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CIDADE CENTRAL versus CIDADE DE TÁBUAS (1955 – 1960)

2.2 Cidades da Capital

Ao ser iniciada a implantação de Brasília, a ocupação urbana do quadrilátero – delimitado em território pertencente aos três municípios goianos de Formosa, Planaltina e Luziânia (Santa Luzia) – era pouco expressiva e dispersa. Contavam-se apenas dois povoados − Brazlândia e Planaltina − que, já distanciados entre si (o primeiro localizado a oeste e o segundo a leste do território), foram desvinculados também do núcleo central da cidade. Com o sítio de Brasília delimitado a uma distância superior a 40 km dos referidos núcleos, a operacionalização das obras não pôde se apoiar na estrutura urbana previamente estabelecida. Até setembro de 1957, quando o edital do concurso nacional destinado à escolha do projeto urbanístico de Brasília foi publicado45 e até o início das obras, uma estrutura urbana, em grande parte

idealizada como temporária, foi sendo montada para viabilizar a construção da cidade definitiva.

Para tal fim, a Novacap destinou parte do território avizinhado ao sítio das obras para montagem de uma urbe provisória. Estabeleceu uma área residencial e de atividades de comércio e serviços populares e outra para o funcionamento de uma sede central da própria Companhia − com alojamentos, armazéns e escritórios de administração. Nos anos seguintes, reuniu os acampamentos operários de

45 O Edital do Concurso Nacional do Plano Piloto da Nova Capital do Brasil foi aprovado em 19

construtoras do plano piloto da cidade em uma terceira zona (RIBEIRO, 2008, pp.70- 75). Além dessas sedes em “perímetro urbano”, autorizou a montagem de acampamentos isolados destinados às demais obras do período.

Entretanto, até começarem os trabalhos definitivos da construção, mais de 12 mil pessoas já habitavam terras da nova sede de governo. Isso porque, a partir de 1956, anunciando-se oficialmente a transferência da capital federal, o território de Brasília havia se tornado destino não somente daqueles incumbidos das atividades oficiais, vindos a convite da Novacap, mas de milhares de migrantes em busca de oportunidades de trabalho. Embora esse movimento tenha sido inicialmente desejado e estimulado pelo Estado, acolher a massa de trabalhadores, ao menos na medida em que de fato ocorreu, não esteve nos planos estratégicos de implantação da sede de governo. Promoveu-se assim uma terceira frente de urbanização, tão antiga quanto as cidades definitiva e provisória orquestradas pela Novacap.

Os assentamentos informais foram a solução dada pelos candangos para a carência habitacional em Brasília e tornaram-se importantíssimas frentes de ocupação da urbe em formação. Por um lado, não cedendo lugar facilmente, demarcaram seus próprios territórios. Por outro, resultando do embate fundiário entre governo e seus ocupantes, forçaram a implantação de novos núcleos urbanos, o que ocorreu antes mesmo da inauguração da nova sede de governo.

2.2.1 Núcleos preexistentes

Planaltina era o povoado mais antigo. Havia sido elevado à categoria de distrito em 1859 e, em 1891, tornara-se sede do município goiano de mesmo nome. Em 1892, hospedou os membros da Comissão Cruls e, em 1946, os integrantes da Comissão de Estudos para a Localização da Nova Capital, chefiada pelo general Djalma Poli Coelho. A assinatura de decreto determinando a mudança da sede de governo para o planalto, pelo então presidente Epitácio Pessoa, e a instalação da ‘Pedra Fundamental da Nova Capital da República’ no Morro do Centenário, vizinho à Planaltina, em 7 de setembro de 1922, haviam provocado um surto de progresso e expansão urbana, que perdurou até os anos 1930 (BRASÍLIA, 1969, p. 76). Ainda assim, se manteve em ritmo interiorano até a transferência da Capital.

Brazlândia, um povoado surgido nos domínios de Santa Luzia nas primeiras décadas do século XX, havia se originado da atividade agrícola e pecuária realizada em suas terras, quando ainda eram denominadas Chapada do Vão dos Angicos. No início dos anos 1930, o povoado foi elevado à categoria de distrito e recebeu nome

inspirado na família mais numerosa da região. Em decorrência da vinda da Capital, parte de suas terras foram desapropriadas em 1958, com exceção da área circundante da sede urbana. Pelo mesmo motivo, algumas das antigas fazendas da região foram submersas pelo represamento do rio Descoberto no armazenamento de água potável para Brasília, maior responsável, ainda hoje, pelo abastecimento da cidade.

Brazlândia e Planaltina, ambas posicionadas ao norte do quadrilátero, eram interligadas à época pelo caminho que, vindo de Corumbá, seguia até Formosa. Com o inicio das obras de Brasília - em sítio da Fazenda Bananal ao centro da Bacia do Paranoá - e com o abandono do traçado da estrada Brasília - Anápolis sobre parte desse trajeto, esses povoados ficaram deslocados dos eixos rodoviários mais dinâmicos, concentrados agora no quadrante sudoeste do território da Capital.46

Assim, posicionados fora das rotas mais ativas, não expressaram, ao menos inicialmente, o fervoroso crescimento que se registrou próximo das obras oficiais. Em julho de 1957, alguns meses após formalizado o início da construção, 12.700 pessoas moravam nas terras da Capital, incluindo a população instalada nos povoados antigos. Em 1959, enquanto em Planaltina se mantinham cerca de 2.300 moradores e em Brazlândia apenas 365, Taguatinga, com apenas um ano de fundação, comportava 3.706 habitantes (GEIGER, 1963, p. 432).

2.2.2 Cidade provisória

2.2.2.1 As sedes

Em outubro de 1956 foi iniciada, e concluída no mesmo mês, a construção de uma presidencial provisória nos domínios da Fazenda do Gama, em sítio às margens da ligação com Luziânia. Foram levantados dois edifícios em madeira, ladeados por um campo de pouso, conjunto esse munido de geradores elétricos e de uma estação transmissora, através da qual se fez a primeira comunicação entre o sítio de Brasília e o Palácio do Catete, no Rio de Janeiro.

Em novembro do mesmo ano, depois de declarado o inicio oficial das obras, foi definida a localização de um novo complexo que, embora mantido às margens da mesma estrada de Luziânia, ficou mais próximo do centro urbano. No local foi construída uma sede provisória para a Novacap − que até aquele momento havia funcionado em pequeno escritório em Luziânia − contando com instalações administrativas, depósitos, alojamentos, residências de engenheiros, além de um

hospital (o Hospital Juscelino Kubitschek de Oliveira ou Hospital do IAPI) e de um grande restaurante (do Serviço de Alimentação da Previdência Social). Depois de desativado, o local, batizado inicialmente de Velhacap, deu origem à região atualmente conhecida por Candangolândia.

Nas proximidades deste complexo foi demarcada uma sede urbana popular, na margem oposta da mesma estrada, e também idealizada como temporária. A pequena urbe, que mantinha em seu traçado primitivo apenas uma avenida central, duas secundárias e algumas ruas transversais, tinha seus terrenos cedidos em sistema de comodato, sem escritura definitiva, prevendo-se que fossem devolvidos aos domínios da Novacap em fins de 1959. As atividades comerciais eram facilitadas pela isenção de tributos, condição essa que inspirou o nome pelo qual o assentamento ficou mais bem conhecido em seus primeiros dias: Cidade Livre. Mas sagrou-se mesmo como Núcleo Bandeirante, onde cerca de duas mil pessoas habitavam em julho de 1957 (GEIGER, 1963, p. 432).

Por fim, também como sedes provisórias, foram implantados acampamentos operários à parte dessas sedes, nas proximidades de canteiros de obras, para abrigar operários e comportar as atividades rotineiras. Além das estalagens para os trabalhadores, eram dotados de cantinas, postos de saúde e armazéns (RIBEIRO, 2008, p. 130), servidos por geradores de energia, reservatórios e redes de abastecimento. Embora provisórias, tais instalações não guardavam sinais de improviso, mantendo bom padrão construtivo, garantido pelo mesmo corpo técnico contratado pela Novacap para empreitadas mais nobres, e um arranjo urbanístico bastante regular, bastante vinculado ao propósito de se manter a vigilância e o controle sobre seus ocupantes. Dentre os criados ainda nos primeiros anos, estiveram os das obras da Barragem do Paranoá, da Barragem do Torto, do Centro de Transmissão de Contagem, do Aeroporto definitivo e das Granjas Modelo.

2.2.2.2

O destino da cidade provisória

Sob a perspectiva oficial, todas as sedes provisórias deveriam ser desativadas quando fossem esgotadas suas funções primordiais, o que deveria ocorrer, preferencialmente, na data da inauguração de Brasília. No entanto, ao contrário do almejado, a maior parte resistiu ao tempo, impulsionando, inclusive, processos de ocupação espontâneos.