por vezes, se sobrepõem de modo a prover as bases para discussão de determinado processo em curso.

Preocupou-nos caracterizar contextos específicos, relacioná-los à política urbana local e, por vezes, a questões advindas do cenário nacional. Por um lado, para compreender as motivações para a abertura de determinadas frentes de trabalho em infraestrutura pública, por outro para observar relações entre estas e o crescimento da cidade.

É bem verdade que tivemos que nos adaptar a certas imposições. Para que se pudessem produzir mapas síntese de cada período proposto, um instrumento fundamental da análise, os recortes da pesquisa tiveram que se ajustar também às datas em que mapeamentos da ocupação urbana de Brasília se encontravam disponíveis. Nada que tenha comprometido a análise, pois, de fato, a riqueza de informações obtidas na pesquisa documental permitiria outras combinações.

O primeiro capítulo se destaca dos demais. Intitulado Urbanização brasileira e a capital no hinterland, articula a implantação de Brasília a uma perspectiva histórica da urbanização em território nacional, pretendendo alinhavar esse processo a questões infraestruturais que propiciaram a construção da nova sede no planalto goiano. Destaca a importância do avanço prévio em redes de transporte e a relevância de uma série de trabalhos anteriores para a consolidação do projeto mudancista na década de 1950.

A partir do segundo capítulo, a análise se orienta por períodos específicos. Em um extremo o ano de 1955, delimitando o cenário das primeiras intervenções no sítio destinado à implantação da nova capital. Em outro, os dias atuais, com Brasília centralizando a terceira maior metrópole brasileira. Embora os capítulos não obedeçam a um formato comum, possuem alguma similaridade estrutural. Lançam um quadro para fundamentar as políticas urbanas que permeiam as ações circunscritas no período, observam questões da localização e incidência das obras em infraestrutura pública e analisam a modelagem do crescimento da mancha urbana com base no

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O capitulo 2, Cidade central versus cidade de tábuas, percorre os anos entre 1955 e 1960. Analisa a orientação da ocupação territorial de Brasília em seus primeiros momentos. Esquadrinha um volumoso número de intervenções em infraestrutura, algumas relacionadas à logística de construção, imaginadas com existência transitória, outras permanentes, mas nem sempre limitadas ao perímetro urbano da cidade em construção. Transita por especificidades do planejamento rodoviário local e suas relações com a modelagem ocupacional inicial. De um lado, as instalações provisórias, a cidade de tábuas, constituída por núcleos habitacionais, administrativos e operários, que em parte tinham data marcada para sua extinção: 21 de abril de 1960, inauguração de Brasília. No foco da operação a cidade central, sendo construída com base no plano piloto de Lúcio Costa, inspirando toda a ação de controle urbanístico. Tangenciando o processo de ocupação, os assentamentos informais, uma cidade ainda mais precária, nem por isso vulnerável.

O terceiro recorte percorre o período entre 1960 e 1965, oferecendo conteúdo para o capítulo 3, Apesar do forte golpe. Na data inaugural de Brasília ainda fervilhavam obras na Asa Sul. A capital havia sido inaugurada com menos da metade de seu centro urbano consolidado. E o fim do mandato de Juscelino Kubitschek havia desorganizado as bases políticas que sustentavam a transferência. O ritmo de construção diminuiria significativamente, somente retomado a partir de 1965, no contexto pós-Banco Nacional de Habitação (BNH). Ainda assim, nada abalaria a imigração para o território das obras, e a cidade cresceria significativamente em torno dos polos iniciais.

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A análise promovida no capítulo 5, Cidade central versus urbanização pragmática, é balizada pelo ano de 1970, ano da elaboração do Plano Diretor de Água, Esgoto e Controle da Poluição (PLANIDRO), que tenta reforçar um modelo de estruturação do território orientado pelo contorno da Bacia Sanitária do Paranoá. Embora aclamado como deflagrador de um ideário urbanístico segregacionista com base nesses limites, questiona-se sua influência objetiva sobre a implantação de assentamentos em Brasília. Após sua publicação naquela data, um viés mais pragmático do planejamento territorial passou a recomendar uma modelagem de expansão contínua, esta sim com consequências na ocupação interna e externa da referida bacia sanitária. Influenciando a urbanização conduzida, a presença de infraestrutura consolidada passou a ser apontada como facilitadora da urbanização, fortalecendo um padrão de assentamento conurbado. No período em análise, os núcleos urbanos iniciais ainda se mantêm como principais polos de expansão, no entanto, aumenta a tendência de se ocupar os eixos entre o centro urbano e as cidades-satélites.

Por uma conjunção de fatores, o período entre 1983 e 1995 foi de grande crescimento da mancha urbana de Brasília, levando a traspassar significativamente seus limites iniciais. Áreas previstas em planos de expansão urbana iniciaram o preenchimento de lacunas mantidas entre tecidos consolidados. Além disso, o comando de Brasília nas mãos de um só governante - entre 1988 e 1994 - possibilitou a atuação de um insuperável fundador de assentamentos urbanos, criados na intenção de distribuir lotes a famílias carentes, visando constituir um curral eleitoral no âmbito da Capital. O recorte que orienta a análise do capítulo 6, Ampliando fronteiras, destaca-se ainda por um avanço expressivo de ocupações informais e de obras de infraestrutura em território rural e mesmo em regiões periféricas ao quadrilátero. A ocupação urbana de Brasília já não se limita mais aos contornos das cidades-satélites e do centro urbano, nem mesmo se restringe às margens de estradas-parque.

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enquanto isso, as obras em infraestrutura passam a ocorrer em maior grau nos domínios das ocupações informais ocorridas no período anterior.

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ESTUDOS SOBRE BRASÍLIA: LITERATURA REVISITADA

A abordagem da trajetória urbana de Brasília envolve, além de pesquisa documental, um exame crítico de dimensões sociais e políticas que amparam seu entendimento dinâmico. A literatura disponível de interesse para a presente pesquisa pertence à análise da dinâmica territorial da Capital e de sua historiografia.

Do primeiro eixo temático são relevantes as produções beneficiadas pelo estudo de imagens obtidas por meio de tecnologias de sensoriamento remoto, permitindo abordagens sobre a ocupação na totalidade do território. Dentre as pesquisas assim instrumentalizadas, destaca-se a promovida por Anjos (1995), analisando os principais componentes espaciais estimuladores e dinamizadores da expansão da Grande Brasília e as estruturas espaciais inibidoras e conflitantes no processo de urbanização. A partir de uma proposta de modelagem gráfica, aponta no primeiro grupo, a polarização principal exercida pelo Plano Piloto - mais importante núcleo de atração e geração de postos de trabalho - e outro complementar, formado pelas localidades de Taguatinga, Ceilândia e Samambaia - uma conurbação com população próxima a um milhão de habitantes e com forte atividade comercial e de serviços. Assinala ainda a existência de centros dinamizadores com função secundária constituídos por duas estruturas polarizadas: a primeira localizada ao sul do quadrilátero, formada pelas localidades de Gama e Santa Maria, não-conurbadas e inseridas no principal vetor de crescimento urbano, e a segunda, ao norte, formada pelos núcleos de Sobradinho e Planaltina, com influência independente, caracterizada por um envoltório de parcelamentos privados.

Por meio dos mesmos instrumentos, utilizando-se de cartas de uso do solo e vegetação, Dellabianca (2004) analisa a ocupação desordenada em Brasília, principalmente nas regiões próximas ao Plano Piloto, concluindo que a maior parte dessas áreas, classificadas em estudos anteriores como vulneráveis ou moderadamente vulneráveis, foram transformadas em zonas agrícolas ou sofreram algum tipo de ocupação urbana.

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gestão urbana volta a ser questionada por Miranda (1993), que promove uma reflexão teórica acerca da atuação de seus governantes no financiamento de programas de desenvolvimento. Dentre outras questões, a autora conclui que a política urbana de Brasília deveria ser integrada ao seu entorno imediato, obedecendo ao princípio constitucional de descentralização e desenvolvimento harmônico.

Os estudos de Aldo Paviani constituem importantes contribuições nesta temática. Dedica sua análise ao processo de metropolização e aos conflitos sociais em Brasília, com especial atenção para a urbanização periférica, em relação a qual descreve atores e o agenciamento de seus papéis. Ao estudar a urbanização da Capital, identifica três tipos de promotores: o poder público, agentes imobiliários e moradores, embora enfatize a capacidade de condução do processo por parte do governo local.

Com relação à dinâmica das populações da Capital, Malagutti (1996) estuda o fenômeno dos loteamentos clandestinos através de uma abordagem jurídico-urbanística, procurando compreender as razões de seu aparecimento, a sua proliferação no território e as perspectivas de uma possível legalização.

No âmbito da historiografia, a interiorização da sede de governo para o planalto goiano, analisada sob uma perspectiva crítica que remonta a meados do século XVII, é objeto de estudo cuidadoso de Sylvia Ficher e seu grupo de pesquisa. Baliza sua análise pela presença do tema mudancista nas discussões sobre a organização territorial e administrativa do país até alcançar-se meados do século XX. No âmbito do urbanismo dominante nas ações em Brasília, vincula a construção da Capital à história da técnica e do planejamento no Brasil, articulando-a ainda a um cenário internacional como o propiciador das condições para a introdução da arquitetura e urbanismo modernistas no Brasil. Sua pesquisa insere ainda os paradigmas urbanísticos do Plano Piloto em um acervo de reflexões e realizações disseminado nos meios profissionais em meados da década de 1950. Dentre essa produção, pesquisa em parceria com Andrey Schlee (2006) aprofunda análise sobre os trabalhos prévios ao inicio oficial das obras de Brasília, incluindo projeto urbanístico específico para a cidade.

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Destaca-se ainda a abordagem do antropólogo e professor Gustavo Lins Ribeiro (2008) que, em estudo acerca dos anos inaugurais de Brasília, revela questões para o entendimento da configuração espacial adquirida pela cidade. Analisa a experiência cotidiana de migrantes atraídos pelas obras da nova sede e a vida interna nos acampamentos das construtoras, contribuindo, também de modo relevante, para a historiografia crítica da Capital. Lança uma perspectiva do ponto de vista dessas camadas populares, contribuindo para desvelar o viés ideológico por trás do comportamento heróico assumido pelo então presidente Juscelino Kubitschek.

Merecem ser destacadas ainda as pesquisas de Frederico Holanda preocupado com a lógica dos assentamentos humanos e de suas implicações espaciais. Aplicando a teoria da sintaxe espacial e suas ferramentas em três níveis de análise (padrões espaciais; vida espacial e vida social) cria abordagem complexa da Capital na qual estabelece relações entre a lógica da organização espacial de Brasília e a lógica da organização da sociedade brasileira, quando da sua implantação, abrindo espaço para a argumentação de que a ênfase dada aos espaços de exceção é eficiente para a reprodução da estrutura social da Capital.

Dentre aqueles que lançam mão de referencial teórico de cunho materialista, Paulo Bicca (1985) relaciona a estrutura espacial ao processo social de produção do espaço construído em Brasília, procurando revelar características do pensamento subjacente às realizações teóricas e práticas da planificação urbana.

Imagem

FIG. 1 – Plano ferroviário Rebouças de 1874
FIG. 5 – Caminhos e estradas nas terras do futuro Distrito Federal em 1957
FIG. 6 – Obras da barragem do Paranoá
FIG. 8 – Residência Provisória na Fazenda do Gama e pista de pouso (1956)
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Referências

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